PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES) Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES) Diretoria Nacional Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782 E-mail: [email protected] Home page: http://www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html National Board of Directors Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brazil Tel: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782 E-mail: [email protected] Home-page: http://www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2003-2006) NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2003-2006) Presidente 1O Vice-Presidente 2O Vice-Presidente 3O Vice-Presidente 4O Vice-Presidente Sarah Escorel (RJ) José Gomes Temporão (RJ) Rita Sório (DF) Jacob Portela (RJ) Maria Ceci Misoczky (RS) President 1 st Vice-President 2 rd Vice-President 3 th Vice-President 4 th Vice-President Sarah Escorel (RJ) José Gomes Temporão (RJ) Rita Sório (DF) Jacob Portela (RJ) Maria Ceci Misoczky (RS) 1O Suplente 2O Suplente Carmen Teixeira (BA) Vago 1 nd Substitute 2 nd Substitute Carmen Teixeira (BA) Empty CONSELHO FISCAL Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) & Nelson Rodrigues dos Santos (SP) CONSELHO CONSULTIVO Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA), Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF) CONSELHO EDITORIAL FISCAL COUNCIL Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) & Nelson Rodrigues dos Santos (SP) ADVISORY COUNCIL Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA), Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF) PUBLISHING COUNCIL Coordenador: Emerson Elias Merhy (SP) Coordinator: Emerson Elias Merhy (SP) Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) SECRETARIA EXECUTIVA Marília Fernanda de Souza Correia EXECUTIVE SECRETARIES Marília Fernanda de Souza Correia EDITORA EXECUTIVA EXECUTIVE PUBLISHER Lia Bahia Lia Bahia INDEXAÇÃO Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe INDEXATION Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) The articles about Health History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in Latin America and the Caribbean) Apoio A Revista Saúde em Debate é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos REVISÃO DE TEXTO Sonia Regina P. Cardoso – português, Nina Bandeira Seabra – inglês, Lia Bahia – revisão tipográfica CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa IMPRESSÃO E ACABAMENTO Corbã Editora Artes Gráficas PROOFREADING Sonia Regina P. Cardoso – portuguese, Nina Bandeira Seabra – english, Lia Bahia – proofreading COVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa PRINT AND FINISH Corbã Editora Artes Gráficas NUMBER OF COPIES TIRAGEM 2.000 exemplares 2,000 copies Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em maio de 2006. This publication was printed in Rio de Janeiro on may, 2006. Capa em papel couche 180 gr Cover in couche paper 180 gr Miolo em papel off set 75 gr Core in off set paper 75 gr Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./dez. 1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2005. v. 29; n. 70; 27 cm Quadrimestral ISSN 0103-1104 1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES CDD 362.1 Rio de Janeiro v. 29 n. 70 maio/ago. 2005 ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde ISSN 0103-1104 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005 105 SUMÁRIO / SUMMARY EDITORIAL / EDITORIAL 107 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliação dos primeiros meses de gestão Health Politics in Lula Government: an Evaluation of the First Months of Administration Ana Carolina Oliveira Mendonça, Camila Pereira Fernandes Dias, Manuela Santana Araújo, Taiana Quéssia Neves de Alcântara, Luanne Lísle dos Santos Silva, Ludmila Fernandes Oliveira, Adriana Oliveira Rocha, Delano Santos Valois, José Roberto Oliveira Sousa, Lívia Maria Bonfim Mendes, Lucas Coutinho de Sá Oliveira, Maria da Costa Vargens, Lucília Nunes de Assis & Jairnilson Silva Paim 109 A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional Healthy Food and Health Promotion in the Context of Food and Nutrition Safety Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro 125 As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de saúde no Brasil nos Anos 90 Proposals of the World Bank for Health Sector Reforms in Brazil in the 90s Maria Lucia Frizon Rizzotto 140 Promoção da Saúde: A percepção dos secretários municipais de saúde Health Promotion: the Perception of Municipal Health Secretaries Silvano da Silva Coutinho, Maria José Bistafa Pereira & Anderson Vulczak 148 Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde Study on the Management of Residues of Healthcare Services Roberto Naime, Ivone Sartor & Ana Cristina Garcia 157 O Programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias The Support Program for Substitute Families of Child and Adolescent Victims of Domestic Violence, From the Perspective of These Families Aline Paiva Bertolucci, Camilla Sociio Martins, Caroline Paula Ribeiro Silvestre & Maria das Graças C. Ferriani 169 106 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005 O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial The Citizenship Rescue: the Therapeutic Attendance and the Psychosocial Rehabilitation Aspect Ana Celeste de Araújo Pitiá 179 Informações sobre maus tratos na infância e adolescência entre enfermeiros(as) de um hospital público de Feira de Santana – Bahia Information on Children and Adolescent Victims of Abuse Gathered from Nurses of a Public Hospital Located in Feira de Santana City, Bahia State Emanuela Cardoso da Silva & Judith Sena da Silva Santana 186 Cuidados Domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência Home-Based Care: a Response to the Health Needs of People with Disabilities and Dependency Maria de Fátima Faria Duayer & Maria Amélia de Campos Oliveira 198 Motivos e influências do uso de benzodiazepínícos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará Reasons and Influences of the Use of Benzodiazepines in Women: a Study Carried Out at a Psychosocial Attention Center in a City in Ceará State Maria da Glória Oliveira Carneiro, Maria Veraci Oliveira Queiroz & Maria Salete Bessa Jorge 210 DOCUMENTOS/DOCUMENTS Carta de Brasília – VIII Simpósio Nacional sobre Política de Saúde da Câmara dos Deputados, Brasília, 28 a 30 de junho de 2005 Brasília Letter – 8th Chamber of Deputies’ National Symposium on Health Politics, Brasília, from 28 to 30 of June 2005 221 EDITORIAL O FUTURO DO CEBES E m setembro de 2006, o Centro Brasileiro de Estu- atividades políticas e editoriais da entidade envolve a dos de Saúde (CEBES) completará 30 anos de exis- dedicação voluntária da Diretoria Nacional e o trabalho tência. Trinta anos de muitos feitos e muitas crises. Se- profissional da secretaria e editoria executivas. tenta números da revista Saúde em Debate, 35 números Se o pensamento da maioria dos associados for as- da revista Divulgação em Saúde para Debate, e diversos segurar a manutenção do CEBES – tal como está funcio- livros foram publicados nesse período. Dezesseis Dire- nando – e aprimorar suas atividades editoriais, então é torias Nacionais com mandatos de duração variável de hora de começar a pensar na nova Diretoria Nacional, um a três anos estiveram no comando da entidade. que deverá ser eleita em agosto de 2006, durante a rea- Ao longo de sua existência, as dificuldades do CEBES lização do 8 o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e foram, basicamente, de duas naturezas: ideológico (de 11o Congresso Mundial de Saúde Pública, no Rio de Ja- projeto) e financeiro. Muitos episódios associaram os neiro. A Diretoria Nacional está, hoje, constituída por dois fatores. É o que está acontecendo hoje em dia: vi- cinco membros titulares e dois suplentes, o Conselho vemos uma crise que eclodiu financeiramente, mas que Fiscal (com três integrantes), o Conselho Consultivo (com se perpetua na indagação: qual o papel do CEBES na atu- 15 membros) e o Conselho Editorial (com 12 membros). al conjuntura da política de Saúde? Como manter a enti- Todos são eleitos na mesma ocasião. dade funcionando diante de sua fragilidade financeira? Outra possibilidade a ser examinada antes e du- Não é o passado o que está sob escrutínio. A atuação rante a Assembléia do CEBES pode incluir a dissolução do CEBES nos seus quase 30 anos de existência já garantiu da entidade – o que significaria, segundo seu Estatu- à entidade um lugar na história da Reforma Sanitária bra- to, a realização de uma Assembléia Geral Extraordi- sileira... isto é inquestionável. Mas, qual é o seu futuro? nária, convocada especificamente para este fim, quan- A manutenção das revistas parece importante, pois elas abrem espaço para autores oriundos dos serviços do a decisão deverá ser tomada por maioria absoluta dos sócios presentes. de saúde, assim como para acadêmicos fora do eixo Entre a manutenção tal como está (com a perspecti- Sul-Sudeste. A Saúde em Debate assegura o registro his- va de aprimoramento) e a dissolução da entidade po- tórico dos principais documentos sobre a política naci- dem existir alternativas, como a fusão total ou parcial à onal de saúde e a Divulgação em Saúde para Debate A BRASCO, algo a ser, necessariamente, discutido, não só possibilita a difusão de experiências locais, estaduais internamente ao CEBES mas também com os próprios ou mesmo nacionais. Pautadas por critérios de quali- associados e a Diretoria da ABRASCO. O significado de dade científica e acadêmica, as revistas do CEBES são fusão total ou parcial mereceria ser mais detalhado. periódicos daqueles que atuam e militam no Sistema Único de Saúde (SUS). Nosso quadro de associados “potenciais” (ou seja, aqueles que pagaram suas anuidades por determinado período), engloba mais de dois mil nomes. Em 2004, cerca de 600 pagaram a anuidade. A manutenção das Qual é o futuro do CEBES? Aqui estão listadas algumas alternativas. Outras poderão surgir do debate. É importante a manifestação de todos os associados na tentativa de responder coletivamente a esta pergunta. A Diretoria Nacional Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005 107 EDITORIAL THE FUTURE OF CEBES I paid their annuities. Maintaining the entity’s political and editorial activities involves the voluntary dedication n september 2006, the Brazilian Center of Health Studies (C EBES) will complete 30 years of existence. Thirty years of many achievements and many crises. of the National Directorship and the professional work of the executive secretariat and editorship. If most of the associates intend to secure CEBES’ Seventy issues of the Saúde em Debate (Health in continuity – the same way it’s currently operating – and Discussion) journal, 35 issues of the Divulgação em to improve its editorial activities, so it’s time to start to Saúde para Debate (Health Disclosure for Discussion) consider a new National Directorship, which should be journal and several books were published in this elected in August 2006, during the 8 th Brazilian period. Sixteen National Directorships, with Congress on Collective Health and the 11th World mandates varying from one to three years, Congress on Public Health, in Rio de Janeiro. Today, the commanded the institution. National Directorship is comprised of five titular All along its existance, CEBES’ difficulties had members and two substitute members, the Audit Board basically two natures: ideological (associated to (with three members), the Consultant Board (with 15 projects) and financial. Several episodes combined both members) and the Editorial Board (with 12 members). elements. That’s what happens nowadays: we are All of them are elected in the same occasion. going through a crisis which emerged financially, but Another possibility to be considered before and that continues with the questions: What is CEBES ’ role in during CEBES’ Assembly is to include the dissolution of the present Health politics scenario? How to maintain the entity – which would mean, according to its the entity’s operations in face of its financial frailty? Bylaws, the