ISSN 0482-5004 Impact Factor 2012: 0.864 © Thomson Reuters Journal Citation Reports, Science Edition (2012) REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA BRAZILIAN JOURNAL OF RHEUMATOLOGY SEPTEMBER/OCTOBERt7PMVNFt/VNCFS 4&5&.#300656#30t7PMVNFt/ÞNFSP www.reumatologia.com.br REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Volume 53. Number 5. September/October 2013 Volume 53. Número 5. Setembro/Outubro 2013 CONTENTS | SUMÁRIO Editorial | Editorial Group for Research and Assesment of Psoriasis and Psoriatic Arthritis-GRAPPA (2003-2013) Grupo para Pesquisa e Avaliação da Psoríase e da Artrite Psoriásica – GRAPPA (2003-2013) Morton Scheinberg ..................................................................................................................................... 375 Original Articles | Artigos Originais Subclinical atherosclerosis in ankylosing spondylitis: is there a role for inflammation? Aterosclerose subclínica em pacientes com espondilite anquilosante: há um papel para a inflamação? Renato Leandro Mattar Valente, Jamil Mattar Valente, Gláucio Ricardo Werner de Castro, Adriana Fontes Zimmermann, Sonia Cristina de Magalhães Souza Fialho, Ivânio Alves Pereira ................ 377 EpiFibro – a nationwide databank for fibromyalgia syndrome – the initial analysis of 500 women EpiFibro – um banco de dados nacional sobre a síndrome da fibromialgia – análise inicial de 500 mulheres Marcelo C. Rezende, Eduardo S. Paiva, Milton Helfenstein Jr., Aline Ranzolin, José Eduardo Martinez, Jose Roberto Provenza, Carlos Eugênio Ribeiro Parolini, Luiz Severiano Ribeiro, Eduardo J. R. Souza, Daniel P. Feldman, Marcos Renato de Assis, Roberto E. Heymann............................................................... 382 Radiographic changes of the cervical spine in rheumatoid arthritis Alterações radiográficas da coluna cervical em artrite reumatoide Juan Marcelo Fernandez Alcala, Diogo Douat, Diogo Lago Pinheiro, Douglas Jun Kamei, Fábio Raimundo M dos Santos, Marilia B Silva, Thelma L. Skare ................................................................ 388 Physical activity among patients from the Brasilia cohort of early rheumatoid arthritis Prática de atividade física entre pacientes da Coorte Brasília de artrite reumatoide inicial Carolina Rocha Silva, Thaís Ferreira Costa, Tatiane Teixeira Vaz de Oliveira, Luciana Feitosa Muniz, Licia Maria Henrique da Mota ................................................................................................................... 394 Evaluation of platelet aggregation in the presence of antiphospholipid antibodies: anti-β2GP1 and anticardiolip Avaliação da agregação plaquetária em presença de anticorpos antifosfolípides: anti-β2GP1 e anticardiolipina Harleson Lopes de Mesquita, Giuliano Reder de Carvalho, Fernando Monteiro Aarestrup, José Otávio do Amaral Corrêa, Maria Regina Andrade Azevedo ............................................................... 400 Symptoms of disease and psychological adaptation in Brazilian scleroderma patients Sintomas de doença e adaptação psicológica em pacientes brasileiros com esclerodermia Catarina Correia Leite, Ângela Costa Maia ............................................................................................... 405 Usefulness of anti-dsDNA antibody screening with chemiluminescence followed by confirmation by indirect immunofluorescence Utilidade da triagem dos anticorpos anti-dsDNA por quimioluminescência, seguida de confirmação por imunofluorescência indireta Maria Roseli Monteiro Callado, José Rubens Costa Lima, Maria Nancy de Alencar Barroso, Antonio Tiago Mota Pinheiro, Moisés Francisco da Cruz Neto, Maria Arenilda de Lima Abreu, Walber Pinto Vieira .................................................................................................................................... 412 Adalimumab in rheumatoid arthritis treatment: a systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials Adalimumabe no tratamento da artrite reumatoide: uma revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados Marina Amaral de Ávila Machado, Alessandra Almeida Maciel, Lívia Lovato Pires de Lemos, Juliana Oliveira Costa, Adriana Maria Kakehasi, Eli Iola Gurgel Andrade , Mariangela Leal Cherchiglia, Francisco de Assis Acurcio ......................................................................................................................... 419 Psychiatric comorbidities in patients with systemic lupus erythematosus: a systematic review of the last 10 years Comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: uma revisão sistemática dos últimos 10 anos Nadja Maria Jorge Asano, Maria das Graças Wanderley de Sales Coriolano, Breno Jorge Asano, Otávio Gomes Lins ..................................................................................................................................... 431 Case Reports | Relatos de Caso Bullous systemic lupus erythematosus in a pregnant woman: a case report Lúpus eritematoso sistêmico bolhoso em gestante: relato de caso Cristiane Engel dos Santos, Pedro Henrique Isaacsson Velho, Fabrício Machado Marques, Betina Werner, Salun Coelho Aragão, Acir Rachid Filho........................................................................................................... 438 c-ANCA-associated vasculitis in patients with ulcerative colitis: a case report Vasculite c-ANCA-relacionada em paciente com retocolite ulcerativa: relato de caso Cristiane Engel dos Santos, Vanessa Irusta Dal Pizzol, Salun Coelho Aragão, Acir Rachid Filho, Fabrício Machado Marques ....................................................................................................................... 441 Brief communication | Comunicação breve Lipid profile and anti-TNF-α use Perfil lipídico e uso de anti-TNF-α Antonio Carlos Ferraz Filho, Luize Pereira dos Santos, Marilia B. Silva, Thelma L. Skare.............................. 444 Letter to the editors | Carta aos editores The use of ustekinumab in refractory treatment of psoriatic arthritis Uso de ustequinumabe no tratamento refratário da artrite psoriásica Karen Vega-Villanueva, Nathaly Cortez-Bazán, Angela Alvarado-Molina..................................................... 448 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 5 – 3 7 6 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Editorial Grupo para Pesquisa e Avaliação da Psoríase e da Artrite Psoriásica – GRAPPA (2003-2013) O conceito comum de reumatologistas e dermatologistas para lidar com a avaliação combinada de pacientes com psoríase (Ps) e artrite psoriásica (APs) levou à fundação do Grupo para Pesquisa e Avaliação da Psoríase e da Artrite Psoriásica (GRAPPA), atualmente em seu 10º aniversário. Esse editorial se debruça sobre os últimos 10 anos, até o ultimo encontro ocorrido em Toronto, julho último. Uma história de sucesso A associação de Ps com manifestações articulares, de modo parecido com o que também se sabe sobre doença intestinal inflamatória e uveíte, já é conhecida há muito tempo, embora o mecanismo subjacente a essas observações clínicas fossem e ainda são apenas parcialmente compreendidos. Foi apenas em 1973 que John Moll e Verna Wright tentaram estabelecer as bases que identificariam em um paciente com Ps a ocorrência também de APs (tabela 1).1 Utilizando esses critérios diagnósticos, Moll e Wright descreveram cinco subgrupos de APs: interfalângica distal (IFD), oligoartrite assimétrica, poliartrite, espondilite e artrite mutilante. Nos anos 1990, várias outras classificações foram propostas por diferentes autores, tendo sido revisadas por Gladman e Espinoza.2 Na última década, um grupo internacional montou o que é atualmente conhecido como os critérios para Classificação da Artrite Psoriática (CASPAT). Os critérios diagnósticos originais de Moll e Wright estão atualmente sendo substituídos pelos critérios CASPAR.3 O CASPAR leva em conta a presença de manifestações articulares, presença de doença cutânea ou história familiar, alterações ungueais típicas, presença de inchaço do dedo e osso juxta-articular em formação. Foi demonstrado que CASPAR tem sensibilidade de 98,7% e especificidade de 91,4%. O GRAPPA é uma organização educacional e científica sem fins lucrativos, que visa facilitar o compartilhamento de informações relacionadas a Ps e APs. O GRAPPA teve seu início há 10 anos; o primeiro encontro ocorreu na cidade de Nova York (fig. 1). Seus objetivos são: 1) Promover o desenvolvimento de registros colaborativos nacionais e internacionais de pacientes com APs e Ps, para padronizar os dados obtidos e aprender mais acerca da história natural da doença, além de seus fundamentos genéticos; 2) Trabalhar intimamente com os representantes das instituições de serviços para pacientes, com o intuito de promover educação pública e maior conscientização sobre AP e PsO; 3) Trabalhar intimamente com representantes das empresas biofarmacêuti- Tabela 1 – Critérios de Moll e Wright para identificação da artrite psoriásica. Artrite inflamatória (artrite periférica e/ou sacoiliíte e espondilite) Presença de psoríase Ausência habitual de testes sorológicos para fator reumatoide Fig 1 – Primeiro encontro do GRAPPA, Nova York, 2003. Da esquerda para a direita: Mease, Zimmerman, Gladman; terceira fileira, Khan, Helliwell, Nash, Ritchlin, Landwee, Espinoza, Smolen, Fitzgerald, Braun, Kalden, Antoni e van der Bosch, Kavanaugh. 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 376 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 5 – 3 7 6 cas, com o objetivo de promover e realizar pesquisas sobre terapias efetivas para APs e Ps; 4) Trabalhar intimamente com representantes das agências reguladoras para que sejam estabelecidas orientações apropriadas para a aprovação, pelas agências, de novas terapias; 5) Trabalhar com outros organismos profissionais, por exemplo, American College of Rheumatology, American Academy of Dermatology e OMERACT, com o propósito de promover a divulgação de pesquisas sobre APs e Ps dentro do contexto dessas disciplinas; e 6) Desenvolver orientações terapêuticas para agências governamentais e de outra natureza. Alguns documentos importantes, atualmente considerados como publicações de referência, foram produzidos durante os primeiros cinco anos; tais publicações estão listadas na tabela 2. O Brasil tem sido um participante ativo na missão do GRAPPA na América Latina, já tendo ocorrido encontros nacionais por todo o país e também na América Latina. Atualmente, vários reumatologistas e dermatologistas brasileiros estão trabalhando em conjunto para o benefício dos pacientes portadores das duas doenças. O primeiro encontro foi realizado em Porto Alegre (RS, Brasil) juntamente com o Congresso Brasileiro; o Segundo encontro foi realizado em Fortaleza (CE, Brasil) em 2012; e o terceiro ocorrerá em Salvador (BA, Brasil), no Segundo semestre desse ano.4 Em julho passado, juntamente com o 35º aniversário de criação da Psoriatic Arthritis Clinic na Universidade de Toronto, o GRAPPA estava comemorando seu 10º aniversário, desde sua concepção em Nova York. Os reumatologistas Claudia Schainberg, Roberto Ranza, Sueli Carneiro, Penelope Pelarminos, Rachel Gryzpan e eu comparecemos ao evento (fig. 2). Até agora, o Brasil tem 29 membros filiados ao GRAPPA; 15 deles são reumatologistas. Nos próximos anos, novos projetos estarão sendo planejados com participação de reumatologistas brasileiros. Os projetos estão listados a seguir. • Novos projetos estão sendo desenvolvidos para refinamento e validação de medidas de desfecho para artrite em pacientes com APs • Desenvolvimento de instrumentos para avaliação da QdV, função e participação • Padronização e avaliações histological e imunoistoquímica em APs e Ps • Critérios atualizados para classificação de AP (CASPAR) • Imagens em AP. Morton Scheinberg Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil Hospital Abreu Sodré (AACD), São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] (M. Scheinberg) Tabela 2 – Suplemento da ARD - APs e Ps: revisão do estado da arte e avanços nas pesquisas. ARD Treatment Recommendations for Psoriatic Arthritis, 2008 GRAPPA Newsletter, Primavera de 2012 JRheum Supplement - 2007 Updates; Screening & Assessment Tools, Quality etc JRheum Supplement - 2008 Annual Meeting Imaging; Comp Measures; Biomarkers JRheum Supplement - 2009 Annual Meeting of GRAPPA, Estocolomo, Suécia JRheum Supplement - 2010 Annual Meeting of GRAPPA, Miami Beach, FL JRheum Supplement - Systematic Review of Treatments for PsA Patient Global Assessment in PsA: A Multicenter GRAPPA and OMERACT Study Fig 2 – Décimo encontro do GRAPPA, Toronto, 2013. Da esquerda para a direita: Luis Espinoza, Claudia Schainberg, John Moll e Morton Scheinberg. REFERÊNCIAS 1. Moll JM, Wright V. Psoriatic Arthritis Seminars in Arthritis and Rheumatism. 1973,3:55-78. 2. Gladman DD, Espinoza LR. International symposium on psoriatic arthritis. J Rheumatol. 1992;19(2):290-1. 3. Taylor W, Gladman D, Helliwell P, Marchesoni A, Mease P, Mielants H; CASPAR Study Group. Classification criteria for psoriatic arthritis: development of new criteria from a large international study. CASPAR Study Group Arthritis Rheum. 2006;54(8):2665-73. 4. Goldenstein-Schainberg C, Ranza R, Bonfiglioli R, Carneiro S, Azevedo VF, Goldenberg J, et al. The presence of the Brazilian rheumatology in the GRAPPA. Rev Bras Reumatol. 2011;51(5):533-4 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 7 – 3 8 1 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Aterosclerose subclínica em pacientes com espondilite anquilosante: há um papel para a inflamação? Renato Leandro Mattar Valente a, Jamil Mattar Valente b, Gláucio Ricardo Werner de Castro c, Adriana Fontes Zimmermann c, Sonia Cristina de Magalhães Souza Fialho c,*, Ivânio Alves Pereira c a Divisão de Medicina Interna, Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil Divisão de Cardiologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil c Divisão de Reumatologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: Objetivos: Avaliar a prevalência de aterosclerose subclínica em pacientes com espondilite 1 de setembro de 2012 anquilosante (EA) em comparação com controles com fatores de risco cardiovasculares 13 de dezembro de 2012 similares. Métodos: Foram recrutados 42 pacientes consecutivos com EA e 42 controles equiparados Palavras-chave: para idade (43,3 ± 11,7 vs. 43,7 ± 11,3, P = 0,89), gênero, tabagismo, diabetes mellitus e hi- Espondilite anquilosante pertensão arterial. Qualquer participante seria excluído se estivesse presente uma história Aterosclerose subclínica pessoal de doença cardiovascular (CV). Foi preenchido um questionário registrando dados Risco cardiovascular demográficos e histórias médica e de medicação. Foram determinados: pressão arterial, circunferência abdominal, altura e peso. O perfil lipídico foi determinado em uma amostra de sangue com 12 horas em jejum. Foi realizada uma análise ultrassonográfica da artéria carótida comum por um observador desconhecedor da pesquisa. Foi medida a distância entre a interface lúmen-íntima e a borda de ataque da interface média-adventícia (EIM) e os participantes também foram avaliados para presença de placas. Resultados: A análise comparativa dos fatores de risco demográficos e cardiovasculares entre pacientes com EA e controles não revelou diferenças estatisticamente significativas. Também não foram observadas diferenças significativas entre grupos para TC, HDL-C, T-C/ HDL-C, LDL-C, triglicerídeos ou frequência de dislipidemia. As medidas de EIM não foram diferentes em EA e controles (0,62 ± 0,09 vs. 0,61 ± 0,09, P = 0,39) e nem as frequências de placas (19% vs. 17%, P = 0,78). Conclusões: A aterosclerose subclínica avaliada por meio de imagens ultrassonográficas da carótida não foi mais prevalente no grupo EA, em comparação com os controles com riscos cardiovasculares similares. Nossas observações podem implicar que os fatores de risco CV podem ter mais influência no sistema CV versus a própria EA. Esses achados devem ser confirmados em uma população maior, por meio de um estudo prospectivo. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (S.C.M.S. Fialho). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 378 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 7 – 3 8 1 Subclinical atherosclerosis in ankylosing spondylitis: is there a role for inflammation? abstract Keywords: Objectives: To evaluate the prevalence of subclinical atherosclerosis in patients with anky- Ankylosing spondylitis losing spondylitis (AS) in comparison to controls with similar cardiovascular risk factors. Subclinical atherosclerosis Methods: Forty-two consecutive patients with AS and 42 controls matched for age (43.3 ± Cardiovascular risk 11.7 vs. 43.7 ± 11.3, P = 0.89), gender, smoking, diabetes mellitus and arterial hypertension were enrolled. Participants were excluded if a personal cardiovascular disease (CV) history was present. A questionnaire recording demographic data, medical and medication history was fulfilled. Blood pressure, abdominal circumference, height and weight were measured. Lipid profile was determined in a 12-hour fastened blood sample. Ultrasound analysis of the common carotid artery was performed by one blind observer. The distance between the lumen-intima interface and the leading edge of the media-adventitia interface (IMT) was measured and participants were also evaluated for the presence of plaques. Results: The comparative analysis of demographic and cardiovascular risk factors between AS patients and controls did not reveal statistically significant differences. Also, no significant differences between groups were observed for TC, HDL-C, T-C/HDL-C, LDL-C, triglycerides, or dyslipidemia frequency. IMT measures were not different in AS and controls (0.62 ± 0.09 vs. 0.61 ± 0.09, P = 0.39) as well as plaques frequencies (19% vs. 17%, P = 0.78). Conclusions: Subclinical atherosclerosis assessed through carotid ultrasound imaging was not more prevalent in the AS group when compared to controls with similar cardiovascular risks. Our observations may imply that CV risk factors may have more influence on the CV system than AS itself. These findings should be confirmed in a larger population with a prospective study design. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução Espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática inflamatória crônica. Suas manifestações musculoesqueléticas envolvem tanto inflamação como lesão estrutural. As manifestações extra-articulares características são aortite, defeitos da condução cardíaca, fibrose pulmonar e doença intestinal inflamatória, indicando que EA é doença sistêmica. EA é principalmente conhecida por causar uma vida inteira de dor, comprometimento das funções físicas, incapacitação para o trabalho e diminuição da qualidade de vida, e não pelo próprio encurtamento da vida. No entanto, pacientes com EA também padecem de mortalidade prematura.1 Os percentuais padronizados de mortalidade (PPMs) associados a casos de EA são aproximadamente 50% mais altos do que na população geral.2,3 Os quatro estudos de não incepção publicados até agora citaram PPMs de 1,33,4,5 1,56 e 1,8.7 Em grande parte, a maior mortalidade pode ser atribuída a doenças cardiovasculares (CV).3 Um estudo recentemente publicado com base em grande população demonstrou mais cardiopatia isquêmica (índice de prevalência 1,2), vasculopatia periférica (índice 1,6), aterosclerose (índice 1,5), insuficiência cardíaca congestiva (1,8) e mais fatores de risco cardiovasculares (índices de prevalência entre 1,3 e 1,7) em pacientes com EA versus controles saudáveis.8 Não está claro se o maior risco cardiovascular em pacientes com EA pode ser exclusivamente explicado por fatores de risco cardiovasculares tradicionais. Com efeito, vêm crescendo as evidências de que o processo inflamatório subjacente em problemas inflamatórios crônicos lembra os processos inflamatórios crônicos que contribuem para vários estágios da aterotrombose, desde a formação inicial do ateroma até a instabilidade da placa e a formação de trombo.9 Contudo, não sabemos se pacientes com EA sem fatores de risco para doença CV demonstram sinais precoces de lesão nas grandes artérias, em comparação com controles; e, se for o caso, quais são os determinantes de tais anormalidades dos grandes vasos. Esse conhecimento pode se revelar útil para o desenvolvimento da estratificação do risco, estratégias de intervenção e para melhor compreensão da doença. Pode-se lançar mão da ultrassonografia de alta resolução para medir a espessura da íntima-média (EIM) e também a elasticidade vascular da artéria carótida. Aumento da EIM da carótida reflete lesão aterosclerótica e prognostica a ocorrência de doença CV (clinicamente evidente) na população geral.10,11 Portanto, esse estudo foi planejado para determinar se sinais de aterosclerose subclínica são mais evidentes em uma amostra de pacientes com EA, em comparação com controles sem a doença, mas com riscos cardiovasculares similares. Foram publicados outros estudos avaliando EIM em pacientes com EA e em controles, mas os resultados foram contraditórios12-18 e serão discutidos mais adiante. Métodos População em estudo: quarenta e dois pacientes consecutivos com EA, que compareceram à clínica ambulatorial do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Todos os pacientes preencheram os critérios diagnós- 379 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 7 – 3 8 1 ticos de Nova Iorque (modificados) para EA.19 Funcionaram como controles 42 voluntários (da equipe do hospital, ou pacientes que compareceram à Clínica Geral para funcionários da Universidade) equiparados para idade, gênero, tabagismo (fumantes, ou que fumaram nos últimos cinco anos), diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica. Todos os participantes deram consentimento informado e as comissões de ética institucional do Hospital Universitário aprovaram o protocolo do estudo. Excluímos qualquer paciente ou controle se houvesse histórico pessoal de doença CV (infarto do miocárdio, angioplastia coronariana transluminal percutânea, cirurgia para cardiopatia isquêmica, derrame, ataque isquêmico temporário, endarterectomia da carótida, cirurgia reconstrutiva de artéria periférica, ou amputação de membro). Os pacientes e controles foram examinados por um médico pesquisador. Foi preenchido um questionário que registrou dados demográficos e a história médica e de medicações. Foram determinados pressão arterial, circunferência abdominal, altura e peso. Calculamos o índice de massa corporal, como a relação entre peso e altura ao quadrado. Consideramos o paciente/controle como diabético se referisse uso de medicação hipoglicêmica ou em presença de pelo menos dois testes glicêmicos acima dos 126 mg/dL. Consideramos o paciente/ controle como hipertenso se referisse uso de medicamentos anti-hipertensivos ou se tivesse pressão sistólica > 140 mmHg ou pressão diastólica > 90 mmHg medida em duas ocasiões diferentes. Consideramos o paciente/controle como dislipidêmico se referisse uso de medicamentos hipolipemiantes ou se apresentasse pelo menos uma das opções a seguir: LDL-C (lipoproteína de baixa densidade) > 130 mg/dL; triglicerídeos > 150 mg/dL; HDL-C (lipoproteína de alta densidade) < 40 mg/dL. Foram determinadas as variáveis laboratoriais em uma amostra de sangue (jejum de 12 horas): CT (colesterol total), HDL-C, LDL-C, triglicerídeos (todos analisados por técnicas enzimáticas); proteína C reativa (PCR, por método nefelométrico), e velocidade de sedimentação eritrocitária (VHS, pelo método de Westergreen). As determinações arteriais foram realizadas em um ambiente quieto depois de 15 minutos de repouso e com os participantes na posição supina. A análise ultrassonográfica da artéria carótida comum (bilateral) foi realizada por um cardiologista desconhecedor das características clínicas ou laboratoriais dos participantes. As mensurações foram realizadas utilizando um ultrassom de alta resolução em modo B ATL HDI 3000 (Phillips Bothel, WA, EUA) com uma sonda linear de 5-12 MHz. A distância entre a interface lúmen-íntima e a borda de ataque da interface média-adventícia da parede distante corresponde à EIM. Depois da localização da artéria carótida comum, foram realizadas medidas da secção transversal num ponto 10 mm proximal ao bulbo carotídeo. Durante a mensuração, foram excluídos locais com placa aterosclerótica mural. Foram feitas três medidas em cada lado. Foi calculada a média para cada lado (direito ou esquerdo) e, finalmente, foi obtida a média dos dois lados (média). Definimos placa como um espessamento focal da parede vascular de 50% em relação aos segmentos adjacentes, com protrusão voltada para o lúmen, ou EIM > 1,5mm. A distribuição de cada variável contínua foi gráfica e estatisticamente examinada para normalidade. Os dados nu- méricos estão sumariados como média ± desvio-padrão (DP). Variáveis sem distribuição normal foram comparadas com a aplicação do teste não paramétrico de Wilcoxon para diferenças. Variáveis com distribuição normal foram comparadas utilizando os testes de Student. Dados categóricos entre grupos foram comparados pelo teste do qui-quadrado ou pelo teste exato de Fischer, quando cabível. Alguns resultados foram avaliados levando em conta os valores normais estabelecidos, tendo sido subsequentemente classificados como elevados ou reduzidos. Estabelecemos a significância estatística em P < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa NCSS. Resultados Uma análise comparativa de fatores de risco demográficos e cardiovasculares entre pacientes com EA e controles não revelou diferenças estatisticamente significativas, conforme está explícito na tabela 1. A idade média dos pacientes com EA foi 43,3 ± 11,7 anos e o tempo médio de duração da doença foi 15,9 anos. Também não observamos diferenças significativas entre grupos para TC, HDL-C, T-C/HDL-C, LDL-C, triglicerídeos, ou frequência de dislipidemia, conforme ilustra a tabela 2. Os pacientes com EA tiveram elevação significativa em PCR (38,1% vs. 14,3%, P = 0,01), mas não em VHS. Tabela 1 – Características clínicas e demográficas em EA e em controles EA (n = 42) Controles (n = 42) Idade (anos) ± DP Homem, n (%) Caucasiano, n (%) Fumante, n (%) HFCV, n (%) HA, n (%) DM, n (%) IMC (kg/m2) ± DP CA (cm) ± DP 43,3 ± 11,7 26 (61,9) 35 (83,3) 8 (19,04) 14 (33,3) 15 (35,7) 3 (7,1) 26,5 ± 3,9 90,1 ± 12,3 43,7 ± 11,3 26 (61,9) 40 (95,2) 8 (19,04) 12 (28,57) 11 (26,2) 3 (7,1) 27,6 ± 4,5 91,6 ± 12,8 P 0,89 1,0 0,08 1,0 0,64 0,35 1,0 0,25 0,58 EA, espondilite anquilosante; DP, desvio-padrão; HFCV, história familiar cardiovascular; HA, hipertensão arterial; DM, diabetes melito; IMC, índice de massa corporal; CA, circunferência abdominal Tabela 2 – Perfil laboratorial em EA e em controles Colesterol total (mg/dL) ± DP HDL-C (mg/DL) ± DP LDL-C (mg/dL) ± DP Triglicérides (mg/dL) ± DP CT/HDL ± DP Dislipidemia, n (%) PCR elevada, n (%) VHS (mm/1ah) ± DP EA (n = 42) Controles (n = 42) P 194,8 ± 36,0 196,8 ± 36,4 0,81 52,7 ± 10,9 52,1 ± 14,9 120,1 ± 32,4 119,3 ± 35,1 109,7 ± 49,9 126,8 ± 103,7 3,8 ± 0,9 4,0 ± 1,3 25 (59,5) 26 (62) 16 (38,1) 6 (14,3) 22,2 ± 17,7 20,3 ± 16,8 0,82 0,92 0,88 0,36 0,82 0,01 0,29 EA, espondilite anquilosante; DP, desvio-padrão; PCR, proteína C-reativa; VHS, velocidade d ehemossedimentação. 380 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 7 – 3 8 1 Na tabela 3 demonstramos o uso de medicações nos dois grupos. 31% versus 11,9% dos pacientes com EA estavam sendo medicados com hiperlipemiantes (P = 0,03). Anti-TNF estava sendo utilizado por 66,6% de todos os pacientes com EA. Não foi observada diferença nas medidas de EIM em pacientes com EA e nos controles (0,62 ± 0,09 vs. 0,61 ± 0,09, P = 0,39). Também não foi observada diferença na frequência de placas (tabela 4). Discussão Considerando que inflamação tem sido cada vez mais identificada como a razão pela qual pacientes reumáticos têm risco CV elevado,20 no presente estudo selecionamos uma população de pacientes com EA equiparados para cinco importantes fatores de risco CV, para que esse tópico fosse ventilado mais adequadamente. Nosso estudo revelou que o risco de CV entre pacientes com EA, segundo indicação por EIM, não é diferente do risco nos controles sem a doença. Por outro lado, Peters at al. chegaram a uma EIM maior em pacientes com EA, em comparação com controles.12 No entanto, os autores também detectaram um perfil de fatores de risco CV elevado em pacientes com EA, e alguns desses fatores de risco (lipídios e IMC) estavam associados com EIMs da carótida mais elevados e com maior rigidez arterial. Não foi observada associação entre propriedades dos grandes vasos e índices de Bath para EA ou valores de PCR. Dentro dessa linha, Mathieu et al.14 detectaram valores significativamente elevados para EIM no grupo com EA, em comparação com controles saudáveis. Mas depois do ajuste para fatores complicadores, restou apenas uma tendência subjacente em favor do aumento da EIM. EIM estava positivamente correlacionada com uso de tabaco e pressão arterial, mas não houve correlação com nível de PCR ou mSASS. No grupo de EA, EIM estava correlacionada com fatores de risco tradicionais, como fumo e pressão sistólica. Tabela 3 – Uso de medicamentos em EA e em controles EA (n = 42) Controles (n = 42) Glicocorticoide, n (%) AINE, n (%) Sulfassalazina, n (%) Metotrexato, n (%) Anti-TNF, n (%) Hipolipemiantea, n (%) 8 (19) 22 (52,3) 6 (14,3) 5 (11,9) 28 (66,6) 13 (31,0) 5 (11,9) P 0,03 EA, espondilite anquilosante; AINE, medicamentos antiinflamatórios não esteroides. a Todos os hipolipemiantes utilizados pertenciam ao grupo das estatinas. Tabela 4 – Ultrassom da carótida em EA e em controles IMT (mm) ± DP Placas, n (%) EA (n = 42) Controles (n = 42) P 0,62 ± 0,09 8 (19,0) 0,61 ± 0,09 7 (17,0) 0,39 0,78 EA, espondilite anquilosante; DP, desvio-padrão Embora o modelo de estudo transversal não permita uma boa estimativa da agressão inflamatória cumulativa e embora a pequena série de pacientes esteja associada com baixo poder estatístico, seus resultados sugerem que um perfil de risco CV adverso pode causar, pelo menos em parte, a maior EIM observada por esses autores, não havendo evidência suficiente apoiando um papel de inflamação biológica. Gonzales et al. recrutaram 64 pacientes com EA e 64 controles equiparados sem morbidade cardiovascular. Os pacientes com EA exibiram maior EIM da carótida, em comparação com os controles (média ± DP, 0,74 ± 0,21 mm vs. 0,67 ± 0,14 mm; P = 0,01; diferenças de médias, 0,077; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,016-0,139). Nesse caso, embora os melhores preditores para placas carotídeas em pacientes com EA tenham sido velocidade de hemossedimentação (VHS) por ocasião do diagnóstico da doença (odds ratio [OR], 1,18; IC 95% 1,04-1,33; P = 0,01) e duração da doença (OR, 1,39; IC 95% 1,011,92; P = 0,05), não foi observada correlação significativa entre EIM da carótida e VHS ou proteína C-reativa.13 De fato, muitos dos fatores de risco tradicionais para doença cardiovascular estão presentes na população com EA versus população geral, por exemplo, incidência mais alta de hipertensão, lipídios elevados, aumento dos níveis de fibrinogênio e PCR e níveis mais baixos de atividade física. IMC e colesterol total e triglicerídeos tiveram correlação positiva com EIM e/ou rigidez arterial.21 Concordando com nossos achados, Choe et al. observaram que a EIM da carótida e os parâmetros relacionados com as propriedades elásticas arteriais em pacientes jovens com EA mas sem fatores de risco cardiovasculares clinicamente evidentes não foram diferentes dos observados em controles saudáveis equiparados para gênero e idade. Os níveis séricos de TNF-a, IL-6 e MCP-1 não refletiram o grau de aterosclerose carotídea subclínica.15 Além disso, recentemente Capkin et al. avaliaram 67 pacientes com EA e 34 voluntários saudáveis (controles) equiparados para idade, gênero, índice de massa corporal (IMC), situação de fumante, perfis lipídicos e pressão arterial. Esses autores não observaram diferença em EIM-C entre grupos. Nosso estudo tem algumas limitações. Não foi analisado o índice de atividade da doença. Contudo, isoladamente a medida da atividade da doença não permite que sejam extraídas quaisquer conclusões sobre a agressão inflamatória possivelmente associada com aterosclerose. Do mesmo modo, 66,6% dos pacientes estavam em tratamento com anti-TNF. Uma sub-análise comparando pacientes com EA sugeriu que o grupo em tratamento com anti-TNF (n = 28) não era diferente do grupo tratado com medicamentos não biológicos (n = 14). Mas no tocante à EIM, apresentavam menos placas (10,7% vs. 35,7%, P = 0,09). Embora esse estudo não tenha sido planejado para tratar exatamente desse tópico, nosso achado levanta a questão – se anti-TNF desempenha algum papel para um desfecho cardiovascular mais auspicioso. Estudos sobre cardiopatia isquêmica relacionando mortalidade e morbidade em seguida ao tratamento com anti-TNF chegaram a resultados variáveis. Ferrante et al.22 observaram redução significativa na EIM da carótida em pacientes com AR tratados com anti-TNF depois de transcorridos dois anos, mas não no grupo tratado exclusivamente com metotrexato, embora tenham sido observadas melhoras significativas nas medidas de atividade R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 7 7 – 3 8 1 da doença, PCR e níveis de fibrinogênio com os dois tipos de tratamento. Mas acredita-se que o tratamento com anti-TNF tenha o potencial de não apenas reduzir a inflamação, mas também de modificar os fatores de risco cardiovasculares tradicionais e a disfunção endotelial em pacientes com AR.23,24 Além disso, um terço dos pacientes com EA estavam sendo medicados mais frequentemente com hipolipemiantes (31% vs. 11,9%), embora não houvesse maior prevalência de dislipidemia (conforme definição por esse estudo) em pacientes com EA. Contudo, é sabido que a melhora vascular com o uso de estatinas independe das ações redutoras de colesterol desses medicamentos – fato que foi associado às suas propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras.25 Analogamente ao tratamento com anti-TNF, por causa do modelo do presente estudo não podemos ser conclusivos sobre a contribuição das estatinas para um possível desfecho cardiovascular mais favorável nesses casos de EA. Em conclusão, nossas observações concordam com os achados de outros, podendo implicar que os fatores de risco CV têm mais influência no sistema CV do que a própria EA. Entretanto, não podemos ser conclusivos, por causa do uso de medicações anti-TNF e hipolipemiantes. Esses achados precisam ser confirmados em uma população maior, com um estudo de modelo prospectivo. Também é preciso que se dê alta prioridade a outras pesquisas que abordem a patogênese do aumento do risco cardiovascular em pacientes com EA, pois é provável que muitos fatores de risco sejam modificáveis. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. REFERÊNCIAS 1. Braun J, Pincus T. Mortality, course of disease and prognosis of patients with ankylosing spondylitis. Clin Exp Rheumatol. 2002;20(Suppl. 28):S16-S22. 2. Sokka T, Abelson B, Pincus T. Mortality in rheumatoid arthritis: 2008 update. Clin Exp Rheumatol. 2008;26(Suppl.51):S35-S61. 3. Zochling J, Braun J. Mortality in ankylosing spondylitis. Clin Exp Rheumatol. 2008;26(Suppl.51):S80-S84. 4. Kaprover E, Little AH, Graham DC, Rosen PS. Ankylosing spondylitis: survival in men with and without radiotherapy. Arthritis Rheum. 1980;23:57-61. 5. Khan MA, Khan MK, Kushner I. Survival among patients with ankylosing spondylitis: a life-table analysis. J Rheumatol. 1981;8:86-90. 6. LehtinenK. 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Peters MJ, van Eijk IC, Smulders YM, Serne E, Dijkmans BA, van der Horst-Bruinsma IE, et al. Signs of accelerated preclinical atherosclerosis in patients with ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2010;37(1):161-6. 13. Gonzalez-Juanatey C, Vazquez-Rodriguez TR, MirandaFilloy JA, Dierssen T, Vaqueiro I, Blanco R, et al. The high prevalence of subclinical atherosclerosis in patients with ankylosing spondylitis without clinically evident cardiovascular disease. Medicine (Baltimore). 2009;88(6):358-65. 14. Mathieu S, Joly H, Baron G, Tournadre A, Dubost J, Ristori JM, et al. Trend towards increased arterial stiffness or intimamedia thickness in ankylosing spondylitis patients without clinically evident cardiovascular disease. Rheumatology. 2008;47(8):1203-7. 15. Choe JY, Lee MY, Rheem I, Rhee MY, Park SH, Kim SK. No differences of carotid intima-media thickness between young patients with ankylosing spondylitis and healthy controls. Joint Bone Spine. 2008;75:548-53. 16. Malesci D, Niglio A, Mennillo GA, Buono R, Valentini G, La MG. High prevalence of metabolic syndrome in patients with ankylosing spondylitis. Clin Rheumatol. 2007;26:710-4. 17. Sari I, Okan T, Akar S, Cece H, Altay C, Secil M, et al. Impaired endothelial function in patients with ankylosing spondylitis. Rheumatology. 