Projeto Terapêutico individual (singular) Necessária disponibilidade para relações humanas 1 Projeto Terapêutico individual Necessária disponibilidade para relações humanas “ Eu sempre sonho que uma coisa gera, nunca nada está morto. O que parece morto, aduba. O que parece estático, espera.” Adélia Prado, 1991 2 PTI • Objetivo: particularizar a atenção oferecida para os pacientes, em contraponto à coletivização, baseada em médias epidemiológicas, mas cega às especificidades dos casos (Furtado, 2001) • A coletivização faz com que a rotina dos pacientes seja massificada. Eles se tornam alienado de sua própria vida (Furtado, 2001) 3 PTI • Objetivo: Acompanhar um paciente num percurso de diminuição do sofrimento, resgate de laços com a vida, aumento da capacidade de se cuidar e de gerir a vida. • Percurso peculiar, necessariamente dependente da singularidade do paciente e do seu entorno (família, condições sócioeconômicas, sustentação cultural). 4 Por que particularizar? • Serviços que estruturam seu trabalho a partir de atenção coletivizada têm mostrado que, na prática, alguns pacientes (aqueles que demandam mais insistentemente, ou que apresentam intercorrências) recebem muita atenção, enquanto que outros ficam esquecidos. (Furtado, 2001) • Corre-se o risco de oferecer demais para alguns e de menos para outros, pois as necessidades singulares não são consideradas. 5 Por que particularizar? • Atenção coletivizada contribui para a cronificação tanto dos pacientes quanto dos profissionais (Furtado, 2001). • Trabalha-se com o mesmo, o conhecido e previsível. • Quando se trabalha com os coletivos, naturalmente os trabalhadores voltam seu olhar para aqueles pacientes com maior potencial de reabilitação, aqueles que provam a validade do seu trabalho. Pacientes mais graves, que requerem maiores investimentos, acabam por receber menos atenção (Furtado, 2001) 6 PTI • DISPOSITIVO: passível de avaliação constante, discussão e mudanças • Instrumento de mudança. Não é protocolo • Efeitos na clínica e no modo de funcionamento da instituição 7 PTI: Definição • Indivíduo: “(...) organismo único, distinguível dos demais do grupo (...)”; “(...) ser pertencente à espécie humana, homem(...)”; “(...)ser humano considerado isoladamente na coletividade, na comunidade de que faz parte.” 8 PTI: Definição • Individual: “(...) relativo ou próprio do indivíduo(...)” “(...) relativo ou próprio para apenas um ser (...)”. • Com e pelas divisões subjetivas se distingue de todo o resto da humanidade. • Singular: único, ímpar, próprio 9 PTI: Definição • Terapêutico: “ (...) relativo a terapêutica (...)’, “(...) que tem propriedades medicinais ou curativas (...)”, “(...) que se refere ao cuidado e tratamento de doenças(...)”. • Admite uma doença a ser tratada, mas: não é um conjunto de ações que proponham um resultado específico e sim, um imprevisível e nunca antes experimentado modo de relação com alguém com quem teremos que construir algo, ao sabor do desconhecido. 10 PTI: Definição • Tratamento: “ (...) haver-se com, negociar, ocupar-se de (...)”. • Necessidade de Relação Humana, com todos os sinais de humanidade, inclusive os mais assustadores. • Profissional terá que se “haver com”, se ocupar do paciente – envolvimento e mudança subjetiva de todos os atores. 11 PTI: Definição • Projeto: “(...)idéia, desejo, intenção de fazer ou realizar (...)” • Desejo de relação, cujo percurso carrega mistérios • Terapeuta “deseja” o paciente, mas permite que ele nasça 12 PTI – como operacionalizar • Clínica Ampliada: combinação de procedimentos padronizados e conhecimentos dos núcleos de saber com encontros singulares, no campo das relações humanas. (Campos, 2000) • Requer o campo interdisciplinar para que as necessidades contraditórias e os desencontros emocionais tenham seu lugar, não sendo despejados pelo olhar especializado de uma disciplina. 13 PTI: exigências para sua operacionalização • Disponibilidade para o contato com as diferenças, estranhezas, contradições. • Disponibilidade para emocionar-se, rever-se, sofrer transformações subjetivas. • Disponibilidade para o contato com o “por vir”. • Espaço pessoal e institucional para reconhecimento da subjetividade do trabalhador e do seu modo específico de receber e acolher. 