convening of an Extraordinary General The past is not under scrutiny. CEBES’ performance Assembly specifically for this purpose, when this in almost 30 years of existence already gave the entity decision should be taken by the absolute majority of a place in the history of the Brazilian Sanitary the current associates. Reform... that’s for sure. But what about its future? Maintaining the journals seems important, Between the maintaining of the entity as it is (with a perspective of improvement) and its dissolution, because they open space for authors from inside the there may be alternatives, such as the total or partial healthcare services, as well as academicians outside fusion to ABRASCO – an issue to be necessarily the South-Southeast regions axis. Saúde em Debate discussed, not only internally to CEBES, but also with assures the historical registry of the main documents on the national health politics, and Divulgação em Saúde para Debate allows the diffusion of local, statal or even national experiences. Guided by scientific and academical quality patterns, CEBES’ journals are active and militant in the Brazilian Unified Health System (SUS). Our board of “potential” associates includes more than two thousand names. In 2004, approximately 600 108 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005 ABRASCO ’s associates and Board of Directors. The meaning of a total or partial fusion should be explained in more detail. What is the future of CEBES? Here are exposed some of the alternatives. Others may arise from the discussion. It is vital that all the associates manifest themselves, in an attempt to give a collective answer to this question. The National Directorship Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão1 Health Politics in Lula Government: an Evaluation of the First Months of Administration Ana Carolina Oliveira Mendonça2 Camila Pereira Fernandes Dias2 Manuela Santana Araújo2 Taiana Quéssia Neves de Alcântara2 Luanne Lísle dos Santos Silva2 Ludmila Fernandes Oliveira2 Adriana Oliveira Rocha 2 Delano Santos Valois 2 José Roberto Oliveira Sousa2 Lívia Maria Bonfim Mendes 2 Lucas Coutinho de Sá Oliveira2 Maria da Costa Vargens2 Lucília Nunes de Assis 3 Jairnilson Silva Paim 4 RESUMO Com o objetivo de avaliar as políticas de saúde nos primeiros 18 meses do Governo Lula, o presente estudo analisou o conteúdo de notícias obtidas em jornais e revistas, publicações e sites eletrônicos oficiais, bem como de entrevistas semi-abertas com dirigentes de instituições públicas da saúde e pesquisadores da área de saúde coletiva. Foram destacadas iniciativas em relação à saúde da família, à reforma psiquiátrica e aos programas especiais. Os autores ressaltam a coerência entre os fatos produzidos no período de Recebido: 17/12/03 Modificado: 07/12/05 Aprovado: 11/12/05 estudo e o programa de governo do então candidato, apesar dos constrangimentos determinados pelas políticas econômicas e pela ambigüidade diante de certas questões como o tabagismo e os transgênicos. PALAVRAS-CHAVE: Política de Saúde; Avaliação; Análise de Conjuntura. Trabalho realizado por alunos da disciplina Política de Saúde (ISC-003) do ISC-UFBA, sob a orientação dos professores Jairnilson Silva Paim e Lucília Nunes de Assis. 1 ABSTRACT In order to evaluate the health politics in the first 18 months of Lula Alunos da Faculdade de Medicina da UFBA, matriculados na Disciplina ISC-003. government, the present study analyzed the content of news articles published Professora-substituta da Disciplina ISC-003, Política de Saúde. the content of semi-open interviews with public healthcare institutions’ Professor Titular do ISC-UFBA, Pesquisador 1-A do CNPq. Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA). Rua Basílio da Gama, s/n – Canela – Salvador – Bahia CEP : 40110-170. e-mail: [email protected] related to family health, psychiatric reform and special programs. The authors 2 3 4 in newspapers and magazines, official publications and websites, as well as directors and collective health researchers. This study highlights initiatives emphasize the coherence found between the health policies developed in the studied period and the candidate’s program, despite the constraints from the economic adjustment policy, and the ambiguity in some relevant health questions as tabagism and transgenic foods. KEYWORDS: Health Politics; Evaluation; Brazil Politics Analysis Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 109 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al INTRODUÇÃO e impacto), configurando três tipos zação popular, despertando esperan- de avaliação: a) avaliação relacio- ças e prometendo mudanças para o O exercício do poder e as ques- nada a conceptualização e ao dese- Brasil. Nesse contexto, um estudo tões referentes ao estabelecimento de nho; b) monitoramento da implemen- com o propósito de avaliar a política diretrizes, planos e programas de tação; c) estimação e avaliação dos de saúde do governo torna-se opor- saúde para determinada população resultados e utilidade (O XMAN, 1988, tuno no sentido de contribuir para a constituem Políticas de Saúde. Nes- p.57; BUSTAMENTE & PORTALES, 1988). análise dos fatos produzidos na con- se sentido, uma política pública pas- O Brasil é um país federativo ca- sa por um ciclo que inclui a proble- racterizado pela existência de múlti- O presente estudo toma como matização, a construção da agenda, plos centros de poder, por um siste- objeto a política de saúde do Gover- a formulação, a formalização, a im- ma complexo de dependência políti- no Federal, partindo das seguintes ca e financeira entre as esferas go- perguntas: quais os fatos políticos vernamentais e não governamentais, em saúde produzidos a partir das plementação, o monitoramento e a avaliação (P AIM, 2003). Avaliação de políticas de saúde eleições presidenciais de 2002, quais “é a aplicação sistemática de proce- as visões de atores sobre o proces- dimentos de investigação social para estimar a concepção e o desenho, a juntura e de identificar tendências. so político e que relações poderiam implementação e a utilidade da exe- O BRASIL É UM PAÍS FEDERATIVO ser identificadas entre tais fatos e o cução dos programas de tipo social, CARACTERIZADO PELA EXISTÊNCIA DE jetivo do estudo é avaliar a formu- que em nosso caso é fundamentalmente saúde” (O XMAN, 1988, p.55). MÚLTIPLOS CENTROS DE PODER, POR UM Esta definição permite superar cer- SISTEMA COMPLEXO DE DEPENDÊNCIA tas visões do senso comum que não admitem a possibilidade de avaliar um governo no seu início, reduzin- POLÍTICA E FINANCEIRA ENTRE AS ESFERAS GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS do a avaliação apenas a uma aferi- programa de governo? Assim, o oblação e a implementação das políticas de saúde do governo Lula no período compreendido entre janeiro de 2003 a junho de 2004. METODOLOGIA ção de produtos, resultados e impacTrata-se de um estudo de avali- to. Se isto pode ser verdadeiro para um medicamento ou uma vacina, por grandes disparidades inter-regi- ação de políticas de saúde no setor não o é para um processo social que onais e por distintos caminhos para público (B USTAMENTE & P ORTALES , produz uma política pública. Neste a realização de políticas públicas 1988, p.79), utilizando-se como fon- caso, a avaliação pode contemplar a (SOUZA, 2002). Em 15 de novembro tes de dados a mídia impressa (jor- concepção e o desenho (formulação), de 2002, o ex-operário Luiz Inácio nais1 e revistas2), publicações do o processo (implementação) e, tam- Lula da Silva foi eleito presidente da Ministério da Saúde (MS), 3 além da bém, os efeitos (produtos, resultados República por meio de forte mobili- consulta a endereços eletrônicos4 e 1 A Tarde, O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do Conselho Federal de Medicina e Jornal do Conselho Regional de Medicina da Bahia. 2 Veja e IstoÉ. 3 Informe Saúde, Saúde Brasil . http://www.opas.org.br; http://www.saude.gov.br; http://www.datasus.gov.br; http://www.lula.org.br/assets/caderno_saude.pdf; http://www.pt.org.br; http://www.funasa.gov.br; http://conselho.saude.gov.br; http://abrasco.org.br ; http://www.in.gov.br; www.oglobo.globo.com\colunas; www.fiocruz.br/ ccs/revista/n2_jun03/sergio_arouca.htm; www.atarde.com.br ; www.ensp.fiocruz.br/public/radis. 4 110 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão sites de busca.5 Foram, ainda, rea- Atendimento Hospitalar e de Alta to tem como objetivo contribuir lizadas entrevistas gravadas ou via Complexidade, Programas Especi- para a implantação e consolidação e-mail com distintos atores, a par- ais, Vigilância Epidemiológica, Vi- do referido programa em municí- tir de um roteiro previamente ela- gilância Sanitária, Assistência Far- pios de grande porte, nos quais a borado (Anexos 1 e 2). macêutica, Assistência Médica Su- maior disponibilidade de oferta de plementar e Controle Socia l. serviços de saúde, particularmen- Assim, este fragmento de conjuntura foi investigado a partir da análise do processo político, considerando a “comunidade de atores” (VI- FATOS PRODUZIDOS PELAS POLÍTICAS DE SAÚDE ANA , 1997, p.212-213) e os fatos pro- duzidos cujas informações alcançaram a esfera pública. Procedeu-se a uma análise qualitativa de conteúdo (MINAYO , 1994) do material obtido nos meios de comunicação e publicações do MS, bem como das entrevistas, utilizando unidades temáticas e matrizes para o processamento. Estas continham os seguintes tópicos: fato, data de publicação, fonte, autor, evidência, ator político, conteúdo e comentários do pesqui- te os de média e alta complexidades, não se reflete na qualidade e na capacidade de respostas dos serviços (Quadro 1). 8 Reconhece a Atenção Básica necessidade de criação de equipes O Ministério da Saúde (MS) de- de retaguarda para atuarem como cidiu ampliar o Programa Saúde colaboradores dos médicos gene- da Família (PSF) para assegurar ralistas; implantação de equipes qualidade de vida à população de de saúde bucal em cada unidade baixa renda, criando o Projeto de do PSF; 9 investimento em capaci- Expansão e Consolidação do Saú- tação de recursos humanos e pes- de da Família (Proesf). Este proje- quisas para solução de problemas; 6 7 QUADRO 1 – Atenção Básica de Saúde: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 sador. No caso dos dados obtidos nas Proposições do programa de governo Lula Fatos produzidos na conjuntura entrevistas, utilizou-se uma matriz Aumentar o financiamento da rede básicaProposições do programa de governo Lula Aumento do financiament o do custeio, via PABA, e contrato com o Banco Mundial para investimentos (PROESF) Dobrar o número de equipes de PSF Ampliação do número de equipes de Saúde da Família. Seleção de médicos para o PITS na qual as colunas continham os entrevistados em ordem numérica; e as linhas apresentavam as perguntas e respectivas respostas, com comentá- e construção de um pacto entre os cada município; 10 aumento do or- rios dos pesquisadores acerca do dis- administradores das três esferas de çamento para reformar, ampliar e curso dos entrevistados. Para a aná- governo a fim de que seja estabe- equipar as unidades básicas de saú- lise, foram utilizadas as seguintes lecida uma divisão de incentivos de nos 231 municípios com mais de unidades temáticas: Atenção Básica, para o funcionamento do PSF em 100 mil habitantes.11 5 CADÊ, YAHOO, GOOGLE, etc. Revista do Conselho Federal de Medicina (CFM), jan/2003; Revista do Conselho Regional de Medicina, (jun/2003); Informe Saúde/MS (jan/2003); Saúde Brasil (abr/2003). 6 7 Meta de 21 mil equipes até o final do ano de 2003. A Tarde (abr/2003). 8 Entrevistado 5. 9 Informe Saúde, Ano VII, n.217 (jun/2003). Saúde Brasil, n.87 (jun/2003). 10 A Tarde (jan/2003). 11 A Tarde (abr/2003). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 111 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al Além destes recursos, o governo elevou o Piso de Atenção Básica tariam se negando a receber pacientes do SUS em UTIs. 15 Ampliada (P ABA) repassado aos mu- Além do aumento em investimen- nicípios, utilizando como parâme- to nos serviços de urgência, da cria- tro projeções anuais do IBGE. Com ção do Serviço de Atendimento Móvel relação aos recursos humanos, des- de Urgência (SAMU) e da proposta de tacam-se a criação de pólos de ca- aumento no número de leitos de UTI pacitação e educação permanente credenciados pelo SUS, houve uma para profissionais de saúde e a rea- reformulação na forma de pagamen- lização do processo seletivo do Pro- to e reajuste de repasses, segundo o grama de Interiorização do Traba- qual os hospitais universitários seri- lho em Saúde (PITS). am remunerados por meio de contra- 12 13 tos globais e não mais por produção, Atenção hospitalar e de alta complexidade O Quadro 2 apresenta algumas manifestações da crise no atendimento de alta complexidade e cer- objetivando que cada unidade pudesse planejar melhor seus gastos: 16 “Desde fevereiro [de 2003] foi montado um grupo de trabalho interinstitucional que vem atuando na questão dos hospitais universitários buscando construir respostas para os diversos âmbitos existentes – já foram criadas 7.700 novas vagas pelo Ministério da Educação e ampliado em 100 milhões de reais os recursos a serem repassados para os Hospitais Universitários neste ano. Está em fase de negociação com os Estados e Municípios um projeto de reorganização do Sistema de Urgência e Emergência, com componentes de implantação da Assistência Pré-hospitalar, fortalecimento dos serviços hospitalares e extra-hospitalares, capacitação de recursos humanos, organização de centrais de regulação e ampliação dos leitos de UTI (este último já iniciado e com meta de credenciar 2.300 novos leitos).” (Entr.6) tas medidas adotadas pelo governo. Assim, foi reconhecida a necessidade de rever o valor pago pelos pro- QUADRO 2 – Atenção hospitalar e de alta complexidade: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 cedimentos prestados, discutindo-se a veracidade dos balanços contábeis negativos da rede conveniada ao SUS, bem como a falta de transparência nas prestações de contas da Proposições do programa de governo Lula Fatos produzidos na conjuntura Fortalecimento dos vínculos dos hospitais universitários com o SUS e recomposição dos quadros de servidores desses hospitais Modernização da gestão e promoção de maior inserção dos hospitais universitários no SUS Concurso público para ampliação do quadro de profissionais Estruturação do serviço de emergência Estímulo e apoio à criação de Centrais de Regulação Regionais das urgências Revisão do valor dos tetos pagos pelo SUS Liberação de verba para emergência e previsão de maior financiamento Lançamento do Programa Nacional de Atenção Integral às Urgências, com a criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) Incorporação de novas tecnologias ao SUS Otimização do Sistema Nacional de Transplantes Nova forma de financiamento dos Hospitais Universitários Remuneração por contratos globais mesma.14 A exposição do déficit desencadeou propostas de correção pelo governo, sendo também cobrado pelo Ministro da Saúde o ressarcimento aos hospitais públicos que atendem clientes dos planos privados, além da responsabilidade social de hospitais particulares que es12 Informe Saúde (abr/2003); Saúde Brasil (abr/2003). http://dtr2002.saude.gov.br/proesf/mostra/mostra.htm Acesso em 01/04/2004. 13 Informe Saúde/MS (abr/2003). www.saude.gov.br. Acesso em abril 2004. 14 Folha de S. Paulo (15/02/2003). 15 Folha de S. Paulo (15/06/2003 e 01/05/2003). 16 Saúde Brasil (abr/2003 e 06/2003); Folha de S. Paulo (19/06/2003). 112 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão Ainda em relação aos atendi- butação à indústria do tabaco, 19 com Interlagos (SP), ocorrida em abril de mentos hospitalares e de alta com- conseqüente elevação do preço do 2003.26 Segundo um dos entrevista- plexidade, houve um reajuste nos cigarro. 20 Resoluções foram lança- dos, “A MP do cigarro, (...) foi um procedimentos realizados para re- das a fim de se modificar a apresen- retrocesso a uma medida de promo- nais crônicos e implementou-se tação dos maços, de modo a serem ção à saúde”(Entr.2). uma medida para monitoramento informados os males causados pelo Mesmo assim, o governo preten- e controle das infecções hospitala- tabaco e a proibição de sua venda de lançar um projeto de lei que res- res em nível nacional, através da aos menores de 18 anos, público tringe a propaganda, comercializa- disponibilização gratuita do Siste- este atingido por uma campanha ção e consumo de bebidas alcoóli- ma Nacional de Informação em Ser- pela tevê. Propostas adicionais fo- cas. 27 Para controlar o consumo de viços de Saúde (S INAIS) pela Agên- ram lançadas, tais como a criação drogas, o MS pretende expandir o cia Nacional de Vigilância Sanitá- de programas de combate ao taba- número de Centros de Apoio Psicos- ria (ANVISA) à rede hospitalar. 17 gismo e de uma Frente Parlamen- social (CAPs) destinados aos usuári- tar Antitabagista, composta por de- os de drogas psicoativas28 e aos por- putados, que contará com levanta- tadores de transtornos mentais, atra- mentos epidemiológicos sobre os vés de tratamento ambulatorial. Programas especiais Destacam-se, em relação aos 21 22 23 males causados pelo tabaco. 24 Ainda em relação à saúde men- programas especiais, medidas de Apesar dessas ações de controle combate ao tabagismo, saúde men- tal, o governo lançou um projeto de do tabagismo,25 um fato que merece tal, saúde bucal e ações voltadas lei destinado a criar um auxílio para destaque pelo seu caráter contradi- para mulheres, crianças e adolescen- reabilitação fora do ambiente hos- tório foi a edição da Medida Provi- tes, idosos, índios e trabalhadores pitalar, 29 cujo programa foi denomi- sória n.118, permitindo a realização (ver Quadro 3). nado “De volta para casa”: de eventos esportivos patrocinados No caso do tabagismo, houve por marcas de cigarro até 2005. Este restrição à venda da mercadoria em fato relaciona-se com a liberação da padarias e supermercados, além de propaganda de cigarros durante a propostas de aumento sobre a tri- realização do GP de Fórmula 1, em 18 “Foram ampliadas as metas de expansão de novos Centros de Atenção Psicossocial, aumentando o volume de recursos para assistência à saúde mental em serviços extra-hospitalares e en- 17 Saúde Brasil (05/2003). Ações do MS-2003. www.ensp.fiocruz.br/publi/radis e www.saude.gov.br . Acesso em 27/02/2004. 18 A Tarde (abr/2003). 19 A Tarde (09/04/2003). 20 Istoé (29/05/2003). 21 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (03/2003). 22 Saúde Brasil (jun/2003); Portal da Saúde (jun/2003). 23 Saúde Brasil (jun/2003); Portal da Saúde (jun/2003). 24 CFM (jul/2003). 25 www.inca.gov.br (abr/2003); Veja (jun/2003). 26 Correio Braziliense (maio/2003); Informe Saúde (jun/2003). 27 Folha de S. Paulo (maio/2003); www.ensp.fiocruz.br/publi/radis . Acesso em maio 2003. 28 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis, Acesso em maio 2003; Entr.2 e 6. 29 Saúde Brasil (jun/2003). A Tarde 09/06/2004. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 113 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al caminhando ao Congresso projeto criando uma bolsa no valor de um salário mínimo mensal para os pacientes internados há mais de dois anos que saírem dos hospitais e passarem a ser acompanhados ambulatorialmente.” (Entr.6)30 Aprovou o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS – 2004,31 cujos objetivos são “reduzir leitos e aumentar a diária em hospitais de pequeno porte”, além de ampliar a rede extra-hospitalar, estimando que 15 mil pacientes possam voltar à sociedade.32 Até o fim de 2004, o MS espera expandir para 650 o número de Caps implantados no país: “A ampliação da rede será fundamental para continuar crescendo o número de atendimentos realizados nos centros. Em 2002, foram 389,8 mil. No ano passado, ultrapassou a marca de 3,69 milhões de atendimentos, quase dez vezes mais em relação ao ano anterior.”33 mir o processo asilar, atuar na pro- tro anos. Para atingir esse objetivo, moção e recuperação da sua saúde, foram assinadas duas portarias que bem como na implantação de far- tratam, respectivamente, da obriga- 34 mácias populares. toriedade da notificação de óbitos de Foi implantado o Disque Saúde mulheres em idade fértil e da Comis- da Mulher, que coloca à disposição são Nacional de Mortalidade Mater- informações referentes à violência na. Foi ainda criado um grupo de sexual, ao planejamento familiar, à trabalho para análise e elaboração prevenção de câncer de colo de úte- de propostas para melhoria da qua- ro, de mama e de Doenças Sexual- lidade da atenção obstétrica e neo- mente Transmissíveis (DST). Além natal. 37 Este conjunto de ações con- disso, a meta do governo é reduzir vergiu para a apresentação da Polí- em 25% a taxa de mortalidade ma- tica Nacional de Atenção Integral à terna nas capitais nos próximos qua- Saúde da Mulher (2004-2007).38 35 36 QUADRO 3 – Programas especiais: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 Proposições do governo Lula Programa Saúde e Prevenção nas Escolas Política de saúde de crianças e adolescentes trabalhar em conjunto com o Minis- Lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher para o período de 2004 a 2007 Atenção Integral à Saúde da Mulher/Redução dos coeficientes de mortalidade materna tério da Assistência Social na criação do Programa Nacional de Cuidadores dos Idosos, a fim de supri30 Folha de S. Paulo (maio/2003). 31 PTGM, 06/01/2004. Ampliação e aperfeiçoamento do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN Centros de Atenção Psicossocial (Caps) voltados para crianças e adolescentes (Capsi) O governo sancionou o Estatuto do Idoso e apresentou a proposta de Fatos produzidos na conjuntura Assinatura de portarias tratando da obrigatoriedade da notificação de óbitos de mulheres em idade fértil e da Comissão Nacional de Mortalidade Materna Pacto Nacional pela Redução dos índices de Morte Materna e Neonatal Criação do Consenso para o Controle do Câncer de Mama www.saude.gov.br, Brasília 02/02/2004. Radis 19, mar/2004, p.14. RADIS, n.5 abr/2004. http://portalweb01.saude.gov.br/saude. Acesso em 23/06/2004. 32 33 http://portalweb01.saude.gov.br/saude .Acesso em 29/06/2004. 34 Folha de S. Paulo (maio/2003); CFM (jan/2003). Radis (fev/2004), p.6. http://www.quadranews.com.br/index.php?materia=7423. 35 www.saude.gov.br , Brasília, acesso em 02/02/2004. Radis, n.6 (maio/2004). 36 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis . Acesso em maio 2003. 37 PTGM (jan/2004) e http://portal.saude.gov.br/saude/ Acesso em 08/03/2004. A Tarde (25/06/2004. p.3). 