A QUESTÃO DA VERDADE EM MARTIN HEIDEGGER
Fabio Augusto do Império
Orientador: Prof. Dr. Eder Soares Santos
RESUMO
Tendo por base as obras Ser e Tempo e Parmênides de Martin Heidegger, este
trabalho tem como objetivo principal apresentar alguns aspectos acerca do
problema da verdade na filosofia de Martin Heidegger. O objetivo é mostrar
como Heidegger compreende a questão da verdade fundamentando-se numa
referência a Parmênides. O referencial em relação a Parmênides é necessário,
pois segundo Heidegger, Parmênides pensou o verdadeiro em sua essência.
Desta forma Heidegger retoma o sentido originário da questão da verdade que
se difere do sentido atribuído pela tradição filosófica. O caminho proposto para
o entendimento desta questão parte da análise do conceito tradicional de
verdade e como vem sendo tratado ao longo da história. Em seguida veremos
especificamente o parágrafo 44 de Ser e Tempo que é intitulado por Dasein,
abertura e verdade, neste parágrafo Heidegger argumenta sobre como a
filosofia correlacionou verdade e ser, e logo no inicio já cita Parmênides como
um dos primeiros pensadores a identificar o ser dos entes. Heidegger
apresenta três teses a respeito do que se entende tradicionalmente por
verdade e percebe que a caracterização da verdade como concordância é
certamente vazia. A verdade na concepção de Heidegger será o desvelamento.
Palavras chave: verdade, desvelamento, ser
510
A QUESTÃO DA VERDADE EM MARTIN HEIDEGGER
No inicio do parágrafo 44 de Ser e Tempo, cujo propósito é a
investigação acerca do problema da verdade, Heidegger cita Parmênides como
um dos primeiros pensadores a identificar o ser dos entes, segundo Heidegger,
tanto Parmênides quando os filósofos que antecederam Aristóteles foram
impulsionados pela investigação das “coisas em si mesmas”, esse caráter de
investigação tinha justamente a “verdade” como a questão que impulsiona e faz
adentrar no âmbito da “verdade” 1.
Uma investigação sobre a verdade não se trata para Heidegger
de uma investigação no sentido de uma teoria do conhecimento, como uma
designação em que a “verdade” se identifica num juízo. Investigar sobre a
verdade é investigar o que se mostra em si mesmo e que segundo Heidegger
nos remete ao âmbito da problemática ontológica fundamental.
A análise partirá do conceito tradicional de verdade e procurará expor os seus
fundamentos ontológicos. A partir desses fundamentos, tornar-se-á visível o
fenômeno originário da verdade. Dele pode-se, então, mostrar o caráter
derivado do conceito tradicional de verdade. A investigação evidenciara que a
questão sobre o modo de ser da verdade pertence necessariamente à questão
sobre a essência da verdade. Daí se segue o esclarecimento do sentido
ontológico da afirmação de que “verdade se dá” e do modo em que
necessariamente “se deve pressupor” que a verdade “se dá”. (HEIDEGGER,
1993, pg. 284).
“Ser
-
verdadeiro
(verdade)
diz
ser
–
descobridor”
(HEIDEGGER, 2008, pg. 289). Dessa forma inicia-se o ponto “b” do parágrafo
44 de Ser e Tempo, intitulado por O fenômeno originário da verdade e o caráter
derivado do conceito tradicional de verdade. Diz Heidegger:
O enunciado é verdadeiro significa: ele
descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia,
indica, “deixa ver” o ente em seu ser e estar
1
Cf. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo/ tradução revisada e apresentação de Márcia Sá Cavalcante
Schuback. Petrópolis: Vozes, 2008, pg. 282.
511
descoberto. O ser - verdadeiro do enunciado
deve ser entendido no sentido de ser –
descobridor. A verdade não possui, portanto, a
estrutura de uma concordância entre
conhecimento e objeto, no sentido de uma
adequação entre um ente (sujeito) e outro ente
(objeto) (HEIDEGGER, 1993, pg. 289).