14 PTI: exigências para sua operacionalização • Tratar com e não pelo ou para. • Tratar com o território, ou seja, de modo articulado às organizações sociais e culturais que envolvem o sujeito. • Investigação e conhecimento das capacidades do paciente e seu entorno. • Pessoas têm recursos para lidar com a adversidade que nossos padrões morais, culturais e técnicos não só desconhecem, como também apresentam dificuldade de compreensão. (Onocko Campos et al., 2008) 15 PTI: exigências para sua operacionalização • Com que concepção de saúde trabalhamos? Saúde não é o positivo da doença, mas capacidade vital de lidar com as adversidades do corpo e da vida, de modo pessoal. Nossa função não é batalhar por um ideal de ausência de sofrimento, mas acompanhar as pessoas nas suas batalhas pela vida (Dias, 2004, ao estudar a teoria Winnicottiana). Nossos recursos técnicos são bagagens que levamos nesse acompanhamento e utilizamos na medida da necessidade e da disponibilidade do paciente. 16 PTI: operacionalização • Equipe deve ir ao território e criar encontros com os usuários, de modo que possa reconhecer os elementos sócio-culturais e econômicos que regulam o modo das pessoas ali se relacionarem e se organizarem (Oliveira, 2008) Território: campo de abrangência do serviço, lugar de vida e de relações sociais do usuário, lugar de recursos (...) (Leal & Delgado, 2007) • Co-produção de problematizações (Oliveira, 2008) 17 PTI: operacionalização • Projetos a serem formulados com o paciente e sua família, ou demais atores que participam da vida cotidiana dele. • Projetos devem ser avaliados e repensados constantemente. • Projetos co-construídos (e não apenas “discutidos”) profissionais seguem os sinais que os pacientes lhe dão e vão construindo um projeto a partir desses sinais e da composição das diferentes formas de percebê-los (Viganò,1999). 18 PTI: operacionalização • Habitar a própria “casa”. • Cuidado em “bater na porta”. • Família precisa de ajuda para (re)conhecer a humanidade do “doente”. • Tratamento para familiar deve ser singularizado. 19 PTI: operacionalização Responsabilização Vínculo Compreensão das necessidades globais e singulares de cada paciente, ou grupo de pacientes Relação interpessoal intensa e singular (Furtado e Miranda, 2006) 21 “alguém, seja um psiquiatra, seja um psicólogo, seja... um psicoterapêuta [...] alguém que pudesse me ajudar [...], com quem eu pudesse falar dos meus problemas, que me ajudasse a [...] resolvê-los juntos. Acho que eu preciso disso[...] aqui é disperso, eu vejo muitas pessoas. Mas[...] não há ninguém com quem eu possa falar de todos os meus problemas. [...] que ele não seja especializado em um único assunto, para que eu pudesse falar não somente daquele assunto.” (Del Barrio; Corin; Poirel; Drolet, 2004) 22 Profissionais e Equipes de Referência • Cada profissional da equipe é referência de um certo número de pacientes, responsabilizando-se pela elaboração e avaliação de um projeto terapêutico com objetivos que, elaborados conjuntamente, devem ser perseguidos a contento. (Furtado, 2001) • Profissional ou equipe de referência, por meio de um plano compartilhado, toma para si os encargos do acompanhamento do paciente em suas diferentes facetas, como os âmbitos sociais, familiares, políticos, psíquicos, entre outros. Acompanhamento a ser feito junto com o paciente e demais atores que lhe são importantes. 23 Profissionais e Equipes de Referência • Arranjo baseado na formação de vínculo entre usuário e trabalhador. Permite a coconstrução do tratamento e a coresponsabilização (Campos, 1998). 24 Profissionais de referência: algumas construções a partir do campo pesquisado Confiabilidade Freqüência e constância do acompanhamento Mediação da vida cotidiana Percepção de estados íntimos Gestão do acompanhamento das vivências de crise Tensão: Cuidado X Controle X Coresponsabilizaçao 25 Profissionais de referência: algumas construções a partir do campo pesquisado “No momento que quero desabafar, não consigo falar. No meu caso, tem que haver uma pessoa constante. Se a pessoa muda, já não consigo falar. Quando estou em crise, não tenho paciência de falar as coisas. Fujo do problema”. (Miranda, 2009) 26 Diálogos entre reflexões teóricas e o dados empíricos • Posicionamento paradoxal: estar presente e ausentarse. • Jogo de comunicação e reserva • Presença implicada e reservada (Figueiredo, 2008). • Reserva como descrição e como alimento. • Fontes de reserva: Equipe de referência, Supervisão, Psicanálise Pessoal, Teoria e experiência clínica. 