ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO: TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL PARA ESTABELECIMENTO DO NEXO CAUSAL E AS REPERCUSSÕES NA SAÚDE E VIDA DOS TRABALHADORES DO CALÇADO DE FRANCA/SP. Gustavo Mendonça Pieruccetti 1 Vera Lucia Navarro 2 INTRODUÇÃO Os acidentes e doenças do trabalho são um grave problema social no Brasil. As mudanças ocorridas no universo do trabalho nas últimas décadas afetaram as condições de trabalho e, consequentemente aumentaram a vulnerabilidade do trabalhador ao adoecimento e aos acidentes do trabalho. Sabe-se que apesar da cobertura institucional existente, a trajetória que as vítimas de acidentes/doenças relacionados ao trabalho têm que percorrer é marcada pela negação de sua condição de cidadão. Tendo como pano de fundo as mudanças em curso no mundo do trabalho, relacionadas ao processo de reestruturação produtiva, marcadas pela intensificação e precarização do trabalho, a pesquisa em andamento, de onde se origina este texto, objetiva investigar a trajetória institucional percorrida pelos trabalhadores da indústria de calçados de Franca/SP que, através de ações judiciais, buscaram o reconhecimento do nexo causal entre acidentes/doenças do trabalho, dos quais são vítimas, e as suas atividades laborais. Nas últimas décadas ocorreram mudanças na forma de organização da produção e do trabalho, essas tiveram repercussões nas condições de vida, do trabalho e na saúde dos trabalhadores. As mudanças na organização da produção e do trabalho e o aumento dos acidentes e doenças apontam para a importância da reflexão acerca do trabalho e sua relação com a saúde dos trabalhadores. Navarro (2006), afirmou que passamos por um período de transformações organizacionais e tecnológicas que modificaram os processos e as relações de trabalho; associado a isto, a adoção de políticas de cunho neoliberal mercantilizou serviços essenciais à população, como a saúde e a educação. Com a reestruturação produtiva ocorreu o aumento de contratos precários e temporários de trabalho, aumento da jornada, intensificação do trabalho, 1 Mestrando da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP – Departamento Medicina Social Programa de Pós-graduação em Saúde na Comunidade - Email: [email protected], [email protected] 2 Professora Livre Docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP Email: [email protected], 2 depreciação salarial, exploração do trabalho a domicílio e crise do movimento sindical. Verthein (2001), Lacaz (2000) e Lourenço (2011) afirmaram que as transformações do trabalho a partir da reestruturação produtiva contribuem para o aumento dos acidentes, doenças e mortes de trabalhadores no trabalho. Os dados oficiais vão de encontro a tais afirmações. Na década de 1970, o Brasil ostentou o desonroso título de “Campeão Mundial” de acidentes do trabalho registrados: eles foram cerca de 1,6 milhões/ano para uma população de 12,4 milhões de trabalhadores. Dados do Ministério da Previdência Social (MPS) nos dão conta que, no ano de 2008, ocorreram 748 mil acidentes do trabalho no Brasil, dos quais 264 mil no estado de São Paulo (BRASILMPS, 2008), o que representou aumento de cerca de 30% sobre os números de 2006. O MPS atribuiu tal aumento à adoção em abril de 2007, do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, como forma de combate à subnotificação (BRASIL-MPS, 2008). Dados do MPS indicam que Franca/SP não foge a regra brasileira: mesmo se consideradas as subnotificações, o número de acidentes relacionados ao trabalho cresceu: eles foram de 963 em 2002 e 1777 em 2008 (BRASIL-MPS, 2008). Segundo dados no MPS, em agosto de 2009 foram pagos cerca de 750 mil benefícios de invalidez e 282 mil auxílios doença emitidos 3 e em 2009, foram concedidos 4 aproximadamente 30 mil benefícios de auxílio doença por mês, o que poderia dar a idéia do custo que os acidentes e doenças do trabalho geram aos cofres públicos. Apesar do esforço do MPS para diminuir às subnotificações, elas continuam a existir. Lino (2001) afirmou que o Brasil não dispõe de um banco de dados epidemiológicos que cubra a totalidade dos acidentes e doenças do trabalho, assegura que cerca de 80% dos acidentes de trabalho não são notificados e os números registrados são referentes apenas aos acidentes ocorridos com aqueles