Nesta passagem de Ser e Tempo é colocada a questão do ser –
verdadeiro, ou seja, quando o enunciado é tomado como verdadeiro, significa
que o ente está descoberto, não existe a relação de uma adequação de um
ente (sujeito) a outro ente (objeto), existe apenas o “deixar ver” o ente em si
mesmo. O ser verdadeiro do ente é justamente o desencobrimento do ente,
retirando-o do encobrimento.
A definição ser – verdadeiro que significa ser – descobridor,
mostra segundo Heidegger, uma interpretação necessária daquilo que
pressentiu a tradição mais antiga da filosofia. Heidegger recorre neste ponto ao
fragmento 1 de Heráclito para justificar a sua tese de que verdade tem o
sentido de descoberta (desencobrimento). Eis as palavras de Heráclito:
Com o logos, porém, que é sempre, os homens se comportam como quem não
compreende tanto antes como depois de já ter ouvido. Com efeito, tudo vem a
ser conforme e de acordo com este logos e, não obstante, eles parecem sem
experiência nas experiências com palavras e obras, iguais às que levo a cabo,
discernindo e dilucidando, segundo o vigor, o modo em que se conduz cada
coisa. Aos outros homens, porém, lhes fico encoberto tanto o que fazem
acordados, como se lhes volta a encobrir o que fazem durante o sono2.
No parágrafo 7 de Ser e Tempo Heidegger discute a respeito do
conceito de λÓγος e afirma que ele é um deixar e fazer ver, podendo ser
verdadeiro ou falso. No entanto, isso só poderá ocorrer se o sentido de verdade
não foi entendido como “concordância”. A verdade no sentido de concordância,
correspondência ou adequação não é a idéia do conceito de αλήθεια enquanto
desvelamento.
2
Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito/ tradução Emmanuel Carneiro Leão. –
Petrópolis, RJ: Vozes, 1991. Pg. 59.
512
Com o fragmento de Heráclito, Heidegger mostra que o λÓγος
que nos fala Heráclito é o que se desencobre. “Pertence, pois ao λÓγος o
desencobrimento, α-λήθεια3”. (HEIDEGGER, 2008, pg. 290). Segundo
Heidegger a definição de verdade como descoberta e ser - descobridor nasce
da análise das atitudes do próprio Dasein4.
Ser – verdadeiro enquanto ser – descobridor é
um modo de ser do Dasein. O que possibilita
esse descobrir em si mesmo deve ser
necessariamente considerado verdadeiro, num
sentido ainda mais originário. Os fundamentos
ontológico-existenciais do próprio descobrir é
que mostram o fenômeno mais originário da
verdade. (HEIDEGGER, 1993, pg. 291).
Na concepção de Heidegger o verdadeiro nessa ação de
descobrimento é o Dasein, a verdade não é ser - descobridor, mas é ser –
descoberto. O Dasein está aberto para si mesmo e para o mundo, e justamente
só com a abertura do Dasein é que se pode alcançar a originalidade do
fenômeno da verdade. Nessa relação de abertura, o Dasein como ser –
descobridor é essencialmente verdadeiro. Em ultima instância para Heidegger,
o Dasein é e está “na verdade” 5.
Heidegger explica o sentido existencial da proposição “o Dasein
é e está na verdade” a partir de quatro determinações: abertura geral, estarlançado, projeto e decadência. 1 - A abertura geral “abrange a totalidade da
estrutura ontológica que se explicitou no fenômeno da cura6” (HEIDEGGER,
2008, pg. 292). 2 - O estar-lançado indica que o Dasein já está em um mundo
determinado com entes intramundamos determinados. 3 – O Projeto segundo
3
“A tradução pela palavra verdade e, sobretudo, as determinações teóricas de seu conceito encobrem o
sentido daquilo que os gregos, numa compreensão pré-filosófica, estabeleceram como fundamento
“evidente” do uso terminológico de αλήθεια”. (HEIDEGGER, 2008, pg. 290).
4
Cf. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo/ tradução revisada e apresentação de Márcia Sá Cavalcante
Schuback. Petrópolis: Vozes, 2008. Pg. 291.