27 Equipes de Referência • “(...) composta por um conjunto de profissionais considerados essenciais para a condução de problemas de saúde, dentro de um certo campo de conhecimento. (...)buscando atingir objetivos comuns e sendo responsáveis pela realização de um conjunto de tarefas, ainda que operando com diversos modos de intervenção. O máximo de poder delegado à equipe interdisciplinar.” Campos e Domiti,2005. 28 Equipes de Referência • Interprofissionalidade: diferentes núcleos de formação que se encontram através da construção dos casos. • União de diferentes pessoas, núcleos e características pessoais trabalhando juntas regularmente; • Acompanhamento do paciente e algumas ações como tarefas concretas; • Criação de um ambiente de vínculos e relações profissionais. 29 Equipes de Referência • A constância dos encontros e a produção de trabalho conjunto (acompanhamento do paciente, enfrentamento de desafios) desenvolve um ambiente em que as diferenças entre núcleos e posições éticopolíticas podem aparecer, se contrapor, tencionar e construir, alargando o campo. 30 Equipes de Referência • Criação de redes dentro e fora da equipe – Projetos terapêuticos devem ser construídos a partir de uma articulação com o social (Leal e Delgado, 2007) Rede: articulação viva entre as instituições. Possibilidades de encontros permanentes entre os vários atores que ocupam as cenas da vida dos usuários (Leal e Delgado, 2007). 31 Equipes de referência: instrumentos para fazê-la funcionar • Reunião de Equipe de Referência, com construção de caso. • Grupo de Equipe de Referência • Atendimentos e grupos em que membros da equipe trabalham em parcerias, reconhecem afinidades e lhes oferecem lugar de existência. 32 Referência Bibliográfica • Campos GWS. O Anti-Taylor: sobre a invenção de um Método para co-gevernar instituições de saúe produzindo liberdade e compromisso. Cadernos de Saúde Pública. 1998; (14)4: 863-870. • Campos GWS, Domitti, AC. Apoio Matricial e Equipe de Referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde Pública. 2007b, 23(2): 399-407. • Campos GWS. Um método para análise e co-gestão de coletivos. São Paulo: Editora Hucitec ltda.; 2000. 34 Referências bibliográficas • Del Barrio LR, Corin E, Poirel M-L, Drolet M. Avaliação qualitativa de serviços em saúde mental a partir das perspectivas de usuários e profissionais. Negociação, cidadania e qualidade dos serviços. In: Bosi MLM. Mercado-Martinez F. Pesquisa qualitativa de serviços de saúde. Petrópolis (RJ): Vozes; 2004. p.401-49. • Dias EO. A teoria do amadurecimento de D.W.Winnicott. Rio de Janeiro: Imago; 2003. • Figueiredo LCM. Presença, implicação e reserva. In: Figueiredo LCM. Coelho Jr. NE. Ética e técnica em psicanálise. 2ª. ed. ampliada. São Paulo: Escuta; 2008a. p. 13-54. 35 Referências Bibliográficas • Furtado JP. Responsabilização e vínculo no tratamento de pacientes cronificados: da unidade de reabilitação de moradores ao Caps Estação. In: Harari A, Valentini W (orgs). A reforma psiquiátrica no cotidiano. São Paulo: Hucitec; 1991. • Furtado JP. Equipes de referência: arranjo institucional para potencializar a colaboração entre disciplinas e profissões. Interface – Comunic, Saúde, Educ. 2007; 11(22): 239-55. • Leal. E.M. Delgado. P.G.G. Clínica e cotidiano: o Caps como dispositivo de desinstitucionalização. In:Pinheiro, R. (org). Desinstitucionalização da saúde mental: contribuições para estudos avaliativos. Rio de Janeior: CEPESC:IMS/LAPPIS:ABRASCO, 2007. 36 Referências Bibliográficas • Furtado JP, Miranda L. O “dispositivo técnico de referência” nos equipamentos substitutivos de saúde mental e o uso da psicanálise winnicottiana. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. 2006; 09(2):508-25. • Miranda, L. Transitando entre o coletivo e individual. Reflexões sobre o trabalho de referência junto a pacientes psicóticos. [Tese de doutorado]. Campinas. Unicamp,20008. • Oliveria, GN. O projeto terapêutico singular. In: Campos, GWS. Guerrero, AVP. Manual de práticas de Atenção Básica. Saúde Ampliada e compartilhada. São Paulo: Editora Hucitec, 2008. p.283-97. 37 Referências Bibliográficas • Onocko Campos R. Massuda A., Valle I., Castaño G., Pellegrini O. et al. Salud Colectiva y psicoanálisis: entrecruzando conceptos en busca de políticas públicas potentes. Salud Colectiva 2008a. 4(2): 173185. • Viganò C. A construção do caso clínico em saúde mental. Curinga. Psicanálise e Saúde Mental 1999; 13(1): 50-59. 38