EDITORIAL EDITORIAL Desde suas origens, após o marco que representou a Carta de Otawa, as ações de saúde pautadas pela promoção à saúde se equilibram entre atualizar o discurso biomédico e reivindicar novas referências que coloquem em questão as formas de produzir conhecimento e poder que atravessam as sociedades. No ensaio Por uma epistemologia emancipatória da promoção da saúde, de Jairo Dias de Freitas e Marcelo Firpo Porto, que abre o fascículo número 2 do volume 9 da Trabalho, Educação e Saúde, as concepções teóricas propostas por Boaventura de Sousa Santos são articuladas ao pensamento de Paulo Freire para apontar possibilidades, de um ponto de vista crítico, da abordagem das realidades locais, mantendo a filiação à perspectiva freiriana de aliar a esperança à ação emancipatória. Com esse mesmo horizonte – o da educação emancipatória em sua articulação com a saúde –, Elisangela Pinafo et al. trazem, no artigo Relações entre concepções e práticas de educação em saúde na visão de uma equipe de Saúde da Família, os resultados de uma pesquisa que tem como indagação o modo como se articulam concepções e práticas de educação na Atenção Primária em Saúde. Os resultados mostram a incorporação de um discurso sobre a valorização do conhecimento dos usuários, ao mesmo tempo em que apontam para práticas que conservam características de uma mediação convencedora, que se estrutura com base na hierarquização dos saberes. No segundo artigo é posta em análise uma experiência de formação de profissionais da saúde que tem como eixo conceitos do pensamento de Paulo Freire, que estruturam a educação popular, tais como o dialogismo, a esperança e a conscientização. Assim, o estudo de Juliana Acosta Santorum e Maria Elizabeth Cestari, A educação popular na práxis da formação para o SUS, traz resultados cuja conclusão apoia a afirmativa dos autores de que a educação popular contribui para recuperar a politicidade da formação em saúde, elemento necessário à construção de um SUS efetivamente capaz de interferir na qualidade de vida da população. A relação entre atuação no SUS e saúde mental é discutida, em dois textos, com objetos bastante distintos. O primeiro, de autoria de Lidiany Alexandre Azevedo, Daniely Ildegardes Brito Tatmatsu e Pedro Henrique Rocha Ribeiro, intitulado Formação em psicologia e a apropriação do enfoque da Atenção Primária à Saúde em Fortaleza, Ceará, a partir de uma investigação no campo da educação, formula uma crítica sobre o descompasso entre as necessidades do sistema de saúde e a prática liberal ainda hegemônica nos cursos de psicologia. O artigo Características do cuidado em saúde mental em um CAPS na perspectiva dos profissionais, de Fernanda Barreto Mielke et al., propõe uma avaliação do cuidado com base em uma metodologia qualitativa e no diálogo com os cuidadores. Dentre os vários temas, destacamos o questionamento sobre o papel do centro de atenção psicossocial (CAPS) e os processos, velados, de reinstitucionalização dos pacientes. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 9 n. 2 p. 175-178, jul./out.2011 175 176 Editorial Pensar sobre a juventude e sobre a saúde, tendo como eixo o trabalho, foram os propósitos dos dois textos que encerram a seção de artigos. De autoria de Sheila Aparecida Ferreira Lachtim e Cássia Baldini Soares, Valores atribuídos ao trabalho e expectativa de futuro: como os jovens se posicionam?, os resultados da pesquisa reforçam o lugar de valorização que o trabalho tem para os jovens. Quanto à finalidade do trabalho, alguns entrevistados o compreendem como garantia das formas básicas de sobrevivência, e outros como meio para a realização pessoal e amadurecimento, sendo essa significação diferente quanto às formas de inserção social, em termos de classe, dos jovens, sujeitos da pesquisa. O artigo de Cássia Beatriz Batista et al., Violência no trabalho em saúde: análise em unidades básicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, parte de um interessante diagnóstico: a violência nos serviços de saúde produz um ciclo vicioso. Encontra-se na base de processos de afastamento de trabalhadores das unidades e, portanto, da criação de obstáculos de acesso ao cuidado, e reflete, dentre outros fatores, a insatisfação do usuário com a qualidade dos serviços, que tem no acesso um dos seus componentes mais importantes. Mediante essa identificação e com base nos resultados da pesquisa, os autores indicam caminhos para enfrentar o problema, dentre os quais o fortalecimento das práticas de humanização em saúde e a política de educação permanente. Uma experiência de formação de trabalhadores do SUS, desenvolvida na Paraíba, é revisitada por atores socais que estiveram à frente de sua implementação no relato Uso de metodologias ativas na formação técnica do agente comunitário de saúde, de Ivanilda Lacerda Pedrosa et. al. A leitura do texto permite identificar questões que têm perpassado os debates sobre a formação técnica do agente comunitário de saúde e acompanhar o empenho político pedagógico para efetivar dispositivos operacionais que possibilitaram articular prática e teoria, ensino e atuação, trabalho e ensino. Na entrevista deste número, o professor José Paulo Netto discorre sobre as possibilidades de construção de um conhecimento verdadeiro, que supere a segmentação. O tema principal é a concepção dialética como fundamento para a pesquisa. Trabalho, Educação e Saúde conta ainda com duas resenhas. Aidecivaldo Fernandes de Jesus traz reflexões sobre a obra de Solange L’Abbate, Direito à saúde: discursos e práticas na construção do SUS, enquanto Rafaela Teixeira Zorzanelli analisa O corpo incerto: corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea, de autoria de Francisco Ortega. Angélica Ferreira Fonseca Carla Macedo Martins Isabel Brasil