38 www.saude.gov.br , Brasília, acesso em 27/05/2004 114 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão QUADRO 3 – Programas especiais: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 (continuação) Com relação à saúde da criança e do adolescente, o MS buscou articular o Programa Saúde e Prevenção nas Proposições do governo Lula Fatos produzidos na conjuntura Saúde do Trabalhador Proposta de efetivar a implementação da RENAST e da Política Nacional de Saúde do Trabalhador DST/AIDS, além da educação sexual Aprovação do Estatuto do Idoso as DSTs e gravidez na adolescência.39 Saúde do idoso: atendimento integral nos serviços públicos e criação de centros de convivência Escolas ao Programa Nacional de Proposta de trabalho conjunto com o Ministério da Assistência Social Programa de reintegração dos idosos à sociedade Programa Nacional de Cuidadores de Idosos Capacitação de RH Direito a acompanhante em tempo integral em internamento Criação de Pólos de Capacitação e Educação Permanente para profissionais de saúde frente às necessidades do SUS Extensão do PROMED da graduação de medicina para as demais categorias profissionais da área de saúde Proposta de Código de Direitos dos Usuários do SUS Inquérito das condições de saúde bucal Povos indígenas e população negra Saúde mental/Ampliação dos CAP’s Programas preventivos contra dependência e uso de drogas Portadores de deficiência Controle do tabagismo Combate à desnutrição pelo Programa Bolsa-Alimentação Ações de controle da tuberculose nas escolas, como forma de prevenir Para a nutrição, tem buscado a ampliação e aperfeiçoamento do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (S ISVAN), através das seguintes medidas: instalação de sítios sentinelas que possam testemunhar o comportamento epidemiológico dos problemas e sua vinculação com marcadores de risco; monitoramento nutricional de cada usuário; mapeamento das endemi- Criação da portaria nº 70 em janeiro de 2004 as carenciais (anemia, hipovitami- Implantação de novas diretrizes para o modelo de atenção à saúde dos povos indígenas nose A e deficiência de iodo); aten- Projeto-de-lei criando o programa De Volta para Casa. terno e avaliação periódica do esta- Expansão no número de CAP’s no país do nutricional dos alunos da escola Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS – 2004 pública; monitoramento da produ- Restrição da propaganda de cerveja evolução qualitativa e quantitativa Descriminalização dos usuários de drogas da oferta e do consumo; implemen- ção às práticas de aleitamento ma- ção de alimentos e análise crítica da tação da Política Nacional de Ali- Sem identificação de notícias mentação e Nutrição com distribui- Campanhas Educativas ção de suplementos medicamento- MP 118 sos de sulfato ferroso para crianças Integração da atenção odontológica no PSF, aumento da assistência e de serviços especializados na área Aumento em 20% do financiamento para saúde bucal até o fim de 2003 assegurado via PABA de 06 a 18 meses, gestantes e mu- Realização de estudos e pesquisa em saúde bucal Continuidade do Levantamento Epidemiológico em saúde bucal no país tituição de maior controle através lheres que estão amamentando; insda A NVISA, a partir de julho de 2004, no que diz respeito à fortificação da farinha de trigo e de milho. 40 39 http://portalweb01.saude.gov.br/saude/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=8974. Acesso em 26/03/2004. 40 http://portal.saude.gov.br/saude. Acesso em 04/03/2004. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 115 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al Quanto à saúde do trabalhador, ações vêm sendo desenvolvidas pelo ços de saúde no SUS, com a execu- o MS tem como proposta efetivar a MS para dar continuidade às políti- ção em etapas, na Hemorrede Naci- implementação da Rede Nacional de cas referentes à A IDS. Dentre elas, onal, de ações referentes aos testes Atenção Integral à Saúde do Traba- está a descentralização dos recur- de amplificação e de detecção de lhador (RENAST), com implantação sos para prevenção da A IDS e outras ácidos nucléicos para HIV e HCV nas de novas unidades de saúde do tra- DSTs, em que as verbas seriam re- amostras de sangue de doadores. 46 balhador, cadastramento de unida- passadas diretamente do Fundo Na- Dois grandes grupos populacio- des subordinadas às secretarias es- cional da Saúde para os fundos es- nais têm merecido atenção especi- taduais de saúde, gestão dos muni- taduais e municipais, contando al do Governo: as gestantes e os cípios e criação de centros colabo- com o controle social dos Conselhos adolescentes. Assim, foi liberado radores, ligados a universidades, de Saúde. Além disso, organizações um financiamento maior para o laboratórios e instituições de ensi- não governamentais receberão parte combate à transmissão vertical e à no e pesquisa. da verba para melhorar a relação prevenção de modo geral. Para con- 41 44 Em relação à política de saúde ter o crescimento da doença entre para as nações indígenas, algumas adolescentes, o Ministério da Saú- propostas têm sido apresentadas: de lançou uma ofensiva objetivan- DOIS GRANDES GRUPOS ampliação da cobertura vacinal nas comunidades indígenas; construção POPULACIONAIS TÊM de 54 centros diagnósticos de tuberculose em áreas indígenas; for- MERECIDO ATENÇÃO mação de parcerias entre o Depar- ESPECIAL DO GOVERNO: tamento de Saúde do Indígena e Organizações da Sociedade Civil de AS GESTANTES E Interesse Público, em vez de convê- OS ADOLESCENTES nios. (ver Quadro 3). 42 o quadro epidemiológico do país têm sido tratadas com atenção pelo novo governo 43 (ver Quadro 4). Novas xa etária. Ídolos da juventude participaram de campanhas, principalmente na tevê, tentando passar uma posição mais afirmativa junto aos seus parceiros e salientando a importância na prevenção.47 O governo objetiva duplicar o uso de preservativos no país, aumentar o número de testes diagnósticos para o Vigilância epidemiológica Grandes endemias que compõem do o uso de preservativo nesta fai- HIV, e garantir o tratamento de toentre sociedade civil e governo no combate à AIDS.45 das as gestantes soropositivo.48 Em relação à tuberculose, o Mi- O governo pretende implantar a nistério da Saúde pretende utilizar hemovigilância em todos os servi- o DOTS (Diretly Observed Treatment, 41 http://portal.saude.gov.br/saude. Acesso em 05/03/2004. 42 Balanço das Ações do MS-2003. www.saude.gov.br , Brasília, acesso em 18/02/2004. 43 Radis (abr/2003); A Tarde (20/05/2003); CFM (jan/2003). www.saude.gov.br . Acesso em 01/07/2004. 44 Radis (abr/2003). 45 A Tarde (29/01/2003 e 31/01/2003). 46 www.saude.gov.br (PT GM n.112, jan/2004). 47 A Tarde (08/01/2003 e 14/02/2003); Radis (mar/2003); Folha de S. Paulo (05/07/2003); www.saude.gov.br. Acesso em 09/02/2004. 48 Balanço das Ações do MS – 2003. www.saude.gov.br . Acesso em 11/05/2004. 116 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão Short course), uma nova estratégia de tratamento supervisionado da tuberculose, com base em cinco pilares: vontade e decisão política; acesso aos exames laboratoriais na rede do SUS; garantia de medicamentos; sistema de registro e informações QUADRO 4 – Vigilância Epidemiológica: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 Proposições do governo Lula Fatos correspondentes Descentralização das ações de vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental Descentralização dos recursos para prevenção da AIDS e outras DST Intensificação de ações de prevenção da AIDS/DST Implantação da hemovigilância no SUS. Proposta de duplicação de usuários de preservativos Intensificação da vacinação e do controle das doenças endêmicas Prevenção da febre amarela silvestre Combate à tuberculose Reestruturação do programa brasileiro de controle da hanseníase Campanhapara eliminar a hanseníase até 2005 Investimento de R$ 1 bi em saneamento nas regiões metropolitanas até 2007 Liberação de R$ 4,4 milhões para obras de saneamento Organizar um “ministério único” Criação e instalação Secretaria de Vigilância à Saúde Melhoria da atenção pré-natal e eliminação da transmissão vertical Financiamento maior para combate a transmissão vertical confiáveis e tratamento diretamente observado. Essa estratégia, além de ampliar as taxas de cura, com diminuição do abandono ao tratamento, evita o aumento da resistência medicamentosa, risco que tem crescido em todo o mundo. Com essas novas medidas, espera-se uma redução no número de mortes por tuberculose e a prevenção de novos casos. 49 Quanto à hanseníase, o governo pretende a reestruturação do programa com a meta de diminuir em QUADRO 5 – Vigilância Sanitária: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 30%, a cada ano, o número de ca- Proposição do governo Lula Fatos produzidos na conjuntura sos até 2005, através do envolvi- Descentralização das ações de vigilância sanitária Sem identificação de notícias mento de agentes comunitários de Criação de grupo interministerial para discutir transgênicos Criação de novas regras para o descarte de resíduos Reforçar a promoção da saúde, controlando a qualidade dos hospitalares alimentos, da água, dos medicamentos, dos serviços de saúde Resoluções da Anvisa para aumentar a segurança dos públicos e privados remédios Regulação de alimentos trangênicos Novas regras para o descarte de resíduos hospitalares saúde e de médicos do PSF na detecção precoce da doença. 50 Ressaltando a importância da atenção à saúde integral e coordenada entre os diversos setores que compõem o MS, cabe destacar a criação da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), cujo propósito é possibilitar o aprimoramento, o combate e a prevenção de doenças no âmbito do Intensificar o controle das fraudes, adulterações, concorrência desleal e incompetência técnica no interesse do consumidor e do produtor Constituir um efetivo Sistema Nacional de Vigilância à Saúde com as ações integradas de vigilância epidemiológica, ambiental e sanitária Discussão de estratégias de combate à falsificação de medicamentos Criação da Secretaria de Vigilância em Saúde SUS, além de subsidiar com informações epidemiológicas a elabora- nova secretaria pretende fortalecer a um dos entrevistados: “Na área de ção de políticas públicas de saúde e vigilância epidemiológica com a reu- vigilância epidemiológica, o que eu fomentar a avaliação do impacto de nificação dos programas e ações hoje acho importante é (...) o conceito de programas e ações do ministério. A pulverizadas no MS, como destaca vigilância à saúde” (Entr.2). 51 49 Informe Saúde , Ano VII, n.205 (4a semana de mar/2003). 50 Balanço das Ações do MS – 2003. 51 CFM (jan/2003); http://www.fiocruz.br/ccs/revista/n2_jun03/sergio_arouca.htm. Entrevista 26/06/2003) – Entr.6. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 117 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al Vigilância Sanitária A nova gestão iniciou a implementação de novas medidas de Vigilância Sanitária (Quadro 5), criando um grupo interministerial composto por sete ministros para discutir a questão dos transgênicos. No entanto, poucos meses depois, em mais uma ação polêmica, foi liberada a comercialização da safra de qualidade e eficácia dos mesmos. 53 frente às áreas de risco (...) e às Publicou, via resolução RDC n.33/ áreas de piores condições de vida, 03, a nova classificação de resídu- com medidas de impacto de promo- os hospitalares e as novas regras ção à saúde” (Entr.2). para o acondicionamento e descarte desses resíduos.54 Vale ressaltar que, embora algumas ações tenham sido realizadas para o controle de riscos, não foram observadas medidas efetivas contra Assistência farmacêutica O MS iniciou a execução de ações para melhorar a assistência farmacêutica à população (Quadro 6). Uma das medidas implementadas os determinantes: “o que vai conti- soja transgênica, o que gerou pro- consiste no aumento do financia- nuar sem se conseguir é o impacto testos por parte do Greenpeace. Se- mento federal per capita de R$1,00 sobre os determinantes da saúde”. para R$2,00 nas cidades onde o Pro- gundo esta ONG, o produto não foi jeto Fome Zero já está sendo implan- devidamente testado, o que não dá tado. Outra corresponde à Lei respaldo à sua liberação.52 10.742/03 e estabelece que, a partir O primeiro semestre de 2003 foi EM MAIS UMA AÇÃO POLÊMICA, marcado por uma série de escândalos na indústria farmacêutica e FOI LIBERADA A COMERCIALIZAÇÃO o relato de casos de cegueira e morte pelo uso de medicações irre- DA SAFRA DE SOJA TRANSGÊNICA, gulares, como o colírio Methy Lens O QUE GEROU PROTESTOS POR Hipoc e o contraste Celobar. Como PARTE DO GREENPEACE conseqüência de muitos lotes de de 2004, o ajuste de preços só ocorrerá uma vez por ano, sempre no mês de março, obedecendo a critérios definidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Em relação à política de medicamentos, outras medidas podem ser mencionadas tais como cri- medicamentos terem sido identifi- ação da farmácia popular, investi- cados com irregularidades e dos mento na produção dos laboratóri- laboratórios terem sido ameaçados os oficiais, aumento do repasse para de perder as suas licenças de fun- Parte dessas intervenções poderia a assistência farmacêutica básica e cionamento, a ANVISA , através da ser realizada mediante ações inter- flexibilidade das patentes dos remé- publicação de 18 resoluções, trou- setoriais em saúde, como afirma o dios.55 A auto-suficiência em medi- xe novas regras para o registro e a mesmo entrevistado: “(...) a saúde camentos básicos, hemoderivados e comercialização dos medicamentos precisa muito da intersetorialida- vacinas é, também, uma meta do visando aumentar a segurança, de”. Ele reforça que “trabalharia governo. 