5
Cf. id. ibid. p. 291.
6
“A totalidade existencial de toda a estrutura ontológica do Dasein deve ser, apreendido formalmente na
seguinte estrutura: o ser do Dasein diz anteceder-a-si-mesmo-no-já-ser-em-(no mundo)-como-ser-junto-a
(os entes que vêm ao encontro dentro do mundo). Esse ser preenche o significado do termo cura, aqui
utilizado do ponto de vista puramente ontológico-existencial”. (HEIDEGGER, 2008, pg. 260). A cura é a
síntese do que o Dasein é nas suas estruturas, é constituída pela existencialidade, facticidade e
decadência.
513
Heidegger indica que o Dasein abre-se em seu poder-ser mais próprio. “Esta
abertura própria mostra o fenômeno da verdade mais originaria no modo da
propriedade”. (HEIDEGGER, 2008, pg. 292). 4 – A decadência7 indica que o
Dasein está perdido em seu “mundo”, quando o Dasein está em sua essência
decadente, ele está na não-verdade. As quatro determinações apresentadas
pertencem à constituição de ser do Dasein, Heidegger aponta que do ponto de
vista ontológico-existencial, pode-se afirmar que “o Dasein é e está na
verdade”, mas pode-se igualmente afirmar que “o Dasein é e está na nãoverdade” 8.
Heidegger
considerou
Parmênides
como
um
pensador
contemporâneo nas décadas entre 540 e 460, isso porque segundo ele,
Parmênides entendeu realmente o verdadeiro na sua essência. Em sua obra
intitulada Parmênides, Heidegger regressa até o pensamento deste com o
objetivo de encontrar ali algo de essencial acerca da questão da verdade, que
é justamente o tema central da obra. Ao regressar até Parmênides, Heidegger
se depara com o poema intitulado Acerca da natureza, que se divide em duas
partes: a doutrina da verdade (alétheia) e a doutrina da opinião (doxa). Diz
Heidegger: “As palavras de Parmênides tem forma lingüística de versos. Elas
se apresentam como um “poema”. (...) fala-se de um “poema doutrinário de
Parmênides”. (HEIDEGGER, 2008, pg. 15). Apesar disso, Heidegger se mostra
duvidoso ao aceitar que se trate de um poema no sentido de poesia ou de uma
doutrina filosófica. Eis um dos fragmentos do poema de Parmênides:
“E a deusa me acolheu graciosa e
profusamente, tomou a mão direita na sua, e,
desta maneira trazendo o epos à fala, me
disse: Ó jovem, tu companheiro de imortais
condutoras de carro, que te trazem com os
cavalos, alcançando nossa morada, viva!
porque de nenhuma maneira uma moira ruim te
enviou a trilhares este caminho, - (pois em
verdade ele está fora do caminho que vem dos
7
“Lançado no mundo, o Dasein sempre já se compreendeu a partir das coisas do mundo e de seu modoexplicitado-público que lhe prescrevem o que, para ser, ele deve fazer. Decaído, o Dasein compreende
sob o modo da impropriedade, afastando-se de si mesmo”. (DUBOIS, 2004, pg. 223).
8
Cf. HEIDEGGER Martin. Ser e Tempo/ tradução revisada e apresentação de Márcia Sá Cavalcante
Schuback. Petrópolis: Vozes, 2008. Pg. 293.
514
homens), - mas themis e dike. É necessário
que tu experimente tudo, tanto a ânimo
intrépido da verdade bem redonda, como as
aparências dos mortais, nas quais não há uma
confiança desvelante. Porém é necessário
também isto de uma maneira totalizante
através de tudo de maneira aparecente.”
Nota-se que Parmênides fala sobre uma deusa que o acolhe e
saúda, notando esta “deusa”, Heidegger coloca a seguinte questão: Quem é a
deusa? Segundo Heidegger a deusa é a deusa “Verdade”, ou seja, a própria
“verdade’ é a deusa de que Parmênides fala em seu poema. Nesse sentido
Heidegger rejeita em falar de uma maneira em que colocaria uma espécie de
deusa “da” verdade, pois se falarmos dessa maneira estaríamos fazendo a
representação de que há uma deusa e que através dela e por ela se chega até
a verdade, certamente não é este o caso9. Apesar da estranheza causada pelo
aparecimento de uma palavra que remete a um ente divino, Heidegger justifica
da seguinte maneira.