Pereira Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 9 n. 2 p. 175-178, jul./out.2011 Editorial Since its inception, after the milestone represented by the Ottawa Charter, health actions guided by the promotion of health balance between updating the biomedical discourse and claiming new benchmarks, which cast questions on the ways knowledge is produced and the power that criss-crosses societies. In Jairo Dias de Freitas and Marcelo Firpo Porto's essay titled For an emancipatory epistemology of health promotion, which opens issue No. 2 of volume 9 of Trabalho, Educação e Saúde, the theoretical concepts proposed by Boaventura de Sousa Santos are linked to Paulo Freire's line of thought seeking to point to possibilities, from a critical viewpoint, of approaching local realities by means of the Freire perspective of combining hope with emancipatory action. Under this very horizon – of emancipatory education and its connection with health –, Elisangela Pinafo et al. discuss, in Relationships between educational conceptions and practices in health in the view on a Family Health team, the results of a survey that seeks to determine how Primary Health Care education concepts and practices coordinate with each other. The results reveal the incorporation of a discourse on valuing the users' knowledge while pointing to practices that conserve characteristics of a convincing mediation that is based on the hierarchical structure of knowledge. The second article analyzes an experience that involved training health professionals based on the conceptual axis of Paulo Freire's line of thought, which underpins popular education, such as dialogue, hope and awareness. Thus, Juliana Acosta Santorum and Mary Elizabeth Cestari's study titled Popular education in the practice of training for SUS attained results that support the authors' claim that popular education helps recover the political nature of training in health, an element that is required to build a SUS that is effectively able interfere with quality of life. The relationship between performance in SUS and mental health is discussed in two articles, which have very different objects. The first, by Lidiany Alexandre Azevedo, Daniely Ildegardes Brito Tatmatsu and Pedro Henrique Rocha Ribeiro, titled Training in psychology and the appropriation of the focus on Primary Health Care in Fortaleza, Ceará and based on an investigation carried out in the field of education, formulates a critique on the gap there is between the health system's needs and the liberal practice, which is still hegemonic in psychology courses. Characteristics of mental health care in a CAPS from the perspective of the professionals, by Fernanda Barreto Mielke et al., proposes an assessment of care based on a qualitative methodology and on dialogue with caregivers. Among the various topics, we highlight questions about the role played by the psychosocial care center (CAPS) and the veiled patient reinstitutionalization processes. Thinking about youth and health based on work was the goal of the two articles that close the articles section. Authored by Sheila Aparecida Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 9 n. 2 p. 175-178, jul./out.2011 177 178 Editorial Ferreira Lachtim and Cássia Baldini Soares, Values attributed to work and expectations for the future: how young people position themselves? underpins the importance of work for young people. With regard to the purpose of work, some respondents see it as a guarantee for the basic forms of survival, while others as a means to personal fulfillment and maturing, a meaning that differs insofar as the modes of social integration in terms of class, young people, and research subjects are concerned. Cássia Beatriz Batista et al.'s Violence in health work: analysis of basic health units in Belo Horizonte, Minas Gerais is based on an interesting diagnosis: violence in health care produces a vicious cycle. It is at the base of the process of pushing workers away from units and, thus, creating barriers to access to care, and reflects, among other factors, on the users' dissatisfaction with the quality of services, which has in access one of its most important components. Through this identification, and based on the results of research that was carried out, the authors suggest ways to address the issue, among which strengthening the health care humanization process and the continuing education policy. A SUS worker training experience, conducted in Paraíba, is revisited by social actors who lead its implementation in the account titled Use of active methods in the technical training of community health agents, by Ivanilda Lacerda Pedrosa et. al. Reading the text allows one to single out issues that have permeated the discussions on the technical training of community health agents and to learn about the political and educational commitment required to institute operating devices that allowed practice and theory, teaching and action, and working and teaching to be blended. In this issue's interview, Professor José Paulo Netto discusses the possibilities of building true knowledge, one that overcomes segmentation. The main theme is the dialectic conception as the basis for research. Trabalho, Educação e Saúde also features two reviews. Aidecivaldo Fernandes de Jesus reflects on Solange L’Abbate's Direito à saúde: discursos e práticas na construção do SUS (Right to health: discourses and practices in building SUS), while Rafaela Teixeira Zorzanelli analyzes Francisco Ortega's O corpo incerto: corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea (Uncertain body: Corporeity, medical technologies and contemporaneous culture). Angélica Ferreira Fonseca Carla Macedo Martins Isabel Brasil Pereira Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 9 n. 2 p. 175-178, jul./out.2011