56 Já os medicamentos ge- 52 A Tarde (19/02/2003 e 07/05/2003). 53 A Tarde (07/06/2003); IstoÉ, p.44 a 46 (22/06/2003). 54 A Tarde (07/03/2003); Saúde Brasil, n.84 (03/2003). 55 A Tarde (31/01/2003; 02/02/2003; 02/03/2003; 18/05/2003; 30/05/2003; 12/06/2003; 23/06/2003); Folha de S. Paulo (25/03/2003); IstoÉ (30/04/2003); CFM (01/03/2003); Informe Saúde ano VII, n.199 (fev/2003). Balanço das Ações do MS – 2003. www.saude.gov.br ; Brasília, acesso em 17/05/2004. A Tarde (9/6/2004 e 11/6/2004). Folha de S. Paulo (08/06/2004). www.anvisa.gov.br. 56 A Tarde (22/02/2003); www.ensp.fiocruz.br/public/radis. Acesso em 04/03/2003. 118 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão néricos, continuam a enfrentar um Neste contexto, o papel da ANS constata-se que os fatos ocorridos lobby cujo objetivo, ainda que dis- passou a ser rediscutido, já que o não aparentam uma relação direta simulado, é reduzir sua credibilida- governo menciona a necessidade de com a ação do MS, expressando a de. Além de não terem alcançado a rever o papel das agências regula- ausência de proposições consisten- taxa de venda esperada pelo merca- doras que, segundo o ministro da tes do então candidato à presidên- do, os mesmos sofrem concorrência Saúde, teriam assumido tarefas ex- cia da República em relação aos dos de marca, que algumas vezes clusivas de governo. No Quadro 7, planos privados. 60 chegam a ser mais baratos que os próprios genéricos. 57 QUADRO 6 – Assistência Farmacêutica: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 Assistência Médica Suplementar Dentre os diversos fatos referentes à Saúde Suplementar ocorridos nessa conjuntura, destaca-se a ins- Proposições do programa de governo Lula Fatos produzidos na conjuntura Estímulo à criação de farmácias populares e fortalecimento de laboratórios oficiais Proposta de ampliação da assistência farmacêutica e de auto suficiência em medicamentos Implantação de farmácias populares Realização de ampla discussão com a sociedade sobre a Lei Defesa da flexibilidade das patentes dos remédios de Patentes e suas conseqüências talação de uma CPI com o objetivo de investigar irregularidades na prestação de serviços por empresas e instituições privadas de pla- Avaliação do MS sobre composição dos preços comercializados no país a fim de evitar aumentos abusivos Liberação de preços de remédios que não exigem receita médica e prorrogação do ICMS para medicamentos utilizados em doenças crônicas e raras Alteração do ICMS para medicamentos utilizados em doenças crônicas e raras. Lei 10.742/03 Reformulação e ampliação dos genéricos Sem identificação de notícias. nos de saúde, além de descobrir por que as mesmas são campeãs em reclamações dos usuários junto ao Instituto de Defesa do Consumidor (I DEC).58 Levantou-se a discussão em torno da dívida das QUADRO 7 – Assistência Médica Suplementar: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 empresas da saúde suplementar pelo não-ressarcimento ao SUS do Proposições do programa de governo Lula Fatos produzidos na conjuntura Regulação das ações e serviços suplementares Instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos planos de saúde pela Câmara dos Deputados. Revisão do papel de agências reguladoras Divulgação de resultados de pesquisa sobre planos de saúde pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). atendimento de seus clientes na rede pública, bem como a necessidade de a CPI adquirir dados mais completos por meio do acesso às planilhas de custos das maiores Controle Social empresas. Questionou-se, ainda, a Nacional de Saúde (CNS), em conjunto com o MS, planeja a criação de um importância de se desenvolver um O controle social no SUS tem tido melhor fluxo dessas informações perspectivas de fortalecimento (Qua- Código de Direitos dos Usuários do de forma permanente. 59 dro 8). Nesse contexto, o Conselho SUS, o desenvolvimento de uma ou- 57 A Tarde (18/02/2003; 25/01/2003; 18/05/2003). 58 CFM (06/03/2003; 07/03/2003). CFM, Ano XVIII, n.143 (05/03/2003; 06/03/2003). 59 CFM (06/03/2003; 07/03/2003); Folha de S. Paulo (31/05/2003; 24/02/2003). 60 CFM (07/03/2003); Veja (03/03/2003). A Tarde (03/03/2003; 25/01/2003). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 119 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al vidoria e o estabelecimento de puni- lecer a gestão democrática do SUS. ras de planos de saúde (Entr.3); au- ções para os transgressores. O códi- O MS também já aprovou a conti- mentar sua participação nos PSF e go pretende seguir os moldes do Có- nuidade e a ampliação da capaci- voltar mais sua atenção para os digo de Defesa do Consumidor e visa tação de novos conselheiros de pequenos municípios (Entr.4); au- melhorar a qualidade do atendimen- saúde. Além disso, realizou-se a mentar os quadros dos hospitais de to ao usuário, conferindo-lhe esclare- XII Conferência de Saúde Sérgio pequeno porte, especialmente os lo- cimentos sobre os seus direitos. Arouca, em caráter extraordiná- calizados nos pequenos municípios rio, da Conferência Nacional de (Entr.6); melhorar a administração cretaria de Gestão Participativa que Saúde Bucal e da II Conferência da saúde e dos recursos com ênfase visa maior relação entre o gover- Nacional de Ciência, Tecnologia & para a área preventiva (Entr.7). no e a sociedade, buscando forta- Inovação em Saúde. 61 Houve também a criação da Se- 62 63 Enfatizam, ainda, diferentes aspectos da política de saúde, com QUADRO 8 – Controle social: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004 pontos convergentes, tais como a implantação do PSF e a melhoria da Proposições do programa de governo Lula Fatos correspondentes atenção à assistência básica. Con- Ampliação e Fortalecimento do Controle Social. Código de Direitos dos Usuários do SUS, Capacitação de Conselheiros Criação da Secretaria de Gestão Participativa tudo, alguns deram prioridade a Realização da 12ª Conferência Nacional de Saúde Sergio Conferências de Saúde como prática regular para avaliação Arouca (2003), da Conferência Nacional de Saúde Bucal e da situação de saúde da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (2004) Posição de dirigentes de instituições públicas de saúde e pesquisadores da área de saúde coletiva face à conjuntura outros tópicos: melhorar o SUS (Entr.1), com destaque para a acessibilidade e o trabalho em áreas de risco (Entr. 2); fiscalização das 115 faculdades de medicina do Brasil (Entr.3); intervenção na mortalida- prescindíveis: fazer mais pesquisas de infantil através da vacinação e voltadas para as necessidades do de medicina preventiva (Entr.4); reor- SUS (Entr.1); garantir a integralida- ganização dos sistemas de referência de do SUS, equacionar os pontos re- e contra-referência (Entr.5); implemen- ferentes à promoção da saúde e in- tação da reforma psiquiátrica, altera- tervir nas causas (Entr.2); estabele- ção da situação dos hospitais univer- cessidades da população brasileira. cer um plano de carreira para o sitários, mudanças na atenção da ur- Para um entrevistado em particular, médico que vai trabalhar no SUS, gência e emergência, integração das “o que pode existir são lacunas, na uma relação trabalhista estável para ações de vigilância epidemiológica, medida em que o programa não pode os médicos que estão fazendo parte ambiental e sanitária e fortalecimen- cobrir todos os aspectos que poderi- dos PSF, o embargo da abertura de to dos espaços de controle social e am ser abordados” (Entr.6). novas faculdades de medicina, o participação popular (Entr.6). De modo geral, os entrevistados concordaram que as propostas do Governo Lula estão refletindo as ne- Contudo, muitos deles acrescen- respeito à emenda 29 e o reajuste As limitações de ordem econômi- tam pontos que consideram im- das tabelas do SUS e das operado- ca, como dificuldades de captação 61 Folha de S. Paulo (06/02/2003); Informe Saúde (02/03/2003). 62 www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (Acesso em 04/03/2002), www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (Acesso em 03/03/2003). 63 Brasil. Ministério da Saúde. Saúde no Brasil. Contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília, 2004. 306p. 120 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão e distribuição de recursos para a suas informações são orientadas gir a uma unidade da Federação, ain- saúde, foram os itens mais citados pela política editorial do jornal, en- da que um deles exerça à época da pelos entrevistados como obstácu- quanto os documentos oficiais e as entrevista um cargo dirigente no Mi- los à implementação das propostas informações contidas em sites ten- nistério da Saúde e outro já tenha sido do governo na saúde. Ainda relati- dem a revelar fatos de interesse do ministro da Saúde. Cumpre ressal- vo aos aspectos econômicos, há o governo ou suas versões. Contudo, tar que os demais, mesmo morando relato de alguns entrevistados de que o confronto entre as informações e atuando em nível estadual, têm o governo favorece a política eco- obtidas, a partir de documentos téc- expressão nacional e são personali- nômica em detrimento do social. nicos e oficiais, e as divulgadas dades capazes de fornecer uma vi- Também os aspectos de ordem ad- através da mídia, além da opinião são menos fragmentada da realida- ministrativa (tempo despendido com de entrevistados, podem, de algum de, além de se encontrarem inseri- a organização da equipe política e modo, reduzir a possível tendencio- dos no processo político de saúde do reestruturação do Ministério da Saú- sidade dessas fontes. país. Essas personalidades podem de), limitaram a implementação das ser consideradas integrantes de uma políticas, segundo acreditam alguns “comunidade de atores” ( VIANA , entrevistados. Outros aspectos foram 1997), ou seja, atores sociais que, citados isoladamente, dentre eles a enquanto sujeitos (individuais ou lentidão na implementação de outras PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DA políticas sociais necessárias à imple- político em saúde (TESTA , 1997). gilidade dos mecanismos de regula- REPÚBLICA, TODOS OS CANDIDATOS À ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2002 ção, controle, avaliação e auditorias; APRESENTARAM PROPOSTAS VOLTADAS impôs uma busca exaustiva dos o grau de educação da população bra- PARA O FORTALECIMENTO DO SUS fragmentos do discurso, tanto nos mentação de medidas de saúde; a fra- sileira; e a falta de um mecanismo coletivos), participam do processo Quanto à análise, o recurso às matrizes e às unidades temáticas textos publicados quanto nas entre- direto de comunicação na cadeia hie- vistas transcritas, evitando-se que rárquica que torne as decisões e o certos fatos ou representações dos retorno das ações mais ágeis. entrevistados fossem privilegiados DISCUSSÃO No caso das entrevistas, é possí- em detrimento de outros. Assim, o vel a ocorrência de situações em que estudo revela a riqueza da conjun- o entrevistado não esteja atualizado tura examinada e aponta fatos de Ao se utilizar como fonte de da- acerca do tema, exibindo inconsis- grande importância para as políti- dos publicações técnicas e oficiais, tências em seu depoimento. Daí te- cas de saúde no Brasil. mídia e entrevistas com atores soci- rem sido selecionadas pessoas de De início, cabe ressaltar que, pela ais, cabe considerar possíveis limi- diferentes inserções político-institu- primeira vez na história da Repúbli- tações metodológicas. No caso da cionais visando contornar tais difi- ca, todos os candidatos à eleição pre- mídia, embora possibilite trazer culdades. Mesmo assim, certa obje- sidencial de 2002 apresentaram pro- para a esfera pública parte do que ção pode ser levantada pelo fato de a postas voltadas para o fortalecimen- ocorre nos bastidores da política, maioria dos entrevistados se restrin- to do SUS,64 com eqüidade, integra- 64 Coligação Lula Presidente, 2002; Coligação Frente Trabalhista, 2002; Coligação Grande Aliança, 2002; Coligação Frente Brasil Esperança, 2002. www.lula.org.br/assets/caderno_saude.pdf. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 121 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al lidade e participação social, embora Foram mantidos programas espe- dades e agravos, tais como violên- já se ressaltassem as restrições im- ciais, referentes ao tabagismo e à cia e as doenças crônico-degenera- postas pela política econômica como A IDS, mas não foram encontrados fa- tivas que ocupam lugar de desta- um dos grandes desafios para a con- tos que evidenciassem a atenção à que dentre as causas de mortalida- cretização do Sistema Único de Saú- população negra e aos portadores de de (BARRETO & C ARMO, 2000), mere- de (BRASIL , 2002). Assim, as políticas deficiência, propostas no programa cendo, também, uma atenção da de saúde nos primeiros meses do de governo. Quanto à mulher, verifi- Vigilância em Saúde. Governo Lula viveram essa contra- cou-se um esforço do governo em Com base na Política Nacional de dição: enquanto o Ministério da Saú- enfrentar a mortalidade materna e Medicamentos (BRASIL, 1999), que de buscava concretizar o programa formular uma política específica. visa garantir a necessária seguran- setorial do governo, este impunha No que diz respeito à tuber- ça, eficácia e qualidade dos medi- restrições financeiras, a exemplo do culose, as medidas adotadas com camentos, a promoção do uso raci- maior contingenciamento em termos base no DOTs procuram evitar a re- onal e o acesso da população àque- absolutos entre os ministérios (1,6 les considerados essenciais, o gover- bilhões de reais) e cortes no orçamen- no mostrou-se disposto a cumprir to atingindo a área social, como Saú- estes propósitos, baixando portari- de, Educação, Trabalho e Assistência Social.65 A inclusão de 3,5 bilhões as que aumentam a fiscalização e O FINANCIAMENTO CONTINUA o controle dos medicamentos. Além da Saúde de 2004 representou uma SENDO UM ENTRAVE PARA A MELHORIA disso, fez cumprir a lei já existen- forma de burlar a EC-29 e a Resolu- DA SAÚDE, COMPROMETENDO A de reais do Fome Zero no orçamento ção 316 do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2002), revelando que o PREMISSA BÁSICA DO SUS: A UNIVERSALIZAÇÃO financiamento continua sendo um entrave para a melhoria da saúde, com- te, penalizando os laboratórios irregulares; buscou a ampliação de laboratórios oficiais e criou as farmácias populares. Em uma avaliação realizada pelo Conselho Nacional de Saúde prometendo a premissa básica do (CNS), destacou-se como desafio SUS: a universalização. para o desenvolvimento do SUS a Entretanto, as ações referentes à atenção básica demonstraram o sistência medicamentosa e aumen- subordinação das agências regula- compromisso do governo com a tar a adesão do paciente ao trata- doras, como a ANS, às instâncias manutenção de uma das principais mento. É preciso, no entanto, asse- gestoras públicas, mesmo se tratan- políticas de saúde da gestão passa- gurar a cobertura de atenção para do de autarquias especiais (BRASIL, da, independente de questões parti- os casos já diagnosticados, viabili- 2002). Contudo, o governo tem-se dárias. Com a implantação do PRO- zando o sucesso desta intervenção. mostrado omisso ou tímido em re- e aumentando as equipes de saú- Embora as ações sobre as doen- lação ao controle e regulação da de bucal (ESB), o governo visa am- ças transmissíveis sejam justificá- saúde suplementar. Após o Supre- pliar a assistência, e estimular a veis, a análise do perfil epidemioló- mo Tribunal Federal decidir em 2003 mudança das práticas de saúde. gico do país aponta outras enfermi- que os usuários de planos de saú- ESF 65 A Tarde (12/02/2003). 66 Folha de S. Paulo, 3/10/2004, p.A5. 122 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão de, com contratos anteriores à Lei tivos inversamente proporcionais às B ARRETO , Maurício Lima & C ARMO, 9.656, não teriam as garantias des- vulnerabilidades sociais; multipli- Eduardo Hage Determinantes das ta lei, o governo estabeleceu um cação das oportunidades de capa- condições de saúde e problemas pri- programa de mudança dos contra- citação, progressão funcional e edu- oritários no país. In: Cadernos da tos antigos para a migração dos usu- cação permanente; proteção social 11a. Conferência Nacional de Saúde. ários, enquanto as operadoras che- do trabalhador e regulação públi- Brasília, DF: Ministério da Saúde, garam a apresentar em 2004 índices ca das especialidades a partir das Conselho Nacional de Saúde, 2000. de reajuste de até 85%. Só depois que necessidades de saúde da popula- p.235-259. decisões nos âmbitos estaduais da ção e do SUS; estabelecer modali- Justiça determinaram um limite de dades de cooperação entre trabalho 11,75%, o governo conseguiu uma profissional de saúde e ações de vo- liminar federal contra operadoras e luntariado do terceiro setor em a ANS passou a multá-las.66 benefício da população e não para B RASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Medicamentos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1999.40p. Por fim, no que se refere ao con- mascarar a desvinculação e pre- . Ministério da Saúde. trole social, observa-se um saldo carização ocupacional ( ABRASCO & Conselho Nacional de Saúde. O De- positivo visto que o governo já to- C EBES, 2002, p.293). senvolvimento do Sistema Único de mou medidas relativas a propostas Enfim, as políticas de saúde dos Saúde: avanços, desafios e reafirma- de campanha, voltadas para a par- primeiros 18 meses de Governo Lula, ção de seus princípios e diretrizes. ticipação popular na gestão do SUS. ainda que coerentes com o progra- Brasília, DF: Ministério da Saúde, A realização de conferências de saú- ma do candidato e com a Reforma 2002. 72p. (Série B. Textos Básicos de e o compromisso do ministro da Sanitária Brasileira (PAIM, 2002), so- de Saúde). Saúde de acatar as suas proposições freram fortes constrangimentos polí- . Ministério da Saúde. 1 o são fatos importantes para o desen- ticos e econômicos, revelando o ca- Semestre de 2003. Balanço das Ações. volvimento de políticas de saúde de ráter contraditório da composição do [s.l.]: Ministério da Saúde. 2003a. 24p. caráter democrático. governo e a ambigüidade das políti- Em relação aos recursos huma- cas públicas implementadas,67 ado- nos, um ponto destacado pelos en- tando decisões que contrariavam a trevistados foi a falta de uma polí- proteção da saúde, como as MPs que tica específica que atenda às neces- flexibilizaram a propaganda de cigar- sidades do SUS e de um plano de ros e liberaram a soja transgênica. carreira para os profissionais da SUS – 15 anos de implantação: desafios e propostas para sua consolidação. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2003b. 23p. (Série B. Textos Básicos de Saúde) – (Série Políticas de Saúde). REFERÊNCIAS saúde integrados ao PSF, objeto de . Ministério da Saúde. B USTAMENTE, Fernando. & POR TALES, reiteradas propostas do movimento sanitário tais como: estabeleci- A BRASCO & CEBES. Em Defesa da Saú- Carlos. Evaluación de Políticas y mento de Plano de Carreira, Cargos de dos Brasileiros. Saúde em Deba- Programas de Salud. In: OPS/CLAD. e Salários para o SUS com admi- te, Rio de Janeiro, v.26, n. 62, 2002. Políticas de Salud en América nistração descentralizada e incen- p.290-294. Latina. Aspectos Institucionales de 66 Folha de S. Paulo, 3/10/2004, p.A5. 67 Folha de S. Paulo (07/05/2003). Radis,16:7, dezembro de 2003. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 123 MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al su Formulación, Implementación y Onocko, R. Agir em saúde: um de- 2. LISTA DOS ENTREVISTADOS Evaluación. Caracas, VE: [s.n.], safio para o público. São Paulo, E RESPECTIVOS CARGOS 1988. p. 79-120. Buenos Aires: Hucitec, Lugar Edito- CONSELHO NACIONAL DE S AÚDE.Resolução rial, 1997. p.17-70. 1. Hugo da Costa Ribeiro Júnior – Diretor do Hospital Universitário Pro- No. 316, de 4 de abril de 2002 ( dire- VIANA, Ana Luiza d’Ávila. Enfoques trizes acerca da aplicação da Emen- metodológicos em políticas públi- da Constitucional No. 29, de 13 de cas: novos referenciais para o estu- setembro de 2000 - EC29). In: Brasil. do de políticas sociais. In: Canesqui, Programa de Pós-graduação em Saú- Ministério da Saúde. Conselho Naci- Ana Maria Ciências Sociais e Saú- de Coletiva da Universidade Federal onal de Saúde. O Desenvolvimento de. São Paulo, Rio de Janeiro: Huci- da Bahia. do Sistema Único de Saúde: avan- tec, Abrasco, 1997. p. 205-215. ços, desafios e reafirmação de seus 2. Inês Dourado – Coordenadora do 3. Jecé Brandão – Presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia. princípios e diretrizes. Brasília, DF: ANEXOS Ministério da Saúde, 2002. p.49-59 (Série B. Textos Básicos de Saúde). fessor Edgard Santos (HUPES/U FBA). 1. ROTEIRO DAS ENTREVISTAS 4. Jorge Solla – Secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. MINAYO , Maria Cecília de Souza (Org) Que pontos da política de saúde 5. Ligia Maria Vieira da Silva – Dire- Pesquisa social: teoria, método e proposta pelo Governo Lula diver- tora do Instituto de Saúde Coletiva criatividade. 5 ed. Petrópolis, RJ: gem das reais necessidades da po- (ISC/UFBA). Vozes, 1994.80p. pulação brasileira? OXMAN, Gastón. Evaluación de Políti- Que medidas não constam no cas de Salud. In: OPS/CLAD. Políticas Programa de Saúde do Governo de Salud en América Latina. Aspec- Lula e o(a) senhor(a) adotaria tos Institucionales de su Formulaci- como política de saúde para a po- ón, Implementación y Evaluación. pulação brasileira? Caracas, VE: [s.n.], 1988. p.53-78. Dentre as medidas propostas no P AIM, Jairnilson Silva. Saúde, Políti- Programa de Saúde do Governo Lula, ca e Reforma Sanitária. Salvador, quais teriam a implementação prio- BA: CEPS-ISC, 2002. 446p. rizada pelo senhor(a)? . Políticas de Saúde no Bra- Nesses seis primeiros meses de sil. In: Rouquayrol, Maria Zélia & governo, quais fatores o senhor(a) Almeida Filho, Naomar de Epidemi- identificou como obstáculos à im- ologia & Saúde. 6 ed. Rio de Janei- plementação do programa de saú- ro: Medsi, 2003. p. 587-603. de proposto? 6. Roberto Santos – Ex-ministro da Saúde, Presidente do CNPq, Reitor da UFBA, Secretário de Saúde da Bahia, Governador do Estado, Deputado Federal, fundador da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), além de Professor Catedrático de Clínica Médica e Pesquisador da Faculdade de Medicina da UFBA. 7. Sebastião Dias – Secretário de Saúde do Município de Santo Amaro, Bahia. AGRADECIMENTOS S OUZA, Celina. Governos e socieda- Quais medidas do referido pro- des locais em contextos de desigual- grama foram ou estão sendo imple- Os autores agradecem aos entre- dades e de descentralização. Ciên- mentadas nos seis primeiros meses vistados que gentilmente acolheram cia & Saúde Coletiva, Rio de Janei- de Governo Lula? a solicitação para colaborarem com ro, 2002, v.7, n.3, 2002. p. 431-442. Qual o impacto da política de saú- T ESTA, Mario. Análisis de institucio- de implantada pelo governo até o nes hipercomplejas. In: Merhy & momento em sua prática de trabalho? 124 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005 o presente estudo, contribuindo com informações e reflexões. A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional Healthy Food and Health Promotion in the Context of Food and Nutrition Safety Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro1 Recebido: 23/09/05 Modificado: 17/04/06 Aprovado: 02/05/06 RESUMO A taxa mundial de doenças não transmissíveis aumentou rapidamente no Brasil: 40% da população brasileira adulta têm excesso de peso. A natureza da problemática nutricional requer ações para tratar a má-nutrição em sua globalidade, seja a manifestada pela carência ou pelo desequilíbrio no consumo energético. A Política Nacional de Alimentação e Nutrição pode contribuir efetivamente para este debate intersetorial. Destaca-se a importância do papel da promoção da saúde, para a garantia de segurança alimentar e nutricional. PALAVRAS-CHAVE: Programas e Políticas de Nutrição e Alimentação; Promoção da Saúde; Obesidade. ABSTRACT The rates of noncommunicable diseases have grown up quickly in Brazil: Nutricionista e Sanitarista, Especialista em Terapia Nutricional e Mestre em Saúde Publica (UFSC); Consultora Técnica da Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição, Departamento de Atenção Básica (Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde). Pesquisadora Associada do Observatório de Políticas em Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. 