formalmente inseridos no mercado de trabalho. A Previdência não leva em conta, por exemplo, os acidentes sofridos por trabalhadores sem registro em carteira, por autônomos ou aqueles afastamento inferior a 15 dias. Verthein e Minayo-Gomez (2000) salientaram que o aumento das doenças relacionadas ao trabalho tem atraído a atenção para os custos com as doenças osteomusculares e acentuado “a prática de negar ou minimizar o trabalho como fator ativo neste processo de 3 “Benefícios emitidos correspondem aos créditos emitidos para pagamento de benefícios, ou seja, são benefícios de prestação continuada que se encontram ativos no cadastro e para os quais são encaminhados créditos junto à rede pagadora de benefícios” (BRASIL-MPS, 2008). 4 “Benefícios concedidos é aquele cujo requerimento, apresentado pelo segurado, ou seus dependentes, junto à Previdência Social, é analisado, deferido, desde que o requerente preencha todos os requisitos necessários à espécie do benefício solicitado, e liberado para pagamento. A concessão corresponde, portanto, ao fluxo de entrada de novos benefícios no sistema previdenciário” (BRASIL-MPS, 2008) 3 adoecimento”. Em suas pesquisas, os autores constataram que médicos peritos do INSS/RJ tendem a descaracterizar o nexo causal entre as doenças e o trabalho. Neste sentido, não poderíamos deixar de fazer uma reflexão sobre a transição das DORTs (Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho) às LER (Lesões por Esforço Repetitivo) adotada pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Verthein (2001) afirmou que a mudança de nomenclatura de LER para DORT descaracterizou a noção de que esforços repetitivos possam produzir lesão corporal, o que facilitou a recusa do nexo causal. Do ponto de vista social, perde-se toda a história de lutas da classe trabalhadora que norteou a caracterização das LER como doença do trabalho. Embora não reconhecidos como tal pela sociedade, os acidentes de trabalho são uma forma de violência. O acidente do trabalho não lesa apenas fisicamente o trabalhador, “(...) como a brutalidade da qual vem revestido não se resume ao acidente em si e às circunstâncias em que ele ocorre, mas se estende ao longo processo de tratamento e à trajetória institucional que o acidentado é obrigado a percorrer” (COHN et. all 1985). Para Dal Rosso, Barbosa e Fernandes Filho (2001) uma forma de obter uma boa representação da violência do trabalho é atentar para o número de acidentes e de doenças e, em especial, para as mortes ocorridas no trabalho. Segundo aqueles autores “(...) Vidas de trabalhadores são sacrificadas, seus corpos e suas mentes, mutilados; carregam durante intervalos ou para o resto de suas vidas, as marcas desse tipo de violência”. Outra violência ocorre quando o trabalhador acidentado busca o reconhecimento de suas dores. Segundo Verthein & Minayo-Gomez (2000) e Verthein (2001) os trabalhadores enfrentam dificuldades no reconhecimento de suas afecções e no estabelecimento do nexo causal, o que causa sofrimento adicional aos trabalhadores que tem que provar que são vítimas de acidente/doença do trabalho. Todo este sofrimento e a busca desesperada pelo reconhecimento do seu acidente ou doença levaram o trabalhador a procurar sua última alternativa, a justiça. Tendo a Justiça do Trabalho como primeiro amparo legal, busca o reconhecimento do nexo causal através de processos judiciais. ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO Segundo a lei nº 8.213 de 24/07/1991, acidente ou danos agudos é: “aquele que ocorre pelo exercício do trabalho, a serviço da empresa, provocando lesão corporal, ou perturbação funcional que cause a morte, ou a perda, ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho” 4 São também equiparados a acidente ou danos agudos: “O acidente que, ligado ao trabalho, embora não tenha sido causa única, haja contribuído diretamente para a morte, ou perda, ou redução da capacidade para o trabalho”. Também equiparado a acidente de trabalho é o de trajeto, aquele que ocorre no percurso da residência para o trabalho ou deste para aquele. Assim como os acidentes ou danos agudos, as doenças ou danos insidiosos estão determinados na lei nº 8.213 de 24/07/1989, que assim diz sobre os danos insidiosos: “Doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social”. O conceito de