2006;45:283-6 18. Capkin E, Kiris A, Karkucak M, Durmus I, Gokmen F, Cansu A, et al. Investigation of effects of different treatment modalities on structural and functional vessel wall properties in patients with ankylosing spondylitis. Joint Bone Spine. 2011;78(4):378-82. 19. van der Linden S, Valkenburg HA, Cats A. Evaluation of diagnostic criteria for ankylosing spondylitis. A proposal for modification of the New York criteria. Arthritis Rheum 1984;27(4):361-8. 20. Sattar N, McCarey DW, Capell H, McInnes IB. Explaining low “high-grade” systemic inflammation accelerates vascular risk in rheumatoid arthritis. Circulation. 2003;108:2957-63. 21. Malesci D, Niglio A, Mennillo GA, Buono R, Valentini G, La MG. High prevalence of metabolic syndrome in patients with ankylosing spondylitis. Clin Rheumatol. 2007;26:710-4. 22. Ferrante A, GiardinaAR, Ciccia F, Parrinello G, LicataG, Giardina E, et al. Long-term anti-tumor necrosis factor therapy reverses the progression of carotid intima-media thickness in female patients with active rheumatoid arthritis. Rheumatol Int. 2009;30(2):193-8. 23. Spanakis E, Sidiropoulos P, Papadakis J, Ganotakis E, Katsikas G, Karvounaris S, et al. Modest but sustained increase of serum high density lipoprotein cholesterol levels in patients with inflammatory arthritides treated with infliximab. J Rheumatol. 2006;33:2440-6. 24. Hürlimann D, Forster A, Noll G, Enseleit F, Chenevard R, Distler O, et al. Anti−Tumor necrosis factor-α treatment improves endothelial function in patients with rheumatoid arthritis. Circulation. 2002;106:2184-7. 25. 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Heymannd a Programa de pós-graduação em Reumatologia, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Serviço de Reumatologia, Santa Casa de Campo Grande, Campo Grande, MS, Brasil c Disciplina de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil d Disciplina de Reumatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil e Programa de pós-graduação em Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil f Ambulatório de Fibromialgia, Hospital das Clínicas de Pernambuco, Recife, PE, Brasil g Departamento de Medicina, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil h Disciplina de Reumatologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil i Serviço de Reumatologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil j Programa de Residência Médica, Hospital do Servidor Público de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil k Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil l Ambulatório de Fibromialgia, Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil m Programa de Residência Médica, Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil n Faculdade de Medicina de Marília, Marília, SP, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: Introdução: A fibromialgia (FM) é uma condição dolorosa do sistema musculoesquelético, ge- Recebido em 13 de junho de 2012 ralmente acompanhada de vários sintomas em outros sistemas, com uma prevalência no Aceito em 7 de março de 2013 Brasil estimada em 2,5%. Apresentamos os dados iniciais do EpiFibro, um banco de dados nacional de pacientes com FM atendidos em serviços públicos e privados. Palavras-chave: Objetivo: Avaliar como é feito o diagnóstico da doença, identificar um conjunto de domínios Fibromialgia clínicos considerados relevantes por médicos e por pacientes com FM, analisar o impacto Qualidade de vida da doença na qualidade de vida dos pacientes e comparar os achados entre pacientes de Epidemiologia serviços público e privado. Banco de dados Métodos: Foram analisadas as respostas das primeiras 500 mulheres nesse banco de dados. Esse banco de dados foi baseado em um questionário contendo dados demográficos e clínicos. O Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ), traduzido e validado para o Brasil, foi preenchido pelos médicos e/ou pacientes. Resultados: Uma análise preliminar do banco de dados EpiFibro revelou que as pacientes com FM no Brasil têm um alto impacto da doença avaliada pelo FIQ, uma alta prevalência de sintomas associados, um baixo grau de educação (um achado que pode ser explicado pelo fato de a saúde pública no Brasil ser usada principalmente por aqueles desfavorecidos * Autor para correspondência. E-mail: E-mail: [email protected] (M.C. Rezende) 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 2 – 3 8 7 383 socialmente) e a maioria percebe a sua dor como sendo difusa a partir do início da doença. Conclusão: Depressão e ansiedade são percebidas como as principais causas dos sintomas da FM, mas uma quantidade significativa considera o esforço no trabalho como o primeiro gatilho. Há um atraso de poucos anos em busca de ajuda médica e para chegar ao reumatologista. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. EpiFibro – a nationwide databank for fibromyalgia syndrome – the initial analysis of 500 women abstract Keywords: Introduction: Fibromyalgia syndrome (FS) is a common painful condition of the musculo- Fibromyalgia skeletal system that is typically accompanied by several symptoms in other systems. In Quality of life Brazil, the prevalence of FS is estimated at 2.5%. Here, we present the initial data from Epi- Epidemiology Fibro, a nationwide databank of FS patients seen in public and private settings. Database Objective: The aims of this study were to assess how the diagnosis of FS was made, identify a set of clinical domains considered relevant by both clinicians and patients in cases of FS, analyse the impact of disease on patient quality of life, and compare the findings among patients of public and private services. Methods: Based on the results of questionnaires, we analysed data corresponding to the first 500 women in the database. Questionnaires pertaining to demographic and clinical data and the Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ), which was translated and validated for Brazilian patients, were completed by the clinicians and/or patients. Results: Preliminary analysis of the EpiFibro databank revealed that female FS patients in Brazil reported a high impact of disease, as measured by the FIQ, a high prevalence of associated symptoms, and a low degree of education (consistent with the public health care in Brazil used mainly by the underserved). In addition, most patients perceived their pain as diffuse from the onset of disease. Conclusion: Depression and anxiety were seen as the main triggers of FM symptoms, but a significant proportion of the subjects perceived work strain as the initial trigger. We also observed a delay of a few years in seeking medical help and examination by a rheumatologist. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução A síndrome da fibromialgia (FM) é uma condição dolorosa de alta prevalência na população mundial. No Brasil, a sua prevalência está estimada em 2,5%.1 Caracteriza-se por dor musculoesquelética crônica e é geralmente acompanhada de diversos outros sintomas não relacionados ao aparelho locomotor. Suas manifestações dependem de aspectos sociais, psicológicos, culturais, entre outros, tornando sua expressão clínica altamente variada e, consequentemente, exigindo diferentes abordagens terapêuticas. Existe uma importante necessidade de estudos epidemiológicos sobre a FM no nosso país. O EpiFibro (Estudo Epidemiológico da Fibromialgia no Brasil) foi criado com o intuito de analisar a epidemiologia da FM e de suas comorbidades em todo o território nacional, oferecendo melhores condições para a avaliação do diagnóstico, tratamento e impacto desse distúrbio na sociedade brasileira, utilizando-se para isso questionários apropriados online. Objetivos Os objetivos deste projeto foram avaliar como é feito o diagnóstico da doença, incluindo o tempo despendido para a efe- tivação; identificar um conjunto de potenciais domínios clínicos nos casos de FM, que são considerados relevantes por médicos e pacientes; e analisar o impacto da moléstia na qualidade de vida dos pacientes. Podemos também observar os tratamentos utilizados com mais frequência em nosso meio. Podemos, ainda, determinar se há diferenças no meio privado em relação ao público. Com isso, poderá ser possível a adoção de medidas para encurtar o tempo de efetivação diagnóstica, aprimorar o diagnóstico, tratar mais precocemente, adequar melhor o tratamento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Pacientes e métodos O questionário foi dividido em três partes: 1) Ficha cadastral do médico – preenchida uma única vez com dados cadastrais do médico assistente e como ele efetua o diagnóstico de FM e sua opinião quanto ao aspecto ocupacional da FM; 2) Ficha cadastral do paciente – a primeira página apresenta dados sobre diagnóstico e tratamento e é preenchida pelo médico; o restante pode ser autoaplicável e tem dados cadastrais e epidemiológicos, além de detalhes sobre a sintomatologia; 3) Ficha de seguimento do paciente – autoaplicável, a ser preenchida nos três primeiros retornos do paciente, após a primeira 384 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 2 – 3 8 7 avaliação – e que se encontra online, sendo preenchida em conjunto entre o médico e a paciente. Todos os pacientes preencheram um Formulário de Consentimento Informado Esclarecido e o projeto foi aprovado pelo CEP do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Na investigação utilizou-se um questionário padronizado, que é preenchido na internet por médicos que prestam atendimentos aos pacientes com FM, tanto no setor público quanto no setor privado. Todas as informações são colocadas online no respectivo banco de dados para tabulação. Posteriormente, esses dados são digitalizados no site www.renaprom.com.br e, em seguida, criptografados para acesso somente com autorização da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), que é a responsável pela confiabilidade do projeto. Fundamentado nos questionários, foram analisados os dados das primeiras 500 mulheres. Todas as pacientes foram avaliadas por reumatologistas e preencheram os critérios do American College for Rheumatology (ACR) de 1990 para FM.2 Um questionário com os dados demográficos e clínicos e o Questionário de Impacto da Fibromialgia (Fibromyalgia Impact Questionnaire – FIQ), traduzido e validado para o Brasil, foram preenchidos pelos respectivos médicos. Os resultados das variáveis quantitativas foram descritos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios-padrões. Os resultados de variáveis qualitativas foram descritos por frequências e percentuais. Para a comparação dos grupos definidos pelo ambiente (privado ou público), em relação a variáveis quantitativas, foi considerado o teste t de Student para amostras independentes ou o teste não paramétrico de Mann-Whitney, quando apropriado. Em relação a variáveis qualitativas, as comparações foram feitas aplicando-se o teste do Qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Valores de P < 0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa Statistica v.8.0. 5% 6% Casada 6,4% Solteira 8,4% Divorciada 59,4% Viúva 14,8% Separada Não informado Figura 1 – Estado civil. 9% Fundamental incompleto Médio completo 11% Médio incompleto 37% 2% 3% Superior completo Superior incompleto 3% Não alfabetizado 8% Pós‐graduação completa 10% Pós‐graduação incompleta 17% Não informado Figura 2 – Nível educacional. 35 31 30 25 21 20 % 17,6 16 15 11,2 10 Resultados 3,2 5 0 As pacientes atendidas no ambiente público compreenderam 70% desta amostra. A idade média foi 50,16 anos (± 10,85), sendo a idade mínima 17 anos e a máxima 89 anos (mediana: 51 anos). A maioria (59,4%) das pacientes era casada (fig. 1) e cerca de 1/3 não havia completado o ensino fundamental (fig. 2). Em relação à atividade ocupacional, 31% estavam empregadas, 21% eram donas de casa e 34% encontravam-se desempregadas ou aposentadas (fig. 3). A renda de casa para a grande maioria das famílias das pacientes (73,4%) era inferior a R$ 2.000 reais/mês (fig. 4). Quanto à impressão das pacientes sobre o que desencadeou os sintomas, 39,4% culpam uma suposta condição de trabalho e 51% reconhecem a ansiedade ou depressão como um gatilho. Algumas das pacientes consideraram mais de uma causa como precipitadora da sintomatologia (fig. 5). A maioria das pacientes referiu que a dor já começou como difusa (70,2%). Cerca de 25% das pacientes esperaram mais de três anos para consultar um médico e 42% mais de três anos para ir ao reumatologista. A maioria dos pacientes consultou pela primeira vez um clínico geral ou um ortopedista para avaliar suas queixas. Figura 3 – Atividade ocupacional. 50 41,6 40 31,8 30 20 10 9,2 7,4 3,8 1,8 2,6 0 0,8 1 Reais/mês Figura 4 – Percentual de renda familiar. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 2 – 3 8 7 9% 17% Depressão/ansiedade 51% Condições de trabalho Esforço no lar Trauma 39% Figura 5 – Opinião das pacientes quanto ao fator desencadeante. Cerca de 55% das pacientes receberam o diagnóstico no momento em que entraram no banco de dados, e aproximadamente 43% eram pacientes de acompanhamento; não obtivemos tais informações de cerca de 2% das pacientes. Entre as 277 pacientes que receberam o diagnóstico quando entraram no banco de dados, cerca de 3/4 delas (74,37%) apresentavam dor por mais de três anos, 70% visitaram mais de três médicos antes do diagnóstico ser realizado e 44% delas consultaram um reumatologista somente três anos após a primeira consulta com outro profissional médico. Os principais sintomas associados compreendem os distúrbios do sono (86%), fadiga (84,6%), ansiedade (77,2%), parestesias (75%) e cefaleia (72,6). O número médio de sintomas associados à dor musculoesquelética crônica dessas pacientes era 8,6 ± 3,2 (0-15). As pacientes apresentaram em média 13,74 tender points. A pontuação média encontrada para o FIQ foi de 60,82 (o máximo é 100), sendo considerado um valor que demonstra o impacto na qualidade de vida das pacientes. Na tabela 1 pode-se perceber que as pacientes do serviço público apresentam menor nível de escolaridade em relação às pacientes privadas, que relatam dor mais difusa já no início (77,71% vs. 55,49% em pacientes particulares), mas não diferem em relação ao FIQ (60,65 vs. 62,67). Discussão As pacientes acompanhadas na rede pública representam a maioria desta amostra. Uma substancial proporção das pacientes não completou o ensino fundamental, indicando que têm baixo nível educacional, o que as coloca em desvantagem no mercado de trabalho e em outras situações da vida. Mais da metade não tem emprego; são donas de casa, aposentadas ou desempregadas. Cerca de 3/4 das pacientes têm renda familiar baixa. Tais aspectos psicossociais podem interferir na sintomatologia.3 Tabela 1 – Pacientes públicas e privadas Ensino funadamental completo Dor inicalmente difusa FIQ médio Público Privado P 32,6% 78% 60,65% 4,4% 55% 62,67% 0,001 0,001 ns 385 Muitas pacientes valorizam as condições de trabalho e/ou distúrbios psicológicos, em particular depressão e ansiedade, como os responsáveis pelo surgimento do quadro clínico. Entretanto, não existe evidência científica de que a FM tenha origem ocupacional ou que esta síndrome dolorosa crônica seja causada por depressão, ansiedade ou outra enfermidade psicogênica. Na década de 1990 foram publicados poucos artigos relacionados ao trauma no trabalho e o litígio com a FM.46 Por outro lado, a literatura é insuficiente para caracterizar tal causalidade. Os estudos foram realizados com pequenas amostras de pacientes ou foram documentados como relatos isolados de casos.7,8 Pode-se indagar se pacientes com FM agravariam sua sintomatologia quando submetidos a critérios rígidos de produtividade e pressão no ambiente de trabalho. Contudo, ainda não estão estabelecidos os limites biomecânicos desses pacientes, ou qualquer implantação de redução, modificação ou eliminação de trabalhos específicos por eles desenvolvidos. As revisões sistemáticas apontam que até o momento não há qualquer estratégia de intervenção laboral que possa ser considerada efetiva para os aspectos ocupacionais envolvendo esses pacientes.9,10 Importante destacar que, como em qualquer outra síndrome dolorosa crônica, a motivação no trabalho pode ser influenciada por fatores sociais e psicológicos. Sabe-se que os pacientes com dor crônica tendem a ter sua sintomatologia piorada quando apresentam distúrbios psicológicos associados. Um estudo realizado no Brasil constatou que 30% dos pacientes com FM exibiram depressão grave e 34% depressão moderada; neste mesmo estudo foi observado que 70% dos pacientes apresentaram traço de ansiedade significativa e 88% estado de ansiedade alta.11 Os dados deste estudo estão em plena concordância com achados de outros estudos, os quais demonstraram que pacientes com FM apresentam uma prevalência significativamente maior de transtornos depressivos e de ansiedade, quando comparados com os controles. Além de muito prevalentes, os distúrbios psiquiátricos e a FM também apresentam semelhanças sociodemográficas e clínicas.12 Uma série heterogênea de distúrbios, envolvendo principalmente os sistemas autonômico, neuroendócrino e neuropsíquico, geralmente está presente. O estado de sofrimento psicofísico crônico da FM afeta negativamente a qualidade de vida dos pacientes, o desempenho e o estado de ânimo. Portanto, muitos são os fatores que indicam uma fisiopatologia comum entre a FM e algumas doenças psiquiátricas, incluindo alterações dos sistemas neurotransmissores, que podem constituir um mecanismo comum subjacente.13,14 Assim, há casos que necessitam da ajuda de um especialista da área dos transtornos mentais. Importante frisar, entretanto, que não há literatura científica comprovando que a FM seja causada por algum distúrbio psiquiátrico.15 A maioria das pacientes que participam deste estudo relatou que o quadro surgiu com dor difusa; contudo, uma boa parcela delas demorou mais de três anos para procurar auxílio médico e também para chegar ao reumatologista. Tais fatos indicam muito atraso na elaboração diagnóstica e, consequentemente, na instituição terapêutica. Observou-se, inclusive, que uma expressiva quantidade de pacientes consultou mais de três médicos antes de o diagnóstico ser 386 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 2 – 3 8 7 efetivado, indicando desperdício de tempo, gastos diretos e indiretos desnecessários, além de contribuir para o estresse. Esses dados mostram que as pacientes precisam de melhor orientação e melhor acesso ao especialista. O estudo também demonstra que os principais sintomas associados englobam os distúrbios do sono, cansaço, ansiedade, parestesia e cefaleia em mais de 70% das pacientes. Chama atenção a quantidade média de sintomas (próxima a nove) associados. Esta alta prevalência de sintomas associados é similar a outro estudo realizado no Brasil, que observou, em ordem decrescente de prevalência, rigidez, distúrbio do sono, fadiga, parestesia, dificuldade de memória, cefaleia, palpitação, tontura, sensação de inchaço e dor torácica, também em pelo menos 70% dos pacientes.16 Esses achados refletem a importante sintomatologia desta síndrome e os cuidados que devemos tomar na investigação diagnóstica, exigindo boa propedêutica e conhecimento sobre o vasto leque do diagnóstico diferencial.17,18 Além do importante número de sintomas relatados, os valores elevados obtidos na pesquisa de tender points e no FIQ refletem o importante impacto dessa enfermidade na qualidade de vida dessas pacientes. Esses dados indicam que a abordagem terapêutica deve ser rapidamente instituída; também indicam que deve ser abrangente e envolver variadas estratégias medicamentosas e não medicamentosas.19,20 Apesar de as pacientes da rede pública terem menor nível de escolaridade em relação às pacientes privadas, além de relatarem mais dor difusa desde o início de seus quadros, elas não diferem em relação ao FIQ, ou seja, o impacto da doença é igualmente significativo em ambos os grupos, diferente do observado na literatura mundial. Conclusões Este pioneiro programa, intitulado EpiFibro, foi criado com a intenção de melhorar a qualidade da assistência para os pacientes com FM. A FM é um distúrbio doloroso crônico caracterizado por múltiplos sintomas, especialmente dor difusa no sistema musculoesquelético. Esta síndrome causa impacto negativo em diversos domínios da vida das pacientes, incluindo o desempenho, a motivação e a qualidade de vida. Também impõe consequências financeiras para as pacientes e para o sistema de saúde, devido aos gastos com investigação diagnóstica e tratamento. Esta análise preliminar do banco de dados EpiFibro revelou que muitas mulheres com FM no Brasil têm baixo nível educacional, não estão bem informadas sobre a doença, demoram muito para procurar ajuda médica e para chegar ao reumatologista. O diagnóstico pode demorar vários anos para ser efetivado. Também revelou que tais pacientes possuem alta prevalência de sintomas associados e experimentam um importante impacto negativo na qualidade de vida. Todavia, há importante atraso na instituição do tratamento. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. REFERÊNCIAS 1. Senna ER, De Barros AL, Silva EO, Costa IF, Pereira LV, Ciconelli RM, et al. Prevalence of rheumatic diseases in Brazil: a study using the COPCORD approach. J Rheumatol. 2004; 31:594-7. 2. 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Rev Bras Reumatol. 2010;50:56-66 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 8 – 3 9 3 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Alterações radiográficas de coluna cervical em artrite reumatoide Juan Marcelo Fernandez Alcalaa, Diogo Douatb, Diogo Lago Pinheirob, Douglas Jun Kameia, Fábio Raimundo M dos Santosa, Marilia B Silvaa, Thelma L Skarea,* a b Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná, Curitiba, PR, Brasil Serviço de Diagnóstico por Imagem, Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil informações resumo Histórico do artigo: Introdução: O envolvimento da coluna cervical é comum na artrite reumatoide (AR). Recebido em 13 de maio de 2012 Objetivo: Estudar a prevalência das alterações radiológicas de coluna cervical em pacientes Aceito em 14 de março de 2013 com AR e sua associação com perfil clinico e sorológico da doença. Métodos: Analisaram-se as radiografias de coluna cervical em perfil neutro hiperextensão, Palavras-chave: hiperflexão e transoral de 80 pacientes com AR para presença de subluxação atlanto-axial Artrite reumatoide (LAA), invaginação basilar (IB) e instabilidade subaxial (ISA). Dados de perfil demográfico, Coluna cervical clínico (nódulos, pneumonite intersticial, síndrome Sjögren secundária, uso de medica- Luxação atlanto-axial mentos etc.) e sorológico (FR, anti-CCP e FAN) foram obtidos por revisão de prontuários. Invaginação basilar Resultados: Havia alguma alteração de eixo de coluna cervical em 26/80 (32,5%); em 12/80 Instabilidade subaxial (15%) havia LAA; em 6/80(7,5%) existia IB; em 13/80 (16,2%) existia ISA. Erosões em odontoide foram vistas 16/80 (20,0%). As alterações do eixo cervical estavam associadas com idade de início da doença e duração da mesma (P = 0,03 e 0,02, respectivamente). Não se encontrou associação das alterações em coluna cervical com raça, gênero, nódulos, pneumonite intersticial, Sjögren secundário, FR, FAN ou anti-CCP. Pacientes com alterações do eixo cervical apresentavam mais erosões de odontoide (P = 0,03). Conclusões: Alterações radiológicas em eixo de coluna cervical são comuns e aparecem mais frequentemente em indivíduos com diagnóstico mais precoce de AR e maior tempo de doença. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Radiographic changes of cervical spine in rheumatoid arthritis abstract Keywords: Introduction: The involvement of the cervical spine is a common feature of rheumatoid ar- Rheumatoid arthritis thritis (RA). Cervical spine Objective: To study the prevalence of radiographic changes of the cervical spine in patients Atlanto-axial luxation with RA and their association with clinical and serological profiles of the disease. Basilar invagination Methods: We analysed lateral (neutral position, hyperextension, hyperflexion) and transoral Subaxial instability views of cervical spine radiographs from 80 individuals with RA to investigate the presence of atlanto-axial subluxation (AAS), basilar invagination (BI), and subaxial instability (SAI). * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (T.L. Skare). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 8 – 3 9 3 389 Demographic, clinical (nodules, interstitial pneumonitis, secondary Sjögren’s syndrome, medications etc.), and serologic (rheumatoid factor - RF, cyclic citrullinated peptide antibody – anti-CCP, and antinuclear factor - ANF) data were obtained from the clinical records. Results: Cervical spine misalignments were identified in 26/80 (32.5%) participants; AAS occurred in 12/80 (15%) participants, BI in 6/80 (7.5%), and SAI in 13/80 (32.5%). Odontoid erosions were identified in 16/80 (20.0%) participants. Cervical spine misalignment exhibited associations with age at onset and disease duration (P = 0.03 and 0.02, respectively). No associations were identified between the cervical spine changes and the participants’ ethnicity or gender, presence of nodules, interstitial pneumonitis, secondary Sjögren’s syndrome, RF, ANF, or anti-CCP. The participants with cervical spine misalignment exhibited higher frequencies of odontoid erosion (P = 0.03). Conclusions: Cervical spine misalignment was a common radiographic finding and occurred more frequently in participants with earlier onset and longer length of RA. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução O envolvimento da coluna cervical é uma das características da artrite reumatoide (AR).1 As principais alterações vistas nessa doença são encontradas na porção mais móvel da coluna cervical que é a sua porção superior.1 As alterações típicas são: a subluxação atlas-axis anterior, a impactação atlanto-axial ou invaginação basilar (também chamada de subluxação atlas-axis vertical) e a doença subaxial.1,2 Todas essas alterações estruturais são ocasionadas pelo processo inflamatório crônico local.1,2 A luxação atlas-axis anterior aparece quando existe lesão dos ligamentos que fazem a estabilização da região; nessa situação, ao mobilizar o pescoço, o peso da cabeça traciona o atlas para longe do axis.2 Se o processo inflamatório danifica as articulações atlanto-axiais, destruindo a cartilagem e estrutura óssea, o crânio pressiona o atlas para baixo, de encontro ao axis, promovendo a invaginação basilar.2 Já a doença subaxial é considerada menos comum e geralmente está associada às demais deformidades.1 Ela resulta da inflamação das articulações facetárias abaixo da segunda vértebra cervical.3 Uma metanálise demonstra que alterações na coluna cervical em pacientes com AR são comuns, aparecendo entre 5,5% e 73% dos casos (média de 32%), sendo que em 17% deles há sinais e/ou sintomas neurológicos.1 A subluxação atlas-axis pode ser um achado precoce,1,2 aparecendo nos primeiros dois anos de doença.2 O diagnóstico é feito quando há uma distância superior a 3 mm entre a porção anterior do arco do atlas e o dente do axis. Se o diâmetro entre o arco posterior do atlas e o dente do axis é de 14 mm ou menos, a possibilidade de mielopatia é eminente. O primeiro sinal neurológico a aparecer é a cefaleia na região occipital causada pela compressão do nervo occipital maior (neuralgia de Arnold), seguida por perda sensorial e motora de braços e pernas.4 Outras queixas são as de sensação de rigidez no pescoço, dor na região do ouvido pela compressão do ramo auricular maior, vertigens, distúrbios da marcha, perda de equilíbrio e tinitus por alterações no fluxo da artéria vertebral.5 A flexão do pescoço pode causar o aparecimento do sinal de Lhermitte, que é uma sensação de choque em dorso e extremidades.5 Quadriparesia, hidrocefalia crônica, infartos cerebrais e morte súbita são complicações da doença bem-estabelecida.2,4 Os achados da invaginação basilar tendem a aparecer mais tardiamente e são mais comuns em casos de AR mais graves.2 Aparecem em 4-34% dos casos e, pela migração superior do processo odontoide, podem causar compressão do tronco cerebral.1,6 A subluxação axial tem uma prevalência entre 7-29%1,6 e costuma surgir ou como uma deformidade isolada ou afetando múltiplos níveis. Nessa última situação, promovendo o aparecimento de uma deformidade conhecida como “em degraus de escada”.1,6 Segundo Corbett et al.,7 que acompanharam 102 pacientes que desenvolveram luxação atlas-axis nos primeiros dois anos de doença, esse achado foi associado à doença erosiva e a um prognóstico pobre quanto à função do indivíduo. Entretanto, a rápida instituição de terapia modificadora de doenças assim como o advento de drogas mais potentes no controle do processo inflamatório têm modificado a história clinica da AR. Essa modulação se faz sentir, também, sobre a gravidade do envolvimento cervical.8 Acredita-se que o uso efetivo e precoce de drogas modificadoras do curso da doença (DMCDs) previna ou diminua o crescimento do pannus, reduzindo tanto o espaço por ele ocupado assim como o seu potencial destrutivo.1,8 Dessa maneira, espera-se que a prevalência e os riscos associados às complicações cervicais em AR venham a diminuir. No presente trabalho verificamos a prevalência de alterações radiológicas de coluna cervical em pacientes brasileiros com AR, procurando determinar características clínicas, sorológicas e demográficas associadas. Métodos Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da entidade local e todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Foram convidados a participar do estudo pacientes de ambos os gêneros, com pelo menos quatro dos critérios classificatórios do American College of Rheumatology de 1987.9 Os pacientes foram selecionados a partir da ordem de consulta e da disponibilidade em partici- 390 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 8 – 3 9 3 par do estudo durante o período de julho de 2011 a dezembro de 2011, devendo ter o diagnóstico feito após os 16 anos de idade. Foram excluídas mulheres grávidas, pessoas com antecedentes de trauma na coluna cervical e indivíduos com capacidade intelectual insuficiente para entender o termo de consentimento. Os pacientes foram submetidos a radiografias de coluna cervical em perfil neutro, em hiperextensão e hiperflexão. Todos os exames foram lidos por dois radiologistas independentes, cegos para os dados clínicos dos pacientes. Os critérios avaliados foram: subluxação atlas-axial, invaginação basilar, erosão do processo odontoide e instabilidade subaxial. A subluxação atlas-axial foi considerada positiva quando a distância entre o arco anterior do atlas e o processo odontoide foi maior que 3 mm (fig. 1).10,11 O método de Redlund-Johnell e Peterson12 foi utilizado para avaliação da invaginação basilar. Esse método consiste em traçar uma linha, em uma radiografia, na incidência lateral, a partir da margem posterior do palato duro à superfície cortical inferior do osso occipital seguida da mensuração da distância entre o centro da superfície cortical inferior do corpo de C2 e tal linha. O valor normal é de 34 mm ou mais para homens e 29 mm ou mais para mulheres. Esse método é adequado para a pesquisa de invaginação basilar por evitar medidas que incluam como ponto de referência a extremidade do processo odontoide, que frequentemente encontra-se erodido em pacientes com AR (fig. 2).12 Valores maiores que 3 mm no deslizamento entre os corpos vertebrais foram diagnósticos de instabilidade subaxial (fig. 3).13,14 Por revisão de prontuário obtiveram-se dados demográficos, quanto à duração da doença e idade de início, perfil clínico (nódulos, ocorrência de doença pulmonar intersticial associada, presença de síndrome de Sjögren secundária, neuropatias periféricas, envolvimento ocular) e de uso de medicamentos. A presença de síndrome Sjögren secundária foi considerada quando preenchidos os critérios americanos-europeus15 para classificação dessa entidade. Os pacientes foram questionados quanto a queixas relacionadas à região cervical (dor, rigidez, parestesias e fraqueza de membros superiores). Os dados foram agrupados em tabelas de frequência e de contingência; foram usadas a mediana e intervalo interquartil para medida de tendência central de dados não paramétricos e a média e desvio padrão para os paramétricos. Os testes de associação foram feitos usando-se os testes de Fisher para Figura 2 – Método de Redlund-Johnell para identificação de invaginação basilar. Na radiografia em perfil, traçase uma linha da margem posterior do palato duro (A) à superfície cortical inferior do osso occipital (B). É realizada a mensuração da distância entre o centro da superfície cortical inferior do corpo do axis (C) e a linha A-B por meio de um traço paralelo ao eixo longitudinal do processo odontoide. O valor normal é de 34 mm ou mais para homens e 29 mm ou mais para mulheres. Figura 1 – Radiografia em perfil (flexão) demonstrando aumento do espaço entre a margem posterior do arco anterior do atlas e a parede anterior do processo odontoide do axis, indicando subluxação atlanto-axial. Figura 3 – Radiografias de coluna cervical em perfil neutro (A), em extensão (B) e em flexão (C). Nota-se deslizamento anterior de 3,5 mm do corpo vertebral de C4 sobre o de C5 somente na incidência em flexão (C) indicando instabilidade subaxial. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 8 – 3 9 3 os dados nominais e o de Mann-Whitney e t de Student não pareado para os numéricos. A significância adotada foi de 5% e os cálculos foram feitos com auxílio do programa Graph Pad Prism versão 5.0 Resultados Análise descritiva da população estudada 35 30 25 20 15 10 5 0 subluxação atlas axis invaginação basilar instabilidade sub axial Nos seis pacientes com invaginação basilar, a medida obtida foi de 20,0-28,0 mm (média de 25,6 ± 2,8 mm). Já nos 13 com instabilidade subaxial, o deslize verificado entre vértebras variou entre 3,5-5,0 mm (mediana de 4,0 mm). Na presente amostra, nenhum dos pacientes com alterações radiográficas tinha queixas que pudessem ser atribuídas às mesmas. Estudo das associações das alterações radiográficas de coluna cervical com perfil clínico e laboratorial Dos 80 pacientes incluídos, 10 (12,5%) eram homens e 70 (87,5%) mulheres; 18 (22,5%) eram afrodescendentes e 62 (77,5%) caucasianos com idade média de 55,4 ± 11,9 anos (entre 26 e 82 anos), tempo mediano de doença de 9 anos (entre 1 e 29 anos) e idade de início da doença entre 17 e 75 anos (média de 45,0 ± 12,6). Nessa população, 11 (13,7%) tinham pneumopatia intersticial demonstrada ao RX ou tomografia de tórax; 9 (11,2%) tinham nódulos subcutâneos; 2 (2,5%) apresentavam esclerite; 1 (1,25%) apresentava vasculite; 1 (1,25%), neuropatia periférica. Dezenove (23,7%) apresentavam síndrome de Sjögren secundária. Em 54 (68,3%), o fator reumatoide (FR) era positivo; em 19 (25,0%) encontrou-se fator antinuclear (FAN), e 22 (70,9%) apresentavam antipeptídeo cíclico citrulinado (ACPA). No que se refere a tratamento, 66 (82,5%) usavam metotrexato, 39 usavam antimaláricos (48,7%); 37 (46,2%) faziam uso de glicocorticoides; 27 (33,7%) usavam leflunomida; 9 (11,2%) estavam em uso de anti-TNF-α e 4 (5%) usavam azatioprina. Cerca de 10 (12,5%) tomavam quatro DMCDs; 24 (30,0%) usavam três DMCDs; 31 (38,7%) usavam duas e 15 (18,7%) usavam apenas uma DMCD. A prevalência dos diferentes tipos de alterações encontradas nas radiografias de coluna cervical está demonstrada na figura 4. A distância entre o arco anterior da primeira vértebra e a superfície anterior do odontoide nos indivíduos com luxação atlas-axis variou entre 3,5-5,5 mm (média de 4,3 ± 0,7 mm) e a distância entre odontoide e o arco posterior da vértebra variou de 14,0-23,0 mm (média de 20,4 ± 2,1 mm). Dos 12 pacientes com luxação atlas-axis, apenas um deles demonstrou esse achado na incidência de perfil neutro. A mediana da diferença de distância entre arco anterior e processo odontoide verificada em perfil neutro e em flexão foi de 2,7mm. qualquer desvio 391 erosão do odontoide Figura 4 – Prevalência (em %) de alterações radiológicas de coluna cervical em 80 pacientes com AR (subluxação atlasaxis em 12/80; invaginação basilar em 6/80; instabilidade subaxial em 13/80 e erosões de odontoide em 16/80). Comparando-se o grupo de pacientes com algum tipo de desvio no eixo da coluna cervical com os demais foram observados os achados da tabela 1. Nela pode ser verificado que há maior prevalência de alterações radiográficas de coluna cervical em indivíduos com maior tempo de doença e com doença de início mais precoce. Discussão A população presentemente estudada demonstrou uma prevalência alta de alterações em coluna cervical (31%). De maneira concorde com o apontado pela literatura,1 a alteração menos frequente foi a de invaginação basilar. É interessante notar que todos os pacientes desta série eram assintomáticos do ponto de vista clínico e o desenvolvimento silencioso dessa complicação é um aspecto ressaltado pela literatura.2 Assim, torna-se necessário que seja feita sua busca ativa.1,2 Na realização de exames de acompanhamento rotineiro de pacientes com AR deve-se, portanto, incluir os exames radiológicos de coluna cervical; estes não devem ser solicitados apenas em posição neutra, porque assim podem deixar passar muitas dessas alterações desapercebidas De acordo com Kauppi et al.,10 50% das subluxação não são diagnosticadas só com a posição neutra. Na presente casuística, apenas um paciente poderia ter tido seu diagnóstico de luxação atlas-axis feito unicamente pela incidência de perfil neutro. Não existem diretivas claras na literatura para a periodicidade dessa pesquisa e o presente estudo não permite este tipo de conclusão. Todavia ele aponta para o fato de que naqueles com doença de maior duração ou com aparecimento mais precoce devem ser acompanhados com maior cuidado. A mielopatia cervical só é encontrada muitos anos mais tarde depois do estabelecimento da subluxação atlas-axis.1,4 Acredita-se que seja causada pelo efeito somatório de microtraumas repetitivos em uma coluna instável durante muitos anos, que promovem morte de neurônios e de células da glia e atrofia da medula.1,4,16 Na gênese da mielopatia, os microtraumas parecem ser mais importantes do que as lesões isquêmicas.5 Uma vez manifesta a mielopatia, a condição clínica do paciente se deteriora de maneira rápida e o prognóstico tende a se agravar.1 Um estudo de 37 casos de AR com mielopatia cervical17 mostrou que 19 desses pacientes morreram, e 15 dessas mortes aconteceram 6 meses depois do aparecimento dos sintomas. Nessa mesma série, todos os pacientes com mielopatia não tratados e metade dos que foram tratados com colar morreram em 12 meses. Outro relato,18 de nove pacientes com mielopatia tratados de maneira conservadora, mostrou que 392 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 8 – 3 9 3 Tabela 1 – Comparação do perfil demográfico, clínico e sorológico dos pacientes com e sem desvios no eixo de coluna cervical Idade (anos) Tempo de doença (anos) Idade de inicio da doença (anos) Gênero Raça Nódulos Fibrose pulmonar Sjögren secundário Fator reumatoide Fator antinuclear Antipeptídeo cíclico citrulinado Erosão de odontoide Com alguma luxação n = 26/80 = 32,5% Sem luxação n = 54/80 = 67,5% P 26-75 média 53,9 ± 13,9 2-29 mediana 11,0 IIQ de 7,5-16,5 17- 63 média 40,5 ± 13,4 4 homens 22 mulheres 21 caucasianos 5 afrodescendentes 2/26 (7,6%) 4/26 (15,3%) 5/26 (19,2%) 15/26 (57,6%) 4/26 (15,3%) 8/13 (61,5%) 9/26 (34,6%) 34-82 média 56,0 ± 10,9 1-27 mediana 7,0 IIQ de 4,0-12,0 23-75 media 47,0 ±11,8 6 homens 48 mulheres 41 caucasianos 13 afrodescendentes 7/54 (12,9%) 7/54 (12,9%) 14/54 (25,9%) 39/53 (73,5%) 15/50 (30,0%) 14/18 (88,8%) 7/54 (12,9%) 0,46 todos os pacientes morreram dentro de 12 meses; em quatro deles a causa do óbito foi atribuída à compressão da medula. Um estudo feito por Neva et al.6 em pacientes com AR que foram à óbito na Finlândia mostrou que anormalidades cervicais tinham sido diagnosticadas em 38 de 853 prontuários revisados, e que em 17 dos casos havia alterações radiológicas de coluna cervical que eram graves o suficiente para justificar a morte do paciente. Todavia, a mielopatia cervical não constava como causa de morte em nenhum dos certificados de óbito mostrando que, muitas vezes essa complicação pode passar sem a devida valorização. Não existe consenso sobre o tratamento da instabilidade cervical em pacientes com AR. Opiniões e recomendações acerca de estabilização cirúrgica de maneira precoce e profilática são baseadas apenas em estudos retrospectivos.4,19 Em geral, o tratamento é conservador nos indivíduos assintomáticos. São aceitas como indicações para intervenção os casos com dor intratável, os com deficiências neurológicas ou com comprometimento da artéria vertebral e, ainda, aqueles que demonstrem aumento de intensidade dentro da medula ao exame de ressonância magnética em T1.20,21 Apesar de a conduta conservadora ser utilizada nos casos mais brandos, isso não diminui a necessidade de vigilância acerca de seu aparecimento, especialmente em pacientes sujeitos à manipulação de coluna cervical como, por exemplo, aqueles que necessitam de cirurgias ortopédicas.22 Alguns autores19,23 têm ligado ocorrências de subluxações cervicais a algumas características clínicas da doença como presença do FR, aparecimento de nódulos subcutâneos. No presente estudo não foi possível provar tais associações, nem quaisquer outras com perfil clinico, salvo idade de inicio mais precoce e uma duração mais prolongada da doença. A associação com uma doença DCE de duração mais longa já é fato constatado na literatura17 embora existam achados discordantes.24 Talvez a discordância verificada quanto à associação com presença de FR e nódulos e tempo de doença possa ser explicada pelo tratamento mais agressivo da doença imposto pelos novos conhecimentos de sua fisiopatologia. Como 0,02 0,03 0,72 0,77 0,71 0,74 0,28 0,19 0,10 0,43 0,03 já comentado, essa forma de tratamento tende a modificar a historia natural da AR, incluindo-se os achados de coluna cervical.8,25 Concluindo, pode-se dizer que na presente amostra existe alta prevalência de distúrbios assintomáticos do eixo da coluna cervical em pacientes com AR e que essas alterações são mais comuns em indivíduos com doença mais prolongada. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. REFERÊNCIAS 1. Casey ATH, Crockard HA. The cervical spine. In: Firestein GS, Panayi GS, Wollheim FA (eds). Rheumatoid Arthritis. 2.ed. 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Rheumatology. 2001;40:123-7. 7. Corbett M, Dalton S, Young A, Silman A, Shipkley M. Factors predicting death, survival and functional outcome in a R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 8 8 – 3 9 3 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. prospective study of early rheumatoid disease over fifteen years. J Rheumatol. 1993;32:717-23. Neva MH, Kauppi MJ, Kautiainen H, Luukkainen R, Hannonen P, Leirisalo-Rapo M, et al. Combination drug therapy retards the development of rheumatoid atlanto-axial subluxation. Arthritis Rheum. 2000;43:2397-401. Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS, et al. The American Rheumatism Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1988;31:315-24. Kauppi M, Neva MH. Sensitivity of lateral view cervical spine radiographs taken in the neutral position in atlantoaxial subluxation in rheumatoid diseases. Clin Rheumatol. 1998;17:511-4. Komusi T, Munro T, Harth M. 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[Epub ahead of print] R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Prática de atividade física entre pacientes da Coorte Brasília de artrite reumatoide inicial Carolina Rocha Silvaa,*, Thaís Ferreira Costaa, Tatiane Teixeira Vaz de Oliveirab, Luciana Feitosa Munizc, Licia Maria Henrique da Motad a Serviço de Residência em Reumatologia, Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil Departamento de Fisioterapia, Universidade Estadual da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil c Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil d Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: Introdução: O Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para Tratamento da Recebido em 30 de agosto de 2012 Artrite Reumatoide (AR) recomenda que os pacientes realizem exercícios físicos de forma Aprovado em 18 de março de 2013 regular. Não há estudos no Brasil sobre a prática de atividade física entre pacientes com AR inicial. Palavras-chave: Objetivo: Investigar a prática de atividade física entre pacientes com AR inicial e a possível Artrite reumatoide relação entre atividade física, atividade da doença e incapacidade funcional. Atividade física Métodos: Estudo transversal incluindo pacientes da Coorte Brasília de AR inicial. Foram ana- Exercícios físicos lisados dados demográficos (sexo, idade e escolaridade), prática de atividade física, índice Sedentarismo de atividade da doença (Disease Activity Score 28 – DAS 28), incapacidade funcional (Health Assessment Questionnaire - HAQ), além de dados sobre tabagismo, etilismo, presença de comorbidades e tratamento da AR. Resultados: Foram avaliados 72 pacientes, sendo 90,27% do sexo feminino, com média de idade de 50,2 ± 13,3 anos, média do DAS 28: 3,66 e a do HAQ: 0,69. Estavam regularmente ativos 43,05%, sendo que a caminhada foi o exercício mais praticado (80,64%). A média de tempo de exercício físico foi de 48,22 ± 27,18 min, periodicidade de 3,7 ± 1,64 vezes na semana. Não houve associação entre atividade física com sexo, idade, escolaridade, atividade da doença, incapacidade funcional, tabagismo ou etilismo, presença de comorbidades e tratamento com drogas modificadoras do curso da doença. Conclusão: Dada a importância da prática regular de atividade física, há necessidade de orientação dos pacientes, em especial quanto à prática de atividades resistidas, pouco frequente entre os pacientes do nosso estudo. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (C.R. Silva). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9 395 Physical activity among patients from the Brasília cohort of early rheumatoid arthritis abstract Keywords: Introduction: The 2012 Consensus of the Brazilian Society of Rheumatology (SBR) for the Rheumatoid arthritis treatment of Rheumatoid Arthritis (RA) recommends that patients should regularly per- Physical activity form physical exercises. There have been no studies in Brazil on physical activity among Physical exercises patients with early RA. Sedentary life style Objective: To investigate the physical activity practice among patients with early RA and the possible association between physical activity, disease activity and functional disability. Methods: Cross-sectional study of patients from the Brasilia cohort of early RA. Demographic data (sex, age and level of schooling), physical activity practice, Disease Activity Score 28 (DAS 28), functional disability (Health Assessment Questionnaire - HAQ), as well as data on smoking status, alcohol consumption, comorbidities and RA treatment were analyzed. Results: A total of 72 patients were evaluated, 90.27% females, mean age 50.2 ± 13.3 years, mean DAS 28: 3.66 and HAQ: 0.69. Of them, 43.05% were regularly active, with walking being the most often practiced exercise (80.64%). The mean duration of exercise was 48.22 ± 27.18 min, with a frequency of 3.7 ± 1.64 times per week. There was no association between physical activity and gender, age, educational level, disease activity, functional disability, alcoholism or smoking, presence of comorbidities and treatment with drugs that alter the course of disease. Conclusion: Given the importance of regular physical activity practice, it is necessary to recommend it to patients, especially resistance physical activities, which are not frequent among the patients in our study. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução A artrite reumatoide (AR) é uma doença sistêmica, crônica e inflamatória, que acomete preferencialmente a sinóvia das articulações periféricas, com grande impacto na qualidade de vida, nos aspectos social, econômico e psicológico.1 A denominação AR inicial compreende as primeiras semanas ou meses de sinais ou sintomas articulares (em geral, menos de 12 meses), destacando-se como período crítico as primeiras doze semanas de manifestações.2 Na última década, além do desenvolvimento de novas medicações e estratégias terapêuticas,3 a atividade física passou a ser um componente importante no tratamento.4 A maior parte dos programas de exercícios dinâmicos para pacientes com AR segue as recomendações do Americam College of Medicine Sports (ACMS).5 Recomenda-se para indivíduos saudáveis, inclusive para pacientes com AR que o exercício tenha duração de 20 minutos ou mais, que seja realizado no mínimo duas vezes por semana e leve a um aumento de 60% da frequência cardíaca prevista para a idade, para apresentar efeitos clínicos positivos e sem detrimento à doença, ou seja, sem piora da atividade da AR e sem causar dor.3 Quando comparado o exercício dinâmico ao programa de reabilitação articular convencional, observa-se melhora significativa da qualidade de vida dos pacientes com AR.6,7 Atividades aeróbicas como; caminhada, corrida, bicicleta, hidroginástica e natação possibilitam melhor condicionamento cardiovascular e podem auxiliar na prevenção da limitação relacionada à AR.8 Entre os pacientes com diagnóstico de AR, de acordo com Stenström et al., 20-30% têm capacidade aeróbica reduzida e consequente redução dos índices de força e massa muscular pela dor, fadiga e limitação funcional das articulações ocasionada pela doença.4 As limitações físicas apresentadas pelos pacientes com AR podem levar a uma redução na prática de exercícios e risco elevado de eventos cardiovasculares.9 Embora a prática de atividade física seja um importante fator no tratamento dos pacientes com AR, não há estudos brasileiros sobre a prevalência de atividade física entre pacientes com AR inicial. O objetivo do presente estudo foi investigar o percentual de pacientes com AR inicial que praticam algum tipo de atividade física estruturada de forma regular, bem como determinar o tipo de atividade física mais praticada. Secundariamente, objetivou-se avaliar a possível associação entre a prática de atividade física e parâmetros demográficos (sexo, idade, nível de escolaridade), atividade da doença, incapacidade funcional, dados clínicos (tabagismo, etilismo, presença de comorbidades) e tratamento medicamentoso da AR, incluindo o uso de drogas modificadoras do curso da doença (DMCD) sintéticas e biológicas. Pacientes e métodos Foram avaliados pacientes da Coorte Brasília de AR Inicial,10,11 que é uma coorte incidente de pacientes com diagnóstico de AR inicial, acompanhada no ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasí- 396 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9 lia. Para a inclusão nessa coorte, AR inicial é definida como a ocorrência de sintomas articulares compatíveis com dor e edema articular de padrão inflamatório, com ou sem rigidez matinal ou outras manifestações sugestivas de doença inflamatória articular, avaliadas por um único observador12,13 com duração superior a 6 semanas e inferior a 12 meses, independente de satisfazer os critérios do American College of Rheumatology (ACR).14 Todos os pacientes selecionados preenchiam restrospectivamente os critérios EULAR/ACR 2010.15 Os pacientes receberam o esquema terapêutico padrão utilizado no serviço, incluindo as DMCD sintéticas ou biológicas, de acordo com a necessidade. O estudo foi realizado no período de março a maio de 2012, com entrevista direta e revisão de prontuário. A cada paciente foi aplicado um questionário estruturado, obtendo-se informações sobre sexo, idade, anos de educação formal, prática de atividade física, índice de atividade da doença (Disease Activity Score 28 - DAS28),16 questionário de incapacidade funcional (Health Assessment Questionnaire – HAQ),17 hábitos de vida como tabagismo ou etilismo, presença de comorbidades e tratamento medicamentoso. Para a identificação do tipo de exercício, regularidade e duração da atividade física, foi aplicado um questionário adaptado do estudo de Valkeinen et al., que consiste em três perguntas18: 1) Nos últimos seis meses, que tipo de exercício físico você faz regularmente, durante uma semana? 2) Com que frequência semanal você realiza este exercício mencionado previamente? 3) Qual a duração média, em minutos, de uma única sessão de exercício físico? Os pacientes selecionados de forma consecutiva na Coorte participaram voluntariamente do estudo, após esclarecimentos sobre o teor da pesquisa e depois de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (CEP-FM 074/2005). A análise estatística descritiva foi utilizada para avaliação das características gerais da população em estudo. Os testes t de Student ou Mann-Whitney foram usados para a análise das variáveis contínuas. Para avaliar a relação entre atividade física e escolaridade, tabagismo, etilismo, presença de comorbidades e tratamento foram utilizados os testes do qui-quadrado ou exato de Fischer quando apropriado. O nível de significância de 5% (P < 0,05) foi utilizado em todos os testes estatísticos. Resultados No período de março a maio de 2012 foram entrevistados no HUB 72 pacientes da Coorte Brasília de AR inicial, sendo 90,27% do sexo feminino (n = 65). A média de idade foi de 50,2 ± 13,3 anos, o período médio de acompanhamento (após o diagnóstico da AR) foi de 4,2 ± 2,7 anos, a média do DAS28 foi de 3,66 e a do HAQ foi de 0,69. As características gerais da população avaliada, com relação aos dados demográficos (sexo, idade e escolaridade), hábitos de vida como tabagismo e etilismo e tratamento medicamentoso estão descritas na tabela 1. A ta- bela 2 mostra as características comparativas entre o grupos fisicamente ativo e os sedentários com relação a atividade da doença, incapacidade funcional, comorbidades e o tratamento medicamentoso das drogas sintéticas e biológicas. Tabela 1 – Características gerais dos pacientes com diagnóstico de artrite reumatoide inicial (n = 72) Características gerais n (%) ou média ± desvio padrão (n=72) Sexo feminino Idade média Escolaridade Analfabeto Ensino fundamental Ensino médio Superior Completo Superior Incompleto Tabagismo Tabagismo atual Ex-tabagismo Nunca fumou Etilismo Etilismo atual Ex-etilismo Nunca bebeu Tratamento DMCD Sintéticas Tratamento DMCD Biológicas 65 (90,27%) 50,2 ± 13,3 3 (4,16%) 27 ( 37,5%) 23 (31,9%) 6 (8,33%) 5 (6,94%) 8 (11,1%) 19 (26,3%) 45 (62,5%) 5 (6,9%) 3 (4,1%) 64 (88,8%) 71 (98,6%) 15 (20,8%) Tabela 2 – Características comparativas entre os grupos de pacientes fisicamente ativos e sedentários Atividade Sedentários física n = 41 n = 31 DAS-28 HAQ Comorbidades HAS Diabetes Fibromialgia Osteoartrite Osteoporose Dislipidemia Síndrome de Sjögren Depressão Ansiedade Hipotireodismo Neoplasias Tratamento DMCD sintéticas Metotrexato Antimaláricos Leflunomida Sulfassalazina Tratamento DMCD biológicas Infliximabe Etanercepte Adalimumabe Rituximabe Tocilizumabe Abatacepte Prednisona P 3,51 0,60 14 1 15 0 1 7 1 5 3 4 0 3,78 0,75 19 4 10 3 4 10 1 6 8 4 1 0,32 0,27 0,88 0,38 0,062 0,25 0,38 0,91 1,0 1,0 0,33 0,7 1,0 30 24 8 9 3 5 2 0 1 2 0 0 6 41 34 9 8 5 10 3 1 3 1 0 2 9 0,4 0,77 0,9 0,5 1,0 0,5 1,0 1,0 0,6 0,5 0,5 0,9 HAS, hipertensão arterial sistêmica; DMCD, drogas modificadoras do curso da doença. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9 Do total de pacientes, 43,05% (31/72) estavam regularmente ativos, segundo a resposta ao questionário. Entre os pacientes que realizam exercícios regularmente, 25 indivíduos (80,64%) praticavam caminhadas, sendo essa a atividade física mais frequente neste estudo. A prática de outras modalidades de atividade física foi menos frequente, incluindo a de pilates (2/31-6,4%), a de hidroginástica (3/31- 9,6%) e a de ginástica localizada e de musculação (1/31- 3,22%) foram semelhantes. No grupo fisicamente ativo, a média de tempo de exercício físico foi de 48,22 ± 27,18 minutos, com uma frequência de 3,7 ± 1,64 dias/semana. A média da idade no grupo que realiza exercício físico foi de 49,12 anos, a média do DAS 28 foi de 3,51 e a média do HAQ de 0,60. Nos indivíduos sedentários, a média de idade foi de 51 anos, a média do DAS foi de 3,78 e a do HAQ de 0,75. Não houve associação entre a prática de atividade física e dados demográficos (sexo, idade, classe social e escolaridade), tempo de acompanhamento (após o diagnóstico da AR), atividade da doença, incapacidade funcional e outros hábitos de vida, como tabagismo e etilismo (P > 0,05). Da mesma forma, não se observou diferença entre os grupos com relação à frequência de comorbidades, incluindo aquelas que pudessem influenciar a realização de exercícios, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, osteoatrose e osteoporose. Entretanto, houve uma tendência a maior prática de atividade física entre os pacientes com fibromialgia (32% vs. 48%, P = 0,06). Também não houve associação entre a prática de atividade física e o tratamento medicamentoso (DMCD sintéticas e biológicas). Discussão A atividade física pode ser considerada um dos componentes de reabilitação no tratamento da AR inicial.3,4 Em nosso estudo, 43% dos pacientes da Coorte Brasília de AR Inicial pode ser definida como fisicamente ativa, porcentagem essa superior a observada em outros estudos envolvendo pacientes com AR19 ou até mesmo em levantamentos epidemiológicos realizados na população saudável.20,21 Em um estudo internacional de pacientes com diagnóstico de AR realizado no período de janeiro de 2005 a abril de 2007, em 28 cidades de 21 países com um total de 5235 pacientes, apenas 13,8% praticam atividade física mais de três vezes na semana.19 Nessa avaliação, segundo Sokka et al., mais de 80% dos indivíduos em sete países e entre 60% e 80% em outros 12 países não praticavam atividade física regular, demonstrando uma elevada prevalência de indivíduos sedentários, de forma diversa ao que encontramos em nossa população. A prática de atividade física entre os pacientes de nossa Coorte também parece ser superior ao relatado na população saudável. O sedentarismo foi verificado num levantamento epidemiológico da prática de atividade física na cidade de São Paulo em que foram entrevistados mil indivíduos, e somente 31,3% dos entrevistados estavam engajados em algum tipo de atividade física.20 Dados do IBGE mostram que a prática de atividade física entre os brasileiros é variável de acordo com a faixa etária, região demográfica e o nível socioeconômico da população.21 Em 2008, o convênio firmado entre o IBGE e o Ministério da Saúde, abordado pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de 397 Domicílios), realizou um levantamento suplementar de saúde. Essa avaliação consistiu em 163 questões, de diversos aspectos, entre os quais a prática de atividade física foi analisada em indivíduos maiores que 14 anos e nos seguintes domínios: deslocamento para o trabalho, atividade laboral, realização de faxina no ambiente doméstico e atividades físicas no lazer. O número de indivíduos correspondeu a 142.533.480. A prevalência de indivíduos classificados como ativos no lazer foi exatamente a mesma daqueles considerados ativos no deslocamento, correspondendo a 10,5% da população. Aproximadamente um quinto da população (20,2%) relatou não praticar nenhuma atividade física no trabalho, lazer, deslocamento ou domicílio.21 Embora a metodologia utilizada na pesquisa do IBGE tenha sido diferente da empregada em nosso estudo, as diferenças entre os resultados sugerem que a população com AR inicial acompanhada em nossa Coorte seja fisicamente mais ativa do que a população brasileira como um todo, fato que possivelmente decorre da orientação médica repetida sobre a importância da prática de exercícios físicos para redução de morbimortalidade da doença. A prática de atividade física na Coorte Brasília de AR inicial foi igualmente prevalente entre os dois sexos, resultado semelhante ao de Brodim et al. que também analisou pacientes com AR inicial.22 Entretanto, no estudo internacional em pacientes com AR realizado por Sokka et al.,19 o sexo feminino estava mais associado ao sedentarismo. Considerando a população brasileira em geral, os estudos de prevalência de atividade física nos indivíduos saudáveis demonstram que a prática de atividade física no deslocamento e no lazer é mais prevalente no sexo masculino, segundo os dados do IBGE.22 A idade média dos pacientes da Coorte Brasília que praticam atividade física foi de 49,2 anos, sendo um pouco inferior à media de idade do estudo de AR estabelecida realizado por Sokka et al. (média de idade de 57 anos)19 e do estudo de AR inicial realizado por Brodin et al. (média de idade de 55 anos).22 Segundos os dados do IBGE, os indivíduos com maior escolaridade tendem a praticar mais atividade física, observação essa que remete a um aspecto social e econômico, em que atividade física no lazer, por muitas vezes, encontra-se ligada a entidades privadas e classes sociais mais altas.21 Em nosso estudo, não observamos associação entre a prática de atividade física e a classificação social ou nível de escolaridade, o que pode ter sido decorrente do limitado número de indivíduos avaliados, sobretudo quando consideramos aqueles pertencentes aos estratos sociais mais elevados em nossa amostra. De acordo com o Americam Heart Association (AHA), recomenda-se para a população geral saudável entre 18 e 65 anos de idade, a prática de no mínimo 30 minutos de atividade física moderada pelo menos cinco vezes na semana ou 20 minutos de atividade mais vigorosa pelo menos três vezes na semana ou combinação das duas modalidades.23 As recomendações da ACMS já foram citadas anteriormente e está indicada para a população saudável e para os pacientes com diagnóstico de AR. Em nosso estudo, no grupo fisicamente ativo, a média de tempo de exercício físico foi de 48,22 ± 27,18 minutos, com uma frequência de 3,7 ± 1,64 dias/semana. Entre os pacientes da Coorte Brasília de AR inicial, a atividade física mais relatada foi a caminhada, dado semelhante ao observado no levantamento epidemiológico realizado pela 398 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9 VIGITEL (Vigilância e Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico),24 talvez pela praticidade e fácil exequibilidade dessa modalidade de atividade física. A caminhada é uma atividade aeróbica que pode proporcionar condicionamento físico e cardiovascular,25 entretanto, nos pacientes com AR e com inflamação ativa nas articulações de membros inferiores, ou com comorbidades como osteoartrite de joelhos, pode haver contraindicações relativas a essa prática.26 Assim, a prática de atividade física, incluindo a caminhada, deve ser orientada individualmente e de acordo com a condição física, atividade de doença e presença de comorbidades de cada paciente.26 Na nossa coorte não observamos associação significativa entre a prática de atividade física com atividade da doença (DAS-28) ou incapacidade funcional (HAQ), resultado semelhante ao estudo de Brodim et al. em pacientes com AR inicial. Entretanto, Hakkinen et al.27 observaram resultado diferente em um estudo randomizado prospectivo com 62 pacientes com diagnóstico de AR inicial.27 Nesse estudo, os pacientes foram divididos em dois grupos. Um grupo realizou treinamento de força com enfoque em todos os grupos musculares, com 50-70% de repetição máxima e o outro foi treinado somente para amplitude de movimento sem resistência muscular, com uma frequência de 2-3 vezes por semana. Foi observada uma melhora significativa no DAS-28 e no HAQ no grupo que foi submetido a um aumento da resistência muscular em relação ao grupo de amplitude de movimento.27 Segundo Ende et al.,28 o treinamento dinâmico intenso controlado é mais efetivo em aumentar a capacidade aeróbica, mobilidade articular e força muscular em pacientes com AR bem controlada, porém, na Coorte Brasília de AR inicial foi verificada uma baixa prevalência da prática de exercícios resistidos, incluindo musculação ou qualquer outra atividade de treino de força, como pilates (apenas três pacientes). Uma hipótese para explicar esse fato é o custo implicado na prática de exercícios resistidos (usualmente realizados em academias ou centros e estúdios privados) e a ausência de um programa de reabilitação formal no HUB, onde os pacientes poderiam ser orientados em relação aos exercícios de resistência muscular. De uma forma geral, na AR, é possível obter capacidade aeróbica e força muscular sem efeitos negativos sobre o quadro de dor e atividade da doença.29 Em alguns estudos, também se observa melhora do quadro de força e mobilidade das articulações.30 Em nosso estudo, não evidenciamos associação entre os hábitos de tabagismo ou etilismo com a prática de atividade física, mas é importante ressaltar que a prevalência de tabagistas e etilistas em nossa coorte foi consideravelmente baixa. O exercício físico está bem indicado para pacientes com aumento do risco cardiovascular, como hipertensos e diabéticos.31 Nos pacientes com AR e alguma destas comorbidades, a atividade física ganha maior importância, pois o risco cardiovascular pode ser ainda maior nesse subgrupo de pacientes. Entretanto, em nosso estudo, não observamos que os pacientes com diagnóstico de comorbidades (como hipertensão e diabetes mellitus) pratiquem mais atividade física. A atividade física também é indicada em pacientes com outras doenças reumáticas como osteoartrite e osteoporose, visando, entre outros fatores, o fortalecimento muscular e a proteção articular.26 Por outro lado, estas condições podem di- ficultar a realização dos exercícios, pois determinadas atividades e modalidade podem acarretar dor articular nos pacientes com osteoartrite, e maior risco de fraturas, naqueles com osteoporose. No nosso estudo, não observamos influência dessas condições na realização de atividade física em pacientes com AR inicial. A tendência de maior prática de atividade física nos pacientes com fibromialgia pode ser consequência da maior orientação dada a estes pacientes, pois a atividade física tem papel importante no tratamento da fibromialgia.32 O tratamento medicamentoso na AR inicial tem grande importância em controlar o processo inflamatório presente nas articulações, com o objetivo de reduzir o quadro de dor, inflamação e consequente deformidades.33 Segundo Reid et al., o tratamento medicamentoso na AR com biológicos, quando associado com a atividade física proporciona melhor qualidade de vida para o paciente.33 No nosso estudo, não foi verificado associação entre a prática de atividade física com o tratamento medicamentoso (DMCD sintéticas e biológicas), o que pode ter sido decorrente do pequeno número de pacientes avaliados. Nosso estudo apresenta algumas limitações: 1) esse foi um estudo descritivo transversal, ou seja, não viabiliza a hipotetização de relação de causa e efeito; 2) o estudo foi realizado em apenas um centro hospitalar; portanto, a generalização dos nossos resultados para a população geral de indivíduos com AR inicial deve ser feita com a devida cautela. Apesar das limitações metodológicas, no entanto, esse é o primeiro estudo sobre prática de atividade física entre pacientes com AR inicial, e os resultados observados podem embasar futuros estudos e intervenções na área. Conclusão Na Coorte Brasília de AR inicial, há maior prevalência de indivíduos sedentários em relação aos que praticam algum tipo de atividade física regular. Entretanto, comparativamente aos estudos internacionais e os dados do IBGE, a prevalência de atividade física nesse estudo foi considerada alta (43%); a prática de caminhada foi a atividade física mais frequente. Nesse estudo, não houve associação entre a prática de atividade física e atividade de doença e/ou incapacidade funcional. Considerando os resultados observados, sugerimos que o incentivo à prática regular de atividade física por parte dos pacientes com diagnóstico de AR inicial (incluindo atividades resistidas) deva fazer parte dos cuidados de rotina do reumatologista, dentro das limitações e peculiaridades de cada caso, com a finalidade de reduzir a morbi-mortalidade cardiovascular e melhorar a qualidade de vida desses pacientes. Agradecimentos Agradecemos às residentes que nos ajudaram na coleta de dados: Meliane Cardoso e Gabriela Jardim. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 3 9 4 – 3 9 9 REFERÊNCIAS 1. da Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB, et al. 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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 0 – 4 0 4 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Avaliação da agregação plaquetária em presença de anticorpos antifosfolípides: anti-β2GP1 e anticardiolipina Harleson Lopes de Mesquitaa,*, Giuliano Reder de Carvalhoa, Fernando Monteiro Aarestrupb, José Otávio do Amaral Corrêac, Maria Regina Andrade Azevedod a Departamento de Análises Clínicas, Universidade de Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil Centro em Biologia da Reprodução, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil c Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil d Departamento de Análises Clínicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: Introdução: A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma condição autoimune que apresenta fe- Recebido em 23 de julho de 2012 nômenos trombóticos arteriais e venosos de repetição além de complicações obstétricas. Aprovado em 14 de maio de 2013 Sua patogênese está associada à presença de anticorpos antifosfolípides e/ou anti-β2 glicoproteína I (β2GPI) que aparentemente modificam o efeito anticoagulante da β2GPI. A dime- Palavras-chave: rização da β2GPI induzida por anticorpos parece estar relacionada à indução da agregação Síndrome antifosfolípide plaquetária contribuindo para o estado trombofílico na SAF. Anticorpos antifosfolípides Objetivos: O presente trabalho objetiva demonstrar a influencia dos anticorpos antifosfolí- Agregação plaquetária pides em testes de agregação plaquetária com diferentes agonistas (ADP, colágeno e adrenalina). Métodos: Foram analisados testes de agregação de plaquetas normais com diferentes agonistas (ADP, colágeno, adrenalina) na presença de soro contendo anticorpos antifosfolípides em diferentes concentrações. Resultados: As análises obtidas mostraram uma inibição significativa (P < 0,05) nas curvas de agregação plaquetária induzidas por ADP e adrenalina quando comparadas ao controle. O paradoxo entre o estado protrombótico e a presença de autoanticorpos que in vitro apresentam atividade anticoagulante foi demonstrado na literatura, dificultando o entendimento patofisiológico da síndrome antifosfolípide. Conclusão: Os resultados obtidos demonstraram que o soro rico em anticorpos anticardiolipina e anti-β2GPI, ambas da classe IgG, interferem em testes de curvas de agregação plaquetária. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (H.L. Mesquita). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 0 – 4 0 4 401 Evaluation of platelet aggregation in the presence of antiphospholipid antibodies: anti-β2GP1 and anticardiolipin abstract Keywords: Introduction: The antiphospholipid syndrome (APS) is an autoimmune condition charac- Antiphospholipid syndrome terized by recurrent arterial and venous thrombosis, besides obstetric complications. The Antiphospholipid antibodies pathogenesis is associated with the presence of antiphospholipid and/or anti-b2-glicopro- Platelet agreggation tein I (anti-b2GPI) antibodies that appear to change the anticoagulant activity of b2GPI. Antibody-induced dimerization of b2GPI seems to be related to the induction of platelet aggregation, contributing to the development of thrombosis in APS. Objectives: The objective of the present study is to demonstrate the influence of antiphospholipid antibodies in platelet aggregation tests with different agonists (ADP, collagen, and adrenaline). Methods: We analyzed platelet aggregation tests with different agonists (ADP, collagen, adrenalin) when normal platelets were exposed to serum with different concentrations of antiphospholipid antibodies. Results: Results demonstrated a significant inhibition in adrenalin- and ADP-induced platelet aggregation curves (P < 0.05) in all antibody concentrations tested when compared to the control. The paradox between the prothrombotic state and the presence of autoantibodies that show anticoagulant activity in vitro was demonstrated in the literature, making it difficult to understand the pathophysiologic mechanism of the antiphospholipid syndrome. Conclusion: Results showed that anticardiolipin and anti-b2GPI antibodies-rich serum, both of which belonging to the IgG class, can interfere with platelet aggregation curves. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução A síndrome antifosfolípide primária (SAF) é uma condição clínica caracterizada por fenômenos trombóticos venosos e arteriais recorrentes, mortalidade fetal com abortos repetidos associados à presença de anticorpos antifosfolípides (aFL).1,2 Como testes laboratoriais para caracterização da SAF, inclui-se o ensaio imunoenzimático para anticorpos IgM e IgG anticardiolipina (aCL), anti-β2 glicoproteína 1 e testes de coagulação para pesquisa do anticoagulante lúpico (LA). A confirmação da presença desses anticorpos após 12 semanas de sua identificação no soro do paciente permite excluir os quadros transitórios e classificar os pacientes de acordo com os critérios do XI Congresso Internacional de anticorpos antifosfolípides de Sydney, Austrália, 2006.3-5 A β2GPI, conhecida também como apoliproteína H, é um cofator fosfolipídico com características anticoagulantes. Apresenta papel importante na preservação da superfície do endotélio vascular, formando um complexo com os fosfolípides e a protrombina. Tem ação inibitória na ativação do fator XII da coagulação e parece contribuir para ativação da proteína C. Na superfície das plaquetas, a β2GPI inibe a geração de fator Xa, além de bloquear a agregação plaquetária e a conversão da protrombina em trombina.6 A patogênese da SAF é ainda incerta, porém acredita-se que interação dos autoanticorpos contra fosfolípides aniônicos ou contra a β2GPI nas plaquetas, estaria associada à liberação de constituintes trombogênicos. Os aFL ocupariam os espaços do complexo β2GPI-protrombina, com a consequente ativação endotelial e plaquetária.7 Uma análise sucinta das diversas formas clínicas da SAF, dos elementos tidos como participantes do processo fisiopato- lógico da doença como as plaquetas, trombina e β2GPI torna-se necessária para o entendimento da fisiopatologia desta síndrome. A busca das principais razões para esse fenômeno proporcionará no futuro melhores opções terapêuticas para esses pacientes. Nesse sentido, faz-se relevante o estudo dos testes laboratoriais empregados no diagnóstico desta síndrome. Material e métodos Paciente portadora de SAF Para obtenção do soro contendo aFL foi selecionada uma paciente portadora de SAF de acordo com os critérios do XI Congresso Internacional de anticorpos antifosfolípides de Sydney, Austrália, 2006.3 O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Santo Amaro com parecer número 069/2011 e a paciente assinou o TCLE. A paciente, de 24 anos, residente em Volta Redonda, RJ, apresentou quadro de aborto espontâneo ocorrido em novembro de 2000 na 12ª semana de gestação com recorrência em março de 2002 em sua segunda gestação, por volta de 18 semanas. O resultado histopatológico da segunda perda gestacional demonstrou autólise parcial de feto e placenta devido a infartos isquêmicos extensos sugestivos de trombose venosa profunda de origem materna. Logo após a segunda perda gestacional (maio de 2002), a paciente passou a apresentar hipertensão arterial e a experimentar episódios de ausências que foram relacionados à provável quadro de isquemia cerebral, levando ao clínico que a acompanhava a suspeita de distúrbios protrombóticos e circulatórios. Os testes solicitados para triagem pelo clínico em maio de 2002 demonstraram: TTPa 28s com valores normais (VN) 402 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 0 – 4 0 4 25-35s e RNI 1,0; fator antinuclear (FAN) e fator reumatoide: não reagentes; VDRL positivo título 1:4; FTA – ABS IgM e IgG negativos; Coombs direto positivo; anticorpos aCL IgG 65 GPL (negativo < 10 GPL); anticorpos aCL IgM 15 MPL (VN < 10 MPL). O hemograma demonstrou leucometria global de 6.500/ mm3 (VN = 4.500-11.000) com diferencial sem particularidades; série vermelha em discreta anemia com hematócrito 35% (VN = 37-47%); hemoglobina 11,8 g/dL (VN = 12-16 g/dL); hematimetria 3,5 milhões/mm3 (VN = 4-5,5 milhões/mm3) e trombocitopenia discreta com 135.000 plaquetas/mm3 (VN = 150.000-400.000 plaquetas/mm3). Os testes bioquímicos não demonstraram alterações de glicemia e em marcadores de lesão hepática (AST, ALT, bilirrubinas) e a paciente apresentou discreta alteração do clearence de creatinina no valor de 85 mL/min (VN = 97-130 mL/min). Os anticorpos aCL se mostraram positivos em outras duas dosagens acompanhando testes de rotina da paciente em setembro de 2002 (aCL IgG 73 GPL e IgM 13,5 MPL) e em outubro de 2002 (aCL IgG 63 GPL e IgM 11,5 MPL). A persistência de positividade dos aCL em intervalos maiores que 12 semanas entre suas dosagens (maio, setembro, outubro) associados aos critérios clínicos de abortos de repetição da paciente permitiram caracterizá-la como portadora de síndrome antifosfolípide primária, segundo critérios estabelecidos em Sydney, 2006.3 Houve a instituição de terapia anticoagulante acompanhada por resultados periódicos de TAP e RNI. Anticorpos aFL Foram coletadas da paciente, por meio de punção venosa em tubo sem anticoagulante, uma amostra por mês de sangue total, por um período de três meses. As amostras foram centrifugadas a 3.000 rotações por minuto (rpm) durante 10 minutos, e o soro denominado, seguindo a ordem de obtenção como amostra 1 (A1), amostra 2 (A2) e amostra 3 (A3). Como a paciente fazia uso contínuo de anticoagulantes orais, sob supervisão do clínico responsável e com avaliação severa de possíveis riscos para a paciente, houve suspensão completa desses medicamentos nos sete dias anteriores às datas de cada coleta, no sentido de evitar interferência medicamentosa no procedimento.8 A pesquisa de LA realizada por meio do teste do veneno da víbora de Russell (Dade Behring®) foi negativa (teste automatizado integrado que inclui teste de triagem e confirmatório) e confirmado em teste de TTPa com ativador em sílica.9 A quantificação dos aFL para aCL e anti anti-β2-GPI foi realizada utilizando a técnica de imunoensaio EliA IgG/ IgM (ImmunoCAP 250, Phadia, Pharmacia Diagnostics®), com sensibilidade e especificidade similar a outros métodos imunoenzimáticos como o ELISA para pesquisa de anticorpos antifosfolípides.10 Os resultados foram relatados em unidades fosfolipídicas IgG (GPL) e unidades fosfolipídicas IgM (MPL), onde 1 unidade é igual a 1 mg/mL de IgG ou IgM (tabelas 1 e 2). Teste de agregação plaquetária O pool de plasma rico em plaquetas (PRP) foi obtido de 20 voluntários sadios com idades entre 28 e 43 anos, sem histórico de distúrbios de coagulação, com TP e TTPa normais. Após ob- tenção do pool, o mesmo foi submetido à pesquisa de aFL (anticorpos anticardiolipina IgM e IgG e anti – β2 – GPI IgM e IgG) pela mesma metodologia que as amostras ricas em aFL com resultados negativos (inferior a 10 MPL para aCL IgM e inferior a 10 GPL para aCL IgG). As amostras de sangue total foram coletadas em tubo contendo anticoagulante citrato de sódio na proporção 1:9 e submetidas à centrifugação de 1.000 rpm por 15 minutos. O pool de plasma obtido foi utilizado como controle para as curvas de agregação. Um plasma pobre em plaquetas (PPP) foi obtido desses pacientes para calibração do agregômetro após centrifugação a 2.500 rpm por 10 minutos. Os agonistas utilizados foram: ADP (1 mL -1 nM), colágeno (0,5 mL - 1 mg/mL) e adrenalina (0,5 mL – 1 mg/mL) (Chrono-par®, Chrono-log Corporation, USA) e os testes de agregação plaquetária realizados em agregômetro Chrono-log modelo 530 (Biomédica S/C Ltda). As amostras de soro contendo anticorpos aFL, A1, A2 e A3 foram adicionadas ao PRP com volume final de 500 mL (tabela 3) e submetidas a agregação. O número de plaquetas nas amostras foi verificado e padronizado em 300.000 plaquetas/ mm3 em todas as amostras, número adequado para testes de agregação no equipamento utilizado.11 A análise dos resultados foi realizada utilizando o teste estatístico de Mann-Whitney adotando como índice de significância P < 0,05. Tabela 1 – Resultados de anticorpos aFL das amostras A1, A2 e A3 ACL, anticorpos IgM A1 A2 A3 Valores de referênciaa 12,3 MPL 10,5 MPL 10,8 MPL IgM: Negativo → Inferior a 10 MPL Indeterminado → 10-19 MPL Moderada reatividade → 20-80 MPL Forte reatividade → Acima de 80 MPL ACL, anticorpos IgG 71,1 GPL 71,9 GPL 72,4 GPL IgG: Negativo → Inferior a 10 GPL Indeterminado → 10-19 GPL Moderada reatividade → 2080 GPL Forte reatividade → Acima de 80 GPL a Valores de referência para a metodologia EliA IgG/IgM (ImmunoCAP 250, Phadia, Pharmacia Diagnostics®). Tabela 2 – Resultados de anticorpos anti-β2 GPI das amostras A1, A2 e A3 β2 GPI, anticorpos IgM A1 A2 A3 Valores de referência Menor que 5 U/mL Menor que 5 U/mL Menor que 5 U/mL IgM: Negativo → Inferior a 5 U/mL Indeterminado → 5-8 U/mL Positivo → Acima de 8 U/mL β2 GPI, anticorpos IgG Maior que 100 U/mL Maior que 100 U/mL Maior que 100 U/mL IgG: Negativo → Inferior a 5 U/mL Indeterminado → 5-8 U/mL Positivo →Acima de 8 U/mL 403 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 0 – 4 0 4 Tabela 3 – Volume de adição de amostras A1, A2 e A3 em plasma rico em plaquetas para agregação plaquetária Amostra Volume adicionado Volume PRP Volume e concentração da solução agregante adicionada A1/A2/A3 50 μL 450 μL ADP (1 μL – 1 nM) A1/A2/A3 100 μL 400 μL ADP (1 μL – 1 nM) A1/A2/A3 150 μL 350 μL A1/A2/A3 50 μL 450 μL A1/A2/A3 100 μL 400 μL A1/A2/A3 150 μL 350 μL ADP (1 μL – 1 nM) Colágeno (0,5 μL – 1 mg/mL) Colágeno (0,5 μL – 1 mg/mL) Colágeno (0,5 μL – 1 mg/mL) A1/A2/A3 50 μL 450 Adrenalina (1 μL – 5 nM) A1/A2/A3 100 μL 400 Adrenalina (1 μL – 5 nM) A1/A2/A3 150 μL 350 Adrenalina (1 μL – 5 nM) Resultados As tabelas 4, 5 e 6 apresentam a média e o desvio padrão (M±DP) dos resultados da agregação plaquetária expressos em % após 5 minutos utilizando o pool de PRP controle e após a adição dos aFL nas diferentes concentrações A1, A2, A3. A tabela 4 para o agregante adrenalina demonstra queda estatisticamente significante (P < 0,05) nos valores de agregação plaquetária em presença soro rico em anti-β2GP1 IgG e aCL IgG. Em relação ao agonista ADP demonstrado na tabela 5 houve também inibição estatisticamente significativa nas duas maiores concentrações de anti-β2GP1 IgG e aCL IgG (P < 0,05). Tabela 4 – Média do % agregação A1, A2, A3 após 5 minutos de agregação com adrenalina Controle A1 = 70% A2 = 70% A3 = 70% Média = 70% 50 μL 100 μL 150 μL A1 = 59% A2 = 61% A3 = 56 % Média = 59% P = 0,016 A1 = 56% A2 = 60% A3 = 52% Média = 56% P = 0,026 A1 = 53% A2 = 57% A3 = 50% Média = 53% P = 0,014 Houve inibição significativa no teste Mann-Whitney com P < 0,05 para amostras A1, A2 e A3 para o agonista adrenalina. Tabela 5 – Média do % agregação A1, A2, A3 após 5 minutos de agregação com ADP Controle A1 = 74% A2 = 74% A3 = 74% Média = 74% 50 μL 100 μL 150 μL A1 = 74% A2 = 58% A3 = 58% Média = 63% P = 0,184 A1 = 59% A2 = 63% A3 = 58% Média = 60% P = 0,012 A1 = 58% A2 = 56% A3 = 51% Média = 55% P = 0,012 Houve inibição significativa no teste Mann-Whitney com P < 0,05 para amostras A1, A2 e A3 para o agonista ADP nos volumes de 100 μL e 150 μL. Para o agonista colágeno, cujos valores estão demonstrados na tabela 6, não houve influência estatisticamente significante de anti-β2GP1 IgG e aCL IgG (P > 0,05). Discussão A SAF tem como característica a associação de diversos aspectos clínicos, incluindo eventos trombóticos de origem arterial ou venosa e morbidade na gravidez (perda fetal recorrente, pré-eclâmpsia, eclâmpsia e abortos espontâneos) associada à presença de aFL.12 O termo SAF parece incorreto devido à descoberta de que algumas classes de aFL não são direcionados contra fosfolípides, mas contra proteínas em complexos com fosfolípides, como β2GPI, protrombina e anexina V.5,13-15 Estudos anteriores sugerem que anticorpos anti-β2GPI em complexos com β2GPI ativam plaquetas, contribuindo potencialmente para tendência trombótica do paciente portador da SAF. Todavia, a presença de aFL não implica diretamente no desenvolvimento da SAF, podendo estar presente em até 1% da população normal e em 3% de indivíduos idosos.16-18 Com o objetivo de verificar se os indícios de hiperatividade plaquetária in vivo se reproduziriam in vitro foi realizada a análise das curvas de agregação plaquetária com diferentes agonistas na presença de soro humano rico em aFL de paciente portador da SAF primária diagnosticada segundo critérios do XI Congresso Internacional de anticorpos antifosfolípides occorido em Sydney no ano de 2006. As amostras coletadas da paciente em diferentes intervalos apresentaram valores elevados de aCL da classe IgG, apontados pela literatura com maior relevância em relação a aCL da classe IgM em relação a fenômenos trombóticos.19 Os anticorpos anti-β2-GPI também apresentaram alta concentração para IgG nas três amostras coletadas (> 100 U/mL). Esses anticorpos são primordiais para os aspectos clínicos da SAF, pois, a proteína plasmática β2-GPI na qual se ligam apresenta grande afinidade por fosfolípides aniônicos, servindo como cofator para o desenvolvimento da SAF.20 Os resultados demonstraram para os agregantes adrenalina em todas as concentrações de anticorpo e para o ADP nas duas maiores concentrações de anticorpo uma inibição na agregação plaquetária estatisticamente significativa (P < 0,05). Para o agregante colágeno a inibição não foi significativa. Esse aparente paradoxo entre aFL e inibição de agregação plaquetária também foi demonstrado em trabalho recente, onde níveis elevados de anticorpos anti-β2GPI reduziram significativamente a agregação de plaquetas (inibição esta, pro- Tabela 6 – Tabela Média do % agregação A1, A2, A3 após 5 minutos de agregação com colágeno Controle A1 = 70% A2 = 67% A3 = 67% Média = 68% 50 μL 100 μL 150 μL A1 = 69% A2 = 65% A3 = 65% Média = 66% P = 0,378 A1 = 69% A2 = 63% A3 = 60% Média = 64% P = 0,267 A1 = 68% A2 = 62% A3 = 53% Média = 61% P = 0,246 Não houve inibição significativa no teste Mann-Whitney com P > 0,05 para amostras A1, A2 e A3 para o agonista colágeno. 404 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 0 – 4 0 4 porcional a concentração desses anticorpos) em presença dos agregantes ADP e colágeno.21 A inibição da agregação após adição de soro com aCL e anticorpos anti-β2GPI in vitro sugere que outros fatores estejam implicados no fenômeno trombótico que ocorre in vivo. A ativação de células endoteliais, lesão vascular do endotélio mediada por oxidantes, interferência nas proteínas ligantes de fosfolípides aniônicos responsáveis pela regulação hemostática, interação desses anticorpos com monócitos ou anticoagulantes naturais como as proteínas S e C também podem justificar os fenômenos de vaso-oclusão.22 Outra possibilidade sugerida seria que os anticorpos anti-β2GP1 possam inibir a liberação de grânulos densos plaquetários e ainda inibir a via metabólica do ácido araquidônico.21 Em uma seleção de trabalhos clínicos realizados com aFL apenas AL foram relacionados de forma consistente como fator de risco para fenômenos clínicos de trombose. Entretanto, estudos com aCL e anticorpos anti-β2GP1 foram inconclusivos e em parte controversos. Os aCL IgG e anti-β2GP1 IgG demonstraram maior relação em processos trombóticos (aCL relacionados a situações mais específicas de derrame cerebral e lesões miocárdicas) que os respectivos da classe IgM, mas não apresentaram a relação estreita que AL tem com esses fenômenos.23 Os dados citados anteriormente parecem importantes para a interpretação dos nossos resultados de inibição de agregação plaquetária já que a dosagem de AL da paciente portadora de SAF primária se mostrou negativa em seu soro nas amostras utilizadas para teste e esses anticorpos estão mais relacionados aos quadros clínicos de trombose. Além disso, outros autores demonstraram em pacientes com complicações trombo-embólicas a presença de autoanticorpos que, in vitro, apresentaram atividade anticoagulante e provocaram alongamento em testes de coagulação.20 Os resultados deste trabalho sugerem que efeito trombótico de aFL in vivo pode estar associado ao tipo de anticorpo presente no paciente portador de SAF e a outros fatores que não se apresentaram no teste de agregação in vitro. A utilização desses testes de agregação para diagnóstico podem levar a equívocos de interpretação e o não encaminhamento do paciente a pesquisa de aFL mesmo que apresentem sintomatologia compatível com SAF. Agradecimentos Agradecemos aos profissionais dos laboratórios de Análises Clínicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), do Hospital Samaritano (SP) e a Universidade de Santo Amaro (SP). Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. REFERÊNCIAS 1. Visseaux B, Masliah-Planchon J, Fischer AM, Darnige L. 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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Sintomas de doença e adaptação psicológica em pacientes brasileiros com esclerodermia Catarina Correia Leite, Ângela Costa Maia* Centro de Investigação em Psicologia, Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Portugal informações resumo Histórico do artigo: Objetivo: Caracterizar a prevalência e o impacto dos sintomas de esclerodermia em pa- Recebido em 5 de agosto de 2012 cientes brasileiros e descrever sua satisfação com o atendimento médico e sintomas psi- Aceito em 20 de maio de 2013 cológicos. Métodos: Cento e vinte e oito pacientes brasileiros com esclerodermia participaram em uma Palavras-chave: pesquisa online preenchendo a versão portuguesa do Canadian Scleroderma Patient Sur- Atendimento médico vey of Health Concerns and Research Priorities. A média de idade dos participantes foi 38 Esclerodermia anos (DP = 12,33) e a maioria dos participantes era constituída por mulheres (n = 108, 88%). Sintomas psicológicos Resultados: Endurecimento/retesamento da pele, coceira na pele e dor articular foram sintomas informados como mais freqüentes, enquanto que dor muscular e dificuldade para subir escadas foram sintomas informados como tendo maior impacto. Os participantes informaram insatisfação em relação ao atendimento médico. As avaliações psicológicas sugeriram que o percentual de participantes com pontuação acima dos valores clínicos para depressão foi significativamente elevado (90%; n = 77). Além disso, 48% (n = 42) dos participantes se enquadravam nos critérios clínicos para transtorno da ansiedade e 40% (n = 35) dos participantes se enquadravam nos critérios clínicos de fobia social. Finalmente, 69% (n = 88) dos participantes informaram transtornos da imagem corporal. Conclusões: Os sintomas físicos e psicológicos associados com esclerodermia têm impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes. Na presente amostra, os pacientes brasileiros informam níveis mais altos de insatisfação com o atendimento médico, em comparação com pacientes do Canadá e de países europeus. Esses pacientes brasileiros também informam mais casos de psicopatologia, particularmente sintomas de depressão. Nossos resultados sugerem que há necessidade que os profissionais levem em consideração os problemas individuais dos pacientes com esclerodermia e cuidem desses problemas. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (A.C. Maia). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 406 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1 Symptoms of disease and psychological adaptation in Brazilian scleroderma patients abstract Keywords: Objective: To characterize the prevalence and impact of symptoms of scleroderma in Brazil- Medical care ian patients and to describe their satisfaction with medical care and psychological symp- Scleroderma toms. Psychological symptoms Methods: One-hundred and twenty eight Brazilian scleroderma patients participated in an online survey by filling out a Portuguese version of the Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities. The mean age of participants was 38 years old (SD = 12.33), and most of the participants were females (n = 108, 88%). Results: Hardening/tightening of skin, itchy skin and joint pain were symptoms reported as being most frequent, whereas muscle pain and difficulty climbing stairs were symptoms reported as having a higher impact. Participants reported dissatisfaction regarding the medical care. Psychological evaluations suggested that participants who scored above clinical values for depression was significantly high (90%; n = 77). In addition, 48% (n = 42) of participants fit the clinical criteria for anxiety disorder, and 40% (n = 35) of participants fit the clinical criteria of social phobia. Finally, body image disturbance was reported by 69% (n = 88) of participants. Conclusions: The physical and psychological symptoms associated with scleroderma have a significant impact on patient quality of life. The Brazilian patients in the current sample report higher levels of dissatisfaction with medical care than patients from Canada and European countries. These Brazilian patients also report more psychopathology, particularly symptoms of depression. The current results suggest that there is a need for professionals to consider and attend to the individual problems of scleroderma patients. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução Esclerodermia, ou esclerose sistêmica, é uma doença do tecido conjuntivo causadora de disfunção vascular, inflamatória e fibrótica de sistemas do organismo.1 A etiologia dessa doença crônica permanece desconhecida. As características da esclerodermia são: lesão microvascular, excessiva deposição de colágeno na pele e em órgãos, fenômeno de Raynaud e endurecimento da pele.2 A esclerodermia pode danificar o funcionamento dos sistemas respiratório, gastrintestinal e cardíaco, além de prejudicar a função renal. Em consequência, a esclerodermia causa intensa morbidez, estando associada a altos percentuais de mortalidade.1 Outros sintomas de esclerodermia são os transtornos musculoesqueléticos, como dor articular, artrite, contraturas por flexão das articulações e astenia muscular.3 Considerando que a esclerodermia é uma doença rara com inúmeros sintomas, pode ser difícil diagnosticar e fazer um prognóstico preciso com base na sintomatologia.4 As doenças reumáticas envolvem alterações físicas que têm correlação com a progressão da doença; contudo, a esclerodermia envolve alterações físicas que são ainda mais visíveis5 e que tendem a piorar com o passar do tempo.6 Na maioria dos casos, essas desfigurações físicas tendem a se localizar no rosto e nas mãos. Nos estágios iniciais da doença, as alterações físicas são: inchaço dos dedos das mãos, perda das pregas cutâneas naturais, avivamento do tono cutâneo, hipo- ou hiperpigmentação e alterações faciais, que podem incluir uma alteração no aspecto dos olhos e nariz, perda da flexibilidade dos lábios, perda da capacidade de abrir completamente a boca e dificuldade no fechamento completo dos lábios.5 A insatisfação com a imagem corporal é mais prevalente em pacientes mais jovens com sintomas graves, estando associada com idade e incapacitação.7 Os resultados de um estudo canadense sugerem que mais de três quartos dos pacientes informaram preocupação com relação à imagem corporal por causa da esclerodermia.6 Com relação aos sintomas depressivos, o mesmo estudo canadense constatou que aproximadamente metade dos participantes informaram que se sentiam “abatidos, deprimidos ou desanimados” pelo menos por alguns dias durante as duas últimas semanas. É digno de nota que sintomas depressivos são muito comuns em pacientes com esclerodermia8 e os resultados clínicos são negativamente influenciados pela presença de sintomas depressivos. Estudos demonstram que pacientes mulheres informam insatisfação com sua imagem corporal e a depressão parece estar moderando essa relação.7 Sintomas de ansiedade também são muito freqüentes em pacientes com esclerodermia.9 Ademais, os pacientes com esclerodermia exibem grande morbidade física e psicológica, e há custos associados ao uso regular do atendimento médico, com longos períodos de morbidade.10 A Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities sugere que pacientes com esclerodermia ficam mais insatisfeitos com o atendimento médico em comparação com outros pacientes cronicamente enfermos.6 Entretanto, até agora a frequência e o impacto dos sintomas de esclerodermia e os sintomas psicológicos exibidos por pacientes com esclerodermia foram estudados apenas no Canadá e na Europa. Esse estudo pretende deter-se mais nessa 407 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1 pesquisa, investigando o impacto psicossocial em pacientes de esclerodermia vivendo em condições geográficas e culturais diferentes. Especificamente, esse estudo se concentra em pacientes com esclerodermia vivendo no Brasil, um país no qual as características climáticas e culturais diferem significativamente dos países europeus e do Canadá. Exemplificando, evidências sugerem que o clima frio exacerba os sintomas de esclerodermia, por causar o fenômeno de Raynaud e dor em articulações e músculos. Contudo, não está claro como os pacientes no Brasil, onde o clima é quente, se saem com relação aos pacientes vivendo no Canadá e em países europeus. Outra diferença cultural relevante entre esses países está relacionada à imagem corporal. Especificamente, pacientes brasileiros podem ficar mais preocupados com sua imagem corporal porque, graças ao clima quente, seus corpos ficam mais expostos ao longo do ano. Além disso, em geral a imagem corporal é importante no Brasil; e visto que a enfermidade afeta principalmente as mulheres, esperamos percentuais mais elevados de insatisfação com a imagem corporal na amostra brasileira. Finalmente, considerando que a esclerodermia é doença rara, isso pode estar relacionado às dificuldades específicas ao acesso a um atendimento apropriado, o que pode diminuir a satisfação dos pacientes com os serviços médicos e afetar seu bem-estar global. Portanto, o presente estudo teve por objetivo explorar os percentuais de satisfação com o atendimento médico entre pacientes com esclerodermia. À luz dos problemas mencionados acima, os objetivos do presente estudo foram: (1) caracterizar os principais sintomas de esclerodermia e seu impacto em pacientes com esclerodermia no Brasil; (2) avaliar quem firmou os diagnósticos e como os pacientes avaliaram sua satisfação com o atendimento médico em termos de satisfação geral, qualidade técnica, conduta interpessoal, comunicação, despesas financeiras, tempo gasto com o médico, acessibilidade e conveniência; (3) descrever os sintomas psicológicos, inclusive sintomas depressivos, de ansiedade e de fobia social; (4) avaliar o impacto da aparência física no funcionamento social; e (5) avaliar os preditores de depressão, ansiedade, fobia social e imagem corporal em pacientes brasileiros com esclerodermia, com controle para nível educacional, uma variável que sabidamente influencia o ajuste psicológico. Instrumentos Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities.11 O questionário foi entregue a nós pelos autores originais; tivemos a devida autorização para traduzir o questionário. O questionário foi traduzido, passou por tradução reversa e foi validado para o idioma português europeu. Esse questionário avalia os aspectos mais importantes da vida com esclerodermia, contendo as 11 seções a seguir: dados demográficos, diagnóstico e doença, utilização dos serviços de saúde, reembolso de serviços de saúde, necessidades de reembolso de serviços de saúde, tipo de atendimento médico, sintomas, ocupação, sensibilidade, aspecto físico e comentários. Para as finalidades do presente estudo, foi analisado apenas um subgrupo dessas seções. As seções estão descritas na tabela 1. Tabela 1 – Seções e objetivos/conteúdo de cada seção da Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities (Taillefer SS, Bernstein J, Schieir O, Buzza R, Hudson M, Scleroderma Society of Canada et al. Canadian Scleroderma Survey of Health Concerns and Research Priorities. 2010, Portuguese version, Leite C, Maia A, 2011. Escola de Psicologia, Universidade do Minho), conforme foram utilizados no estudo Seções Diagnóstico e doença Atendimento médico Satisfação com o atendimento médico Pacientes e métodos Participantes Sintomas A amostra consistiu de 128 pacientes brasileiros com esclerodermia. A média de idade dos participantes foi 38 anos (DP = 12,33) e a maior parte da amostra estava constituída por mulheres (n = 108, 88%) e brancos (n = 99, 81%). Em sua maioria, os participantes eram casados ou viviam em estado marital (n = 71,60%). Apenas dois participantes viviam sozinhos. Vinte e sete por cento (n = 31) da amostra tinham trabalho em tempo integral. 39% (n = 24) dos participantes tinham grau universitário, 16% (n = 10) completaram o curso secundário e 26% (n = 16) tinham nível primário de educação. Em sua maioria, os participantes informaram ter sido diagnosticados com esclerodermia difusa (n = 51,46%) ou com esclerodermia limitada (n = 18,16%). Ocupação Objetivos/conteúdo Descrever o quadro clínico dos participantes. Avaliar como os pacientes com esclerodermia se sentem com relação ao atendimento médico oferecido. Esta parte está organizada de acordo com os sete domínios a seguir: satisfação geral, qualidade técnica do atendimento, conduta interpessoal, comunicação, aspectos financeiros, tempo gasto com o médico, e acessibilidade e conveniência do atendimento. As opções de resposta variaram de 1 (concorda enfaticamente) até 5 (discorda enfaticamente) e os itens foram pontuados de forma que os escores mais altos refletiam satisfação com o atendimento médico. Essa seção se baseia em uma pesquisa publicada: The Patient Satisfaction Questionnaire (Marshall GN, Hays RD. The patient satisfaction questionnaire shortform (PSQ-18). Santa Monica, CA: Rand Corporation; 1994). As perguntas tomam por base o instrumento The Scleroderma Assessment Questionnaire (SAQ) (Ostojic PS, Damjanov NS., The scleroderma assessment questionnaire (SAQ). Z Reumatol. 2006;65:168-175) e diversos artigos com o objetivo de listar a frequência e o impacto de 69 sintomas. As opções de resposta para “frequência do sintoma” são: jamais, raramente, algumas vezes, a maioria das vezes, e sempre. As opções de resposta para “impacto do sintoma” são: sem impacto, mínimo, moderado, grave, e extremamente grave. Emprego dos pacientes. (continua na próxima página) 408 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1 Tabela 1 – Seções e objetivos/conteúdo de cada seção da Canadian Scleroderma Patient Survey of Health Concerns and Research Priorities (Taillefer SS, Bernstein J, Schieir O, Buzza R, Hudson M, Scleroderma Society of Canada et al. Canadian Scleroderma Survey of Health Concerns and Research Priorities. 2010, Portuguese version, Leite C, Maia A, 2011. Escola de Psicologia, Universidade do Minho), conforme foram utilizados no estudo (continuação) Seções Sensibilidade Aparência física Objetivos/conteúdo Objetiva avaliar os níveis de depressão, ansiedade e fobia social. Depressão foi avaliada com o instrumento Patient Health Questionnaire (PHQ-2) (Kroenke K, Spitzer RL. The PHQ-9, a new depression diagnostic and severity measure. Psychiatric Annals. 2002;32:1-7). O ponto de virada desse instrumento de dois itens é 3; igual ou superior a 3 significa sensibilidade à depressão grave. O primeiro item avalie anedonia, e o segundo avalia disforia. O somatório dos dois itens chega a um máximo de 6. Ansiedade foi avaliada com o instrumento Generalized Anxiety Disorder (GAD) (Kroenke K, Spitzer RL, Williems JBW, Monahan PO, Lowe B. Anxiety disorders in primary care: prevalence, impairment, comorbidity, and detection. Annals of Internal Medicine. 2007;146:317-25). Esse instrumento inclui dois itens e seu ponto de virada é 3; igual ou superior a 3 significa transtorno geral de ansiedade. O somatório dos dois itens chega a um máximo de 6. Finalmente, fobia social foi avaliada com o instrumento Mini SPIN (Social Phobia Inventory) (Connor KM, Kobak KA, Churchill LE, Katzelnick D, Davidson JRT. Mini-SPIN: a brief screening assessment for generalized social anxiety disorder. Depression and Anxiety. 2001;14:137-40). O ponto de virada dos itens desse instrumento é 6. Igual ou superior a seis significa transtorno geral de ansiedade social. O somatório dos itens varia entre 0 e um máximo de 12. Avaliar as preocupações ligadas à imagem corporal. As três perguntas utilizadas nessa seção foram derivadas do instrumento The Body Image Disturbance Questionnaire (Cash TF, Phillips KA, Santos MT, Hrabosky JI. Measuring “negative body image”: validation of the body image disturbance questionnaire in a nonclinical population. Body Image. 2004;1:363-72). Procedimento Contactamos a Associação Brasileira de Pacientes com Esclerose Sistêmica (ABRAPES), que divulgou o estudo para seus associados. Os pacientes foram convidados a preencher a pesquisa online, utilizando Survey Monkey. Os participantes tiveram assegurada sua confidencialidade e anonimato. Os participantes não forneceram qualquer tipo de informação pessoal, inclusive nome, data de nascimento ou número de telefone. Os dados foram coletados entre dezembro de 2010 e julho de 2011. Análise estatística A análise dos dados foi realizada com o uso do programa estatístico SPSS 18 (para Windows). Fizemos uma análise exploratória dos dados para verificar a normalidade e homogeneidade da distribuição das variáveis; contudo, isso não se verificou em nossa amostra. Assim, aplicamos testes paramétricos e não paramétricos, tendo constatado que os resultados foram equivalentes. Finalmente, optamos por informar os resultados dos testes paramétricos, por serem mais robustos.12 Lançamos mão da estatística descritiva para descrever os dados, e usamos estatística inferencial para testar relações entre as variáveis. Fizemos uma análise de regressão múltipla para avaliar os preditores de depressão, ansiedade, fobia social e imagem corporal. Nesse modelo, as variáveis que demonstraram correlações significativas com as variáveis previstas foram introduzidas como preditores. Em todas as nossas análises, estabelecemos o nível de significância em P < 0,05 e o nível de significância marginal em P < 0,1. Resultados A frequência e o impacto dos sintomas estão resumidos na tabela 2. Com relação à frequência dos sintomas, os cinco sintomas mais comuns informados pelos pacientes foram: dor articular (96%), endurecimento/retesamento da pele (90%), azia (89%), dificuldade de concentração (88%) e dificuldade de lembrar coisas (88%). Os cinco sintomas com o maior impacto foram: dor muscular (91%), dor articular (84%), fenômeno de Raynaud (84%), fadiga (83%) e dificuldade para dormir (82%). Alguns participantes não responderam aos itens relacionados à frequência de ocorrência dos sintomas; mas todos os participantes responderam aos itens de sondagem do impacto desses sintomas. Quase todos os participantes informaram terem sido diagnosticados com esclerodermia por um reumatologista (n = 70, 65%). Apenas 17% (n = 18) dos participantes receberam seu diagnóstico do primeiro médico consultado. Finalmente, 27% (n = 29) dos participantes consultaram mais de 5 médicos antes de receber seu diagnóstico. Os resultados derivados da seção “satisfação com o atendimento médico” estão resumidos na tabela 3. Em geral, os participantes informaram avaliações negativas em relação ao atendimento médico oferecido. A área de menor satisfação tinha relação com os custos financeiros da doença. Em sua maioria, os participantes (69%, n = 75) informaram que a esclerodermia afetou sua capacidade de trabalho. Além disso, 90% (n = 77) dos participantes tiveram pontuação acima dos critérios clínicos para depressão, enquanto que 48% (n = 42) e 40% (n = 35) dos participantes tiveram pontuação acima dos critérios clínicos para ansiedade e fobia social, respectivamente. Transtorno da imagem corporal foi informado por 69% (n = 88) dos participantes e 50% desses participantes informaram que estavam “muito” ou “extremamente” preocupados com a aparência de algumas partes do corpo, que consideravam especialmente pouco atraentes por causa da esclerodermia. A correlação entre idade, nível educacional, anos transcorridos desde o diagnóstico, frequência dos sintomas e va- 409 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1 riáveis psicossociais está apresentada na tabela 4. Conforme ficou demonstrado, existe uma correlação significativa entre frequência e impacto dos sintomas e entre as variáveis psicológicas. O nível educacional dos participantes não está correlacionado com outras variáveis. O modelo de regressão múltipla utilizado para testar preditores de depressão explicou 18% da variância relacionada aos sintomas de depressão (R2aj = 0,11, P < 0,05; F(6,69) = 2,57, P < 0,05). A variável “impacto dos sintomas” (t = 0,31, P < 0,05) foi o único preditor significativo nesse modelo (tabela 5). Com relação à ansiedade, o presente modelo explicou 22% de vari- Tabela 2 – Frequência e impacto (informado como moderado ou extremamente grave) dos sintomas mais informados em pacientes brasileiros com esclerodermia Frequência n (%) Impacto n (%) Endurecimento/ retesamento da pele Coceira na pele Dor articular Dor muscular Azia Diarreia Fadiga Dificuldade para dormir Dificuldade de concentração Dificuldade em lembrar coisas Fenômeno de Raynaud Mudanças na cor da pele Articulações inchadas Dormência nos pés ou pernas Síndrome do túnel cárpico Enxaquecas Dificuldade em subir escadas Rigidez nas mãos Efeitos colaterais da medicação Dor cutânea Dificuldade de engolir Dificuldade em andar Falta de ar Dor no peito Ressecamento vaginal Boca seca Hipersensibilidade ao sol Gosto ruim na boca à noite Dificuldade em abrir/ fechar torneiras Náusea Dificuldade em se vestir Dificuldade em entrar/sair do carro Dificuldade em segurar objetos Olhos ressecados Dificuldade em se lavar Dificuldade em abrir a boca Dificuldade em abrir completamente a mão 88 (90%) 97 (76%) 82 (87%) 92 (96%) 83 (87%) 89 (89%) 81 (84%) 83 (86%) 83 (80%) 85 (88%) 92 (72%) 108 (84%) 116 (91%) 102 (80%) 88 (67%) 106 (83%) 105 (82%) 93 (73%) 82 (88%) 100 (78%) 84 (86%) 81 (81%) 79 (81%) 78 (81%) 108 (84%) 88 (69%) 104 (81%) 104 (81%) 79 (81%) 76 (79%) 74 (76%) 106 (83%) 96 (75%) 110 (86%) 72 (76%) 73 (75%) 109 (85%) 105 (82%) 72 (75%) 73 (75%) 70 (74%) 70 (74%) 73 (74%) 54 (74%) 71 (73%) 70 (73%) 72 (73%) 109 (85%) 94 (73%) 107 (84%) 104 (81%) 96 (75%) 101 (79%) 94 (73%) 102 (80%) 95 (74%) 69 (73%) 104 (81%) 69 (72%) 68 (71%) 69 (70%) 95 (74%) 101 (79%) 103 (81%) 68 (70%) 102 (80%) 67 (70%) 66 (70%) 66 (68%) 109 (85%) 97 (76%) 105 (82%) 64 (66%) 97 (76%) Tabela 3 – Satisfação com o atendimento médico em pacientes brasileiros com esclerodermia Média (DP) Satisfação geral Qualidade técnica do atendimento Conduta interpessoal Comunicação Aspectos financeiros Tempo gasto com o médico Acessibilidade e conveniência 2,24 (1,49) 2,30 (1,40) 2,59 (1,70) 2,40 (1,58) 1,93 (1,41) 2,29 (1,56) 2,17 (1,45) ância nos sintomas de ansiedade (R2aj = 0,16, P < 0,01; F(5,70) = 3,85, P < 0,01). As variáveis “frequência dos sintomas” (t = -2,53, P < 0,05) e “imagem corporal” (t = 1,82, P < 0,1) foram os dois preditores significativos nesse modelo. Com relação aos sintomas de fobia social, o presente modelo explicou 34% de variância relacionada à fobia social (R2aj = 0,28, P < 0,001) (F(6,69) = 5,96, P < 0,001), em que a variável “imagem corporal” (t = 4,45, P < 0,001) foi o único preditor significativo de fobia social. Finalmente, com relação à imagem corporal, o presente modelo explicou 28% da variância relacionada à imagem corporal (R2aj = 0,23, P < 0,001) (F(4,65) = 6,19, P < 0,001). Nesse modelo, “anos de diagnóstico” (t = 1,82, P < 0,1) e “fobia social” (t = 3,76, P < 0,001) foram os dois preditores significativos de variabilidade para “imagem corporal”. Discussão Em nosso estudo, pretendemos avaliar os sintomas mais freqüentes vivenciados por pacientes brasileiros com esclerodermia e o impacto desses sintomas no cotidiano dos pacientes. Além disso, objetivamos avaliar o nível de satisfação dos participantes com seu atendimento médico e avaliar também os níveis de depressão, ansiedade, fobia social e imagem corporal dos participantes. Finalmente, pretendemos avaliar os preditores de depressão, ansiedade, fobia social e imagem corporal. No que tange à frequência dos sintomas, nossos resultados foram similares aos achados de uma amostra canadense e de amostras europeias.6,13 Curiosamente, embora as evidências sugiram que o fenômeno de Raynaud fica exacerbado pelo clima frio, observamos níveis similares de prevalência desse sintoma no Brasil (i.e, 86% dos pacientes, em comparação com 94% em uma amostra canadense e com 90% em uma amostra europeia6,13). Vale a pena notar que o estresse pode piorar o fenômeno de Raynaud, e que existem outros fatores que podem contribuir para o atual padrão de resultados. Dentro dessa linha, sintomas como dor articular também tendem a piorar nos climas frios; contudo, esse sintoma foi altamente prevalente em nossa amostra do Brasil; 96% (em comparação com 94% no Canadá e na Europa6,13). Conforme foi mencionado, esse padrão de resultados pode ser decorrente de outros fatores, inclusive depressão, cuja contribuição para a doença ou para o relato de sintomas deve ser mais bem explorada em futuros estudos. A esclerodermia permanece sendo desconhecida por muitos profissionais da saúde e durante longos períodos os sintomas tendem a ser confundidos com sintomas de outras doenças. Isso poderia explicar porque apenas 17% dos pacientes foram diagnosticados com esclerodermia pelo primeiro médi- 410 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1 Tabela 4 – Correlações de Pearson entre as variáveis da doença e as variáveis psicossociais em pacientes brasileiros com esclerodermia Variável 1. Idade 2. Anos desde o diagnóstico 3. Frequência dos sintomas 4. Impacto dos sintomas 5. Imagem corporal 6. Depressão 7. Ansiedade 8. Fobia social 9. Nível educacional 1 2 3 4 5 6 7 8 0,17a -0,15a -0,16a 0,10 0,22a 0,24b 0,25b -0,18 0,02 0,02 0,23b 0,17 0,12 0,10 -0,10 0,95d -0,04 -0,19a -0,27b -0,28c -0,02 -0,09 -0,20a -0,27* -0,32c -0,04 0,42d 0,31c 0,47d -0,07 0,63d 0,35c -0,18 0,22b 0,08 -0,15 a P < 0,1. P < 0,05. c P < 0,01. d P < 0,001 b Tabela 5 – Resultados da análise de regressão múltipla para testar preditores de Depressão, ansiedade, fobia social e imagem corporal in em pacientes brasileiros com esclerodermia Depressão R2(R2aj) = 0,18 (0,11); F(6,69) = 2,57b Idade Frequência dos sintomas Impacto dos sintomas Imagem corporal Ansiedade Fobia social β t 0,11 0,1 0,31 0,11 0,14 0,02 0,96 0,78 2,55b 0,84 1,15 0,12 Ansiedade: R2(R2aj) = 0,22(0,16); F(5,70) = 3,85c Idade Frequência dos sintomas Imagem corporal Depressão Fobia social 0,16 -0,28 0,23 0,13 -0,05 1,45 -2,53b 1,82a 1,15 -0,39 Fobia social: R2(R2aj) = 0,34(0,28); F(6,69) = 5,96d Idade Frequência dos sintomas Impacto dos sintomas Imagem corporal Depressão Ansiedade 0,14 -0,13 0,15 0,46 0,01 -0,04 1,32 -1,19 1,34 4,45d 0,12 -0,35 Imagem corporal: R2(R2aj) = 0,28(0,23);F(6,69) = 6,19d Anos de diagnóstico Fobia social 0,2 0,41 1,82a 3,76d a P < 0,1. P < 0,05. c P < 0,01. d P < 0,001 b co consultado. Com base nisso, no Brasil é baixa a satisfação com o atendimento médico dos pacientes, sendo consideravelmente mais baixa do que os níveis de satisfação informados por pacientes canadenses e europeus. Exemplificando, em uma escala de 1 a 5, que indica “pouca” até “muita satisfação”, respectivamente, os pacientes brasileiros classificaram “aspectos financeiros” em 1,93, enquanto os pacientes europeus e canadenses classificaram esse item no nível de 3,2. Esses resultados foram confirmados, quando compara- mos a satisfação informada com o atendimento médico no Canadá, Europa e Brasil, verificando que os níveis de satisfação foram mais altos tanto no Canadá como na Europa, em comparação com o Brasil. Essas diferenças em satisfação com o atendimento médico podem ter sua origem das diferentes condições econômicas das populações, ou da organização e/ou disponibilidade de acesso ao Serviço Nacional de Saúde no Brasil. Finalmente, nossos resultados demonstram que 90% dos participantes informaram sintomas que estão acima do ponto de virada para depressão, um achado que corrobora evidências prévias sugerindo que a depressão é comum entre pacientes com esclerodermia.8 Esses resultados são bem mais robustos, quando comparados com dados derivados do estudo canadense, em que 48%6 dos pacientes se enquadram em um diagnóstico para depressão, uma diferença que levanta graves preocupações. Na presente amostra, a depressão estava associada com as variáveis de idade e “frequência” e “impacto” dos sintomas, ansiedade e fobia social, sugerindo que a doença está afetando os mais idosos e aqueles pacientes exibindo mais sintomas. Nessa amostra, o sintoma “impacto” foi o principal preditor, revelando os custos, em termos de saúde mental, das limitações associadas aos sintomas no cotidiano dos pacientes. Com relação aos sintomas de ansiedade, os resultados indicam que aproximadamente metade dos participantes (48%) informaram sintomas de ansiedade. Esse resultado é consistente com a idéia de que a ansiedade é muito prevalente em pessoas com algum tipo de desfiguração física14 e que a ansiedade é comum em pacientes com esclerodermia.9 Na presente amostra, ansiedade estava associada com idade, frequência dos sintomas, imagem corporal, depressão e fobia social. A análise de regressão demonstrou que “frequência de sintomas” e “imagem corporal” foram os preditores mais significativos de ansiedade. Tendo em vista que a esclerodermia se caracteriza por um conjunto complexo de sintomas (inclusive aqueles que contribuem para a mudança na imagem corporal), seu tratamento é uma meta que deve ser levada em consideração, para que a ansiedade seja reduzida. Com relação à fobia social, 40% dos participantes informaram esse problema. Apenas parte dos pacientes com esclerodermia sofre desfiguração do rosto, mas mudanças R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 0 5 – 4 1 1 nas mãos e em outras partes visíveis podem se constituir em verdadeiro desafio para aqueles que estão afetados. A literatura publicada sugere que pessoas com desfiguração tendem a evitar situações sociais14 e a variável “imagem corporal” foi o principal preditor de fobia social em nossa amostra – um resultado que pode ser compreendido na dinâmica entre imagem corporal negativa e a atitude de evitar situações sociais. Finalmente, com relação ao transtorno da imagem corporal, 69% dos participantes informaram essa perturbação em nossa amostra. Esse achado complementa o fato que esclerodermia envolve muitas mudanças físicas em partes visíveis do corpo.14 Mas os resultados em nossa amostra são significativamente mais expressivos do que os derivados de uma amostra canadense (23%).6 Essa diferença pode ser decorrente das condições climáticas específicas do Brasil, exigindo maior exposição do corpo durante a maior parte do ano, e a conseqüente dificuldade em disfarçar as desfigurações físicas. Conclusões Nosso estudo oferece diversos resultados desafiadores, inclusive fortalecendo as idéias de um grave impacto da esclerodermia no funcionamento cotidiano de pacientes brasileiros e de um percentual muito elevado de sofrimento psicológico entre esses pacientes. A população total no Brasil é superior a 194 milhões de habitantes e a esclerodermia afeta aproximadamente 44 em cada 100.000 pessoas.15 Esses dados estatísticos sugerem que 83.600 pessoas no Brasil podem padecer de esclerodermia. À luz dessa estimativa, uma importante limitação do estudo é o número relativamente pequeno de participantes utilizados na amostra. Uma segunda limitação importante do estudo é o método de recrutamento dos participantes. Especificamente, a coleta de dados foi realizada mediante a colaboração de uma associação de pacientes (ABRAPES); com isso, esse estudo envolveu apenas pacientes que estavam de alguma forma conectados a essa associação. Esses participantes podem ter características que não são representativas de pacientes brasileiros com esclerodermia na população geral. Além disso, o fato que o questionário deveria ser preenchido online pode ter limitado significativamente a abrangência de nossa amostra. Ainda assim, é digno de nota que, mesmo no caso de nossa amostra refletir uma parte da população com situação socioeconômica mais favorável e com funcionamento social mais intenso, ainda é baixa sua satisfação informada com o atendimento médico, em comparação com a satisfação informada por pacientes de outros países, e que os sintomas psicológicos ainda tiveram impacto negativo na maioria dos pacientes brasileiros. Assim, em geral os dados apresentados sugerem que os médicos precisam ficar mais preparados para o atendimento de pacientes com esclerodermia, e que seja oferecida ajuda especializada a esses pacientes. Esperamos que o presente estudo possa motivar novas pesquisas envolvendo pacientes com esclerodermia no Brasil, com destaque para as áreas de interesse enfatizadas por nossos dados. 411 Agradecimentos Associação Brasileira de Pacientes de Esclerose Sistêmica (ABRAPES). Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. REFERÊNCIAS 1. Li Q, Sahhar J, Littlejohn G. Red flags in scleroderma. Aust Fam Physician. 2008;37:831-4. 2. Hinchcliff M, Varga J. Systemic sclerosis/Scleroderma: a treatable multisystem disease. Am Fam Physician. 2008;78:961-9. 3. Ostojic P, Zivojinovic S, Reza T, Damjanov N. Symptoms of depression and anxiety in Serbian patients with systemic sclerosis: impact of disease severity and socioeconomic factors. Mod Rheumatol. 2010;20:353-7. 4. Ruzek MC, Jha S, Ledbetter S, Richards SM, Garman RD. A modified model of graft-versus-host-induced systemic sclerosis (scleroderma) exhibits all major aspects of the human disease. Arthritis & Rheumatism. 2004;50:1319-31. 5. Malcarne VL, Hansdottir I, Greenbergs HL, Clements PJ, Weisman. Appearance Self-Esteem in Systemic Sclerosis. Cogn Ther Res. 1999;23:197-208. 6. Taillefer SS, Bernstein J, Schieir O, Buzza R, Hudson M; Scleroderma Society of Canada, et al. Canadian scleroderma patient survey of health concerns and research priorities. Report. Montreal; 2010. 7. Benrud-Larson LM, Heinberg LJ, Boling C, Reed J, White B, Wigley FM, et al. Body image dissatisfaction among women with scleroderma: extent and relationship to psychological function. Health Psychol. 2003;22:130-9. 8. Benud-Larson LM, Haythornthwaite JA, Heinberg LJ, Boling C, Reed J, White B, et al. The impact of pain and symptoms of depression in scleroderma. Pain. 2002;95:267-75. 9. Legendre C, Allanore Y, Ferrand I, Kahan A. Evaluation of depression and anxiety in patients with systemic sclerosis. Joint Bone Spine. 2005;72:825-9. 10. Hansdottir I, Malcarne VL, Furst DE, Weisman MH, Clements PJ. Relationships of Positive and Negative Affect to Coping and Functional Outcomes in Systemic Sclerosis. Cogn Ther Res. 2004;28:593-610. 11. Taillefer SS, Bernstein J, Schieir O, Buzza R, Hudson M, Scleroderma Society of Canada, et al. Canadian Scleroderma Survey of Health Concerns and Research Priorities. 2010, Portuguese version, Leite C, Maia A, 2011. Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Portugal. 12. Martins C. Manual de análise de dados quantitativos com resurso ao IBM SPSS: saber decidir, fazer, interpretar e redigir. Braga: Psiquilibrios Edições; 2011. 13. Leite C. Psychosocial characterization, symptoms and illness perception in scleroderma patients: an international study [dissertation]. [Braga]: Universidade do Minho; 2011. 45p. 14. Thompson A. Adjusting to disfigurement: processes involved in dealing with being visibly different. Clin Psychol Rev. 2001;21:663-82. 15. Bernatsky S, Joseph L, Pineau CA, Belisle P, Hudson M, Clarke AE. Scleroderma prevalence: demographic variations in a population-based sample. Arthritis Care & Research. 2009;61:400-4. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Utilidade da triagem dos anticorpos anti-dsDNA por quimioluminescência, seguida de confirmação por imunofluorescência indireta Maria Roseli Monteiro Calladoa,*, José Rubens Costa Limab, Maria Nancy de Alencar Barrosoc, Antonio Tiago Mota Pinheirod, Moisés Francisco da Cruz Netod, Maria Arenilda de Lima Abreuc, Walber Pinto Vieirae,f a Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil Célula de Vigilância Epidemiológica, Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil c Laboratório de Patologia Clínica, Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil d Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil e Serviço de Reumatologia, Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil f Faculdade de Medicina, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: Objetivo: Avaliar o desempenho de um imunoensaio quimioluminescente (CLIA) para os Recebido em 28 de maio de 2012 anticorpos anti-dsDNA, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta Aprovado em 23 de abril de 2013 (IFI) sobre Crithidia luciliae. Métodos: O sistema de automação foi previamente aprovado com 81% de eficiência, 100% Palavras-chave: de sensibilidade e 82% de especificidade, por processo de validação intrínseca em 179 Anti-dsDNA amostras consecutivas de 169 pacientes no início de 2011. A seguir, esses pacientes foram Doenças autoimunes subdivididos em três grupos de acordo com os resultados da pesquisa dos anticorpos anti- Lúpus eritematoso sistêmico -dsDNA nas duas metodologias (reagentes, não reagentes e resultados discrepantes). Quimioluminescência Resultados: Na análise dos dados: 1) 77% (129/169) dos exames haviam sido solicitados por Imunofluorescência indireta médicos reumatologistas; 2) 57% (97/169) das amostras eram de pacientes lúpicos; 3) Os resultados de CLIA, reagentes e não reagentes, estavam bem definidos e padronizados; 4) A automação reduziu em 70% as passagens pela técnica manual com segurança e qualidade; 5) A alta prevalência de pacientes lúpicos e com nefrite entre os resultados de CLIA falso-positivos corrobora a hipótese de que o índice real de falsa positividade do CLIA seja menor que o encontrado inicialmente neste estudo. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Trabalho realizado no Serviço de Reumatologia e Patologia Clínica do Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (M.R.M. Callado). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8 413 Usefulness of anti-dsDNA antibody screening with chemiluminescence followed by confirmation by indirect immunofluorescence abstract Keywords: Objective: The purpose of this study was to evaluate the performance of a chemilumines- Anti-dsDNA cent immunoassay (CLIA) to detect anti-dsDNA antibodies, using the indirect immunofluo- Autoimmune diseases rescence test (IIF) on Crithidia luciliae as a reference. Systemic lupus erythematosus Methods: The automation system demonstrated 81% efficiency, 100% sensitivity and 82% Chemiluminescence specificity according to the intrinsic validation process performed using 179 consecutive Indirect immunofluorescence samples from 169 patients in the beginning of 2011. These patients were subsequently divided into 3 groups according to the co-reactivity of anti-dsDNA results using the 2 methods (reactive, non-reactive and discrepant results). Results: Upon data analysis, 77% (129/169) of the tests were requested by rheumatologists, and 57% (97/169) of the samples were from lupus patients. Both the reactive and non-reactive results of the CLIA were well defined and standardised, and automation reduced the manual labor required by 70% in a safe and high-quality manner. Furthermore, the high prevalence of patients with lupus and nephritis among the CLIA false-positive results corroborates the hypothesis that the actual index of CLIA false positivity is lower than that initially found in this study. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução A pesquisa dos autoanticorpos anti-DNA de dupla hélice (anti-dsDNA) é útil para o diagnóstico e seguimento do lúpus eritematoso sistêmico (LES),1 principalmente nos pacientes com nefrite lúpica.2 Ensaios automatizados vêm sendo propostos como uma alternativa mais rápida para triagem de anticorpos anti-dsDNA nos grandes laboratórios.3 Os exames pela técnica de radioimunoensaio são reconhecidos como métodos mais específicos, porém, são cada vez menos usados porque requerem o uso de material radioativo.4 Ensaios automatizados processam grandes volumes de amostras clínicas de maneira rápida e com menor custo que os métodos tradicionais.5,6 Implantar um exame sorológico em laboratório de patologia clínica requer um processo de validação intrínseca para avaliar o desempenho do teste quando comparado a um método de referência, pelos parâmetros de sensibilidade, especificidade e eficiência. Essas são características do novo teste e não da população na qual está sendo aplicado, portanto fornecem resultados consistentes, independentes da prevalência da doença.7 Esse novo método de processamento do exame em questão pode ser aprovado para substituição de técnicas (mudança de fornecedor de reagentes), melhorar a qualidade (adição à técnica em uso) e/ou diminuir os custos operacionais do laboratório. Essa rotina não necessita de aprovação de comitê de ética, pois a origem da amostra biológica não deve ser revelada. A prevalência de resultados positivos do teste FAN Hep2 na comunidade do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) foi estudada no período de 2002 a 2006, em seis mil amostras, obtendo-se 84% de resultados negativos,8 justificando o interesse de realizar a triagem dos exames de autoimunidade por método automatizado que reduziria o tempo e as chan- ces de erros humanos pelo interfaciamento do equipamento na liberação dos resultados negativos. O objetivo deste estudo é analisar o desempenho de um imunoensaio quimioluminescente para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta (IFI) sobre Crithidia luciliae. Após a aprovação de um protocolo interno do Laboratório de Patologia Clínica do HGF para validação intrínseca do sistema de automação na triagem de anticorpos antinucleares (FAN) e anti-DNA nativo (anti-dsDNA), foi elaborado um projeto para análise de prontuário da amostra clínica envolvida. Referido estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do HGF sob o número 060705/11. Os autores assinaram o termo de fiel depositário e declararam a inexistência de conflitos de interesse. Material e métodos Casuística No período de fevereiro a março de 2011, as amostras sorológicas com solicitação de detecção de anticorpos anti-dsDNA encaminhadas para o laboratório do HGF foram examinadas no setor de imunofluorescência que, posteriormente, encaminhou o material para o setor de automação, registrando-se que os exames foram realizados de forma independente pelas duas equipes técnicas. Os resultados de IFI foram liberados em tempo hábil, sem prejuízo para os pacientes. A validação intrínseca do sistema de automação foi aprovada com 81% de eficiência (resultados concordantes com a IFI), 100% de sensibilidade e 82% de especificidade do método. As informações demográficas (sexo e idade), epidemiológicas e clínicas (justificativa da solicitação, diagnósticos, duração dos sintomas e resultados laboratoriais) dos pacientes (n = 169) envolvidos 414 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8 neste estudo foram obtidas no banco de dados do laboratório e nos prontuários, após aprovação do CEP. As pesquisas de anticorpos anti-dsDNA, solicitadas em consultas posteriores, nos pacientes que apresentaram resultados discrepantes nas duas metodologias, no período de validação da CLIA, foram monitoradas por um ano (março/11 a março/12), sem interferência dos autores deste estudo. Investigação laboratorial Ensaio de quimioluminescência (CLIA): LIAISON_dsDNA (DiaSorin, Saluggia, Itália) é um imunoensaio de CLIA que utiliza partículas magnéticas revestidas com um oligonucleotídeo sintético de dsDNA, o qual assegura a ausência de contaminação com histonas e outras proteínas nucleares. Um anticorpo monoclonal, marcado com um derivado do isoluminol, é usado como anticorpo conjugado para detectar IgG anti-dsDNA.5 Todos os procedimentos do ensaio foram realizados automaticamente, em amostra primária no Sistema LIAISON®. O padrão de reatividade foi definido pelo fabricante como não reagente (< 20 UI/mL), zona cinza (20-25 UI/mL) e reagente (> 25 UI/mL). Ensaio de imunofluorescência indireta (IFI): Os exames foram realizados por método disponível comercialmente (Euroimmun, Lubeck, Alemanha), seguindo as recomendações técnicas do fabricante. Os soros foram diluídos 1/10 em solução salina tamponada com fosfatos e incubados sobre lâminas com o substrato antigênico (Crithidia luciliae), onde os anticorpos anti-dsDNA presentes ligam-se ao cinetoplasto, sendo revelados por uma antigamaglobulina específica marcada com isotiocianato de fluoresceína. Em cada rotina de testes foram realizados controles internos positivos e negativos. A coloração celular foi examinada em microscópio de fluorescência, modelo Nikon YS2H, sob o aumento de 400 vezes. Os soros com resultados positivos na triagem 1/10 foram apresentados em títulos semiquantitativos. Análise estatística Os dados foram compilados em planilha Excel® da Microsoft. Foram realizados os testes de sensibilidade, especificidade e eficiência para validação de um teste sorológico, usando a pesquisa de anticorpos anti-dsDNA por IFI como teste de referência. Resultados A avaliação intrínseca foi realizada com 179 amostras sorológicas analisadas pelas duas técnicas. O ensaio quimioluminescente foi positivo em 41 (23%) amostras, negativo em 132 (74%) e indeterminado (zona cinza) em seis soros (3%). Os seis soros indeterminados foram agrupados aos positivos para a avaliação de sensibilidade, especificidade e eficiência do método em relação à IFI. A comparação entre as duas metodologias revelou: 15 amostras (8,4%) positivas nas duas técnicas, 132 (73,7%) duplamente negativas, 32 (17,9%) com resultados falso-positivos e nenhum resultado falso-negativo na CLIA, revelando sensibilidade de 100%, especificidade de 82% e uma eficiência da CLIA de 81%. Após essa análise, o laboratório implantou a triagem dos anticorpos anti-dsDNA por automação, na qual os resultados positivos passaram a ser reavaliados para confirmação em IFI. Nesse novo processo de triagem, a fase manual foi reduzida em 74% (132/179) do esforço total de bancada, limitando a necessidade para um exame manual em cada quatro testes anteriormente realizados pelo método de IFI. A amostra clínica da avaliação intrínseca (179 amostras sorológicas) entre os métodos CLIA e IFI envolvia 169 pacientes, com oito soros duplicados e um triplicado. Os resultados de CLIA das amostras múltiplas foram negativos em sete pacientes com soros duplos, discrepante em um paciente (32 e 13,8 UI/mL) e positivo no paciente com três solicitações de pesquisa de anticorpos anti-dsDNA no período de dois meses (154,6, 46 e 37,5 UI/mL); todos esses soros foram negativos pelo método de IFI. Uma análise desses resultados será apresentada posteriormente. As características demográficas e epidemiológicas desta casuística estão demonstradas na tabela 1. Os pacientes Tabela 1 – Características epidemiológicas da casuística (n = 169) Características da amostra clínica Sexo Masculino Feminino Faixas etárias (anos) Crianças (< 11 ) Adolescentes (12 a 19) Adultos 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 Clínica solicitante do exame Reumatologia Clinica Médica Nefrologia Ginecologia/Obstetrícia Reumatologia pediátrica Outras clínicasb Diagnóstico dos pacientes LES Síndrome de superposição com LES Investigação de doença autoimunec Outras doenças autoimunes SAAF primária Artrite reumatoide Vasculite Doença de Devic Doença mista do tecido conjuntivo Síndrome de Sjögren Espondilite anquilosante Esclerose sistêmica linear Tireoidite autoimune Esclerose múltipla n (%) 16 (9) 153 (91) (n = 166)a 3 (2%) 20 (12%) 54 (33%) 43 (26%) 28 (17%) 12 (7%) 6 (4%) 123 (73%) 19 (11%) 7 (4%) 7 (4%) 6 (4%) 7 (4%) 92(54%) 5 (3%) 55 (33%) 17 (10%) 4 3 2 2 1 1 1 1 1 1 LES, lúpus eritemetoso sistêmico; SAAF, síndrome do anticorpo antifosfolípide. a Três pacientes não tinham prontuários e as idades não estavam referidas no laboratório. b Emergência, endocrinologia, neurologia e UTI). c Os pacientes sem prontuários (três) foram incluídos neste grupo. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8 foram classificados pelos diagnósticos firmados em prontuário; 1/3 da casuística (55 pacientes) foi referido como pacientes sob investigação diagnóstica, mediante suspeitas clínicas, com as solicitações dos exames justificadas pela presença de diversos sinais ou sintomas (ex: artralgias, artrites, insuficiência renal, anemia hemolítica, púrpura, Raynaud e parestesias etc.) relacionados ou presentes na doença lúpica. Os pacientes foram subdivididos em três grupos definidos na tabela 2, de acordo com os resultados encontrados na pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA pelas duas metodologias. Os soros do Grupo I pertenciam a 15 pacientes lúpicos (12 com diagnóstico anterior de nefrite lúpica; um com serosite; outro com LES há sete meses, apresentando provas de atividade inflamatória positivas, linfopenia e consumo das frações C3 e C4 do complemento; e o último paciente, portador de ARJ, em tratamento há dois anos, apresentou nesta reavaliação laboratorial os exames de FAN e anti-dsDNA positivos, nove meses antes de preencher os critérios para o diagnóstico de LES). Os resultados da triagem do anticorpo anti-dsDNA na técnica de CLIA nos 15 soros permaneceram no intervalo entre 240 UI/mL e 32,6 UI/mL, com média de 167 UI/mL, mediana de 198 UI/mL e moda de 240 UI/mL; e os títulos na IFI variaram de 1/640 a 1/20; onze soros apresentaram leituras maiores que 125 UI/mL na CLIA e título na IFI de 1/320 ou 1/640; os valores encontrados nos quatro soros restantes (63, 39, 36 e 32,6 UI/ mL) revelaram títulos de 1/320, 1/20, 1/160 e 1/320, respectivamente. As informações relevantes registradas nos prontuários de cada paciente do Grupo II (quadro clínico e alterações laboratoriais, com as justificativas para solicitação dos exames de anti-dsDNA) podem ser vistas na tabela 3, onde se evidencia que 87% (26/30) dos casos rotulados como falsopositivos na CLIA eram portadores de LES e 65% (17/26) desses pacientes tinham diagnóstico anterior de nefrite lúpica, com descrição de sinais e/ou sintomas de atividade da doença na evolução médica em 50% (13 casos); alterações laboratoriais isoladas, compatíveis com doença em atividade Tabela 2 – Definição de estratos para análise (n = 169) Grupo I II III Definição Estrato Amostras positivas LES nas duas técnicas (CLIA e IFI) Amostras positivas LES na CLIA e negativas Síndrome de na IFI (falsossuperposição com LES positivos) Tireoidite autoimune Investigação de doenças autoimunes Amostras negativas LES nas duas técnicas Síndrome de (CLIA e IFI) superposição com LES Outras patologias autoimunes Investigação de doenças autoimunes n Total 15 15 24 2 30 1 3 53 3 124 16 52 CLIA, imunoensaio quimioluminescente; IFI, imunofluorescência indireta; LES, lúpus eritemetoso sistêmico. 415 estavam presentes em 23% (6/26) dos pacientes (casos 5, 8, 11, 19, 25 e 29). Os resultados da pesquisa dos anticorpos anti-dsDNA pela CLIA, no Grupo II (tabela 4), ficou no intervalo de 184-20 UI/mL, com média de 59 UI/mL e mediana 45 UI/mL; quatro soros (casos 1 a 4) foram positivos com valores cinco vezes maiores do que o ponto de corte indicado pelo fabricante. Os soros classificados como zona cinza representaram 3,5% (6/169) da casuística estudada. A situação clínica de cada paciente do Grupo II (tabela 4) foi pareada com o histórico da presença dos autoanticorpos e a evolução da detecção dos anticorpos anti-dsDNA nos soros desde o início da doença. Os resultados de FAN estavam disponíveis e eram positivos em 97% (29/30) dos pacientes. Anticorpos anti-Sm foram detectados em 38% (10/26) dos pacientes com LES deste grupo. A reatividade pregressa ao dsDNA (anti-dsDNA por IFI) ocorreu em 50% (13/26) dos pacientes com lúpus, porém, esta informação não estava disponível em dois pacientes provenientes de outros serviços (casos 25 e 26); os quatro pacientes em investigação diagnóstica estavam realizando os exames pela primeira vez (casos 1, 4, 12 e 21). Avaliações posteriores dos anticorpos anti-dsDNA foram solicitadas em 77% (23/30) dos pacientes no prazo máximo de um ano; dentre os sete pacientes restantes, três não eram portadores de LES (casos 1,12 e 21), três eram lúpicos em remissão clínica e laboratorial (3,10 e 18) e o caso número 5, com remissão clínica, apresentava hematúria por ocasião da validação intrínseca. Dois pacientes (casos 2 e 17) foram estudados por soros múltiplos; o caso 2, com tripla avaliação positiva na CLIA (154,6, 46 e 37,5 UI/mL) é portador de LES e nefrite há quatro anos e no início da doença (2007) apresentou um resultado positivo para os anticorpos anti-dsDNA por ELISA (80 U), não confirmado em IFI em três pesquisas realizadas no período de 2009 a 2010; porém, após um mês do quadro convulsivo o exame por IFI foi positivo; e o caso 17, com resultados discrepantes na CLIA (32 e 13,8 UI/mL), recebeu o diagnóstico de LES e nefrite há dois meses, permanecendo com a pesquisa para anticorpos anti-dsDNA por CLIA e IFI negativos após seis meses. Dez pacientes tornaram-se reagentes pela IFI após um ano da primeira avaliação (casos 2, 9, 23 e 26 até três meses; caso 29 após cinco meses; casos 14 e 15 após nove meses; e os casos 7, 20 e 22 no intervalo de 12 meses). O restante da casuística (Grupo III) era constituída por 58% (56/97) do total de pacientes com LES, 95% (52/55) do total de pacientes em investigação de doenças autoimunes e pela maioria, 94% (16/17) dos pacientes acometidos com outras doenças autoimunes. Sete amostras duplicadas na avaliação intrínseca, pertencentes a cinco pacientes com LES, um sob investigação diagnóstica e outro com doença reumatoide permaneceram neste grupo. Os resultados de CLIA no Grupo III revelaram valores no intervalo de 19 a 0,5 UI/ mL (figura 1), com média de 5,5 UI/mL, mediana de 4 UI/mL e moda de 0,5 UI/mL. A história prévia de reatividade ao dsDNA por IFI em todos os pacientes com LES envolvidos no estudo (n = 97) foi pesquisada no prontuário e/ou nos arquivos do laboratório (tabela 5), constatando-se que 48% (47/97) desta casuística 416 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8 Tabela 3 – Informações relevantes dos pacientes do Grupo II (n = 30) Pac. Sx Id Justificativas para solicitação de anti-dsDNA Tempo Quadro atual Clínico 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 F F F F F F F F F F F F F F M F F 35 25 60 34 33 21 24 57 28 18 49 49 33 22 13 43 34 Artralgia a/e LES + nefrite LES Poliartrite aditiva LES + nefrite LES + nefrite LES mucocutâneo LES LES + nefrite LES + nefrite LES Tireoidite autoimune LES + nefrite LES LES LES + nefrite LES + nefrite 1a 4a 15 a 2a 11 a 7m 2m 22 a 5a 2a 5a 3a 8a 10 m 2m 5a 2m 18 19 20 21 22 23 24 25 26 F F F F F F F F M 27 14 27 49 22 23 28 19 34 LES + DM/PM LES mucocutâneo LES + nefrite Insuficiência renal a/e LES + nefrite LES + nefrite LES + nefrite LES + nefrite LES + nefrite 4a 5m 6a 1m 4a 7a 3a 5a 3a 27 28 29 30 F F F F 46 29 61 22 LES + nefrite LES + nefrite LES + ES LES + nefrite 5a 18 m 10 a 3a Alterações laboratoriais Em investigação Atividade (convulsão) Remissão Em investigação Remissão Atividade Remissão Remissão Atividade Remissãoa Remissão Artralgia Atividade Remissão Atividade Atividade Atividade ANA reagente linfopenia, ↓C', proteinúria sem alterações ANA reagente hematúria ++ ↓C', hematúria, proteinúria sem alterações linfopenia anemia, ↓C', proteinúria sem alterações PCR+, ↓C3 hematúria + linfopenia, ↓C', hematúria sem alterações ↓C' linfopenia, hematúria, proteinúria linfopenia, ↓C', VHS e PCR, hematúria, proteinúria Remissão PCR Remissão ↓C' Atividade ↓C', proteinúria Em investigação proteinúria hematúria, proteinúria Atividadea proteinúria Atividadea hematúria, proteinúria Atividadea Remissão linfopenia Atividadea, hemodiálise ↓C', hematúria, proteinúria, creatinina leucocitúria Atividadea Atividade, hemodiáliseb ↓C3, proteinúria, leucocitúria Remissão linfopenia, ↓C', Avaliação após gravidez sem alterações Pac, paciente; Sx, sexo; Id, idade; F, feminino; a/e, a esclarecer; a, ano; ANA, autoanticorpo antinúcleo; LES, lúpus eritematoso sistêmico; C’, complemento; m, mês; PCR, proteína C-reativa; M, masculino; VHS, velocidade de hemosedimentação; DM/DP, dermatomiosite/ dermatopolimiosite; ES, esclerose sistêmica. a Em vigência de pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida. b Uso de rituximabe no ano anterior. eram reagentes, com cinco pacientes do Grupo I (positivo nas duas metodologias) realizando a pesquisa de anticorpos anti-dsDNA pela primeira vez. A atividade clínica através do Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index (SLEDAI) não estava disponível em todos os prontuários no período da solicitação do exame o que impediu o estudo de evolução clínica (períodos de atividade ou remissão da doença) relacionada com a presença de anticorpos anti-dsDNA. Discussão Atualmente, as técnicas mais comumente usadas para a detecção de anticorpos anti-dsDNA são os ensaios imunoenzimáticos e a IFI, sendo esta última mais específica, detectando anticorpos de moderada e alta afinidade que se relacionam com atividade do LES.9 Os ensaios de ELISA, apesar de serem quantitativos, reprodutíveis e automatizados apresentam menor precisão em termos de desempenho clínico, porque detectam autoanticorpos anti-dsDNA de baixa avidez, que geralmente apresentam pouca relevância clínica e podem estar presentes em outras doenças do tecido conjuntivo, doenças inflamatórias ou infecciosas e em indivíduos normais.10 Nos últimos anos, uma nova geração de ELISA para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA foi introduzida no mercado. Estes novos reagentes caracterizam-se por uma maior purificação dos antígenos, tornando-se mais seletivos, com uma melhor capacidade de detectar anticorpos de avidez intermediária e alta.5 O método CLIA avaliado neste estudo está inserido neste grupo. O desempenho do ensaio CLIA-LIAISON nesta avaliação intrínseca foi satisfatório, apresentando 100% de sensibilidade, 82% de especificidade e 81% de eficiência na comparação com a IFI. Este mesmo reagente de CLIA foi testado pelo Grupo de Estudos de Doenças Autoimunes da Sociedade Italiana de Medicina Laboratorial5 em uma avaliação extrínseca,7 com uma amostra clínica de 52 pacientes com LES, 28 doentes com outras doenças do tecido conjuntivo, 36 portadores de hepatite pelo vírus C (HCV) e 24 pacientes com outras doenças virais agudas. Os autores encontraram 84,6% de sensibilidade, 82,9% de especificidade e 83,6% de eficiência do método, resultados semelhantes aos obtidos no pre- 417 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8 Tabela 4 – Presença de autoanticorpos no soro dos pacientes do Grupo II (n = 30) Pac. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Situação clínica atual Investigação Atividade Remissão Investigação Remissão Atividade Remissão Remissão Atividade Remissãoa Remissão Investigação Atividade Remissão Atividade Atividade Atividade Remissão Remissão Atividade Investigação Atividadea Atividadea Atividadea Remissão Atividadea Atividadea Atividade Remissão Remissão História prévia de outros autoanticorpos Histórico de anti-dsDNA ANA ANA ANA ANA, Cardio G e M ANA, Sm, Cardio G e M ANA, Sm, RNP ANA ANA ANA, Ro, La ANA ANA, Sm ANA, Ro ANA, Sm ANA ANA, Sm, Ro ANA, Ro, La ANA ANA ANA, Sm, Cardio G ANA, Sm, RNP anr ANA ANA ANA, Sm, RNP, anti-p ad ANA, Ro, Cardio G ANA, RNP ANA, Sm, Cardio G ANA, Sm, RNP ANA Anterior Atual Avaliações posteriores (IFI) CLIA (UI/mL) CLIA (UI/mL) IFI (título) (intervalo) anr NR R anr R NR NR R NR R R anr NR NR NR R NR R anr R anr R R NR ad ad R NR R R 183,5 154,6 134,1 125,5 111,1 92,5 92,1 85,6 84,6 68,6 51,5 50,9 49,5 45,2 44,9 36,1 32,0 31,4 31,1 30,2 28,7 26,6 26,5 25,4 22,7 22,1 22,0 20,9 20,6 20,3 anr 49,0 anr anr anr 199,9 54,1 19,0 189,3 anr 96 e 15,2 anr 38,2 e 52 45,1 26,7 4,75 12,5 anr 28,4 45,7 anr 33,6 34,4 anr 22,2 56,3 45,6 8,33 32,5 18,3 anr 1:80 anr NR anr NR 1:80 anr 1:320 anr NR anr NR 1:160 1:80 anr NR anr NR 1:80 anr 1:40 1:160 NR NR 1:40 NR anr 1:40 anr 1m 5m 10 m 12 m 5m 3m 2e6m 3 e 12 m 9m 9m 12 m 6m 3m 12 m 12 m 1m 2m 10 m 2m 2m 10 m 5m 11 m Pac, paciente; IFI, imunofluorescência indireta; CLIA, imunoensaio quimioluminescente; ANA, autoanticorpo antinúcleo; anr, avaliação não realizada; NR, não reagente; m, mês; R, reagente; Cardio G, anticardiolipina G; Cardio M, anticardiolipina M; Sm, anti-Sm; RNP, anti-RNP; Ro, anti-SSa(Ro); La, anti-SSB(La); ad, avaliação desconhecida; anti-p, anti-p ribossomal. a Em vigência de pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida; anti-p ribossomal. sente estudo. A diferença de sensibilidade pode ser atribuída à amostra clínica examinada. O trabalho em foco permitiu analisar o desempenho do teste de automação para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, segundo a realidade vivenciada pela população local, onde a maioria (57%) dos pacientes que realizam este exame são portadores de LES. A pesquisa UI/mL 18 16 italiana envolveu pacientes com HVC, que, eventualmente, apresentam o teste de CLIA positivo para anticorpos anti-dsDNA.5 O desempenho do teste CLIA para afirmar uma reação negativa foi adequado neste estudo, com as medidas de tendência central no Grupo III convergentes em valores inferiores a três vezes o valor máximo de negatividade sugerido pelo fabricante (até 19 UI/mL). A baixa frequência (3,5%) de resultados em zona cinza permitiu uma clara definição de positividade do método. A identificação dos pacientes que constituíram o Grupo III demonstra a especificidade para o 14 12 10 Tabela 5 – História prévia de anti-dsDNA (IFI) nos pacientes lúpicos (n = 97) 8 6 Grupo 4 2 0 0 5 10 15 20 25 Figura 1 – Frequência dos resultados de CLIA (UI/mL) no Grupo III (n = 124). n I II III Total Reagente Não reagente 1ª vez ad Total 10 13 19 42 0 10 32 42 5 1 5 11 0 2 0 2 15 26 56 97 ad, avaliação desconhecida. 418 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 2 – 4 1 8 anti-dsDNA utilizado no ensaio; dos 45 soros reagentes em CLIA, 91% (41/45) eram de pacientes lúpicos. A disponibilização da amostra clínica permitiu ainda uma análise qualitativa do tipo de paciente que realiza o exame de anticorpo anti-dsDNA no hospital, identificando-se um perfil clínico e epidemiológico semelhante ao encontrado na patologia lúpica onde este autoanticorpo é prevalente.11 A grande maioria dos pacientes era do sexo feminino, na faixa etária dos adultos jovens (20-39 anos), com o Serviço de Reumatologia sendo responsável por mais de 70% das solicitações dos exames. A baixa prevalência de crianças e adolescentes é justificada pelo foco do hospital no atendimento terciário de adultos. Após a instituição da triagem por automação na pesquisa de anticorpos anti-dsDNA, as amostras positivas e com resultados em zona cinza na CLIA são testadas por IFI, usando a Crithidia luciliae como substrato. A implantação desta rotina gerou a otimização de tempo e de pessoal operacional de laboratório,6 reduzindo em mais de 70% a necessidade de técnica manual antes da liberação de resultados e diminuiu também a chance de erros de procedimentos e aleatórios que comprometem a qualidade e fidelidade dos exames liberados. A possibilidade de redução dos custos será analisada posteriormente, em outro estudo. Ensaios internacionais recomendam o uso de reagentes automatizados para pesquisa de anticorpos anti-dsDNA,3,12-15 porém, o método de excelência na prática clínica e laboratorial para a pesquisa deste autoanticorpo permanece sendo a IFI.12,16 Considerando que o painel de métodos laboratoriais para a detecção dos anticorpos anti-dsDNA é continuamente crescente, ensaios tradicionalmente utilizados na rotina de trabalho ainda estão longe de ser padronizados e amplamente aceitos. Os médicos devem estar cientes que os índices de concordância entre laboratórios, a interpretação dos resultados e a precisão do diagnóstico são dependentes da variabilidade analítica e da população de pacientes analisados.17 No presente estudo, as condições técnicas do laboratório e o encaminhamento das amostras sorológicas dos pacientes foram mantidos na rotina normal de trabalho da instituição. Este trabalho demonstrou que a triagem dos autoanticorpos anti-dsDNA por CLIA é um método seguro (100% de sensibilidade) e rápido, que melhora a qualidade dos exames ofertados aos pacientes. Entre seus achados, observou-se também que a maioria dos resultados de CLIA rotulados como falso-positivos pertencia a pacientes lúpicos em atividade clínica e/ou laboratorial de doença, alguns dos quais vieram a se confirmar meses depois como positivos por IFI. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. 16. 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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Adalimumabe no tratamento da artrite reumatoide: uma revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados Marina Amaral de Ávila Machadoa,*, Alessandra Almeida Maciela, Lívia Lovato Pires de Lemosb, Juliana Oliveira Costaa, Adriana Maria Kakehasic, Eli Iola Gurgel Andrade d, Mariangela Leal Cherchigliae, Francisco de Assis Acurcio f a Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil Programa de Pós-graduação em Medicamentos e Assistência Farmacêutica, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil c Departamento do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil d Programa de Pós-graduação em Demografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil e Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil f Programa de Pós-graduação em Ciência Animal, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: Desde a descoberta do papel do fator de necrose tumoral no processo fisiopatológico da artri- Recebido em 6 de setembro de 2012 te reumatoide, cinco medicamentos bloqueadores dessa citocina têm sido empregados como Aprovado em 23 de abril de 2013 opção terapêutica. Para avaliar a eficácia e a segurança do adalimumabe no tratamento da artrite reumatoide foi conduzida uma revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos Palavras-chave: controlados e randomizados. Foi realizada busca de estudos relevantes nas bases de dados Artrite reumatoide Medline (via PubMed) e LILACS em junho de 2011. A seleção dos estudos, coleta e análise de Adalimumabe dados foram realizadas de forma pareada e independente por dois revisores e por um ter- Fator de necrose tumoral ceiro revisor em casos de discordância. A metanálise foi conduzida no software Review Ma- Revisão sistemática nager® 5.1 usando o modelo de efeitos aleatórios. Onze artigos referentes ao adalimumabe Metanálise foram incluídos e contemplaram nove estudos com 3461 pacientes. Dez estudos mostraram baixo risco de viés quanto ao cegamento dos participantes e pessoal e cegamento de avaliação de resultados. Os pacientes que receberam tratamento da associação de adalimumabe e metotrexato apresentam melhores resultados de eficácia e menor progressão radiográfica quando comparados ao grupo placebo + metotrexato em 24 a 104 semanas. Os pacientes que utilizaram adalimumabe em monoterapia apresentaram melhores resultados de eficácia em relação ao placebo em 24 e 26 semanas. Os resultados das metanálises de eventos adversos não foram estatisticamente significantes, exceto para reações no local de aplicação, na qual favoreceu o grupo controle. A eficácia do adalimumabe foi demonstrada em monoterapia e associado a algum MMCD, porém as evidências para o uso combinado são mais robustas. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Estudo desenvolvido no Departamento de Farmácia Social, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais e no Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (M.A.A. Machado). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 420 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 Adalimumab in rheumatoid arthritis treatment: a systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials abstract Keywords: Since the discovery of the role of tumor necrosis factor in the physiopathological process Rheumatoid arthritis of rheumatoid arthritis, five drugs that block this cytokine have been used as therapeutic Adalimumab options. To evaluate the efficacy and safety of adalimumab in the treatment of rheuma- Tumor necrosis factor toid arthritis we performed a systematic review and meta-analysis of randomized con- Systematic review trolled trials. A search of relevant studies in Medline (through PubMed) and LILACS in June Meta-analysis 2011 was carried out. Study selection, data collection and analysis were performed in pairs and independently by two reviewers and by a third reviewer in cases of disagreement. The meta-analysis was performed using the software Review Manager® 5.1 using the random effects model. Eleven articles related to adalimumab were included and considered nine studies with 3461 patients. Ten studies showed low risk of bias regarding the blinding of participants and personnel and blinding of outcome assessment. Patients who received the combination treatment of adalimumab and methotrexate showed better efficacy results and lower radiographic progression when compared to placebo + methotrexate in 24-104 weeks. Patients who received adalimumab as monotherapy showed better efficacy outcomes when compared to placebo in 24 and 26 weeks. The results of the meta-analyses of adverse events were not statistically significant, except for reactions at the injection site, which favored the control group. Adalimumab efficacy was demonstrated in monotherapy and when associated to a DMARD, but the evidence for combined use is more robust. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução A medicina baseada em evidências é o uso consciencioso, explícito e judicioso das melhores evidências para a tomada de decisão no cuidado de pacientes. A prática da medicina baseada em evidências integra a experiência individual do médico com a melhor evidência disponível por meio de pesquisas sistemáticas.1 As revisões sistemáticas são consideradas o nível I de evidências e têm métodos rigorosos que diminuem a ocorrência de vieses quando comparadas às revisões narrativas.2 Os benefícios do anticorpo monoclonal adalimumabe no controle da artrite reumatoide (AR) são amplamente demonstrados na literatura e, no Brasil, esse é o segundo medicamento mais utilizado para essa doença da classe dos agentes biológicos.3-5 O custo anual desse tratamento é elevado e foi estimado no Brasil em R$ 71.117,00 e com uma razão de custo-efetividade incremental por AVAQ (anos de vida ajustados por qualidade) em relação à terapia com metotrexato (MTX) de R$ 628.124,00.6 Esse alto custo reforça a importância da sistematização de todas as evidências disponíveis para auxiliar a tomada de decisão em saúde. A AR é uma doença inflamatória sistêmica, crônica e progressiva de etiologia desconhecida, que acomete a membrana sinovial das articulações, podendo levar à destruição óssea e cartilaginosa. Essa desordem autoimune afeta as articulações, geralmente das mãos e dos pés, em ambos os lados de forma igual e simétrica.3,7 A prevalência é estimada em 0,5-1,0% da população, sendo mais frequente em mulheres, de acordo com estudos realizados nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil.8,9 O cuidado do paciente com AR inclui o uso de medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD), anti-inflamatórios não esteroidais e corticoides, além de tratamento não farmacológico, como terapia ocupacional e fisioterapia.10 Os MMCD biológicos representam um avanço na terapia da AR e têm sido indicados nos casos em que os pacientes não respondem ao tratamento convencional. Os bloqueadores do fator de necrose tumoral (TNF) adalimumabe, etanercepte, infliximabe, certolizumabe e golimumabe estão contemplados nessa classe.3,10,11 Com o intuito de contribuir para a prática da medicina baseada em evidência, foi conduzida uma revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos controlados e randomizados para avaliar a eficácia e a segurança do adalimumabe no tratamento da AR. Métodos Esse estudo é parte integrante de uma revisão sistemática de ensaios clínicos controlados e randomizados sobre a eficácia e segurança dos medicamentos adalimumabe, etanercepte, infliximabe e rituximabe no tratamento da AR. Critérios de elegibilidade Foram selecionados ensaios clínicos controlados e randomizados nos idiomas português, inglês e espanhol. Foram consideradas as comparações do adalimumabe 40 mg uma vez a cada 15 dias em monoterapia ou associado a MMCD vs. grupo controle em pacientes com diagnóstico de AR segundo os critérios revisados do American College of Rheumatology (ACR) e doença ativa.12 Busca de artigos A busca de estudos foi realizada nas bases de dados Medline (via Pubmed) e LILACS em junho de 2011 e complementada R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 por busca manual em referências de revisões sistemáticas e dos estudos encontrados. A estratégia de busca foi composta pelas seguintes palavras: rheumatoid arthritis; monoclonal antibodies; D2E7 antibody; Humira®. A busca na Pubmed foi estruturada a partir de termos Mesh (Medical Subject Headings) e uma busca sensível foi realizada para ensaios clínicos controlados e randomizados. Seleção de estudos e coleta de dados A seleção de estudos foi feita por análise dos títulos e resumos dos estudos selecionados pela busca. Os dados foram coletados utilizando-se um formulário padronizado. Dois revisores independentemente avaliaram e coletaram os dados de cada estudo e as discordâncias foram resolvidas por consenso ou por um terceiro revisor. Para cada ensaio foram coletados características do desenho do estudo e da população, duração da doença, uso prévio ou concomitante de MMCD, intervenção e desfechos. O principal desfecho considerado foi a resposta ACR20 definida pelo ACR. Resposta ACR20 ocorre quando há diminuição em 20% na contagem de articulações com dor e edema e melhora em 3 das 5 variáveis: avaliação global pelo paciente e pelo médico; dor; escala Health Assessment Questionnaire (HAQ) e provas inflamatórias de fase aguda (proteína C-reativa ou velocidade de hemossedimentação).13 Os desfechos secundários foram as respostas ACR50 e ACR70, em que há 50% e 70% de melhora nos mesmos parâmetros, além de funcionalidade medida pela escala HAQ, desfechos radiológicos, perda de acompanhamento e segurança. Os autores, quando necessário, foram contactados para fornecer informações adicionais. 421 Resultados A busca de estudos para os quatro medicamentos (adalimumabe, etanercepte, infliximabe e rituximabe) resultou em 3620 artigos do Pubmed e 84 do LILACS, além de nove artigos encontrados pela busca manual. Onze artigos referentes ao adalimumabe foram incluídos e contemplaram nove estudos com 3461 pacientes (fig. 1). Características dos estudos Sete estudos avaliaram grupos de pacientes em uso de adalimumabe (ADA) 40 mg a cada duas semanas associado a algum MMCD vs. MMCD em monoterapia (mais placebo): em seis estudos os pacientes usaram MTX, e no estudo STAR os indivíduos receberam algum MMCD dentre MTX, cloroquina, hidroxicloroquina, leflunomida, ouro parenteral, ouro oral, sulfasalazina ou qualquer combinação destes.17 A maioria dos pacientes (82,1% grupo ADA + MMCD e 84,9% grupo placebo + MMCD) usou um ou mais MMCD durante o estudo e o MTX foi o mais comum (56,0% grupo ADA + MMCD e 62,6% grupo placebo + MMCD). Dois ensaios foram conduzidos com grupos em uso de ADA 40 mg a cada duas semanas em monoterapia comparado ao placebo. Qualidade metodológica e risco de viés A avaliação da qualidade metodológica e do risco de viés foi realizada de maneira independente por dois revisores com acesso ao nome do autor, da instituição e do jornal que publicou o estudo e as discordâncias foram resolvidas por consenso. Foram adotadas a avaliação da qualidade pela escala de Jadad modificada e a avaliação do risco de viés proposta pela Colaboração Cochrane. Essas ferramentas aspectos metodológicos, como por exemplo, randomização, mascaramento e perda de participantes. A escala de Jadad modificada pontua os ensaios clínicos de 0 a 6 e quanto maior a pontuação melhor a qualidade metodológica.14,15 Metanálise A metanálise foi realizada no software Review Manager® 5.1. Foi utilizada a diferença da média ponderada para os desfechos contínuos e o risco relativo para dados dicotômicos, ambos considerando intervalo de confiança de 95%. A presença de heterogeneidade entre os estudos foi considerada uma premissa e por isso foi aplicado o modelo de efeitos aleatórios. Heterogeneidade estatística foi considerada se P < 0,10 para o teste Qui-quadrado e estatística I2 > 40% e nesses casos os potenciais fatores que influenciaram esse fenômeno foram investigados.16 Figura 1 – Diagrama do processo de seleção para a inclusão de ensaios clínicos controlados e randomizados na revisão sistemática. 422 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 Apenas o estudo PREMIER incluiu braços de comparação entre monoterapia de ADA vs. monoterapia de MTX. 18 Em todos os estudos, os pacientes apresentaram AR ativa. O estudo GUEPARD definiu doença ativa por DAS 28 (Disease Activity Score) ≥ 5,1.19 Os outros estudos definiram pela contagem de articulações comprometidas, variando de 9-12 articulações dolorosas e 6-10 articulações edemaciadas. Além disso, os estudos PREMIER e DE019 incluíram pacientes com fator reumatóide positivo ou pelo menos uma articulação com erosão.18,20-22 Os estudos GUEPARD e PREMIER avaliaram pacientes virgens de tratamento com MTX.18-20 O estudo STAR incluiu pacientes virgens de tratamento ou que já haviam falhado a MTX, enquanto os outros mostraram dados de indivíduos com uso prévio ou falha terapêutica com MMCD.17 Os estudos GUEPARD e PREMIER consideraram pacientes com curta duração da doença, média variando de 4-8 meses dentre os grupos randomizados, enquanto que no restante a média variou de 7-11 anos.18-20 O número de articulações edemaciadas e dolorosas na linha de base foi semelhante dentre os ensaios, com exceção do estudo GUEPARD, que apresentou valores mais baixos para essas medidas (tabela 1). 19 Nenhum autor declarou isenção de conflitos de interesse. O estudo GUEPARD foi financiado pela Sociedade Francesa de Reumatologia e o tratamento com adalimumabe foi fornecido pelo laboratório Abbott.19 Chen et al. não relataram fonte de financiamento e todos os outros estudos declararam apoio da indústria farmacêutica Abbott.23 Qualidade metodológica e risco de viés O estudo GUEPARD apresentou valor na escala de Jadad modificada igual a 3 (baixa qualidade) por não ser duplo-cego, dois (11,1%) apresentaram valor igual a 4 (qualidade apropriada), enquanto cinco estudos (55,6%) mostraram valor 5 e um estudo, van de Putte et al. valor 6, indicando alta qualidade.19,24 A média da pontuação foi de 4,66 (tabela 2). Apenas no estudo de van de Putte et al. os métodos para a randomização e para o sigilo de alocação das intervenções após a aleatoração foram narrados, apesar de todos os estudos terem sido descritos como randomizados.24 Dessa forma, como esses métodos foram considerados adequados, apenas aquele estudo apresentou baixo de risco de viés no sigilo de alocação (viés de seleção) e na geração aleatória da sequência de alocação (viés de seleção). O sigilo de alocação é um aspecto importante no delineamento de um estudo, pois quando esse procedimento é realizado adequadamente é possível evitar viés de seleção na atribuição de intervenção, ao proteger a sequência de alocação até que as intervenções sejam alocadas (tabela 2).15 O estudo de van de Putte et al. apresentou alto risco de viés em relação ao relato de desfechos incompletos, pois a perda de acompanhamento foi substancialmente diferente entre os grupos (56,4% no grupo placebo e 28,3% no grupo ADA).24 O estudo GUEPARD, por não ser duplo-cego, apresentou alto risco de viés nos critérios de cegamento dos participantes e pessoal (viés de desempenho) e cegamento de avaliação de resultados (viés de detecção).19 Os outros estudos mostraram baixo risco de viés nesses dois itens (tabela 2). O nível de concordância inter-examinador demonstrou concordância quase perfeita (kappa = 0,831, DP = 0,675) na avaliação da qualidade metodológica pela escala de Jadad modi- ficada e substancial (kappa = 0,654, DP = 0,571) na análise de risco de viés.25 Eficácia Adalimumabe 40 mg + MMCD versus placebo + MMCD Os pacientes que usaram ADA + MMCD apresentaram maior chance de alcançar respostas ACR20, ACR50 e ACR70 em 24 semanas comparados aos pacientes do grupo placebo + MMCD (fig. 2). O risco relativo (RR) com intervalo de confiança (IC) de 95% para atingir resposta ACR20 foi de 1,92 (1,50; 2,47) com heterogeneidade alta (I2 = 66% e P = 0,01). Foi realizada exclusão de estudos para examinar qual ou quais estariam influenciando a heterogeneidade e verificou-se que após retirar o estudo ARMADA26 o RR (IC 95%) passou para 1,73 (1,48; 2,02) com heterogeneidade estatística não importante (I2 = 24% e P = 0,26) (fig. 2).17,19,21,23,27 Em até 24 semanas, a resposta ACR50 apresentou RR (IC 95%) de 2,91 (2,00; 4,24), com heterogeneidade alta (I2 = 59% e P = 0,03). A exclusão do estudo de Chen et al.23 elevou o RR (IC 95%) para 3,23 (2,35; 4,44) e a heterogeneidade estatística pode não ser importante (I2 = 41% e P = 0,15).17,19,21,26,27 Em até 24 semanas, a resposta ACR70 foi de 4,02 (2,77; 5,96), sem heterogeneidade estatística significante (I2 = 3% e P = 0,40) (figura 2).17,19,21,23,26,27 As fontes de heterogeneidade para os estudos Chen et al. e ARMADA não estão claras.23,26 A exclusão do estudo GUEPARD, o único ensaio não duplo-cego, nas três metanálises não alterou o nível de heterogeneidade e de significância estatística dos resultados.19 Em 52 semanas de tratamento, os resultados das metanálises não mostraram significância estatística e apresentaram alta heterogeneidade (I2 de 90-96% e P ≤ 0,001).18,21 Os estudos isolados indicaram diferenças estatisticamente significantes entre os grupos de comparação, favorecendo o tratamento ADA + MTX. A magnitude da resposta foi maior no estudo DE019, quando comparado ao PREMIER. Essa diferença, assim como a alta heterogeneidade encontrada nas metanálises, pode ser explicada pelo fato do estudo PREMIER incluir pacientes com doença precoce (até um de ano de diagnóstico) e pacientes virgens de tratamento com MTX, enquanto o estudo DE019 avalia pacientes com média de 11 anos de doença e com falha a tratamento com MMCD.18,21 Jamal et al., em uma continuação do estudo DE019, observaram que pacientes com doença precoce (≤ 3 anos) e com doença estabelecida (> 3 anos) mostraram mesmo perfil de resposta, sempre a favor do grupo intervenção.22 Na análise de 104 semanas, foi incluído somente o estudo PREMIER.18 O RR (IC 95%) para ACR20 foi de 1,23 (1,08; 1,41), ACR50 de 1,36 (1,15; 1,62) e ACR70 de 1,68 (1,33; 2,12), favorecendo o grupo ADA + MTX. A comparação de monoterapia ADA vs. MTX foi realizada apenas pelo estudo PREMIER que mostrou que há diferença estatística, favorecendo o grupo MTX, somente para resposta ACR20 em 52 semanas, ainda que com intervalo de confiança limítrofe (RR 0,86 IC 95% 0,74; 0,99). Respostas ACR50 e ACR70 em 52 semanas e respostas ACR20, ACR50 e ACR70 em 104 semanas não foram estatisticamente significantes. Esse também foi o único estudo que comparou a combinação ADA+MTX com ADA em monoterapia e o primeiro grupo 55,0(12,8) 55,8(12,4) 57,2(11,4) 569(10,8) 56,1(13,5) 56,1(12,0 49,7 52,6 57 56,3 48,5(10,2) 49,8(10,5) 51,9(14,0) 52,1(13,5) 52,0(13,1) 318 271 67 62 619 207 200 407 41 37 166 163 128 65 63 799 268 274 257 636 STAR (Furst et al., 2003) - 24 semanas17 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MMCD MMCD ARMADA (Weinblatt et al., 2003) - 24 semanas26 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX MTX DE019 (Keystone et al., 2004) - 52 semanas21 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX MTX DE019 (Jamal et al.,2009) - 52 semanas22 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX ≤ 3anos MTX ≤ 3 anos ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX > 3 anos MTX > 3 anos Kim et al. (2007) - 24 semanas27 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX MTX PREMIER (Breedveld et al., 2006) - 104 semanas18 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX ADA 40 mg a cada 2 semanas MTX Idade (anos) média (DP) 318 Pacientes (n) Estudo (tempo de acompanhamento) 0,8(0,9) 0,7(0,8) 0,7(0,8) 6,9(4,5) 6,8(4,2) 12,9 1,9 13,3 1,8 10,9(8,8) 11(9,2) 11,1(8,0) 12,2(11,1) 11,5(9,7) 9,3(8,8) 81(31,5) 91(33,2) 87(32,5) 63(100) 65(100) SI SI SI SI SI SI SI SI 295(92,8) 292(91,8) Tempo de duração Pacientes que doença (anos) usaram MMCD média (DP) prévio n (%) 22,1 (11,7) 21,8 (10,5) 21,1 (11,2) 12,8(5,8) 12,2(5,6) 19,1 19,2 18,7 22,1 19,0(9,5) 19,3(9,8) 16,9(9,5) 17,3(8,6) 21,3(11,2) 20,9(11,0) Articulações edemaciadas média (DP) Tabela 1 – Características da linha de base dos estudos incluídos na revisão sistemática 32,3 (14,3) 31,8 (13,6) 30,7 (14,2) 20,3(8,6) 19,2(9,2) 28 30,1 26,9 29,5 28,1(13,8) 27,3(12,7) 28,7(15,2) 28,0(12,7) 27,6(13,8) 27,3(13,0) Articulações dolorosas média (DP) 91(35,4) 100(36,5) 96(35,8) SI SI 58(35,6) 13(35,1) 74(44,6) 23(56,1) 99(49,5) SI 36(58,1) SI 173(54,4) 162(50,9) Pacientes em uso de esteroides n (%) 1,5(0,6) 1,6(0,6) 1,5(0,6) 1,3(0,6) 1,4(0,6) 1,5 1,5 1,4 1,5 1,48(0,59) 1,45(0,63) 1,64(0,63) 1,55(0,61) 1,43(0,60) 1,37(0,62) HAQ média (DP) (continua na próxima página) SI SI SI SI SI SI SI SI SI SI SI SI SI 203(63,8) 198(62,3) Pacientes em uso de AINES n (%) R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 423 51,9(14,0) 52,0(13,1) 53,0(29,0-75,0)≠ 53(35,0-73,0)≠ 46,3(16,3) 49,3(15,2) 52,7(13,3) 53,5(13,2) 56,9(10,3) 53,4(12,8) 257 47 35 12 65 33 32 544 113 110 352 91 87 Idade (anos) média (DP) 268 Pacientes (n) 8,4(8,2) 9,9(7,9) 11,6(9,3) 10,6(6,9) 0,4(0,3-0,4)± 0,4(0,2-0,5)± 8,3(1,3-15,6)≠ 6,2(0,3-19,1)≠ 0,8(0,9) 0,7(0,8) 87(100) 91(100) SI SI SI SI 12(100) 35(100) 81(31,5) 87(32,5) Tempo de duração Pacientes que doença (anos) usaram MMCD média (DP) prévio n (%) 19,3(7,0) 19,1(7,3) 19,8(9,3) 20,5(10,6) 10,8 9,5 24,1 21,9 22,1 (11,7) 21,1 (11,2) Articulações edemaciadas média (DP) 23,7(8,8) 24,4(10,7) 35,5(14,2) 33,7(15,9) 14,1 13,8 37,2 32,5 32,3 (14,3) 30,7 (14,2) Articulações dolorosas média (DP) SI SI 74(67,3) 77(68,1) SI SI SI SI 91(35,4) 96(35,8) Pacientes em uso de esteroides n (%) SI SI 92(83,6) 93(82,3) 10(31,3) 10(30,3) SI SI SI SI Pacientes em uso de AINES n (%) 1,39(0,75) 1,64(0,70) 1,88(0,64) 1,83(0,59) 1,41(0,74) 1,69(0,59) 1,8(1,5-2,1)≠ 1,7(1,5-1,9)≠ 1,5(0,6) 1,6(0,6) HAQ média (DP) ADA, adalimumabe; AINE, anti-inflamatórios não esteroidais; DP, desvio padrão; HAQ, Health Assessment Questionnaire; MMCD, medicamentos modificadores do curso da doença; MTX, metotrexato; SI, sem informação. ± mediana (intervalo interquartil). ≠ mediana (amplitude) PREMIER (Kimel et al., 2008) - 104 semanas20 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX MTX Chen et al. (2009) - 12 semanas26 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX MTX GUEPARD (Soubrier et al., 2009) - 52 semanas19 ADA 40 mg a cada 2 semanas + MTX MTX Van de Putte et al. (2004) - 26 semanas24 ADA 40 mg a cada 2 semanas Placebo CHANGE (Miyasaka et al., 2008) - 24 semanas28 ADA 40 mg a cada 2 semanas Placebo Estudo (tempo de acompanhamento) Tabela 1 – Características da linha de base dos estudos incluídos na revisão sistemática (continuação) 424 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 425 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 Tabela 2 – Risco de viés proposta pela Colaboração Cochrane11 e pontuação da escala Jadad10 modificado de qualidade metodológica dos estudos incluídos na revisão sistemática Estudo Van de Putte et al., 200424 PREMIER (Breedveld 2006; Kimel 2008)18,20 DE019 (Keystone et al., 2004; Jamal et al.,2009)21,22 Kim et al., 200727 ARMADA (Weinblatt et al., 2003)16 CHANGE (Miyasaka et al., 2008)28 Chen et al., 200923 STAR (Furst et al., 2003)17 GUEPARD (Soubrier et al., 2009)19 Geração aleatória da sequência de alocação (viés de seleção) Sigilo da alocação (viés de seleção) Cegamento dos Cegamento participantes e de avaliação pessoal (viés de de resultados desempenho) (viés de detecção) Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Alto risco Incerto 6 Incerto Incerto Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco 5 Incerto Incerto Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco 5 Incerto Incerto Incerto Incerto Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco 5 5 Incerto Incerto Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco 5 Incerto Incerto Incerto Incerto Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Baixo risco Incerto 4 4 Incerto Incerto Alto risco Alto risco Baixo risco Baixo risco 3 apresentou melhores respostas ACR20, ACR50 e ACR70 em 52 e 104 semanas. 18 Os pacientes da terapia combinada (ADA+MMCD) mostraram maior redução na escala HAQ. A diferença de média entre os grupos em 24 semanas foi de -0,32 (-0,40; -0,24) e em 52 semanas de -0,32 (-0,39; -0,24).18,19,21,26,27 Não foi encontrada heterogeneidade significante (I2 = 0% e P = 0,99 e 0,60 para 24 e 52 semanas, respectivamente) (tabela 3). Apenas o estudo PREMIER relatou desfecho de HAQ em 104 semanas e a diferença de média (IC 95%) foi de -0,10 com IC 95% não significante (-0,21; 0,01).18 A comparação ADA vs. MTX foi realizada apenas pelo PREMIER que mostrou diferença na escala HAQ igual a zero entre os grupos, em 52 e 104 semanas. Esse também foi o único estudo que comparou a combinação ADA + MTX com ADA em monoterapia. Em 52 semanas, o primeiro grupo apresentou maior redução na escala HAQ (diferença de média de -0,30 IC 95% -0,41; -0,19), por outro lado esse resultado não se manteve em 104 semanas (diferença de média de -0,10 IC 95% -0,22; 0,02).18 Jamal et al. mostraram que a diferença entre ADA+MTX e placebo+MTX em relação a escala HAQ foi maior no grupo de pacientes com até três anos de doença comparado com pacientes com AR estabelecida, mas não significante (P > 0,05).22 Kimel et al. usou os dados do estudo PREMIER e relataram que os pacientes com AR tratados com ADA+MTX e com monoterapia com MTX apresentaram menores pontuações no componente físico resumido do SF-36 comparados com a população referência dos Estados Unidos em 12 semanas. Em 104 semanas de tratamento, houve diferença apenas para o grupo MTX.20 Não foi possível realizar a metanálise para os desfechos radiológicos, pois os artigos não indicavam desvio padrão ou Dados de desfechos incompletos Relato seletivo Jadad dos desfechos modificado outra medida de variabilidade que permitissem a combinação de dados. Keystone et al. mostraram que em 52 semanas os pacientes que receberam ADA + MTX apresentaram melhor progressão radiográfica medida pelo índice de Sharp modificado comparado com o grupo placebo + MTX (aumento de 0,8 vs. 2,7, P ≤ 0,001). Melhoras também foram verificadas nos escores para erosão (aumento de 0,4 vs. 1,6, P ≤ 0,001) e estreitamento do espaço articular (aumento de 0,1 vs. 1,0, P ≤ 0,01).21 No estudo PREMIER, em 26 semanas, o aumento do índice de Sharp modificado foi de 0,8, 2,1 e 3,5 para os pacientes da terapia combinada, ADA e MTX, respectivamente (P < 0,05 para todas as comparações). Com 52 e 104 semanas de tratamento, esses valores foram 1,3 e 1,9 (ADA + MTX), 3,0 e 5,5 (ADA) e 5,7 e 10,4 (MTX, P < 0,05 para todas as comparações).18 A metanálise mostrou um risco maior de perda de acompanhamento por falta de eficácia para o grupo placebo + MMCD em até 104 semanas (RR 0,31; IC 95% 0,21; 0,45) sem heterogeneidade estatística, I2 = 0% e P = 0,80.17,18,21,27 A perda de acompanhamento por reações adversas apresentou RR de 1,55 (IC 95% 1,08; 2,21) em até 104 semanas, favorecendo o grupo placebo + MMCD e sem heterogeneidade estatística, I2 = 0% e P = 0,61 (tabela 3).17,18,21,23,26,27 O estudo PREMIER mostrou que não houve diferença no risco de perda de acompanhamento por falta de eficácia e por reações adversas entre os grupos ADA e MTX. Por outro lado, quando se compara o grupo ADA + MTX com ADA monoterapia, observa-se RR (IC 95%) de 3,91 (2,18; 7,02) para perda de acompanhamento por falta de eficácia, favorecendo a combinação.18 Adalimuabe 40 mg vs. placebo Os resultados dessa comparação são mostrados para o período de 24/26 semanas. A combinação dos estudos resultou 426 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 Figura 2 – Metanálise de respostas ACR20, ACR50 e ACR70 em até 24 semanas. Adalimumabe 40 mg a cada duas semanas + MMCD vs. placebo + MMCD. MMCD, medicamentos modificadores do curso da doença; MTX, metotrexato; ADA, adalimumabe Estatística I2 >40% indica heterogeneidade estatísticas entre os estudos. Valor P < 0,10 do teste Qui-quadrado indica heterogeneidade. em RR (IC 95%) de 2,67 (1,89; 3,77), 3,19 (1,81; 5,62) e 7,90 (2,42; 25,80) para respostas ACR20, ACR50 e ACR70, respectivamente, favorecendo o grupo ADA. Não foi encontrada heterogeneidade estatística (I2 = 0% e P = 0,45, 0,46 e 0,73 para ACR20, ACR50 e ACR70, respectivamente) (tabela 3).24,28 A diferença da média (IC 95%) na escala HAQ entre os grupos ADA e placebo foi de -0,31 (-0,42; -0,19), I2 = 0% e P = 0,93, favorecendo o grupo ADA. O RR (IC 95%) para perda de acompanhamento por eventos adversos foi de 3,34 (1,27; 8,80), favorecendo o placebo e sem heterogeneidade significativa (I2 = 0% e P = 0,55, tabela 3).24,28 Segurança Adalimumabe 40 mg + MMCD vs. placebo + MMCD Os resultados das metanálises de eventos adversos mostraram-se sem significância estatística, exceto em relação à reação no local de aplicação em até 52 semanas, que favoreceu o grupo placebo + MMCD, porém com intervalo de confiança limítrofe (RR 1,32 IC95% 1,02; 1,71).17,21,23,26 Todas metanálises apresentaram baixa heterogeneidade estatística (tabela 3). Adalimuabe 40 mg vs. placebo Apenas reação no local de aplicação mostrou resultado estatisticamente significante com RR (IC 95%) de 12,45 (3,92; 39,52), em 24/26 semanas, sem heterogeneidade estatística (I2 = 0% e P = 0,86). O RR (IC 95%) para reações adversas graves foi 1,24 (0,49; 3,13), com heterogeneidade substancial (I2 = 68% e P = 0,08, tabela 3).24,28 van de Putte et al. em 26 semanas, relataram que mais pacientes que usaram ADA em relação ao grupo placebo relataram cefaleia (18,6% vs. 10,9%), erupção cutânea (20,4% vs. 5,5%) e prurido (11,5% vs. 0,9%, P < 0,05 para todas comparações). Infecções graves ocorreram em frequências semelhantes entre os grupos (2,3% ADA vs. 0,0% placebo).24 No estudo CHANGE, em 24 semanas, as frequências de infecções (45,1% vs. 36,8%) e infecções graves (6,6% vs. 1,1%) 427 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 Tabela 3 – Resultados das metanálises para HAQ, eventos adversos e perda de acompanhamento para as comparações ADA 40 mg a cada duas semanas + MMCD vs. placebo + MMCD e ADA 40 mg a cada duas semanas vs. placebo Desfecho Período (semanas) ADA 40 mg + MMCD vs. placebo + MMCD HAQ Até 24 HAQ 52 Perda por falta de Até 104 eficácia Perda por reação Até 104 adversa Reações adversas Até 104 Reações adversas Até 24 graves Infecções Até 24 Infecções graves Até 104 Reação no local Até 52 de aplicação Tuberculose Até 104 Câncer Até 104 Morte Até 104 ADA 40 mg vs. placebo ACR20 24/26 HAQ 24/26 Perda por reação 24/26 adversa Reações adversas 24/26 graves Reação no local 24/26 de aplicação Estudos Participantes Medida de efeito (IC 95%)* I2 (%)a Valor Pb 419,21,26,27 218,21 417,18,21,27 729 932 1696 -0,32 (-0,40; -0,24) -0,32 (-0,39; -0,24) 0,31 (0,21; 0,45) 0 0 0 0,99 0,60 0,80 617,18,21,23,26,27 1872 1,55 (1,08; 2,21) 0 0,61 517,18,21,23,27 317,23,27 1955 811 1,03 (1,00; 1,05) 0,84 (0,58; 1,20) 0 0 0,67 0,54 317,23,27 617,18,21,23,26,27 417,21,23,26 1171 2014 1219 1,07 (0,93; 1,24) 1,73 (0,72; 4,14) 1,32 (1,02; 1,71) 0 27 2 0,59 0,23 0,38 517,18,21,23,27 617,18,21,23,26,27 517,18,21,23,27 1743 2226 1743 2,25 (0,46; 11,02) 1,02 (0,30; 3,47) 2,38 (0,52; 10,84) 0 0 0 0,96 0,53 0,88 224,28 224,28 224,28 401 401 401 2,67 (1,89; 3,77) -0,31 (-0,42; -0,19) 3,34 (1,27; 8,80) 0 0 0 0,45 0,93 0,55 224,28 401 1,24 (0,49; 3,13) 68 0,08 224,28 401 12,45 (3,92; 39,52) 0 0,68 ACR, American College of Rheumatology; ADA, adalimumabe; MMCD, medicamentos modificadores do curso da doença; HAQ, Health Assessment Questionnaire. * Dados em risco relativo para desfechos dicotômicos e diferença de médias paras desfechos contínuos com intervalo de confiança de 95%. a Estatística I2 >40% indica heterogeneidade estatísticas entre os estudos. b Valor P <0,10 do teste Qui-quadrado indica heterogeneidade estatísticas entre os estudos. Números sobrescritos indicam os estudos usados nas metanálises. não mostraram diferenças estatisticamente significantes entre os grupos ADA e placebo.28 Discussão Os resultados da revisão sistemática e das metanálises demonstraram que os pacientes que receberam tratamento de ADA 40 mg a cada duas semanas associado ao MTX apresentam melhores resultados de eficácia e