Talvez o pensador Parmênides queira, por um
artifício semelhante, dar a seus pensamentos,
em geral muito abstratos, mais plenitude e
colorido. Além disso, se considerarmos que o
inicio do pensamento ocidental se realiza,
segundo a opinião usual, como dissociação do
logos (razão) a partir do mythos (mito), então
parece inteiramente compreensível que restos
de representação “mítica” ainda se tenham
mantido nas primeiras tentativas “primitivas” de
um tal pensar. Mediante tais e semelhantes
reflexões, pode o aparecimento de uma deusa
ser suficientemente esclarecido num “poema
doutrinário filosófico”. (HEIDEGGER, 2008, pg.
19).
A verdade neste sentido de desencobrimento deve ser retirada
dos entes, isso significa que o ente é retirado do encobrimento. Fazendo uma
nova referência a Parmênides, Heidegger cita a “deusa verdade” que guiou o
9
Cf. HEIDEGGER, Martin. Parmênides: tradução, Sérgio Mário; Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista:
Editora Universitária São Francisco, 2008, pg. 18.
515
pensador de Eléia o colocando diante de dois caminhos, um do encobrimento e
outro do descobrimento.
Em Ser e Tempo Heidegger cita a deusa verdade que guia
Parmênides nos caminhos do descobrimento e encobrimento, isso significa
dizer que o Dasein está sempre na verdade e na não-verdade. Isso se remete
ao que Heidegger chama de interpretação ontológico-existencial da verdade e
que resulta em dois pontos. O primeiro é que a verdade em sentido originário é
a abertura do Dasein que descobre os entes intramundanos. A segunda é que
o Dasein é e está de modo igual na verdade e na não-verdade.
Por outro lado são apresentados também os resultados no
âmbito da interpretação tradicional do fenômeno da verdade, que também
consiste em dois pontos. O primeiro é a verdade compreendida como
concordância, ou seja, tem a sua origem na abertura com modificações
determinados. O segundo ponto é justamente o modo de ser desta abertura,
que consiste na explicação teórica da estrutura da verdade.
Segundo Heidegger, no ato da percepção, o Dasein percebe
que o enunciado comunica o ente no modo de sua descoberta, ao perceber
isso o Dasein traz essa comunicação a si mesmo para o ser - descobridor com
referência a determinado ente. Sobre o que o enunciado se pronuncia está
contido a descoberta dos entes. Heidegger diz em Ser e Tempo: “Descoberta é
sempre descoberta de (...). Mesmo na repetição, o Dasein que repete chega a
um ser para o próprio ente discutido” (HEIDEGGER, 1993, pg. 295).
Entretanto, Heidegger aponta que o Dasein não precisa colocarse diante dos entes numa experiência originária, pois, permanece sempre o
caráter da correspondência, de um ser para o ente. A descoberta, ele diz, não
tem uma significação de um descobrimento próprio, mas sim de apropriação no
sentido de um ouvir dizer.
O enunciado deve ser verificado enquanto
enunciado
descobridor.
O
enunciado
516
pronunciado é, no entanto, um manual de tal
modo que traz em si mesmo uma remissão ao
ente descoberto, na medida em que preserva a
descoberta. A verificação de seu ser
descobridor diz agora: verificar a remissão para
o ente do enunciado que preserva a
descoberta. O próprio enunciado se oferece
como manual. (HEIDEGGER, 1993, pg. 295).
Heidegger argumenta que o fenômeno existencial da verdade,
que tem seu fundamento na abertura do Dasein, transforma-se em propriedade
simplesmente dada, pois o Dasein que descobre, enquanto descoberta de.
Torna-se uma relação simplesmente dada entre seres simplesmente dados.
Heidegger mostra assim o caráter ontologicamente derivado do conceito
tradicional de verdade10.