Doença do Trabalho, também equiparado legalmente aos acidentes do trabalho, é: “... assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I” O reconhecimento das doenças profissionais se dá a partir de sua inclusão em uma lista desenvolvida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A primeira se deu em 1925, com a inclusão de três doenças; a mais atual foi apresentada em 25/03/2010, e conta com mais de 29 grupos de doenças. Um fato peculiar dessa última edição da lista é a inclusão de doenças mentais como doença do trabalho (ILO, 2010). OBJETIVO Esta proposta de pesquisa tem por objetivos: investigar a trajetória institucional percorrida por trabalhadores da indústria de calçados de Franca que, através de ações judiciais sentenciadas no último trimestre 2010 nas Varas da Justiça do Trabalho de Franca, SP, buscaram o reconhecimento do nexo causal entre o adoecimento e/ou acidente com as atividades laborais e, conhecer a trajetória de vida daqueles trabalhadores a partir de seu adoecimento ou da ocorrência do acidente, com o intuito de conhecer como aqueles episódios repercutiram em suas vidas dentro e fora de trabalho. PERCURSO METODOLÓGICO A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi prevista para ser realizada em duas etapas. 5 Na primeira etapa, já concluída, foi realizada pesquisa documental cujas fontes foram os processos trabalhistas sentenciados no último trimestre do ano de 2010, nas Varas da Justiça do Trabalho de Franca-SP. Nesta etapa foi realizado um levantamento dos processos sentenciados no período para saber quantos envolviam trabalhadores da indústria de calçados e quais os tipos de acidentes e as doenças que motivaram a abertura dos referidos processos. Ao todo foram sentenciados 258 processos, dos quais serão selecionados 20 para a realização da segunda fase da pesquisa que prevê entrevistas com estes trabalhadores. Com os processos à nossa disposição identificamos quais estavam relacionados com trabalhadores da indústria de calçados e, posteriormente, aqueles que continham pedidos de indenização e/ou documentos que comprovassem um acidente ou doença que poderia estar relacionada com o trabalho. Localizados os processos judiciais que continham pedido de indenização por acidente ou doença relacionado com o trabalho, identificamos os tipos de acidentes e as doenças que motivaram a abertura dos processos, examinamos os documentos inclusos que justificavam tal ação judicial, observamos as falas dos sujeitos das respectivas ações judiciais e finamente chegamos às conclusões dos sujeitos e à sentença do processo. Em um segundo momento, a partir dos dados constantes nos processos, será buscado o contato com os trabalhadores requerentes e solicitada sua participação na pesquisa. O que nos permitirá conhecer os caminhos vividos pelos trabalhadores em busca do reconhecimento do nexo causal, como foi o período em que esteve acidentado ou adoentado e como foi passar pela experiência de um processo judicial. Minayo (2004), afirmou que as pesquisas qualitativas privilegiam a qualidade das informações a serem obtidas e a capacidade de reflexão sobre essas e que, neste tipo de pesquisa, o número de entrevistados pode variar, caso haja necessidade. RESULTADOS PRELIMINARES Os dados já levantados, na primeira etapa da pesquisa revelam que a trajetória das vítimas de acidentes/doenças relacionadas ao trabalho, é marcada por inúmeras dificuldades no reconhecimento do nexo entre o adoecimento e suas atividades laborais. Foram levantados os processos sentenciados no período de um de outubro a 31 dezembro de 2010 na 1ª e 2ª Varas da Justiça do Trabalho de Franca-SP, obtendo um número igual a 258 processos trabalhistas. Dos 258 processos levantados 145 foram junto à 1ª Vara e 113 junto à 2ª Vara. Encontramos 53 processos que estavam relacionados com a indústria do calçado de Franca- 6 SP, 198 processos que não estavam relacionados com a indústria do calçado, sete processos não estiveram à disposição para pesquisa, destes cinco encontravam-se no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), um na Vara do Trabalho de Sertãozinho e um na Justiça Estadual. Dos 53 processos que versavam sobre a Indústria do calçado de Franca-SP encontramos pedidos de direitos trabalhistas como férias, diferenças salariais, indenização por