Parecer da Federação Nacional de Mediação de Conflitos
sobre a Portaria que aprova o regime jurídico de certificação de entidades
formadoras, regulamentando o disposto no artigo 24.º da nova Lei da Mediação
(Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril).
I
Objectivo e questões suscitadas pelo projecto de portaria
O projecto de portaria visa regulamentar a certificação de entidades formadoras
de mediadores de conflitos.
A Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril, veio estabelecer:
a) Os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal;
b) O regime jurídico da mediação civil e comercial;
c) O regime jurídico dos mediadores;
d) O regime jurídico dos sistemas públicos de mediação.
O projecto de portaria, ora em análise, visa assim regulamentar a certificação de
entidades formadoras de mediadores de conflitos, em execução do disposto no n.º 2 do
mencionado art. 24.º da Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril, ao contrário do anteriormente
previsto na Portaria n.º 237/2010 de 29 de Abril, que reconhece cursos. Enquanto
Federação que congrega a maioria das associações de mediadores de conflitos
responsáveis pela formação dos actuais mediadores de conflitos com prática profissional
nas instituições públicas e privadas, entendemos que tal regime cumpria com as
necessidades da altura, porém revelou na sua aplicação alguns problemas que não
tiveram resposta.
Embora o anterior regime se referisse ao reconhecimento individual de cursos, o novo
regime ora proposto transcreve o que eram normas relativas aos requisitos necessários
para a qualificação de cada um dos cursos, tornando-as normas gerais à entidade
promotora do curso, pois o reconhecimento sucessivo de cursos à mesma entidade
deveria conferir-lhe uma certificação com garantia de qualidade da formação prestada.
Não encontramos, desta forma, o motivo ou motivos subjacentes à alteração proposta e,
consequentemente, à revogação da Portaria nº 237/2010, de 29 de Abril.
Por outro lado, entendemos que os critérios de certificação propostos levantam questões
relativamente ao objectivo principal da certificação de entidades, porquanto parece-nos
ir além da avaliação e fiscalização da sua competência e qualidade como entidades
formadoras de mediadores de conflitos, cuja actividade não se limita apenas àquela
função.
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Ainda assim, perante a oportunidade de nos pronunciarmos sobre a presente proposta de
Portaria e na perspectiva da melhor colaboração, somos do parecer apresentar as
seguintes reflexões e propostas de alteração:
- Relativamente à responsabilidade contraordenacional e criminal das entidades
formadoras, prevista no artigo 5.º, nº 2 do presente projecto, devem ser estas
especificadas, sob pena de qualquer conduta que caiba nestes conceitos gerais e que
nada tenha que ver com o exercício da formação na área da mediação de conflitos e, o
cumprimento dos requisitos impostos para esse exercicio, poder ser impeditiva de
qualificação e certificação para ministrar formação, sendo certo que as condutas
criminais e contraordenacionais relativamente ao cumprimento de obrigações fiscais e
de segurança social já serem, de alguma forma, prevenidas pela exigência das certidões
comprovativas do cumprimento dessas obrigações.
- Quanto ao artigo 6.º n.º 2, uma vez que remete para o Anexo I, Referencial de
qualidade da certificação de entidade formadora, I - Requisitos e estrutura e
organização interna, no seu ponto1 - Recursos humanos, proémio, sugerimos que se
adopte a seguinte redacção: A entidade deve assegurar a existência de recursos humanos
em número e com competências adequadas às actividades formativas a desenvolver,
independentemente do tipo de vínculo contratual com a entidade.
No que respeita ao elenco de formadores previsto nas alíneas a) a d) sugerimos uma
alínea c) que preveja expressamente “O gestor de formação e o coordenador
pedagógico podem desempenhar, cumulativamente, funções de formadores ou
mediadores previstos nas alíneas seguintes, desde que assegurados os graus
académicos e a experiência aí requeridas.”
A alínea c) passaria a d)
A alínea d) passaria a e)
A alínea e) passaria a f) com a seguinte redacção “Colaborador qualificado ou recurso a
prestação de serviço para assegurar a contabilidade organizada segundo o POC
aplicável, nas entidades em que tal é exigido por lei.