A relação (enunciado sobre algo e descoberta sobre algo),
como se o lugar originário da verdade fosse o juízo é errônea, segundo
Heidegger o enunciado não é o lugar primário da verdade, mas é ao contrário,
o enunciado é enquanto modo de apropriação da descoberta e enquanto modo
de ser-no-mundo, fundando-se assim no descobrimento ou na abertura do
Dasein11.
Diz Heidegger “A verdade mais originária é o lugar do
enunciado e a condição ontológica de possibilidade para que o enunciado
possa ser verdadeiro ou falso (possa ser descobridor ou encobridor)
(HEIDEGGER, 1993, pg.297). Heidegger fundamenta o seu pensamento
acerca da verdade em Parmênides, pois este pensa o originário em sua
essência, pensar a origem aqui significa o que é pensado em seu pensar. O
aproveitamento que Heidegger faz da leitura de Parmênides é justamente
porque esse pensador segundo ele foi originado pelo principio e a partir dai
origina algo através de seu pensamento. Para Heidegger quando Parmênides
10
Cf. HEIDGGER, Martin. Ser e Tempo/ tradução revisada e apresentação de Márcia Sá Cavalcante
Schuback. Petrópolis: Vozes, 2008, pg. 296.
11
Cf. id. ibid. p. 297.
517
faz “da verdade” uma deusa, significa fazer do conceito da essência da
verdade, uma “personalidade”.
Quando escutamos imediatamente e, de modo
indeterminado, sobre a deusa “Verdade” no
“poema doutrinário” e quando concluímos que
aqui o “conceito abstrato” foi “personificado”
numa figura divina, então nos colocamos neste
pensar como aqueles que crêem saber tanto o
que seria “a verdade”, como também que
essência pertence, de modo peculiar, à
divindade dos deuses gregos (HEIDEGGER,
2008, pg. 25).
O retorno aos gregos foi necessário para constituir uma
ontologia fundamental e para se ter a oportunidade de enxergar a verdade
como desvelamento. Sendo assim, Heidegger recorreu a Parmênides como
principio para pensar a verdade, justificando-se em Ser e Tempo. Essa
compreensão da verdade no sentido mais originário é colocada por Heidegger
em Ser e Tempo como a verdade sendo à constituição fundamental do Dasein,
com isso podemos entender melhor o modo de ser da verdade, que segundo
Heidegger, há uma necessidade de se pressupor que “verdade se dá”.
No terceiro ponto apresentado no parágrafo 44 Ser e Tempo
que remete ao modo de ser da verdade e a pressuposição de verdade,
constata-se que Heidegger ao colocar o Dasein como constituído pela abertura,
ou seja, o Dasein aberto para si mesmo, para as coisas e para o mundo, ele
está essencialmente na verdade. Segundo Heidegger, só “se dá” verdade à
medida que o Dasein “é”. Heidegger aponta que antes e depois do Dasein não
há verdade, pois a verdade não pode ser enquanto abertura, descoberta e
descobrimento.
Para clarificar o que foi dito, Heidegger da o exemplo das leis de
Newton, dizendo que antes de serem descobertas elas não eram “verdadeiras”,
porém não se segue também que seriam falsas se nenhuma delas fossem
descobertas. Neste caso nota-se apenas a questão da descoberta, uma vez
518
que elas foram descobertas, se segue daí que podem ser verdadeiras ou
falsas.
As leis de Newton, antes dele, não eram
verdadeiras nem falsas. Isso não pode
significar que o ente que elas, descobrindo,
demonstram não existisse antes delas. As leis
se tornam verdadeiras com Newton. Com elas,
o ente em si mesmo se tornou acessível ao
Dasein. Com a descoberta dos entes, estes se
mostram justamente como os entes que já
eram antes delas. Descobrir assim é o modo
de ser da “verdade” (HEIDEGGER, 1993, pg.
298).