1 recent statistics showed that 40% of the adult population is overweight. This complex nutritional problem demands joint actions capable to encompass bad nutrition in all of its aspects, preventing underweight and obesity in an integrated approach. The National Food and Nutrition Policy can contribute effectively to this cross-sector dialogue. The role of heath promotion should be highlighted in order to guarantee food and nutritional safety. KEYWORDS: Nutrition Programmes and Policies; Food and Nutritional Safety; Health Promotion; Obesity. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 125 DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo A alimentação e a nutrição constituem requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde, possibilitando a afirmação plena do potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania (B RASIL, 1999). A alimentação saudável não se delineia enquanto uma ‘receita’ preconcebida e universal para todos, pois deve respeitar alguns atributos coletivos específicos e individuais impossíveis de serem to acessível e de fácil produção em várias regiões brasileiras. c) Sabor. A ausência de sabor é outro tabu a ser desmistificado, pois uma alimentação saudável é, e precisa pragmaticamente ser, sa- f) Harmonia. Em termos de quantidade e qualidade dos alimentos consumidos, para o alcance de uma nutrição adequada, considerando-se os aspectos antropológicos e socioculturais; borosa. O resgate do sabor como g) Segurança sanitária. Do pon- um atributo fundamental é um in- to de vista de contaminação físico-quí- vestimento necessário à promoção mica e biológica e dos possíveis ris- da alimentação saudável. cos à saúde. Destacando-se a necessi- d) Variedade. O consumo de diferentes grupos de alimentos ajuda dade de garantia do alimento seguro para o consumo da população. massificados. Contudo, identifi- Uma alimentação saudável deve cam-se alguns princípios básicos basear-se em práticas alimentares que devem reger esta relação en- com significação social e cultural. tre as práticas alimentares e a pro- A alimentação se dá em função do U MA ALIMENTAÇÃO DEVE BASEAR-SE EM moção da saúde e a prevenção de doenças (P INHEIRO et al , 2005). Os atributos básicos para uma PRÁTICAS ALIMENTARES alimentação saudável devem ser: a) respeito e valorização das práticas alimentares culturalmen- sivamente de nutrientes. Os alimentos têm gosto, cor, forma, aroma e textura e todos estes componentes COM SIGNIFICAÇÃO precisam ser considerados na abor- SOCIAL E CULTURAL dagem nutricional. Embora os nu- te identificadas. O alimento tem sig- trientes sejam importantes, os alimentos não podem ser resumidos a nificações culturais diversas que veículos destes. Os alimentos trazem precisam ser percebidas e privilegiadas. A busca da soberania alimen- consumo de alimentos e não exclu- significações antropológicas, socioa contemplar o elenco de nutrientes culturais, comportamentais e afeti- necessários para o organismo, evi- vas singulares, portanto, o alimen- tando a monotonia alimentar que to enquanto fonte de prazer e identi- b) Acessibilidade física e finan- pode limitar o acesso a todos os dade também compõe esta aborda- ceira. As práticas de marketing nutrientes necessários a uma ali- gem (PINHEIRO et al, 2005). muitas vezes vinculam a alimen- mentação adequada. tar deve ser fortalecida por meio deste resgate; tação saudável ao consumo de ali- e) Cor. Usar este elemento como Tradicionalmente, o conceito de ‘alimentação saudável’ foi desenha- mentos industrializados especiais forma de garantir a variedade, prin- do com enfoque especifico na dimen- e não privilegiam os alimentos não cipalmente em termos de vitaminas são biológica, contudo entende-se processados e menos refinados e minerais, e também a apresenta- que este enfoque é um dos compo- como, por exemplo, a mandioca, ção atrativa das refeições, destacan- nentes que integram este complexo que é um (tubérculo) alimento sa- do o incentivo ao aumento do con- conceito que não se restringe e en- boroso, nutritivo, popular, de cus- sumo de frutas, legumes e verduras. volve uma complexidade de outras 126 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional dimensões – sociais, econômicas, los de desenvolvimento socioeconô- Sob este enfoque, alguns aspec- afetivas, comportamentais, antropo- mico dos países. A transição nutri- tos merecem destaque e análise lógicas e ambientais. cional é um processo de modifica- como: 1) o papel do gênero neste Os aspectos antropológicos da ções seqüenciais de perfil nutricio- processo, quando a mulher assume alimentação são fundamentais, pois nal, condicionado pelas possibilida- uma vida profissional extradomicí- determinam as escolhas alimentares des de escolha e seleção de alimen- lio, porém continua acumulando a e podem ser observados na forma tos que determinam o padrão ali- responsabilidade sobre a alimenta- de manutenção cotidiana ou de es- mentar de grupos populacionais. ção da família – a atribuição femi- tratégias de sobrevivência das po- Assim, as mudanças socioeconômi- nina transita entre o ambiente do pulações, revelando suas represen- cas e demográficas, influenciam no trabalho e doméstico e, assim, se tações e práticas relativas ao con- modo de viver, adoecer e morrer coloca como um novo paradigma da sumo alimentar. Os hábitos e ideo- (processo saúde-doença) das popu- sociedade moderna que não tem cri- logias alimentares justificam as op- lações (PINHEIRO, 2004). ado mecanismos de suporte social ções alimentares adotadas por um para a desconcentração desta atri- grupo social e se colocam como di- buição enquanto exclusivamente mensões mediadoras, organizando feminina; 2) a modificação dos es- as práticas e a organização do consumo doméstico, ou mesmo estra- OS HÁBITOS E IDEOLOGIAS tégias de sobrevivência (CANESQUI , ALIMENTARES JUSTIFICAM AS 1994). Situações de privação também podem provocar alterações e OPÇÕES ALIMENTARES ADOTADAS POR UM paços físicos para o compartilhamento das refeições e nas práticas cotidianas para a preparação dos alimentos; 3)as mudanças ocorridas nas relações familiares e pessoais adaptações com características em- GRUPO SOCIAL E SE COLOCAM COMO com a diminuição da freqüência de blemáticas em práticas alimentares, DIMENSÕES MEDIADORAS... compartilhamento das refeições em conforme observações de Freitas família (ou grupos de convívio); 4) (2003) em um estudo etnográfico a perda da identidade cultural das realizado em uma comunidade de preparações e receitas com a chega- baixa renda em Salvador (BA). Ob- da do ‘evento social’ da urbaniza- servou-se que, na população estu- O Brasil também vem apresentan- ção/globalização e com isto o cres- dada, as pessoas se identificam com do, nas últimas décadas, transforma- cente consumo de alimentos indus- o consumo de ‘comida’ e não pro- ções socioeconômicas rápidas e pro- trializados, pré-preparados ou pron- priamente ‘alimentos’. A comida é fundas (urbanização acelerada e glo- tos, que respondem a uma deman- o alimento adequado para o consu- balização), com reflexos no perfil de da de identidade e praticidade; e 5) mo e, assim, quando questionadas, saúde de sua população. No campo a evidente desagregação de valores as mães diziam que as crianças não da saúde, a transição nutricional, sociais e coletivos que vêm cultu- tomavam leite pois “tomavam min- tal como a epidemiológica, apresen- ralmente sendo perdidos em função gau”. O alimento cozido foi a opção ta-se complexa e polarizada, com das modificações acima referidas. preferida para o consumo. diferentes segmentos socioeconômi- De acordo com Araújo et al (2005: Sob o ponto de vista da história, cos e territórios, mostando perfis p.13) o ato de comer revela aspec- as práticas alimentares também so- nutricionais substancialmente dife- tos sociais importantes: “Come-se freram alterações à luz dos mode- rentes e contraditórios (idem). conforme as normas da sociedade. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 127 DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo Hábitos interiorizam costumes. To- gênese. O alcance do estado nutrici- implementação de uma estratégia dos preferem sabores que suas mães onal adequado, de maneira indire- para a promoção de uma alimenta- lhe fizeram apreciar.” Nesta perspec- ta, pressupõe o encontro de alguns ção saudável passa, portanto, neces- tiva a ‘mesa’ simboliza o centro das fatores como produção, abasteci- sariamente, por torná-la viável em relações, sendo o ‘palco’ da organi- mento e comercialização, acesso e um contexto em que os papéis, os zação, crítica familiar, alegrias, dis- a utilização biológica dos alimen- valores e o sentido de tempo estão sabores e novidades. tos. Para a garantia de uma alimen- em constante mudança. Em síntese, uma alimentação tação saudável, é necessária condi- Este artigo tem como objetivo saudável deve ser entendida enquanto ção adequada para seu total apro- identificar a dimensão da alimenta- um direito humano que compreende veitamento e estas condições são ção saudável na promoção da saú- um padrão alimentar adequado às relativas às condições de vida como de, sob o contexto de Segurança Ali- necessidades biológicas e sociais dos trabalho, moradia, emprego, educa- mentar e Nutricional, estabelecendo indivíduos de acordo com as fases ção, saúde, lazer e outros. Assim, interfaces e apontando perspectivas do curso da vida. Além disso, deve entre estes campos, no âmbito de ser baseada em práticas alimentares políticas publicas. que expressem os significados socioculturais dos alimentos como fundamento básico conceitual. Sob o ponto de vista coletivo, uma alimentação saudável tornase adequada quando também com- UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DEVE SER ENTENDIDA ENQUANTO UM DIREITO HUMANO QUE COMPREENDE preende aspectos relativos à percep- UM PADRÃO ALIMENTAR ADEQUADO ÀS ção dos sujeitos sobre os modos de NECESSIDADES BIOLÓGICAS E vida adequados, ou seja, quando SOCIAIS DOS INDIVÍDUOS se identifica com as expectativas SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (SAN) E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO (DHAA): FUNDAMENTOS DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (BRASIL,1999), tem como fundamentos a Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à dos diferentes grupos sociais, que Alimentação Adequada. A promoção compõem a sociedade. Para isso, as de práticas alimentares saudáveis é dimensões de variedade, quantida- o objetivo principal desta política. de, qualidade e harmonia precisam este conceito tem como objeto a tra- Estes conceitos também são associar-se aos padrões culturais, jetória necessária, desde a produção compartilhados e estão sistemati- regionais, antropológicos e sociais até o consumo, do alimento, em to- camente presentes nas atuais dis- das populações. das as suas dimensões, e todas as cussões do Programa Fome Zero,1 No enfoque da Segurança Alimen- possibilidades que esta produção que tem como objetivo principal o tar e Nutricional, uma alimentação gera em termos de desenvolvimento combate à fome e a garantia da é saudável e adequada quando tra- sustentável e soberania alimentar. Segurança Alimentar e Nutricional zemos para a abordagem da saúde Na esfera das políticas públicas, outros fatores envolvidos em sua o grande desafio na formulação e por meio da inclusão social das populações de baixa renda. O Fome Zero é uma estratégia impulsionada pelo Governo Federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada, priorizando as pessoas com dificuldade de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e nutricional e contribui para a erradicação da extrema pobreza e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome. 1 128 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional O Bolsa Família 2 é o principal ter o acesso a outras necessidades A alimentação é reconhecida programa