menor progressão radiográfica quando comparados pacientes do grupo placebo + MTX. O risco de ocorrer perda de acompanhamento por falta de eficácia foi maior no grupo placebo + MTX, enquanto a perda por reação adversa foi maior no grupo ADA+MTX. Entretanto, esses resultados são mais robustos para acompanhamento por 24 semanas, uma vez que somente dois estudos avaliaram os pacientes por 52 semanas e um, por 104. Não foi verificada diferença estatisticamente significante quanto à eficácia e perda de acompanhamento por falta de eficácia entre os grupos em monoterapia com ADA 40 mg a cada duas semanas e monoterapia com MTX, enquanto que para progressão radiográfica o grupo que utilizou ADA apresentou melhor resultado. A combinação de ADA 40 mg a cada duas semanas e MTX quando comparada ao ADA 40 mg a cada duas semanas em monoterapia apresentou me- lhores desfechos na resposta ACR e progressão radiográfica, enquanto que na escala HAQ o resultado foi estatisticamente significante apenas em 52 semanas e também favorável a combinação. O risco de perda de acompanhamento por falta de eficácia foi maior para a monoterapia. Essas comparações foram avaliadas somente por um ensaio.18 Os pacientes que utilizaram ADA 40 mg a cada duas semanas em monoterapia apresentaram melhores desfechos de eficácia em relação ao placebo em 24/26 semanas e a perda por reações adversas favoreceu o grupo placebo. As metanálises de eventos adversos não mostraram resultados estatisticamente significantes nas comparações “ADA 40 mg a cada duas semanas + MTX vs. placebo + MTX” e “ADA 40 mg a cada duas semanas vs. placebo”, com exceção das reações no local de aplicação, que é esperado que seja maior no grupo que utilizou o agente anti-TNF. Ressalta-se que o RR na comparação “ADA 40 mg a cada duas semanas + MTX vs. placebo + MTX” apresentou intervalo de confiança limítrofe para esse evento. Uma característica inerente de estudos clínicos é que eles são conduzidos com uma população criteriosamente selecionada e que, portanto, não representa a população real. Além disso, a maioria dos estudos incluídos foi realizada por curto período de tempo (apenas um estudo de dois anos). Dessa forma, os resultados de ensaios clínicos possuem baixa validade 428 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 externa e devem ser extrapolados para a prática clínica com ressalvas, sobretudo os desfechos de segurança, pois eventos adversos raros muitas vezes são notificados em estudos pós-comercialização. Portanto, é importante considerar resultados de eventos adversos provenientes de estudos com maior tempo de acompanhamento. Uma extensão open label de cinco anos de duração do estudo PREMIER mostrou que a taxa de infecções sérias foi de 3,3 eventos por 100 pacientes-ano e que ocorreram dois casos de tuberculose (0,1/100 pacientes-ano), um caso de linfoma (< 0,1/100 pacientes-ano) e um de câncer de pele não melanoma (< 0,1/100 pacientes-ano), além de outros 11 relatos de tumores malignos.29 A fase open label do estudo DE019, também de cinco anos, relatou taxa de infecções graves de 4,4 por 100 pacientes-ano e dois casos de tuberculose. A taxa de câncer de pele não melanoma foi de 1,1/100 pacientes-ano e de outros cânceres, de 1,5/100 pacientes/ano.30 No início da etapa open label dos dois estudos todos os pacientes passaram a utilizar ADA 40 mg uma vez a cada 15 dias. Uma metanálise de coortes indicou que os pacientes com AR que utilizaram antagonistas TNF apresentaram aumento de 40% no risco de ocorrência de infecções graves comparados com pacientes que usaram MMCD (RR 1,37, IC 95% 1,18; 1,60).31 Nos ensaios clínicos com bloqueadores de TNF, é comum a realização de triagem para infecção latente de tuberculose e tratamento profilático nos casos positivos. Isso também é recomendado pelas diretrizes de tratamento e ocorre na prática clínica.11 Apesar disso, verificam-se casos de tuberculose relacionados ao uso desses medicamentos. O registro espanhol de eventos adversos da terapia de biológicos em doenças reumáticas relatou que a incidência de tuberculose antes de 2002 foi de 472 por 100.000 pacientes-ano e que, de 2002 a janeiro de 2006, quando as recomendações para triagem e tratamento profilático de pacientes com tuberculose latente começaram a ser divulgadas, essa incidência reduziu para 172 casos por 100.000 pacientes/ano.32 A Sociedade Britânica de Reumatologia divulgou em 2008 que o risco de tuberculose em pacientes em uso de adalimumabe foi de 217/100.000 pessoas-ano, enquanto que a incidência anual média da população do Reino Unido foi de 13,2 eventos/100.000 pessoas-ano. Quase metade dos casos foi diagnosticada após o término do tratamento, indicando que a vigilância para ocorrência de tuberculose deve continuar mesmo após a interrupção da terapia.33 Uma revisão sistemática de ensaios clínicos e coortes mostra que a associação de adalimumabe (ou outro biológico, como etanercepte, infliximabe e rituximabe) com MTX alcança melhores respostas clínicas que a monoterapia com o biológico.34 Os ensaios clínicos que mostraram benefício da monoterapia do ADA compararam o biológico com placebo e o no PREMIER, de forma geral, não foi verificada diferença entre os grupo ADA e MTX.18,24,28 O estudo GUEPARD mostrou que embora a combinação de ADA + MTX forneça respostas mais rápidas, não apresenta melhores resultados de eficácia e índices radiológicos após um ano quando comparada com pacientes que iniciaram o tratamento com monoterapia com MTX, o que não justificaria iniciar o tratamento da AR com o biológico.19 Comparações com outras revisões sistemáticas Outras revisões sistemáticas corroboram com os resultados apresentados, mostrando maior eficácia do ADA em relação ao controle em curto e longo prazo. Entretanto é preciso cautela na interpretação dos resultados de longo prazo, pois estudos com mais de 52 semanas são escassos e, geralmente, as metanálises apresentam alta heterogeneidade.4,35-37 Wiens et al. mostraram que o resultado da metanálise para respostas ACR em 52 semanas é estatisticamente significante e favorável ao grupo que usou ADA, o que difere do resultado encontrado na presente revisão.38 Essa diferença na direção dos resultados pode estar relacionada ao método usado pelos autores, que utilizam os dois braços com ADA do estudo DE019, contabilizando os resultados do grupo placebo duas vezes, além de combinar grupos com posologias distintas do ADA, o que pode ter enviesado o resultado.21 Jamal et al. mostraram que não há diferença na resposta ACR quando se compara pacientes com doença precoce e estabelecida.22 Por outro lado, revisões sistemáticas de bloqueadores de TNF verificaram que a resposta ACR foi melhor em pacientes com mais de dois anos de doença e melhores resultados em indivíduos com uso prévio de MTX.33,37 Limitações O viés de publicação é uma preocupação em qualquer revisão sistemática. É possível que estudos que sugerem benefícios da intervenção de interesse sejam publicados, enquanto que aqueles que apontam resultados em outra direção permaneçam não publicados. Nesta situação, uma revisão sistemática de estudos publicados pode identificar um benefício espúrio de um importante efeito ou falhar em indicar eventos adversos importantes.39 De forma geral, a evidência pode ser considerada forte, pois os estudos incluídos nessa revisão apresentaram boa qualidade metodológica e baixo risco de viés, com exceção do estudo GUEPARD cujo delineamento não foi duplo-cego.19 Verificou-se que os resultados mantêm-se semelhantes com a exclusão desse estudo. Implicações para pesquisa e prática clínica Não foram encontrados estudos que comparam o adalimumabe com outro biológico, evidenciando-se uma lacuna do conhecimento, pois seria relevante para a prática clínica conhecer os perfis de eficácia e segurança comparativos entre os biológicos, dado que em relação ao placebo e ao MTX já estão bem estabelecidos. Esse estudo mostrou que o adalimumabe na dose de 40 mg a cada duas semanas é eficaz no tratamento da AR e bem tolerado a curto prazo. A eficácia do adalimumabe foi demonstrada em monoterapia e associado a algum MMCD, principalmente ao MTX, porém as evidências para o uso combinado são mais robustas. As evidências científicas disponíveis corroboram as recomendações de tratamento da AR da Sociedade Brasileira de Reumatologia: o uso de agentes biológicos está indicado para os pacientes que persistam com atividade da doença, apesar do tratamento com pelo menos dois esque- R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 1 9 – 4 3 0 mas de MMCD, dos quais pelo menos um deles é combinação de MMCD. O uso de agentes biológicos deve ser feito associado a algum MMCD, preferencialmente o MTX.3 Conflitos de interesse 13. 14. A.M.K declara ter recebido grant educacional da Abbott. Os outros autores declaram não haver conflitos de interesse. 15. Apoio financeiro CNPq. 16. REFERÊNCIAS 1. Sackett DL, Rosemberg WMC, Gray JAM. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. BMJ. 1966;326:756-8. 2. Dib RPE. Como praticar a medicina baseada em evidências. J Vasc Bras. 2007;6(1):1-4. 3. Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB, et al. 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Systematic Review and MetaAnalysis of the Efficacy and Safety of Existing TNF Blocking Agents in Treatment of Rheumatoid Arthritis. PLoS ONE. 2012;7(1):e30275. Alonso-Ruiz A, Pijoan JI, Ansuategui E, Urkaregi A, Calabozo M, Quintana A. Tumor necrosis factor alpha drugs in rheumatoid arthritis: systematic review and metaanalysis of efficacy and safety. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9:52. Wiens A, Correr CJ, Venson R, Otuki MF, Pontarolo R. A systematic review and meta-analysis of the efficacy and safety of adalimumab for treating rheumatoid arthritis. Rheumatol Int. 2010;30(8):1063-70. Sterne JAC, Egger M, Moher D. Addressing reporting biases. In: Higgins JPT, Green S (eds.). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Intervention. Version 5.1.0 (updated March 2011). The Cochrane Collaboration, 2011. Available from www.cochrane-handbook.org. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Artigo original Comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: uma revisão sistemática dos últimos 10 anos Nadja Maria Jorge Asano a,*, Maria das Graças Wanderley de Sales Coriolano b, Breno Jorge Asano c, Otávio Gomes Lins d a Departamento de Medicina Clínica, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil Departamento de Anatomia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil c Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil c Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: Objetivo: Verificar a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eri- Recebido em 23 de agosto de 2012 tematoso sistêmico (LES), a partir do método da revisão sistemática. Aprovado em 14 de maio de 2013 Métodos: Uma busca sistemática na literatura foi realizada no período entre abril e julho de 2011, nos portais BIREME, PubMed e banco de teses da CAPES. Essa busca priorizou estudos Palavras-chave: publicados nos últimos 10 anos (2001-2011), que envolvessem a presença de comorbidades Lúpus eritematoso sistêmico psiquiátricas em pacientes com LES. Psiquiatria Resultados: De 314 artigos publicados em periódicos científicos (PubMed) e 29 artigos Transtornos mentais (BIREME) previamente identificados e selecionados, foram selecionados 13 artigos sobre transtornos psiquiátricos e LES para submissão à abordagem metodológica de uma revisão sistemática. Os artigos indicaram alta frequência de comorbidades psiquiátricas, principalmente transtornos do humor e de ansiedade . Não há um consenso entre a atividade da doença e os transtornos psiquiátricos. Pacientes com atividade da doença apresentaram um risco maior de desenvolver transtorno do humor do que pacientes com doença inativa. Pacientes com LES apresentaram mais risco de suicídio do que a população em geral. Conclusão: Estudos mais detalhados para avaliar o papel psicológico, genético, mecanismos autoimunes específicos e não específicos inflamatórios nos transtornos do humor e de ansiedade são necessários. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected], [email protected] (N.M.J. Asano). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 432 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7 Psychiatric comorbities in patients with systemic lupus erythematosus: a systematic review of the last 10 years abstract Keywords: Objective: To analyze the frequency of psychiatric comorbidities in patients with systemic Systemic lupus erythematosus lupus erythematosus (SLE) using the systematic review method. Psychiatry Methods: A systematic literature search was performed between April and July 2011 in the Mental disorders following databases: BIREME, PubMed and CAPES thesis database. This search prioritized studies published over the last ten years (2001-2011), involving the presence of psychiatric comorbidities in patients with SLE. Results: Out of 314 articles published in scientific journals (PubMed) and 29 (BIREME), previously identified ones, 13 articles on psychiatric disorders and SLE were selected so they could be submitted to the systematic review methodological approach. The articles indicated high frequency of psychiatric comorbidities, especially mood and anxiety disorders. There is no consensus between the disease activity and psychiatric disorders. Patients with active SLE showed a higher risk of developing mood disorders than patients with inactive SLE. Conclusion: Patients with SLE had a higher suicide risk than the general population. More thorough studies to evaluate the psychological and genetic role, specific and non-specific autoimmune inflammatory mechanisms in mood and anxiety disorders are needed. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução Material e métodos Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, de natureza autoimune e etiologia multifatorial, podendo acometer diversos órgãos e sistemas.1 Os estudos revelam uma predominância no sexo feminino (cerca de 90% dos casos), principalmente durante a idade fértil, ou seja, entre 15 e 45 anos de idade; mais frequente em mulheres negras do que em brancas, numa proporção 3:1, podendo, no entanto, ocorrer em todas as etnias e regiões geográficas.2 O sistema nervoso central é atingido frequentemente por essa doença, acarretando sintomas neurológicos e/ou psiquiátricos.1-3 A prevalência de transtornos neuropsiquiátricos no LES relatada na literatura é variável (14-75%), refletindo a variação dos critérios diagnósticos e a seleção da população estudada, podendo se manifestar em qualquer momento da evolução da doença com diferentes formas clínicas, desde quadros leves até graves.4 Estresse psicológico é considerado, por muitos estudiosos, como de particular importância no desencadeamento da doença e de suas agudizações.5-7 As síndromes psiquiátricas em pacientes com LES incluem uma variedade de achados psiquiátricos, causando incapacidades crônicas.8 O American College of Rheumatology (ACR) classificou 19 síndromes neuropsiquiátricas relacionadas ao LES, descrevendo como manifestações psiquiátricas: psicose, transtornos do humor, transtornos de ansiedade e estado confusional agudo.1 Dessa forma, no tratamento clínico dos pacientes, além da necessidade de se considerar a condição lúpica, seria oportuno observar as manifestações psiquiátricas especificamente e determinar o quanto essas comorbidades implicam em limitações nas atividades diárias, comprometendo a qualidade de vida do indivíduo.9 O objetivo desta revisão é verificar a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES. Uma busca sistemática na literatura foi realizada no período entre abril e julho de 2011, nos portais BIREME, PubMed e no banco de teses da CAPES. Essa busca priorizou estudos publicados nos últimos 10 anos (2001-2011), que envolvessem a presença de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES. A finalidade deste estudo foi reunir e sintetizar resultados de pesquisas de forma sistemática. Para isso, nossa pergunta condutora foi: qual é a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES? Com isso, o desfecho primário esperado é que as comorbidades psiquiátricas sejam frequentes e identificadas em algum nível de atividade do LES. Como desfecho secundário, é provável que a depressão seja a mais frequente entre os pacientes, dentre os quadros de comorbidades psiquiátricas observadas Com o objetivo de definir claramente a adequação da literatura encontrada para esse estudo de revisão, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: a) artigos com seres humanos; b) artigos publicados nos últimos 10 anos; c) pacientes de ambos os sexos; d) idade a partir dos 19 anos; e) artigos publicados em inglês, português e espanhol; f) estudos prospectivos. Os critérios de exclusão foram desenvolvidos para eliminar artigos que não utilizassem em sua metodologia os parâmetros acima listados: a) estudos de revisão; b) short communication; c) estudos qualitativos; d) publicações nos demais idiomas, mesmo com resumos em língua inglesa; e) estudos de intervenção; f) relato de casos. A pesquisa foi realizada por três pesquisadores. Dois pesquisadores (NMJA e MGWS) foram responsáveis, inicialmente, pelas buscas que ocorreram de forma independente e cega. Um terceiro pesquisador (OGL), revisor, foi consultado nos casos de discordância para estabelecer um consenso. Os formulários de coleta de dados foram padronizados e elaborados antes do início da busca. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7 Os descritores foram escolhidos de acordo com a lista do DeCS/MeSH. Pela lista do DeCS, os descritores foram os seguintes: Lúpus eritematoso sistêmico e Psiquiatria. Pela lista do MeSH os descritores foram os seguintes: Lupus Erythematosus, Systemic e Psychiatry (tabela 1). As referências dos artigos selecionados também foram revisadas para identificar outros estudos relevantes que pudessem ter sido omitidos na busca eletrônica. A pesquisa foi feita em mais de um portal e várias bases de dados incluindo as bases de dados de teses e dissertações. A estratégia de busca utilizada seguiu recomendações de Castro et al.,10 Dickersin et al.11 e a Cochrane Collaboration. Todos os artigos obtidos na busca foram organizados em tabelas e avaliados quanto à condição de incluído ou excluído com base nos critérios de elegibilidade. Para avaliação dos artigos incluídos, aplicou-se a Escala de Jadad, 12 na qual cada resposta positiva gera 1 ponto na escala, que resulta na avaliação de 0-5 pontos: 1 a. O estudo foi descrito como randomizado? 1 b. O método foi adequado? 2 a. O estudo foi descrito como duplo-cego? 2 b. O método foi adequado? 3. Houve descrição das perdas e exclusões? Resultados i) estudos com outras doenças autoimunes (97). Permaneceram na análise sistemática 11 artigos. No portal BIREME, dentre os 5.179 artigos foram selecionados 29 artigos, sendo que 4 artigos foram idênticos aos encontrados no portal PubMed, permanecendo 25 artigos, onde apenas 1 artigo foi incluído nesta revisão por preencher os critérios de inclusão. No banco de teses da CAPES foram encontradas duas teses, porém apenas uma tese foi selecionada, contudo não foi possível a obtenção na íntegra. A outra tese foi excluída pela leitura do título. As referências bibliográficas dos 11 artigos (PubMed) e de 1 artigo (BIREME) incluídos foram analisadas e apenas 1 artigo preencheu os critérios de inclusão, sendo selecionado. Portanto para o estudo desta análise sistemática foram incluídos 13 artigos (fig. 1). Nesta revisão sistemática, 11 artigos preencheram a pontuação máxima (5) na escala de Jadad.12 O número de sujeitos variou de 46-1206. A idade estudada apresentou uma ampla variedade (16-83 anos). As médias das idades situaram-se entre 32-48 anos. A maioria dos sujeitos nos diversos estudos (87-100%) era do sexo feminino (tabela 2). Apenas três estudos avaliaram a idade do diagnóstico que foi em torno de 30 anos. A duração da doença variou entre alguns meses no estudo de Hanly et al.24 até 47 anos, Bachen et al.22 As médias da duração de doença variaram em torno de 9 anos. A maioria dos artigos utilizou o instrumento SLEDAI 25 para avaliação da atividade do LES, enquanto para a avaliação psi- Identificamos na primeira busca, com o uso da expressão do item 3 (tabela 1), sem os critérios de inclusão, 1.504 artigos no portal PubMed e 5.179 artigos no portal BIREME. Dentre os 1.504 artigos no portal PubMed foram eliminados imediatamente 266 artigos por se tratarem de artigos de revisão, permanecendo 1.238 para estudo. Após uma análise mais criteriosa, seguindo os critérios de inclusão, dentre os 1.238 artigos, 314 foram selecionados. Dentre os 314 artigos analisados no portal PubMed, 290 foram excluídos pelos seguintes motivos: a) relato de casos (18); b) estudo de neuroimagem (33); c) pesquisa de autoanticorpos (26); d) estudo qualitativo (32); e) estudo experimental (13); f) avaliação de tratamento medicamentoso (32); g) estudo com crianças e adolescentes (7); h) análise de déficit cognitivo (32); Tabela 1 – Expressões usadas para a busca (MeSH) Expressões 1: lupus erythematosus, systemic 2: psychiatry OR psychiatric OR mental disorders OR depression OR emotional disorders OR anxiety disorders OR mood disorders 3: #1 AND #2 Limites: humanos, inglês, português ou espanhol, masculino, feminino, idade maior que 19 anos, publicados nos últimos 10 anos Mantidos após critérios de exclusão Adicionados após consulta das referências Adicionado após consulta Incluídos nesta revisão Nº artigos (Portal) 49.637 (PubMed) 1.148.148(PubMed) 1.504 (PubMed) 314 (PubMed) 11 (PubMed) 1 (PubMed) 1 BIREME 13 433 Figura 1 – Busca e seleção de estudos para a revisão sistemática segundo Cochrane Collaboration. 434 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7 Tabela 2 – Características clínicas e demográficas dos 13 artigos da revisão sistemática em pacientes com LES nos últimos 10 anos Autor Ainiala Ishikura Brey Iverson Appenzeller Doria Slattery Nery Nery Bachen Philip Hanly Jarpa n Idade (anos) Sexo Idade no diagnóstico (anos) Duração (anos) IAD 46 84 128 103 40 126 50 71 71 326 154 1206 83 45 ± 13 (20-64) 41 ± 12 (20-68) 43 (21-71) 48 ± 13 32 39 ± 12 (18-65) 42,1 ± 11,1 (20-71) 35 ± 10 (19-65) 35 ± 10 (19-65) 48 ± 11 (18-83) 52 ± 15 35 ± 13 39 (16-72) 39♀, 7♂ 84♀ 120♀, 8♂ 102♀, 1♂ 37♀, 3♂ 110♀, 16♂ 45♀, 5♂ 71♀ 71♀ 326♀ 140♀, 14♂ 1080♀, 126♂ 76♀, 7♂ 31± 10 (14-60) 26,8 ± 10,3 (7-60) 33 ± 12 (1-73) - 14 ± 8 (2-37) 11 ± 7 (1-29) 8 (0,2-37) 10 ± 6 (1-32) 15,3 ± 9,1(1-34) 10 ± 7 (0-29) 10 ± 7 (0-29) 15 ± 10 (1-47) 15 ± 10 5(4) meses 5 (0,1-40) ECLAN LACC SLEDAI SLICC SLEDAI ECLAN SLICC SLEDAI SLICC SLEDAI SLICC SLAC SLEDAI SLICC SLEDAI-2K IAD, instrumento de atividade da doença; ECLAN, European Consensus Lupus Activity Measure; LACC, Lupus Activity Criteria Count; SLEDAI, Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index; SLICC, Systemic Lupus International Collaborating Clinics/ACR Damage Index; SLAC, Systemic Lupus Activity Questionnaire. quiátrica, muitos instrumentos foram indicados considerando os termos do DSM-IV.26 As comorbidades psiquiátricas mais frequentes foram transtorno do humor e transtorno de ansiedade. Episódio depressivo maior (EDM) foi o transtorno de humor mais frequente que variou de (18,3-75%), enquanto o transtorno de ansiedade sem outra especificação (TASOE) destacou-se entre os transtornos de ansiedade, variando de (3,6-74,6%). Em seguida, os transtornos de ansiedade mais encontrados foram: transtorno de ansiedade generalizada (TAG) 9,9%,21 4,3%22 e 2,4%,8 transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) 8,9%,22 42%19 e 3,6%,8 fobias social e específica (FS e FE) 12,7% e 25,4%,21 15,6% e 23,9% 22 e 1,2% e 1,2%.8 Entre outras comorbidades psiquiátricas encontradas, risco de suicídio (RS) foi observado por Ishikura et al. (8,3%)14 e Jarpa et al. (9,6%),8 síndrome psicótica (SP) por Hanly et al. (5,0%)24 e Jarpa et al. (1,2%),8 transtorno de adaptação (TAD) por Nery et al.. (8,4%)21 e Jarpa et al. (2,4%)8. A tabela 3 resume a frequência das comorbidades psiquiátricas e avalia os artigos segundo os critérios de Jadad.12 Discussão Sintomas psiquiátricos são comumente relatados em pacientes com LES, contribuindo para a morbidade física e funcional. É o que podemos constatar nos artigos analisados nesta revisão sistemática.8,13-24 Embora o desenho do estudo não representasse um critério de exclusão, apenas Jarpa et al.8 e Hanly et al.24 descreveram seu estudo como prospectivo. Porém, nos demais estudos, pela descrição dos procedimentos, poderíamos afirmar que o desenho também seria de natureza prospectiva, transversal ou longitudinal. Em todos os artigos os critérios de elegibilidade foram descritos detalhadamente fornecendo subsídios para pesquisas futuras. Critérios de inclusão mais rígidos, reduzindo substancialmente o número de artigos, permitiram maior consistência, homogeneidade e confiabilidade dos achados analisados. O tamanho das amostras estudadas nos 13 artigos foi amplamente variável dependendo principalmente do objetivo do estudo e da metodologia empregada. Enquanto Ainiala et al.13 descreveram a prevalência de síndromes neuropsiquiátricas numa determinada população da Finlândia representada por 46 sujeitos, Hanly et al.24 realizaram um estudo multicêntrico para determinar a frequência, o acompanhamento de eventos neuropsiquiátricos e o impacto na qualidade de vida nos primeiros três anos da doença, obtendo uma amostra bem maior, de 1.206 sujeitos. As médias de duração de doença foram similares entre os artigos com duração de aproximadamente 10 anos. As amostras de sujeitos com LES foram predominantemente femininas em todos os artigos (87-100%). Sujeitos do sexo masculino foram analisados em nove artigos; contudo, não houve características desse grupo registradas separadamente entre os resultados.8,13,15-19,23,24 Alguns artigos apresentaram em comum uma avaliação quanto à contribuição de fatores sociais, principalmente relacionados à etnia em sujeitos com LES.8,14,15,18,24 Jarpa et al.8 descreveram pela primeira vez a prevalência de doenças psiquiátricas em pacientes mestiço-chilenos (ameríndios/espanhóis) com o diagnóstico de LES observando frequências consideravelmente mais altas do que na população geral e sem associação com a atividade da doença. Brey et al.15 estudaram uma população predominantemente mexicana-americana, compreendendo grande parte da região de San Antonio (Texas), onde transtornos psiquiátricos em pacientes com LES também foram muito frequentes. Ainiala et al.,13 analisando 46 sujeitos nativos da Finlândia com o diagnóstico de LES, observaram que 42 pacientes preenchiam pelo menos um critério neuropsiquiátrico pelo ACR. Os estudos de Iverson16 e Hanly et al.24 observaram predomínio de caucasianos dentre as diversas etnias estudadas. Bachen et al.22 descreveram a prevalência de transtornos de humor e de ansiedade em mulheres caucasianas, e Slattery et al.,19 analisando a prevalência de TOC em pacientes com LES, observaram que 71% dos pacientes eram brancos. O instrumento mais utilizado para avaliação de atividade da doença foi SLEDAI,25 que tem sido utilizado para 435 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7 Tabela 3 – Características clínicas e demográficas dos 13 artigos da revisão sistemática em pacientes com LES nos últimos 10 anos Autor Ano IAP Ainiala 2001 BDI Ishikura 2001 Brey 2002 SDS STAI CMI SCID Iverson 2002 Appenzeller 2003 Doria 2004 Slattery Nery 2004 2007 BCMDI BDI BPRS HAD BECK HAS HAM-D Y-BOCS SCID Nery 2008 SCID Bachen 2009 Philip Hanly Jarpa 2009 2010 2011 Transtornos do humor 39,6% 4,4% 40,5% EDM TBSOE TDSOE 28% 19% 4% 39% Transtornos de ansiedade Outros Jadad 13% TASOE 5 51,2% TASOE 8,3% RS 5 EDM TDSOE TBSOE EDM 24% TASOE 5% TPSOE 5 75% EDM 70% TASOE 3 40,5% EDM 74,6% TASOE 5 42% TOC 22,5% 4,2% 22,5% 18,3% 4,2% 4,2% EDM TDSOE DM EDM THCMG TDSOE 5 5 1,4% 12,7% 25,4% 9,9% 12,7% AG FS FE TAG TASOE CIDI 47% 6% 3,3% EDM TB I TD 1,2% 4,3% 8,9% 15,6% 23,9% 15,6% AG TAG TOC FS FE TP CDS ACR MINI- plus 27% 18,2% 21,7% 4,8% 2,4% EDM THOSE EDM TD EM 4 3,6% 3,6% 3,6% 2,4% 2,4% 1,2% 1,2% TASOE AG TOC TAG TEPT FS FE 1,4% 1,4% 8,4% TS AA TAD 5 5 5,0% 11,7% 3,6% 1,2% 9,6% 6,0% 2,4% SP TDP MAD SP RS TDC TAD 5 5 5 IAP, Instrumento de avaliação psiquiátrica; AA, Abuso de Álcool; AG, Agorafobia; BCMDI, British Columbia Major Depression Inventory; BDI, Beck Depression Inventory; CDS, Cardiac Depression Scale; CIDI, Composite International Diagnostic Interview; CMI, Cornell Medical Index; DM, Depressão Maior; DSM-IV, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV; EDM,Episódio Depressivo Maior; EM, Episódio Maníaco; FE, Fobia Específica; FS, Fobia Social; Y-BOCS, Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale; MAD, Misto de Ansiedade e Depressão; MINI-plus, Mini International Neuropsychiatric Interview; RS, Risco de Suicídio; SCID, Structured Clinical Interview for Psychiatric Diagnosis; SDS, Self-rating Depression Scale; SP, Síndrome Psicótica; STAI, State-Trait Anxiety Inventory; TAD, Transtorno de Adaptação; TAG, Transtorno de Ansiedade Generalizada; TASOE, Transtorno de Ansiedade Sem Outra Especificação; TB I, Transtorno Bipolar I; TBSOE, Transtorno Bipolar Sem Outra Especificação; TD, Transtorno Distímico; TDC, Transtorno Dismórfico Corpório; TDP, Transtorno Disfórico Premenstrual; TDSOE, Transtorno Depressivo Sem Outra Especificação; TEPT, Transtorno de Estresse Pós-Traumático; THSOE, Transtorno do Humor Sem Outra Especificação; TOC, Transtorno Obsessivo-Compulsivo; TP, Transtorno do Pânico; TPSOE, Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação; TS, Transtorno Somatoforme. a avaliação do LES em vários centros, com bons resultados quanto à validade e à reprodutibilidade. Em alguns estudos esse instrumento não contribuiu para a associação entre a presença de transtornos psiquiátricos e atividade da doença, talvez pela diversidade de transtornos presentes nessa amostra, incluindo diferentes formas de ansiedade e alcoolismo ou provavelmente porque mecanismos intrínsecos ao LES possam participar da patogênese de cada transtorno psiquiátrico.8,21 Por outro lado, o estudo de Nery et al.20 relatou uma tendência de associação entre EDM com atividade de doença. Nesta revisão, os estudos de Iverson,16 Slattery et al.19 e Philip et al.23 não aplicaram qualquer instrumento para avaliar atividade do LES, pois em seus objetivos não havia necessidade de analisar tal atividade. Os artigos tentando definir a prevalência de transtornos psiquiátricos demonstraram variações quanto à seleção do paciente, tipo de estudo e definições clínicas das comorbidades psiquiátricas contribuindo para diferentes resultados.8,13-24 Durante o curso da doença, depressão e ansiedade são sintomas frequentemente observados por diversos auto- 436 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 1 – 4 3 7 res.8,17,18,21,22 Nesta revisão sistemática, a comorbidade psiquiátrica de maior destaque foi o EDM, variando entre 18,3-75% nos diferentes estudos.8,13,15-18,20,22,23 A percepção negativa da doença estaria associada com níveis diferentes de depressão nestes pacientes.23 Diversos artigos verificaram também prevalência significativa de transtorno depressivo sem outra especificação.14,15,20,21 Transtornos de ansiedade também foram descritos como de alta prevalência no LES entre os diversos artigos,8,13-15,17-19,21,22 destacando-se TASOE, fobias, TOC e TAG. Segundo estes autores, o motivo para a alta prevalência dos transtornos de ansiedade ser considerada desconhecida, tem como justificativa o fato de que a ansiedade não vem sendo muito estudada em pacientes com LES. Pacientes com transtorno de ansiedade frequentemente sentem dificuldade para revelar seus sintomas necessitando então de outros métodos de avaliação como questionários de autopreenchimento para identificação desta comorbidade.22 O TOC apresenta-se como uma comorbidade frequente em pacientes com LES, segundo os artigos de Jarpa et al.,8 Bachen et al.22 e principalmente Slattery et al.19 A proposta deste último estudo seria identificar entre os sintomas psiquiátricos nos sujeitos com LES, qual a prevalência específica deste transtorno que poderia ser mais alta do que em estudos baseados em comunidade. Estudos de neuroimagem revelam alterações da gânglia basal em pacientes com TOC.27,28 Evidências sugerem uma associação entre estas anormalidades e sintomas psiquiátricos nesta população.29 Outras comorbidades psiquiátricas foram relatadas, como: RS, transtorno psicótico, TAD, transtorno dismórfico corpóreo.8,14,15,21,24 RS não é avaliado pelos critérios do ACR30 e parece negligenciado nos estudos desta população. Jarpa et al.8 encontraram alta prevalência (9,6%) comparando com a população geral. Ideação suicida foi observada em 8,3% no estudo de Ishikura et al.14 e foi correlacionada com relacionamentos problemáticos com os familiares, enfatizando-se a importância da família no suporte destes pacientes. Nesta revisão sistemática, os artigos indicaram alta frequência de comorbidades psiquiátricas em sujeitos com LES, principalmente transtornos de humor e de ansiedade. Não há um consenso ainda para a correlação entre a atividade da doença e os diversos problemas mentais, embora os artigos revelem algumas diferenças metodológicas, principalmente relacionadas à descrição do desenho do estudo, à caracterização da amostra, aos diferentes instrumentos e questionários de avaliação. Pacientes com atividade da doença apresentaram risco maior de desenvolver transtorno do humor do que pacientes com doença inativa, independente da ocorrência de eventos estressores ou de susceptibilidade a recorrência de transtorno depressivo maior. O reconhecimento dessas associações pode fornecer mais manuseios apropriados para estes pacientes e pode também trazer novos conhecimentos para a compreensão dos mecanismos envolvidos nesta importante apresentação clínica do LES. Neste estudo de revisão ficaram evidentes as observações prévias da alta frequência de transtornos depressivos e de ansiedade no LES sem manifestações neurológicas concomitantes. A associação entre LES e depressão merece atenção especial, principalmente em relação ao RS, verificando-se que pa- cientes com LES apresentam mais risco de suicídio do que a população em geral. Em nossa revisão, o transtorno de ansiedade que mais se destacou foi o TASOE. Estudos mais detalhados para avaliar o papel psicológico, genético, mecanismos autoimunes específicos e não específicos inflamatórios nos transtornos do humor e de ansiedade são necessários. Apesar dos avanços técnicos e científicos, o LES continua sendo uma patologia ameaçadora e de evolução crônica, provocando intenso sofrimento físico, psíquico e social. Constata-se a necessidade de mais estudos com o número maior de sujeitos com e sem LES utilizando escalas e instrumentos padronizados. Mesmo médicos não psiquiatras devem ser capazes de reconhecer sintomas suspeitos de transtornos mentais, especialmente nos ambulatórios de LES e fazer o encaminhamento para tratamento especializado, com o objetivo de diminuir o sofrimento dessa doença. REFERÊNCIAS 1. Sato EL, Bonfá ED, Costallat LTL, Silva NA, Brenol JCT. Consenso Brasileiro para o tratamento do Lúpus Eritematoso Sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2002;42(6):362-36. 2. Bonfá ESDO Borba Neto, EFB. Lúpus Eritematoso Sistêmico. In: Bonfá ESDO, Yoshinari NH, editors. Reumatologia para o clínico. São Paulo: Roca; 2011. p.25-33. 3. Miguel Filho EC. Alterações Psicopatológicas no Lúpus Eritematoso Sistêmico. [Dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 1992. 4. Afeltra A, Garzia P, Mitterhofer AP. Neuropsychiatric lupus syndromes: relationship with antiphospholipid antibodies. Neurology. 2003;61(1):108-10. 5. Iverson GL, Anderson KW, McCracken LM. 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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 8 – 4 4 0 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Relato de caso Lúpus eritematoso sistêmico bolhoso em gestante: relato de caso☆ Cristiane Engel dos Santosa,*, Pedro Henrique Isaacsson Velhob, Fabrício Machado Marquesc, Betina Wernerc, Salun Coelho Aragãoa, Acir Rachid Filhoa a Serviço de Reumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil Serviço de Clínica Médica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil c Serviço de Patologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil b informações resumo Histórico do artigo: O lúpus eritematoso sistêmico pode apresentar inúmeras lesões cutâneas. As lesões bolho- Recebido em 21 de setembro de 2011 sas específicas do lúpus, apesar de raras, apresentam características clínicas e imunopato- Aceito em 14 de maio de 2013 lógicas próprias e implicam em diagnóstico diferencial entre inúmeras patologias bolhosas que podem sobrepor-se ao lúpus eritematoso sistêmico. Apresenta-se um caso de lúpus Palavras-chave: eritematoso sistêmico bolhoso em gestante. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Lúpus eritematoso sistêmico Dermatopatias vesiculobolhosas Gestantes Bullous systemic lupus erythematosus in a pregnant woman: a case report abstract Keywords: Systemic lupus erythematosus (SLE) can cause numerous skin lesions. Despite being rare, Systemic lupus erythematosus lupus-specific bullous lesions demonstrate characteristic clinical and immunopathological vesiculobullous skin diseases features and require differential diagnosis among numerous bullous conditions that may Pregnant women overlap with SLE. The present study presents a case of bullous systemic lupus erythematosus (BSLE) in a pregnant woman. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução As lesões cutâneas do lúpus eritematoso sistêmico (LES), tais como rash malar, úlceras orais, lesões discoides e fotossensibilidade estão entre as manifestações mais comuns da doença. As erupções bolhosas são raras e ocorrem em menos ☆ de 5% dos pacientes.1-4 No contexto dessa colagenose, as lesões vesico-bolhosas que apresentam características clínicas e imunopatológicas distintas são descritas como lúpus eritematoso sistêmico bolhoso (BLES) e fazem parte do diagnóstico diferencial de inúmeras patologias bolhosas, dentre as quais estão a dermatite herpetiforme, o penfigoide bolhoso, a epidermólise bolhosa adquirida e o penfigoide gestacional. Trabalho realizado no Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (C.E. Santos). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 8 – 4 4 0 Apesentamos o caso de uma paciente portadora de LES que apresentou lesões vesico-bolhosas no terceiro trimestre de gestação. Relato de caso Paciente mulher, 25 anos, com diagnóstico de LES há aproximadamente um ano, de acordo com critérios do American College of Rheumatology (ACR). Em uso regular de difosfato de cloroquina 250 mg/dia, prednisona 5 mg/dia e enalapril 40 mg/dia. Há 10 meses, compareceu à consulta de rotina com gestação confirmada de 12 semanas e surgimento de rash malar. Foi substituído o enalapril por metildopa, a cloroquina por hidroxicloroquina e aumentada a dose de prednisona para 20 mg/dia. A paciente evoluiu com melhora do rash. Quatro meses depois, apresentou extensas lesões eritematodescamativas em áreas fotoexpostas, com leve dor e prurido. Foi elevada a dose da prednisona para 60 mg/dia (aproximadamente 1 mg/kg) e agendada reavaliação ambulatorial precoce com exames laboratoriais. Na consulta de retorno, a paciente já apresentava lesões bolhosas, hiperemiadas e descamativas, em face, tronco e membros superiores (fig. 1). Não relatou qualquer associação entre o início das lesões e o uso concomitante de outros medicamentos ou a algum quadro infeccioso. Não havia hipertensão, dor abdominal ou edema de membros inferiores. 439 O hemograma evidenciava discreta anemia e linfopenia, com plaquetas normais. Não havia alterações na análise do sangue periférico. As enzimas hepáticas e função renal eram normais. Desidrogenase lática, ácido úrico, C3 e C4 normais. Anti-DNA: 1:80. Perfil ENA negativo. Parcial de urina sem alterações. Foi realizada uma biópsia de pele, que mostrou necrose de queratinócitos importante na epiderme e fenda subepidérmica, com infiltrado inflamatório linfocitário na interface derme/epiderme e perivascular da derme (fig. 2). A imunofluorescência direta apresentou IgG positivo em grau moderado, granular, denso e contínuo na zona da membrana basal. Evoluiu com quadro febril atribuído a infecção secundária de pele. Foi mantida prednisona 60 mg/dia e iniciada antibioticoterapia de amplo espectro. Como o feto apresenta grave restrição do crescimento intrauterino, foi realizada cesariana de urgência. A cirurgia ocorreu sem intercorrências e a criança não apresentou qualquer complicação. Durante o internamento, houve discreta progressão das lesões para membros inferiores e acometimento de mucosa oral. Mantida a dose alta de corticoide, com melhora gradativa do quadro cutâneo. Após dois meses, iniciou-se diminuição gradual da dose da prednisona. A paciente vem sendo acompanhada ambulatorialmente, sem retorno dos sintomas cutâneos, restando apenas cicatrizes hiper- e hipocrômicas em membros superiores e tronco. Discussão O envolvimento cutâneo ocorre em 70-85% de todos os pacientes com lúpus. As manifestações cutâneas podem ser classificadas em específicas e não específicas de acordo com avaliação morfológica e histológica.5 O BLES é classificado como manifestação cutânea específica aguda.5,6 Em 1973, Pedro e Dahl descreveram o primeiro caso de BLES.4 É uma forma rara de acometimento cutâneo no LES, com incidência menor que 0,2 caso por milhão/ ano.3,7 O quadro clínico caracteriza-se por vesículas ou bolhas de conteúdo seroso ou hemorrágico,4,7 tanto em áreas expostas quanto não expostas ao sol. Podem estar acompanhadas de prurido discre- Figura 1 – Visão do dorso de paciente gestante, portadora de lúpus eritematoso sistêmico, apresentando lesões bolhosas. Figura 2 – Biópsia da pele do dorso mostrando fenda subepidérmica. 440 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 3 8 – 4 4 0 to a grave e afetar as mucosas.4 As bolhas podem evoluir sem deixar cicatrizes,4 ou com cicatrizes hipo/hiperpigmentadas.7 A histopatologia é caracterizada por bolha subepidérmica com microabscessos de neutrófilos nas papilas dérmicas, semelhante ao encontrado na dermatite herpetiforme. Ocorre edema da derme e infiltrado inflamatório perivascular, com predomínio de linfócitos. Alguns casos apresentam vasculite leucocitoclástica e extravasamento de hemácias.2,4,6,8,9 A paciente em questão apresentava à biópsia necrose de queratinócitos na epiderme, infiltrado linfocitário na interface derme/epiderme, fenda subepidérmica e infiltrado inflamatório perivascular na derme. Esses achados podem ser encontrados no eritema multiforme e na Síndrome de Rowell. Essa síndrome é descrita como uma associação entre lúpus e eritema multiforme em pacientes portadores de anticorpos anti-Ro/ SS-A e fator reumatoide.1,10 Como nossa paciente apresentava IFD com deposição de IgG em grau moderado na zona da membrana basal (característico do BLES) e os anticorpos frequentemente presentes na síndrome de Rowell negativos, o diagnóstico de BLES foi o mais adequado. Os critérios diagnósticos do BLES propostos por Camisa e Sharma incluem o LES documentado baseado nos critérios do ACR; vesículas e bolhas localizadas, principalmente em áreas fotoexpostas; achados histopatológicos similares à dermatite herpetiforme; deposição de IgG e/ou IgM e com frequência IgA na zona da membrana basal.4,8,9 Gammon e Buggaman classificaram o BLES em dois subtipos distintos: o tipo 1, no qual os pacientes apresentam anticorpos circulantes contra o colágeno VII, e o tipo 2, em que não há presença de anticorpos específicos.8,9 Acredita-se que a patologia do BLES esteja relacionada aos anticorpos contra o domínio não colagenoso do colágeno VII e ainda a outros anticorpos contra diferentes componentes da membrana basal. É proposto que as imunoglobulinas bloqueiem a ligação entre a membrana basal e as papilas da derme através da ativação do complemento, recrutamento e ativação de neutrófilos, levando a formação da bolha subepidérmica.3,8,9,11 Não está claro se há relação entre as erupções bolhosas e o flare do LES. Lesões vesico-bolhosas podem se desenvolver sem evidência clínica e/ou laboratorial de piora do LES. Entretanto, em alguns casos, nota-se clara associação entre as manifestações de pele e atividade renal.2-4,7,9 A paciente descrita não apresentava demais indícios de atividade do LES em outros órgãos. O LES ainda tem seu comportamento debatido na gravidez,12,13 mas acredita-se que a maioria das pacientes apresentem exacerbação cutânea durante a gestação, com 60% de chance de prematuridade e duas a quatro vezes mais chance de aborto quando a doença está ativa. Um importante diagnóstico diferencial no âmbito das doenças bolhosas na gestação é o penfigoide gestacional, também conhecido como herpes gestacional. A apresentação clínica é muito semelhante ao BLES, inclusive com a histopatologia mostrando o achado da bolha subepidérmica (que nesse caso contem inúmeros eosinófilos). Já a IFD mostra depósito de C3 na membrana basal, de forma linear. Em geral a gravidez não parece ser fator de risco para o aparecimento de lesões bolhosas, visto que na literatura não encontramos outros relatos de caso de BLES em gestantes. A dapsona é a droga de escolha para o tratamento do BLES.2,3,9,11 Os pacientes respondem dramaticamente, com interrupção da formação de novas bolhas em um a dois dias e cicatrização das lesões existentes em poucos dias mesmo com doses baixas de 25-50 mg/dia.3,9 A dapsona é classificada como C na gestação. Outras drogas como prednisona, azatioprina, ciclofosfamida, micofenolato de mofetil e antimaláricos também podem ser efetivas.3 Malcangi et al. descreveram um caso de paciente com BLES e boa resposta ao uso do metotrexato.14 Como a paciente em questão era gestante e já fazia uso de hidroxicloroquina, optou-se por tratamento com corticoide em doses altas, com resposta satisfatória. REFERÊNCIAS 1. Mukai M, Tokarski T, Silva MB, Skare TL. Síndrome de Rowell e lúpus eritematoso sistêmico: um diferencial. Rev Bras Reumatol. 2003;43(3):190-3. 2. Ng YY, Chang T, Chen TW, Liou HN, Yang AH, Yang WC. Concomitant lupus nephritis and bullous eruption in systemic lupus erythematosus. Nephrol Dial Transpalnt. 1999;14:1739-43. 3. Tincopa M, Puttgen KB, Sule S, Cohen BA, Gerstenblith MR. Bullous Lupus: An Unusual Initial Presentation of Systemic Lupus Erythematosus in an Adolescent Girl. Pediatric Dermatology. 2010;4:373-6. 4. Cato EE, Lima AS, Pontes ALL, Vanucci AB, Levites J. 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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 1 – 4 4 3 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Relato de caso Vasculite c-ANCA relacionada em paciente com retocolite ulcerativa: relato de caso☆ Cristiane Engel dos Santosa,*, Vanessa Irusta Dal Pizzola, Salun Coelho Aragãoa, Acir Rachid Filhoa, Fabrício Machado Marquesb a b Serviço de Reumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil Serviço de Anatomia Patológica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil informações resumo Histórico do artigo: As manifestações pulmonares da retocolite ulcerativa (RCU) são raras e incluem inflamação Recebido em 19 de junho de 2011 de pequenas e grandes vias aéreas, doença parenquimatosa e serosite, entre outras. Uma Aprovado em 14 de maio de 2013 proporção substancial de pacientes com doença inflamatória intestinal, particularmente aqueles com RCU, apresenta ANCA positivo, a maioria padrão p-ANCA. Apresentamos um Palavras-chave: caso de paciente com RCU, com c-ANCA positivo, que evoluiu com hemoptise, associada a Colite ulcerativa alterações radiológicas compatíveis com vasculite pulmonar. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Vasculite Anticorpos anticitoplasma de neutrófilos c-ANCA associated vasculitis in patients with ulcerative colitis: case report abstract Keywords: The pulmonary manifestations of ulcerative colitis (UC) are rare and include inflammation Colitis, ulcerative of small and large airways, parenchymal disease and serositis among others. A substantial Vasculitis proportion of patients with inflammatory bowel disease, particularly those with ulcerative Anti-neutrophil cytoplasmic colitis presents positive ANCA, most p-ANCA pattern. We present a case of patient with antibody-associated vasculitis ulcerative colitis, with positive c-ANCA, which progressed to hemoptysis associated with radiological findings consistent with pulmonary vasculitis. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. Introdução Manifestações pulmonares da retocolite ulcerativa (RCU) são raras e incluem infecções pulmonares, bronquiectasias, bronquite crônica e pneumonia criptogênica em organização (descrita ante- ☆ riormente como BOOP).1 Apesar de pouco reconhecidas, as lesões pulmonares podem acarretar sintomas persistentes e importantes, com risco de causar lesões destrutivas e irreversíveis nas vias aéreas. O diagnóstico dessas alterações em pacientes com RCU é difícil, principalmente porque podem se desenvolver quando a doença está em fase de remissão ou mesmo após a colectomia.1 Trabalho realizado no Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (C.E. Santos). 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 442 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 1 – 4 4 3 A presença do anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) sugere um distúrbio do sistema imunológico. O ANCA padrão citoplasmático (ANCA-c) é visto em 70%-80% dos pacientes com granulomatose de Wegener (GW),2 enquanto o padrão perinuclear (ANCA-p) é detectado principalmente na poliangiíte microscópica (PAM) e na síndrome de Churg-Strauss, mas também em 60-70% dos pacientes com RCU.3 Isso denota que a fisiopatologia da autoimunidade dessas doenças pode ter pontos em comum. Os autores descrevem o caso de uma paciente com RCU, manifestações pulmonares e ANCA-c positivo. Descrição de caso Paciente feminina, 22 anos, diagnóstico de RCU há seis anos (diarreia sanguinolenta e dor abdominal). Apresentou há dois anos lesões de pele ulceradas em MMII, com biópsia compatível com vasculite leucocitoclástica (fig. 1). Foi admitida com queixa de tosse, hemoptise de grande volume e dispneia aos moderados e pequenos esforços com um dia de duração. Não apresentava febre ou outros sintomas associados. Não havia relato de sinusites de repetição, complicações oculares ou otológicas. Fazia uso diário de prednisona 10 mg, azatioprina 200 mg, amitriptilina 50 mg e omeprazol 20 mg. Ao exame físico, apresentou hipocorada, taquipnêica (frequência respiratória de 44), ausculta pulmonar com murmúrio vesicular diminuído em hemitórax direito, além de estertores crepitantes difusos. Exames laboratoriais na admissão: Hb = 7,6 g/dL, VG = 24,7%, 7260 leucócitos/mm3 com 38% bastões, 89000 plaquetas/mm3, creatinina = 0,9 mg/dL e VHS = 100 mm. Eletrólitos normais. Pesquisa de bacilo ácido álcool resistente em duas amostras de escarro foram negativas. Pesquisa de ANCA-c foi positiva (titulação não disponível). Parcial de urina: leucocitúria, hematúria (sem descrição de dismorfismo eritrocitário), nitrito positivo, bacteriúria e ausência de proteinúria. Urocultura com Escherichia coli 100000 ufc. Proteinúria de 24 horas foi negativa. Raio X de tórax mostrou múltiplas condensações alveolares. Tomografia computadorizada de tórax evidenciou áreas de consolidações confluentes no pulmão direito, nos segmentos basais do lobo inferior esquerdo e na língula, associadas a áreas de vidro fosco. Segundo a descrição radiológica, os achados tomográficos sugeriam hemorragia pulmonar difusa. O quadro clínico multissistêmico sugeria a hipótese de vasculite, com acometimento predominante de pequenos vasos. As hipóteses de GW, PAM, doença de Churg-Strauss, crioglobulinemia, lúpus eritematoso sistêmico e infecções sistêmicas como leptospirose foram consideradas. A positividade do ANCA-c sugeria fortemente a hipótese de vasculite primária. Para o tratamento da infecção urinária foi iniciada antibioticoterapia com ceftrixona. Pela gravidade das lesões pulmonares, optou-se por realizar pulso com metilprednisolona e ciclofosfamida. Houve remissão completa dos sintomas e melhora dos achados tomográficos. Como a paciente apresentou resposta completa ao tratamento, a biópsia pulmonar não foi realizada. O tratamento de manutenção foi realizado com pulsos mensais de ciclofosfamida, com resposta sustentada. Evolução dos exames laboratoriais A tabela 1 mostra a evolução dos exames laboratoriais da paciente. Discussão As doenças inflamatórias intestinais idiopáticas compreendem a RCU e a doença de Crohn. Ambas estão associadas com uma variedade de manifestações extraintestinais pulmonares. Na RCU, há relatos de estenose de vias aéreas superiores, traqueobronquite, bronquiectasia, bronquiolite constritiva, nódulos, doença intersticial, BOOP, vasculite pulmonar, infiltração eosinofílica, GW e fibrose apical.1,4,5 Os principais sintomas relatados são inespecíficos e incluem tosse, expectoração purulenta e dispneia.6 Mahadeva et al. estudaram pacientes com RCU e encontraram como principal anormalidade na TAC de tórax de alta resolução as bronquiectasias, seguidas por Tabela 1 – Exames laboratoriais do paciente. Exames Hemograma Hb Vg Leucócitos Pesquisa BAAR no escarro Parcial de urina Leucócitos Hemácias Proteínas Bacterioscopia 1º DI 5º DI 9º DI 7,6 g/dL 24,7% 7260 x 103 9,4 g/dL 9,0 g/dL 10 g/dL 29,5% 28,3% 31,7% 11290 x 103 10300 x 103 7370 x 103 1ª amostra negativa 2ª amostra negativa 32000/mL 40000/mL Negativa Intensa bacteriúria c-ANCA Figura 1 – Vasculite c-ANCA relacionada em paciente com RCU. Biópsia de pele mostrando vasculite leucocitoclástica. 3º DI DI, dia de internamento. 12800/mL 6000/mL Negativa Ausência de bactérias Positivo R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 1 – 4 4 3 aprisionamento de ar e o padrão de “árvore em brotamento”. Somente dois pacientes dessa série tinham mudanças sugestivas de fibrose. Não foi encontrada associação entre atividade da doença intestinal e as lesões pulmonares.4 A literatura mostra que 70-80% dos indivíduos com GW apresentam ANCA-c, e 10%, ANCA-p.2 Quanto mais difuso o acometimento pela doença, maior a positividade do ANCA. Na RCU, 60-70% dos casos apresentam ANCA-p positivo.3 Esse padrão do ANCA está associado à poliangiíte microscópica e à síndrome de Churg-Strauss. O padrão citoplasmático sugere a presença sérica do ANCA antiproteinase 3. O padrão perinuclear é definido como qualquer fluorescência perinuclear, sendo a maioria correspondente ao ANCA antimieloperoxidase.2 O subtipo de ANCA-p encontrado nos indivíduos com RCU não reage aos mesmos antígenos encontrados na GW.3 O ANCA-p, nesse contexto, parece direcionado contra uma proteína do envelope nuclear, de 50 kilodaltons, específica da célula mieloide.7 A importância desse achado ainda não está definida. Rosa M et al. mostraram que, após um ano de seguimento de pacientes com RCU ANCA positivos, não havia descrições de lesão renal. O achado sugere a hipótese de que o potencial do ANCA em induzir lesão renal, se existir, é dependente de sua especificidade antigênica, visto que os alvos antigênicos na GW e na RCU são diferentes. Na paciente apresentada não foi detectado acometimento renal.8 A coexistência de GW e RCU com confirmação por biópsia pulmonar sem solicitação de pesquisa ANCA já foi descrito em relatos de casos. Complicações pulmonares em indivíduos com RCU com achados semelhantes aos encontrados na GW também já foram descritos na literatura. Nesses pacientes, alguns dos exames histopatológicos mostraram BOOP. Áreas focais de BOOP têm sido encontradas em 44% dos casos de GW, e é possível que essas manifestações de BOOP-like possam representar uma variante da GW.1 443 Os autores apresentaram um caso de uma paciente portadora de RCU com manifestações pulmonares e exames de imagem compatíveis com vasculite pulmonar, além de ANCA-c positivo. Houve excelente resposta clínica com o tratamento clássico definido para as vasculites associadas ao ANCA. O quadro sugere uma superposição de RCU e uma vasculite ANCA-c isolada aos pulmões, podendo representar uma forma limitada da granulomatose de Wegener. REFERÊNCIAS 1. Kasuga A, Mandai Y, Katsuno T, Sato T, Yamaguchi T, Yokosuka O. 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O conhecimento Aceito em 30 de novembro de 2012 desse fato é de grande importância quando se observa a associação entre doenças reumáticas e aterogenêse acelerada. Esta pesquisa foi feita com o intuito de verificar alterações no Palavras-chave: perfil lipídico de usuários de anti-TNF-α na população do sul do Brasil e sua associação com Anti-TNF-alfa tempo de uso, indicações, gênero do paciente e tipo de anti-TNF. Para tanto, analisaram-se os Artrite reumatoide perfis de colesterol total (TC), HDL colesterol (HDLc), LDL colesterol (LDLc), índice aterogênico Espondiloartrites (IAT) e triglicerídeos (TGs) de 58 pacientes (42 com artrite reumatoide e 16 com espondiloar- Aterogênese trites) antes e depois do uso desse medicamento por um tempo mediano de 16,0 meses. Não se observaram alterações nos níveis de CT, HDLc, LDLc e IAT (P = NS). Todavia, houve um aumento significativo nos níveis de TGs (P = 0,03). A diferença mediana dos valores de TGs entre primeira e segunda medidas foi de 16 mg/dL, e esse aumento não estava associado ao gênero do paciente, tempo de uso, indicação de uso ou tipo de anti-TNF-α (P = NS). Concluiu-se que o uso de anti TNF-α está associado com aumento nos valores de TGs. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Lipid profile and anti-TNF-α use abstract Keywords: The use of anti-TNF-α has been associated with several changes in lipid profile, although Anti-TNF-alfa some study results are conflicting. The knowledge of this fact is of great importance when Rheumatoid arthritis one observes at the association between rheumatic diseases and accelerated atherogenesis. Spondiloarthritis The aim of this analysis was search for changes in lipid profile in anti TNF-α users in the Atherogenesis population of Southern Brazil and its association with duration of use, indications, patient gender and type of anti-TNF. For this purpose, we studied the profiles of total cholesterol (TC), HDL cholesterol (HDLc), LDL cholesterol (LDLc), atherogenic index (ATI) and triglycerides (TGs) of 58 patients (42 with rheumatoid arthritis and 16 with spondyloarthritis) before and after using this drug for a median of 16.0 months. There were no changes in the levels of TC, HDLc, LDLc and ATI (P = NS). However, there was a significant increase in TG levels (P = 0.03). The median difference between first and second TG measurements was 16 mg/dL and this increase was not associated with gender, time of use, use indication or type of anti TNF-α (P = NS). It was concluded that the use of anti TNF-α is associated with increased values of TG. © 2013 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (T.L. Skare) 0482-5004/$ - see front matter. © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 4 – 4 4 7 445 Introdução Métodos Existe um aumento de risco cardiovascular nas doenças inflamatórias crônicas como as reumáticas.1 Isso fica bem evidente em pacientes de artrite reumatoide (AR), quando se observa que os mesmos têm uma chance de apresentar isquemia miocárdica que é 1,7 vezes maior do que a da população em geral, risco comparável ao apresentado por pacientes com diabetes mellitus tipo 2.2 Saber que inflamação e aterogênese estão intimamente ligadas tem suscitado uma nova maneira de abordar estes pacientes do ponto de vista terapêutico, visando controlar a atividade inflamatória e coibir tais complicações. Assim, o uso agressivo dos DMARDs tradicionais ou de novos medicamentos, como os biológicos, tem se oferecido como uma opção atraente.3,4 Em um estudo de 49 pacientes com AR no qual 30 foram tratados de maneira satisfatória com anti-TNF-α por 12 meses, observou-se que a espessura da camada médio-intimal da carótida nos indivíduos que recebiam este medicamento e controlavam sua doença era significativamente menor do que os que não recebiam.4 Tal efeito foi atribuído à melhora do processo inflamatório. Todavia, os anti-TNF-α parecem ter, também, um efeito direto no metabolismo lipídico.5 A administração de TNF-α em roedores é seguida por um aumento da síntese do colesterol hepático e das concentrações sanguíneas do mesmo, devido a um aumento na atividade da HMG-CoA redutase.5 Esse aumento só não é maior porque a atividade da HMG CoA é parcialmente contrabalançada pela produção e pela síntese da esqualeno sintetase (também conhecida como farnesil-difosfato farnesiltransferase), que é a primeira enzima a atuar na via do mevalonato.5 Entretanto, em humanos e em outros primatas, a administração dessa citocina não tem causado alterações nos níveis de colesterol sérico total (CT) e LDL colesterol (LDLc).5 Já em pacientes com câncer submetidos à infusão de TNF-α por cinco dias, observou-se uma redução de 7% do CT e 43% do HDL colesterol (HDLc).6 Além dessas alterações, o TNF-α eleva os níveis de triglicerídeos (TGs) tanto por uma ação lipolítica em tecido adiposo quanto por aumento da síntese hepática dos mesmos, proporcionada por uma elevação na concentração de seus precursores.5 Essa citocina também promove diminuição da depuração de lipoproteínas ricas em TGs.5 O estudo do perfil lipídico após a administração dos antiTNF-α em pacientes com espondiloartrite (ES) e com AR tem resultado em achados conflitantes. Van Eijk et al.,7 estudando 92 pacientes com ES, observaram aumento no CT, HDL-c e apolipoproteína A1, resultando numa relação CT/HDLc melhor. Castro et al.,8 estudando 15 pacientes com artrite psoriásica, observaram aumento de níveis de TGs após três meses de uso de infliximabe. Resultados de uma metanálise9 de outros 32 estudos (13 dos quais prospectivos) mostraram que a inibição do TNF-α em pacientes com AR estava associada com aumento de TC e HDLc, enquanto o LDLc e o índice aterogênico permaneciam inalterados. Com o uso prolongado, observou-se aumento dos níveis de TGs e diminuição da relação Apo B/Apo A. É nesse contexto que se situa o presente estudo, com o objetivo principal de verificar a alteração do perfil lipídico na população local de pacientes com AR e ES tratados com anti TNF-α . Este é um estudo retrospectivo devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local. Foram incluídos usuários de anti-TNF-a (infliximabe, etanercepte e adalimumabe) por mais de três meses, para tratamento de AR e ES, acima de 18 anos, de ambos os gêneros, que tivessem uma medida do perfil lipídico feita imediatamente antes do uso do anti-TNF-α e outra depois de sua introdução, e que durante o período de observação entre os dois perfis lipídicos não houvessem sofrido mudança na dose de medicamentos de base (incluindo-se corticoides), nem introdução ou retirada de agentes com potencial para alterar o perfil lipídico, exceto pelo anti-TNF-α. Foram coletados dados demográficos, acerca de tempo de uso e indicação do medicamento, valores de velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa (PCR), de CT, HDLc , LDLc e TG, sendo feito o cálculo do índice aterogênico (IAT = CT/LDLc). Em nossa instituição, a dosagem do perfil lipídico é feita em jejum, com CT, TG, LDLc e HDLc dosados pelos métodos enzimático/colorimétrico. Foram considerados normais os valores de CT até 200 mg/dL; de HDL colesterol acima de 40 mg/dL; de LDL colesterol até 110 mg/dL e TG até 150 mg/dL. Os dados obtidos foram coletados em planilhas e submetidos à análise por meio do programa Graph Pad Prism versão 5.0. Para estudos de associação foram usados os testes de t de Student, Mann-Whitney e Krukall Wallis; para o estudo de correlação utilizou-se o teste de Spearman. O nível de significância adotado foi de 5%. Resultados Da análise dos prontuários de 609 pacientes com AR e de 134 pacientes com ES, localizaram-se 125 usuários de anti-TNF-α. Desses, 58 pacientes preenchiam as exigências descritas para análise dos dados e constituíram a amostra. Nela havia 31,0% homens e 68,9% mulheres, com idade média de 47,1 ± 12,9 anos e tempo médio de doença de 12,7 ± 7,4 anos. A doença de indicação era AR em 72,4% (42/58) e ES em 27,5% (16/58); 50% (29/58) usavam etanercepte; 6,8% (4/58) usavam adalimumabe e 43,1% (25/58) usavam infliximabe. O tempo de uso desses medicamentos variou de 8,1-24,6 meses (mediana de 16,04 meses). A prednisona estava sendo usada em 70,68% (41/58) dos pacientes com uma dose mediana de 10 mg/dia; metotrexato foi usado em 37,93% (22/58) dos pacientes; leflunomida em 29,31% (17/58); antimaláricos em 25,86% (15/58); sulfassalazina por 8,62% (5/58) e azatioprina em 3,44% (2/58) dos pacientes. Os valores do perfil lipídico obtidos antes e depois do uso do TNF-α podem ser apreciados na tabela 1, na qual se observa um aumento significativo dos valores dos TGs após o uso destes medicamentos. A variação mediana dos valores dos TGs (ΔTGs) foi de 16,0 mg/L Estudando-se essa variação em relação ao gênero do paciente, tipo de anti-TNF-α e doença de indicação, não se encontraram diferenças, como pode ser observado na tabela 2. Estudando-se ainda a variabilidade dos valores de TGs (ΔTG) em relação a tempo de uso, não se observou correlação entre essas duas variáveis (R = 0.008; 95% IC de -0,25 a +0,27; P = 0,94). 446 R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 4 – 4 4 7 Tabela 1 – Variação dos valores de perfil lipídico e de provas de atividade inflamatória antes e depois do uso de anti-TNF-α Antes Colesterol total (mg/dL) HDL colesterol (mg/dL) LDL colesterol (mg/dL) Índice aterogênico Triglicerideos (mg/dL) VHS (mm /1ª hora) Proteína C-reativa (mg/dL) Média de 179,1 ± 38,12 Média de 55,7 ± 16,5 Mediana de 102,4 Mediana de 3,1 Mediana de 90,5 Mediana de 28,5 Mediana de 1,35 Depois P Média de 177,4 ± 32,3 Média de 55,4 ± 14,86 Mediana de 95,8 Mediana de 3,2 Mediana de 105,0 Mediana de 19,0 Mediana de 0,12 1,00 0,90 0,31 0,96 0,03 0,02 0,03 Tabela 2 – Variabilidade dos níveis de triglicerídeos (ΔTG) de acordo com gênero, indicação de uso e tipo de anti-TNF-α Gênero ΔTG mediana no homem P = 0,46 esse risco.18 Além disso, sabe-se que hipertrigliceridemia está associada com intolerância à glicose e resistência à insulina.17 Não foi possível demonstrar diferenças entre as várias formas de inibição do TNF-α no presente estudo no que se refere aos níveis de TGs. Garcês et al.,19 estudando o efeito de infliximabe e etanercepte no perfil lipídico em uma amostra de pacientes com AR, ES e artrite psoriásica, observaram diferenças entre os dois agentes, sendo o primeiro associado com aumentos no CT e LDLc e o segundo com aumento do HDLc. Esses autores creditaram um efeito classe-específico a esses medicamentos, que seria secundário às diferentes capacidades de bloqueio da linfotoxina-α, a qual teria um efeito pró-aterogênico. Outras variáveis estudadas, como gênero e tempo de uso, não influenciaram nas alterações observadas no presente estudo. É interessante notar que Jacobsson et al.20 encontraram que o uso de anti-TNF-α aumenta a sobrevida de mulheres, mas não de homens, com AR. É bem provável que o fator protetor cardiovascular dos anti-TNF não se deva às suas alterações no perfil lipídico do paciente, dadas as atuações pleomórficas do TNF-α no sistema cardiovascular. Entretanto, são necessários maiores estudos no sentido de esclarecer a importância dessas alterações metabólicas, principalmente em casos de uso a longo prazo desse grupo de medicamentos. de 10,0 mg/dL ΔTG mediana na mulher Conflitos de interesse de 21,5 mg/dL Tipo de anti-TNF-α ΔTG mediana do etanercepte P = 0,71 de 21 mg/dL Os autores declaram não haver conflitos de interesse. ΔTG mediana do infliximabe de 19,5 mg/dL REFERÊNCIAS ΔTG mediana do adalimumabe de 4,5 mg/dL Doença de indicação ΔTG mediana na artrite reumatoide de 20,25 mg/dL ΔTG mediana nas espondiloartrites de 10,5 mg/dL P = 0,34 Discussão A atuação dos anti-TNF-α no perfil lipídico de seus usuários é assunto controverso. No presente estudo não se verificaram alterações no perfil do CT, HDLc, LDLc ou índice aterogênico. Paradoxalmente ao que seria esperado pelos mecanismos de ação conhecidos do TNF-α no perfil lipídico, evidenciou-se aumento dos TGs . Esses achados estão de acordo com os de Castro et al.,8 Popa et al.,10, Kiortsis et al.,11 e Tam et al.12 Entretanto, em pelo menos outros dois estudos13-14 não foram detectadas alterações significativas nos níveis de TGs, enquanto em outros dois15,16 achou-se diminuição em seus valores. Embora a contribuição da hipertrigliceridemia na doença aterosclerótica não tenha sido muito valorizada no passado, sabe-se hoje em dia que o aumento de TGs está associado de maneira independente com risco cardiovascular, principalmente o coronariano.17 Entretanto, até o momento, não tem sido possível estabelecer um nexo causal entre essas duas variáveis, uma vez que o acúmulo de TGs em placas ateroscleróticas é muito pequeno quando comparado com acúmulo do colesterol.17 Apesar dessas dúvidas, um estudo feito em 2007 com 14.000 homens jovens mostrou que hipertrigliceridemia estava associada com aumento do risco coronariano e que o aumento dos níveis de TGs entre duas medidas aumentava 1. Van Doornum S, McColl G, Wicks IP. Accelerated atherosclerosis: an extra articular feature of rheumatoid arthritis? Arthritis Rheum. 2002;46:862-73. 2. Lindhardsen J, Ahlehoff O, Gislason GH, Madsen OR, Olesen JB, Torp-Pedersen C, et al. The risk of myocardial infarction in rheumatoid arthritis and diabetes mellitus: a Danish nationwide cohort study. Ann Rheum Dis. 2011;70:929-34. 3. van Halm VP, Nurmohamed MT, Twisk JW, Dijkmans BA, Voskuyl AE. Disease-modifying antirheumatic drugs are associated with a reduced risk for cardiovascular disease in patients with rheumatoid arthritis: a case control study. Arthritis Res Ther. 2006;8:R151. 4. Del Porto F, Laganà B , Lai S, Nofroni I, Tinti F, Vitale M, et al. Response to anti-tumour necrosis factor alpha blockade is associated with reduction of carotid intima-media thickness in patients with active rheumatoid arthritis. Rheumatology. 2007;46:1111-5. 5. Popa C, Netea MG, van Riel PLCM, van der Meer JWM, Stalenhoef AFH. 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R E V B R A S R E U M AT O L . 2 0 1 3 ; 5 3 ( 5 ) : 4 4 8 – 4 4 9 REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA www.reumatologia.com.br Carta aos editores Uso de ustequinumabe no tratamento refratário da artrite psoriásica The use of ustekinumab in refractory treatment of psoriatic arthritis Aos editores: Tivemos a oportunidade de ler o artigo de revisão de Goldenstein-Schainberg et al.1 sobre os aspectos mais importantes da artrite psoriásica (AP) ao longo dos anos. Em relação aos aspectos terapêuticos, concluiu-se que agentes biológicos, especialmente inibidores de TNF (infliximabe, etarnecepte, adalimumabe e golimumabe), são utilizados como medicamentos de última linha em casos refratários da doença. Então, com base na literatura existente, demonstramos nossa concordância com essa última posição.2,3 Entretanto, consideramos importante mencionar terapias alternativas. No estudo clínico de Griffiths et al.,4 os autores estudaram 900 pacientes com AP que não responderam ao tratamento com um agente biológico. Para que possa ser obtida uma resposta clínica mais favorável, os autores compararam dois agentes biológicos: ustequinumabe – o último agente biológico (anticorpo monoclonal) aprovado em 2009 – e etanercepte. Como resultado, os autores constataram que pacientes tratados com ustequinumabe tiveram resposta clínica melhor e mais rápida, com melhoras dermatológicas e articulares.4 Cuchacovich relatou a mesma comparação em 2011 e corroborou os achados de Griffiths com ustequinumabe.2 Além disso, no relato de caso de Cuchacovich, a melhora clínica foi demonstrada com o uso da combinação dos dois agentes biológicos mencionados anteriormente: ustequinumabe e etanercepte.3 Acima de tudo, para demonstrar a segurança de ustequinumabe, Cuchacovich informou seu uso em pacientes que eram refratários à fototerapia, corticosteróides sistêmicos e terapia biológica (inclusive inibidores de TNF). O resultado não só foi favorável, mas também melhorou a resposta clínica na área da psoríase e no índice de gravidade.2 Ademais, outro agente biológico recomendado nessa revisão, efalizumabe, foi retirado do mercado norte-americano em junho de 2009 pela FDA por causa do risco potencial para a ocorrência de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP).5 Essa informação é necessária para enfatizar que tal agente não deve ser recomendado como tratamento para manifestações cutâneas em pacientes com AP, como foi sugerido no estudo de Goldenstein-Schainberg et al.1 Com efeito, sabidamente a LMP é uma condição grave, que põe em risco a vida do paciente, além de ser uma doença neurológica devastadora. Geralmente é causada pelo vírus JC, mas há alguns anos a LMP emergiu como resultado do tratamento com agentes biológicos em várias doenças reumáticas.6 Em conclusão, o ustequinumabe deve ser incluído nos protocolos terapêuticos para tratamento de AP refratária à medicação biológica. Também é importante não incentivar o uso de efalizumabe para qualquer tipo de doença reumática. São necessários novos estudos que demonstrem a segurança de novos agentes biológicos diferentes de ustequinumabe. Karen Vega-Villanueva, Nathaly Cortez-Bazán*, Angela Alvarado-Molina Faculdade de Medicina, Universidad Peruana de Ciencias Aplicadas, Lima, Peru * Autor para correspondência. E-mail: [email protected] (N. Cortez-Bazán). © 2013 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. REFERÊNCIAS 1. Goldenstein-Schainberg C, SampaioFavarato M, Ranza R. Current and relevant concepts in psoriatic arthritis. Rev Bras Reumatol. 2012;52(1):92-106. 2. Cuchacovich R, Garcia Valladares I, Espinoza L. Comparative assessment of biologics in treatment of psoriasis: drug design and clinical effectiveness of ustekinumab. Drug Des DevelTher. 2011;5:41-9. 3. Cuchacovich R, Garcia Valladares I, Espinoza L. Combination Biologic Treatment of Refractory Psoriasis and Psoriatic Arthritis. 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