insalubridade, entre outros. Onze processos continham documentos relacionados a acidente ou doença relacionada ao trabalho. Os processos que continham documentos relacionados a acidentes do trabalho totalizaram três, dois na 1ª Vara e um na 2º. Os trabalhadores eram do sexo masculino, tinham 23 a 40 anos de idade na data da demissão e eram contratados como auxiliares de produção. Em dois processos não encontramos pedidos de indenização pelos acidentes, tão pouco pedido de exame pericial para atestar a saúde dos trabalhadores, não foram abertos Comunicado de Acidente do Trabalho (CAT) pela empresa em nenhum dos casos (uma CAT foi aberta pelo médico do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CEREST) e outra pelo próprio trabalhador), os trabalhadores foram afastado pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) com a sigla B-91 5, em todos os casos os trabalhadores foram demitidos pouco tempo após a volta ao trabalho. Os acidentes foram típicos 6: um trabalhador foi prensado em uma prensa com lesões em abdômen e quadril, um atingido pelo carrinho de transporte de caixa com leões no nariz e face e um não constava nos autos. O processo que incluía pedido de perícia judicial nos trás algumas informações extras de grande relevância. O perito nomeado pelo Juiz para dar seu parecer com relação à capacidade laboral do trabalhador diagnosticou lombalgia e lombociatalgia, não fez qualquer menção com relação à biomecânica ocupacional das atividades desenvolvidas pelo trabalhador na empresa e concluiu que as doenças apresentadas pelo trabalhador eram perfeitamente reversíveis. Encontramos ainda neste processo um exame pericial de insalubridade, realizado por um engenheiro. O perito não descreve a biomecânica ocupacional da função realizada pelo trabalhador no dia do acidente, não apresenta a forma correta de funcionamento da prensa, tão 5 Auxílio-doença acidentário - “Benefício concedido ao segurado incapacitado para o trabalho em decorrência de acidente de trabalho ou de doença profissional.” (Brasil-MPS, 2012) 6 “Considera-se acidente de trabalho aquele ocorrido no exercício de atividades profissionais a serviço da empresa (típico) ou ocorrido no trajeto casa-trabalho-casa (de trajeto).” (Brasil-MPS, 2012) 7 pouco tece comentários sobre a ergonomia do trabalho, conclui que o acidente foi culpa do trabalhador. Processo sentenciado como improcedente. Os processos que continham documentos acerca de possíveis doenças relacionadas ao trabalho totalizaram oito, cinco na 1ª Vara e três na 2ª Vara. Os trabalhadores eram: quatro mulheres e quatro homens, estes tinha entre 29 a 48 anos de idade na data da demissão, tinham como funções: um revisor de calçados, um cortador, cinco auxiliares de produção e um acabador de calçados. Todos os processos traziam pedidos de indenização por doença do trabalho, pela perda ou diminuição da capacidade laboral. Quatro processos incluíam CAT aberta, nenhuma delas aberta pela empresa (um por médico particular e três pelo médico do Sindicato), seis dos trabalhadores foram afastados pelo INSS (quatro com auxilio B-31 7e dois com auxilio B-91), dois não continham tais dados nos autos. Cada um dos processos trazia pelo menos 10 atestados médicos, assinados por não menos que três profissionais diferentes, traziam no mínimo dois exames imagens distintos, na maioria das vezes diagnosticando a “doença” referida pelo trabalhador. Em sete dos processos localizamos laudos periciais médicos, em dois deles encontramos dois laudos periciais, assinados por médicos diferentes, um laudo pericial de insalubridades (realizados por engenheiros). Em nenhum dos processos foi apresentado pelo perito laudo do exame pericial “in lócus” (na empresa), análise da biomecânica ocupacional das atividades desenvolvidas pelo trabalhador ou laudo ergonômica da função. As conclusões dos peritos foram: uma concausa 8 e sete não estabeleceu nexo causal por alegarem que as doenças eram de caráter degenerativo. Seguindo as conclusões periciais, uma sentença foi parcialmente procedente e sete consideradas improcedentes pelo magistrado. CONSIDERAÇÕES FINAIS A quantidade e variedade dos dados contidos nos processos judiciais são enormes, fazendo dos processos trabalhistas uma ótima opção para pesquisa sobre acidentes e doença relacionados ao trabalho. Contêm inúmeros documentos acerca dos acidentes e/ou doença que acometeram os trabalhadores, opiniões de profissionais especializados, exames 7 Auxilio Acidente previdenciário – “Benefício concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos.” (Brasil-MPS, 2012) 8 Concausa - artigo 21, caput, e inciso I, da Lei 8213/91 – “o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.” 