Sugerimos, ainda uma alínea h) prevendo “São aplicáveis aos gestores, coordenadores
e formadores as exigências previstas no n.º 2 do art.º 5 da presente Portaria”.
- Quanto ao n.º 3 do art.º 6.º, compreendemos e aceitamos que é exigivel que o Estado
enquanto entidade certificadora de cursos de mediação de conflitos entenda que deve
impôr determinados conteúdos a integrarem os referidos cursos. No entanto,
consideramos ser importante, sem prejuízo da fiscalização da sua qualidade, deixar
alguma liberdade pedagógica técnica e teórica às entidades formadoras de modo a
permitir a evolução da formação de mediadores, a aplicação de diferentes modelos de
mediação, e a diferenciação entre a oferta formativa. Parece-nos que o referido artigo ao
remeter para a possibilidade da DGPJ formular diferentes critérios e requisitos a serem
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publicados no seu sítio da internet abre a porta à arbitrariedade na imposição de novas
regras, violando o direito à certeza e segurança jurídica e as legítimas expectativas das
entidades formadoras. Caso se considere necessário a produção de tais requisitos
relativos a conteúdos dos cursos de mediação, devem então ser obrigatoriamente
ouvidas as entidades formadoras e as entidades representativas dos mediadores,
nomeadamente a FNMC, que integra as duas vertentes.
O artigo 10º, n.º 3 contém algumas alíneas que devem ser ponderadas, tendo em conta
de que é da responsabilidade das entidades formadoras gerir a sua própria actividade,
sem ingerência da administração pública. Gostariamos de ver clarificada a exigência de
um relatório que tenha que ver apenas com a actividade relativa aos cursos de mediação
de conflitos, e não a elementos que sejam da actividade interna das entidades,
nomeadamente a sua reserva de propriedade intelectual. De qualquer forma, quanto ao
que à portaria diz respeito, será útil à DGPJ ter conhecimento e, eventualmente,
pronunciar-se sobre os resultados dos cursos ministrados, em termos de avaliação dos
formadores, da formação e dos formandos.
Também de referir que as entidades formadoras não devem estar sujeitas à
discricionariedade de mais critérios que não estejam previstos em legislação, por tal
facto somos de parecer que a alínea i) deva ser retirada.
Por estas razões sugerimos a seguinte redacção:
3 - As entidades formadoras certificadas devem apresentar à DGPJ, até ao dia 30 de
Abril, relatório relativo aos cursos de mediação de conflitos ministrados no ano civil
anterior, que contenha:
a) Avaliação do cumprimento dos objectivos e resultados planeados para a formação;
b) Resultados de avaliação do grau de satisfação dos formandos, bem como de
coordenadores, formadores e outros colaboradores;
c) Resultados relativos à participação e conclusão das ações de formação, desistências
e aproveitamento dos formandos;
d) Resultados de avaliação do desempenho de coordenadores, formadores e outros
colaboradores;
O artigo 10.º, n.º 4 pode colocar um problema de violação de dados confidenciais
protegidos, ou passíveis de protecção, relativamente aos formandos, bem como ferir
práticas concorrenciais relativamente às entidades formadoras, porque expõe
potencialmente modos de actuação específicos de cada entidade - uma reserva legítima
em qualquer mercado livre. O relatório pode ser enviado para a DGPJ, sem necessidade
de publicação. O que é relevante é assegurar que exista uma comunicação efectiva dos
resultados da formação à DGPJ, e um processo interno que a conforme.
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Quanto ao artigo 11º, n.º 2 sugerimos que a taxa seja reportada apenas a actos de
fiscalização efectiva, e não mero acompanhamento. Na verdade, é de elementar justiça
que só se torne necessário pagar uma taxa caso a DGPJ considere haver indícios para
uma efectiva fiscalização da entidade. Sendo o envio de relatório obrigatório, manifestase desproporcional a aplicação de uma taxa pelo acto de envio.
Quanto ao montante das taxas, ele deverá ser único e fixo para qualquer um dos
procedimentos.
Por estas razões sugerimos a seguinte redacção:
Caso haja necessidade de fiscalização da entidade formadora após o envio do relatório
previsto no nº 3 do artigo anterior, é devido o pagamento de uma taxa paga no
momento da recepção da notificação, por contacto pessoal ou por carta registada, da
intenção da DGPJ de iniciar procedimento de fiscalização, cujo montante é fixado por
despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas de justiça e das finanças.