Com a verdade descoberta em um determinado tempo o Dasein
se torna acessível, falamos em verdade em um determinado tempo, pois
Heidegger traça o paralelo entre “verdades absolutas” e “verdade relativa”, a
primeira só poderia ser comprovada se fosse mostrado em toda a eternidade
que o Dasein foi e será, se isso não for comprovado à proposição não é
legitima. Por outro lado, Heidegger afirma que toda verdade é relativa ao ser do
Dasein na medida em que o modo de ser da verdade possui o caráter de
verdade.
No entanto, Heidegger faz a ressalva de que essa relatividade
não pode ser interpretada no sentido de “subjetivo” como o que “está no arbítrio
do sujeito”. Heidegger sustenta esse argumento dizendo que “em seu sentido
mais próprio, o descobrimento retira o enunciado do arbítrio “subjetivo”,
levando o Dasein descobridor para o próprio ente. Diz Heidegger: “E apenas
porque “verdade” como descobrimento é um modo de ser do Dasein é que ela
se acha subtraído ao arbítrio do Dasein” (HEIDEGGER, 2008, pg. 298).
A pressuposição da verdade acontece porque, segundo
Heidegger, “nós” somos e estamos na verdade, ser e estar na verdade não tem
nenhuma relação com o exterior, como se estivéssemos pressupondo algo
“fora” de nós mesmos, mas é a verdade que torna possível a possibilidade de
pressuposições.
Segundo Heidegger, pressupor a verdade significa:
519
“compreendê-la como algo em virtude da qual o Dasein é.” (HEIDEGGER,
2008, pg. 299).
Porque esse pressupor a si mesmo pertence
ao ser do Dasein, “nós” devemos pressupor
também a “nós” como algo que se determina
pela abertura. Esse “pressupor” radicado no
ser do Dasein não se comporta com os entes
não dotados do caráter de Dasein, mas
unicamente consigo mesmo. A verdade
pressuposta, o “se dá”, pelo qual se deve
determinar o seu ser, possui o modo e o
sentido de ser do próprio Dasein. Devemos
“fazer” a pressuposição de verdade porque ela
já se “fez” com o ser do “nós”. (HEIDEGGER,
2008, pg. 299).
A problemática acerca da questão da verdade é discutida
intensamente por Heidegger. Tendo por base especificamente o parágrafo 44
de Ser e Tempo e Parmênides, obra cujo tema central é a questão da verdade,
a grande contribuição do pensamento heideggeriano para as discussões sobre
a verdade é justamente essa abordagem com ênfase nos fundamentos
ontológicos para que se possa chegar de fato à coisa em si mesma e ao
fenômeno originário da verdade enquanto desvelamento. Em Ser e Tempo ao
fazer referência a Parmênides, Heidegger cita os caminhos do encobrimento e
descobrimento a parti da deusa “verdade” do “poema doutrinário”, esses
caminhos revelam que o Dasein está na não-verdade ou na verdade.
Heidegger ao se distanciar do conceito corrente de verdade no
sentido de uma adequação entre um ente (sujeito) e outro ente (objeto),
interpreta a questão a partir do ente em si mesmo, ou seja, o ser – descobridor
se deparar com o enunciado verdadeiro que “deixa ver” o ente descoberto,
dessa forma a verdade ocorre como desvelamento. O desvelamento é
justamente a verdade que se “deixa ver”, ou dito de outra maneira: a verdade é
o desvelamento que “se dá” ao ser – descobridor. Nessa busca pela verdade o
ser – descobridor como um modo de ser do Dasein passa por um processo de
desencobrimento até se deparar com a verdade que se desvela.
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BIBLIOGRAFIA
HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Tradução Sérgio Mário Wrublevski Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista, 2008.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante.
Petrópolis, Vozes 1993.
HEIDEGGER, Martin, 1889-1976. Marcas do Caminho / tradução de Enio
Paulo e Ernildo Stein – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
Os pensadores Originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito / introdução
Emmanuel Carneiro Leão; Tradução Emmanuel Carneiro Leão e Sérgio
Wrublewski. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
DUBOIS, Christian. Heidegger: introdução a uma leitura/Christian Dubois;
tradução Berbabdo Barros Coelho de Oliveira. – RJ: Jorge Zahar Ed., 2004.
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