A Crucificação Seu significado para os judeus, romanos e gregos Alderi Souza de Matos Introdução A cruz é o símbolo e o conteúdo principal da religião cristã e da civilização cristã (H. E. Dosker). Sua universalidade Suas profundas transformações Quadro de Grunewald, 1515-1516 Inicialmente, um símbolo de desprezo. Depois, adquire grande valor para a piedade, o culto e a teologia cristã. Um bom exemplo: a hinódia protestante. Outro exemplo: a história do Brasil. Primeira cruz: 1º de maio de 1500. Primeiros nomes do Brasil: - Ilha de Vera Cruz - Terra de Santa Cruz Origens “Cruz” vem do latim crux. Corresponde ao grego staurós (cruz) ou skólops (estaca, poste). O termo não ocorre no AT, mas é muito comum no NT. Originalmente, designava uma estaca vertical na qual um condenado era afixado. Num período remoto, os assírios usaram estacas para empalamento. A crucificação propriamente dita parece ter surgido entre os medos e persas (ver Ed 6.11). Passou depois aos fenícios, cartagineses, gregos e romanos. Empalamento pelos assírios Os romanos a utilizaram amplamente, em especial com objetivo dissuasório. Principais vítimas: escravos rebeldes e elementos sediciosos das províncias (nãocidadãos). Daí a cruz ser erigida em local público. Lignum infelix – “lenho infeliz” Quatro formas distintas Cruz imissa ou latina (†) Cruz comissa ou de S. Antônio (T) Cruz grega posterior (+) Cruz decussata ou de S. André (X) Crucificação romana A crucificação era conhecida dos gregos, romanos, egípcios, persas e babilônios. Alexandre, o Grande, executou dois mil cativos de Tiro dessa maneira. Os cidadãos romanos eram isentos desse suplício, considerado o modo de execução próprio de um escravo. Crimes previstos: traição, deserção, roubo, pirataria, assassinato, sedição, etc. Continuou até a época de Constantino, quando foi abolida. Para as classes superiores, era o servile supplicium (“punição dos escravos”). A aversão dos cidadãos romanos pela crucificação. Cícero: “Que o próprio nome da cruz esteja distante não somente do corpo de um cidadão romano, mas até mesmo de seus pensamentos”. A crucificação era precedida de flagelação (flagellum = açoite de couro). O condenado levava a sua própria cruz ou pelo menos a haste horizontal (patibulum). Pendurada ao seu pescoço havia uma placa que anunciava o crime. Depois de amarrado à cruz, era deixado para morrer de inanição. Quando era pregado à cruz, às vezes lhe davam uma bebida entorpecente. Um pequeno bloco de madeira (sedile) servia de apoio para o corpo ou os pés. Posição do crucificado O sofrimento era intenso, especialmente em climas quentes. Uma grave inflamação produzia febre traumática. Três agravantes: - exposição ao sol e aos insetos - posição retorcida do corpo - sede insuportável Os ferimentos produziam uma agonia “excruciante”. A mente ficava tomada de ansiedade e pavor. “A vítima da crucificação literalmente morria mil mortes” (Dosker). Podia ocorrer tétano e graves convulsões. A duração da agonia dependia da constituição da vítima e da intensidade dos açoites prévios. A morte raramente ocorria antes de 36 horas. A morte rápida de Jesus foi motivo de surpresa (Mc 15.44). Houve casos de crucificados que sobreviveram aos seus terríveis ferimentos. Às vezes a morte era acelerada quebrando-se as pernas das vítimas ou com um forte golpe abaixo da axila antes da crucificação. Exemplo de sedile Devido ao sofrimento e ignomínia dessa forma de execução, era considerada a penalidade suprema, “a mais miserável das mortes”. Era reservada para as classes inferiores e os crimes mais hediondos. O método de crucificação variava em diferentes partes do Império Romano. Escritores da época evitavam fornecer detalhes. Por muito tempo não se encontraram evidências materiais. Em 1968, uma equipe de arqueólogos descobriu o único esqueleto conhecido de um homem crucificado. Evidência de crucificação Práticas judaicas Não houve crucificação de criminosos na época do AT. As execuções eram por apedrejamento. Após serem apedrejados, os idólatras ou blasfemos deviam ser pendurados em uma árvore. Isso demonstrava que haviam sido amaldiçoados e servia de advertência (Dt 21.22s; Js 10.26). Esses corpos, sendo malditos (Gl 3.13), tinham de ser sepultados antes do anoitecer (ver Jo 19.31). Tal regra também era aplicada aos crucificados. Isso explica as referências à cruz de Cristo como um “madeiro” ou árvore (At 5.30; 10.39; 13.29; 1 Pe 2.24), um símbolo de humilhação. O uso excessivo dessa penalidade pelos romanos, como medida de pacificação da Judéia, tornou-a inaceitável para os judeus. Existem evidências de que foi usada em casos de alta traição no período helenístico-hasmoneu. Isso explicaria a crucificação de 800 fariseus na cidade rebelde de Betome, no ano 76 AC. A crucificação de Jesus O relato bíblico revela poucas divergências do procedimento usual. Só o procurador romano (Pilatos) tinha autoridade para impor tal sentença. As palavras contidas na placa (“O rei dos judeus”) apontam para o crime político de alta traição. Talvez por ter sido açoitado previamente, Jesus estava fraco demais para carregar a haste horizontal (Mc 15.15). A crucificação ocorreu fora da cidade, perto de um caminho (Mc 15.29). As roupas de Jesus foram retiradas (Mc 15.24) e ele teve as mãos e os pés pregados na cruz (Lc 24.39). Segundo o costume judaico, foi-lhe oferecido um sedativo para atenuar a dor (Mc 15.23). A morte ocorreu de modo um tanto rápido, depois de apenas seis horas. O corpo de Jesus não foi deixado na cruz (Mc 15.42-46), de acordo com a ordem de Deuteronômio 21.23. “Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos aos pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas fostes sarados” (1 Pe 2.24). “Àquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6.14).