8 complementares diagnosticando as alterações físicas no corpo dos trabalhadores e pareceres de juristas sobre o acidente ou doença, sempre pautados na literatura, utilizando o que lhe parece mais conveniente. Em meio a todo este aparato legal, de linguagem própria e de difícil entendimento, estão os trabalhadores que em sua grande maioria mal sabem ler e escrever. Partindo das referências concretas obtidas pelo levantamento processual, notamos que a idade média foi 35 anos para os trabalhados que sofreram acidente ou foram acometidos por doenças. Estes estavam em plena atividade produtiva e relativamente novos se consideramos que só podem aposentar por tempo de serviço aos 65 anos. Vimos ainda que a maioria dos acidentados/adoentados era do sexo masculino (65%), e que a grande maioria dos trabalhadores exercia funções de trabalho braçal, com atividades laborais que exigiam movimentação intensa das articulações acometidas por acidentes ou doenças. Fato que chamou a atenção foi a não abertura de CATs pela empresa em nenhum dos processos, mesmo nos casos mais evidentes, contrariando a própria lei e ilustrando o cenário de negação do nexo causal vivido pelo trabalhador. A tendência à negação da caracterização do acidente e/ou doença do trabalho pelo INSS já é episódio frequente na vida dos trabalhadores acidentados e/ou acometidos por doença profissional com foi descrito por Verthein (2001). Os dados encontrados não foram diferentes nos processos trabalhistas por nós pesquisados. Os laudos periciais desconsideram os diagnósticos médicos contidos nos atestados apresentadas nos autos, pouco mencionam os exames complementares, não apresentam descrição da função do trabalhador e não trazem laudos pericias “in lócus”. Em sua totalidade, os peritos basearam seu diagnóstico nos exames clínicos por eles realizados, e consideraram as doenças como degenerativas e naturais do envelhecimento. Apenas um correlacionou as doenças com as atividades laborais. O fato de não relacionarem as doenças às atividades laborais, contradiz totalmente as recomendações do Ministério da Saúde que diz: “O ponto de partida, portanto, é a verificação da existência da exposição que possa ser considerada propiciadora da ocorrência de LER/DORT, tendo em vista a inespecificidade dos quadros clínicos apresentados, quando comparados com quadros não-ocupacionais.” (Ministério da Saúde, 2000) 9 Partindo do entendimento que as doenças são de caráter degenerativo e natural do envelhecimento, os laudos periciais concluíram sempre no sentido da não existência do nexo causal, com exceção de um laudo que concluiu “concausal no máximo”. Seguindo a linha de raciocínio dos peritos, que são os especialistas no assunto, as sentenças do magistrado foram pautadas nas opiniões dos peritos, sendo um processo sentenciado como parcialmente procedente e todos os outros improcedentes para seus pedidos. Ainda que reconhecendo as dificuldades do diagnóstico das doenças profissionais, a inobservância das recomendações do Ministério da Saúde sobre os acidentes do trabalho e as doenças profissionais, e a falta de dedicação e especificidade profissional para com o diagnóstico das doenças profissionais, tem comprometido o julgamento dos peritos e consequentemente do magistrado. A pesquisa nos incita à dúvida se a justiça esta sendo feita. Embora exista uma cobertura institucional para os acidentados e adoentados pelo exercício do trabalho, o trabalhador da indústria do calçado de Franca/SP tem passado por inúmeras dificuldades no reconhecimento dos acidentes ou das doenças que os acometeram, especialmente penoso têm sido o estabelecimento do nexo causal para com as atividades laborais que exerciam. REFERÊNCIAS ALMEIDA, N. ROUQUYAYOL, MZ. Epidemiologia e Saúde. 5ª ed., São Paulo: Medsi, 1999. BRANDIMILLER, P. A. Pericia Judicial em acidentes e doenças do trabalho. São Paulo: SENAC, 1996. 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