A redacção do Anexo I - Referencial de qualidade da certificação de entidade
formadora merece ainda algumas considerações, para além das anteriormente
sugeridas.
Sendo relativamente claro que a planificação e gestão da actividade formativa, e a
apresentação de um dossier técnico-pedagógico proporciona uma perspectiva
relativamente transparente do ponto de vista de validação e certificação de processos
administrativos, a redacção de alguns pontos levanta questões epistemológicas.
Referimo-nos em particular às alíneas a), b) e e) do ponto II, e a relação destes
conteúdos com os requisitos de resultados descritos parcamente no ponto III. A questão
fundamental prende-se com a ausência de um processo de verificação da adequabilidade
dos conteúdos e métodos formativos para obtenção de competências (o saber-fazer)
pelos formandos para a prática profissional nos diversos contextos da mediação de
conflitos.
Se o Anexo I remete genericamente para a qualidade da certificação, não deverá ser
escotomizada a questão da qualidade dos conteúdos e relativo consenso
científico/profissional na sua relação quanto às competências que um mediador deve
adquirir, quer a nível de intervenção profissional básica, quer ao nível de especialização
necessária para cada contexto específico de intervenção. A indicação de um
determinado número de horas para conteúdos gerais ou específicos - alíneas a) e b) do
ponto II - pressupõe um conjunto de premissas que carecem de justificação científica e
da práxis de mediadores e formadores experientes.
No que nos parece uma transcrição coartada de alguns artigos da Portaria 237/2010 a ser
revogada, a descrição dos conteúdos programáticos gerais e específicos está omissa
neste projecto de portaria, quando anteriormente estava descrita a sua divisão e
respectivos conteúdos, apesar de uma forma genérica. Se uma das potenciais soluções
para este vazio de conteúdos poderia passar pela integração das redacções anteriores dos
anexos à Portaria 237/2010, a mesma afigura-se redutora e insuficiente para responder
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ao potencial evolutivo da Mediação de Conflitos como uma área de conhecimento e
ferramenta de intervenção crescente em diferentes contextos. Uma solução mais
adequada seria a consideração de um processo de aferição da qualidade e
adequabilidade dos conteúdos formativos por uma entidade externa à DGPJ, por forma
a preservar a autonomia científica e autoregulação dos profissionais de mediação de
conflitos.
A FNMC constitui-se presentemente como a única instituição nacional que congrega a
maioria das associações de mediadores responsáveis pela formação dos actuais
mediadores com prática profissional nas instituições públicas e privadas. Compreende
pela via da sua constituição estatutária, um Conselho de Fundadores e uma Comissão de
Boas Práticas, cuja missão principal é a definição das matérias e critérios relevantes,
desde a actividade formativa à prática profissional dos mediadores. Uma das suas
presentes missões é a estruturação de um grupo de trabalho para a definição de
competências dos mediadores para cada área de intervenção, que permita inclusive um
processo de reconhecimento de formação de mediadores obtida no estrangeiro, para o
exercício da sua prática em Portugal, tal como previsto no nº 6 do artigo 24.º da Lei n.º
29/2013, de 19 de Abril.
Face aos considerandos supracitados, propomos a integração do seguinte ponto
adicional ao Anexo I:
IV - Aferição da qualidade científica e pedagógica de conteúdos formativos
Os pontos II a), b), e) e III deverão considerar na sua elaboração as linhas
orientadoras para a prática formativa emitidas pela Federação Nacional de Mediação
de Conflitos.
II
Conclusão
Pelos motivos anteriormente elencados e sendo certo, salvo melhor opinião, que a
Portaria n.º 237/2010 de 29 de Abril satisfazia as necessidades legislativas nesta
matéria, a Federação Nacional de Mediação de Conflitos, atenta a oportunidade dada
para apresentar o seu parecer face ao novo diploma em elaboração, considera que o
mesmo deverá reflectir as sugestões ora apresentadas, na perspectiva da consolidação da
qualidade formativa dos mediadores de conflitos.
Oeiras, 27 de Setembro de 2013
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PARECER nº1/2013 - Federação Nacional de Mediação de Conflitos