do Fome Zero. Na pers- básicas como saúde, educação, como um direito humano no Pacto pectiva de ampliação do acesso à moradia, trabalho, lazer etc., com Internacional sobre Direitos Econô- alimentação, além do Bolsa Famí- base em práticas alimentares que micos, Sociais e Culturais, de 1996, lia, os programas que compõem o contribuem, assim, para uma exis- do qual o Brasil é signatário, e que Fome Zero são: alimentação esco- tência digna em um contexto de de- foi incorporado à legislação nacio- lar, construção de cisternas, restau- senvolvimento integral da pessoa nal em 1992. Em 1999, o Comitê dos rantes populares, bancos de alimen- humana (BRASIL, 2004C ). Direitos Econômicos e Sociais das tos, distribuição de cestas de ali- O Conselho Nacional de Seguran- Nações Unidas explicita, no Comen- mentos, agricultura urbana/hortas 3 ça Alimentar e Nutricional (CONSEA) tário Geral 12, que “o direito a ali- comunitárias, sistema de vigilância tem em sua pauta de 2005 o tema mentação adequada é alcançado alimentar e nutricional, suplemen- da alimentação saudável como eixo quando todos os homens, mulheres tação de ferro e vitamina A, alimen- principal da discussão da SAN no e crianças, sozinhos, ou em comu- tação e nutrição de povos indíge- nidade, têm acesso físico e econô- nas, educação alimentar e para o mico, em todos os momentos, à ali- consumo, promoção da alimenta- mentação adequada, ou meios para ção saudável, alimentação do trabalhador e desoneração da cesta básica. Neste escopo de programas intersetoriais, aqueles que são integrantes da PNAN, no setor saúde, são o sistema de vigilância alimentar e nutricional, os programas de suplementação medicamentosa de A ALIMENTAÇÃO É RECONHECIDA COMO UM DIREITO HUMANO NO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, S OCIAIS E C ULTURAIS, DE 1996, DO QUAL O B RASIL É SIGNATÁRIO... sua obtenção”. O termo ‘adequação’ refere-se não exclusivamente a um pacote mínimo de calorias e outros nutrientes, mas também a condições sociais, econômicas, culturais, ambientais e outros, para a digna sobrevivência (B RASIL, 2005a). A SAN pressupõe a garantia do vitamina A e de ferro e a promoção Direito Humano à Alimentação Ade- da alimentação saudável. quada. Entende-se que os ‘Direitos A Segurança Alimentar e Nutri- Humanos’ são aqueles que os seres cional (SAN) é entendida como a Brasil, entendendo que o seu alcan- humanos possuem, única e exclu- garantia, a todos, de condições de ce na população brasileira é o prin- sivamente por terem nascido e se- acesso a alimentos básicos de qua- cipal resultado esperado para a con- rem parte da espécie humana. O Di- lidade, em quantidade suficiente, de cretude do direito humano a alimen- reito Humano a Alimentação Ade- modo permanente e sem comprome- tação adequada (B RASIL, 2005 C ). quada (DHAA) é um direito humano O Bolsa Família consiste em transferência direta de renda para famílias de baixa renda, segundo critério preestabelecido (pobreza e extrema pobreza). O recebimento do benefício é feito mediante o monitoramento e cumprimento de uma agenda de compromissos, pelos beneficiários (prioritariamente crianças e gestantes, CONSEA, 2004). A agenda de compromissos é relativa a algumas condicionalidades do setor da saúde e da educação, que precisam ser cumpridas pelos beneficiários. Todas as famílias devem manter crianças em idade escolar regulamente freqüentando a rede pública de ensino além de rotineiramente serem pesadas e medidas nos serviços de saúde. O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) é a condicionalidade exigida pelo setor saúde. 2 3 Órgão da Presidência da República, composto por representação em 2/3 de organizações da sociedade civil e 1/3 dos setores governamentais, que tem sua Secretaria Executiva operada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome do Governo Federal (2004-2007). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 129 DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo indivisível, universal e não discri- envolvido nesta temática, com uti- ção, considerando seus desequi- minatório, que assegura a qualquer lização de recursos orçamentários líbrios e carências. ser humano o direito a se alimentar e financeiros adequados de modo A inclusão da obesidade no con- dignamente, de forma saudável e mais eficiente, direcionando as ações texto da SAN agregou valor à dimen- condizente com seus hábitos cultu- que obedeçam a uma escala de pri- são qualitativa, em seu próprio con- rais (VALENTE, 2002). oridades estabelecidas em conjunto ceito. Neste enfoque, além das di- com o objetivo central da SAN. mensões de dignidade humana, Para a garantia do DHAA, o Estado é um dos principais atores, pois A 2ª Conferencia Nacional de Se- quantidade, regularidade e susten- precisa estabelecer políticas que, as- gurança Alimentar e Nutricional (II tabilidade, a qualidade da alimen- sim como o faz perante o direito a CNSAN) (BRASIL, 2004c) ocorrida, em tação torna-se também um objetivo saúde, melhore o acesso das pesso- Olinda (PE), em março de 2004, com a ser alcançado. Desta forma a ali- as aos recursos para produção ou 1.300 delegados de todas as regiões mentação saudável e adequada, in- aquisição, seleção e consumo de ali- do país, representando a sociedade corpora-se definitivamente à busca pela garantia da SAN. mentos. Essa obrigação se concretiza através da elaboração e implementação de políticas, programas e ações, ASSUME-SE QUE TANTO A que promovam a progressiva realização do direito humano à alimen- DESNUTRIÇÃO QUANTO A tação para todos, definindo claramen- A ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA PROMOÇÃO DA SAÚDE: INSERÇÃO E CONTRIBUIÇÃO No contexto da formulação e OBESIDADE SÃO RESULTANTES aprovação do Sistema Único de Saú- DE UMA MÁ- ALIMENTAÇÃO, de (SUS), a saúde passou a ser com- a SAN dão conseqüência prática ao CONSIDERANDO SEUS cidadania, fazendo-se importante direito humano à alimentação e nu- DESEQUILÍBRIOS E CARÊNCIAS te metas, prazos, indicadores, e recursos alocados para este fim. As ações voltadas para garantir preendida como dimensão social da espaço de luta coletiva, agregando- trição adequadas, extrapolando, se a outros movimentos da socieda- portanto, o setor saúde e alcançan- de civil e reclamando a universali- do também um caráter intersetorial zação do direito à saúde, estratégi- na perspectiva aliada da promoção civil organizada, governo, socieda- as de municipalização e o efetivo da saúde das populações. des científicas e comunidade acadê- controle social no sistema de saúde A premissa básica para o alcan- mica (universidades), revelou em (BRASIL , 2001). ce da SAN é a intersetorialidade. seu relatório final um aspecto im- O relatório final da 8ª Conferên- Enquanto diferentes setores de go- portante relativo ao entendimento do cia Nacional de Saúde (CNS 1986) verno, nas três esferas, e da socie- que é alimentação saudável no con- assumiu a saúde dade civil agirem isoladamente, não texto da SAN, ao considerar a obesi- teremos a possibilidade de construir dade juntamente como a desnutrição e operar uma Política Nacional de como manifestações de (In)segurança SAN. Somente a intersetorialidade Alimentar e Nutricional. pode garantir a ação coordenada e Assume-se que tanto a desnu- articulada de programas, projetos e trição quanto a obesidade são re- políticas existentes em cada setor sultantes de uma má-alimenta- 130 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 “como resultado dos modos de organização da produção no contexto histórico de uma sociedade e que deve ser conquistada pela coletividade em sua existência cotidiana, constituindo avanço sem precedentes na abordagem das questões sanitárias uma vez que apontava para a ruptura do A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional modelo centrado na ação médica, curativa e biologicista”. te no sentido da saúde. Já a preven- misso de: 1) melhorar as condições ção de doenças busca que os indiví- socioeconômicas dos segmentos po- Esse conceito amplo exige que o duos não sejam acometidos por es- pulacionais mais carentes; 2) pro- Estado assuma a responsabilidade tas, contudo como ‘saúde’ não pode mover a mobilização da comunida- por uma política de saúde integra- ser resumida apenas à ‘ausência de de para a construção de um projeto da às demais políticas sociais e eco- doenças’, pessoas potencialmente de vida saudável, no qual 3) a con- nômicas, e garanta a sua efetivação em risco de desenvolver uma deter- vivência com o meio ambiente seja e a universalidade do acesso da po- minada doença, como as crônicas integrada, harmoniosa e sustentável pulação às condições mínimas de não transmissíveis, por exemplo, e 4) responsabilizar os gestores em vida digna e bem-estar. poderiam investir em melhorar sua saúde e de outros setores para com Diretrizes como estas nos condu- capacidade funcional, ampliar suas a saúde da população. zem inexoravelmente ao desafio da sensações de bem-estar e desenvol- Estas diretrizes apontam a neces- promoção da saúde, integrando o vimento individual (e coletivo) na sidade de elaboração de políticas processo de inovações que operam públicas saudáveis; a criação de uma ampla reforma setorial, pauta- meio ambientes que protejam a saú- da pela universalização do direito à de; o fortalecimento de ações comu- saúde, democratização e descentra- nitárias; o desenvolvimento de ha- lização do sistema de saúde. Tanto que a Carta de Ottawa (1986) declara que a promoção da saúde consiste “... em proporcionar aos povos os meios necessários para melhorar sua saúde e exercer um maior controle sobre a mesma. Na concepção holística adotada, para alcançar um estado adequado de bem estar físico, mental e social, um grupo deve ser capaz de identificar e realizar suas aspirações, satisfazer suas necessidades e mudar ou adaptar-se ao meio ambiente”. (BRASIL, 2001) PROMOVER A SAÚDE É ATUAR bilidades pessoais; e a reorientação PARA MODIFICAR OS DETERMINANTES temente,, dos serviços de saúde. É, DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA DA enfim, uma maneira de pensar e agir POPULAÇÃO E DA COMUNIDADE tidisciplinar. Com isto, o conceito de do modelo de atenção e, conseqüen- em saúde de forma integrada e mulsaúde amplia-se e torna-se um recurso fundamental para o desenvolvimento social, econômico e subjetivo, saindo do lugar de objetivo perspectiva ampliada da promoção para o de recurso para a vida coti- antes da prevenção. Para a preven- diana (BRASIL, 2001). ção, evitar a doença é um fim em si Os pré-requisitos para a melho- A promoção da saúde é um con- mesmo, enquanto que para a pro- ria da saúde, conforme acordo in- ceito amplo e abrangente que se di- moção o objetivo contínuo e perma- ternacional (Carta de Ottawa), inclu- ferencia com uma tênue linha divi- nente é alcançar um adequado ní- em, necessariamente: a paz, a edu- sória do conceito de prevenção de vel de vida, em toda a sua comple- cação, a moradia, a alimentação, a doenças. A promoção da saúde pro- xidade (CZERESNIA , 2003). renda, um ecossistema estável, jus- cura identificar e enfrentar os ma- No âmbito deste conceito, pro- tiça social e a eqüidade. As mudan- crodeterminantes do processo saú- mover a saúde é atuar para modifi- ças ocorridas nos estilos de vida, as de-doença, no qual insere-se a pro- car os determinantes do processo formas de oferta e organização do moção da alimentação saudável, e saúde-doença da população e da co- trabalho e as maneiras e as possibi- busca transformá-los favoravelmen- munidade. Isto significa o compro- lidades de desfrutar do lazer afetam Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 131 DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo de maneira muito significativa a qual as pessoas e grupos sociais uma política transversal, integrada saúde. Analisar o modelo de socie- são capazes de expressar suas ne- e intersetorial, que fomente o dialo- dade que foi produzido e impulsio- cessidades, apresentar suas preocu- go do setor saúde com os outros se- nado pela urbanização é requisito pações, delinear estratégias para seu tores do governo e da sociedade, com- fundamental para repensar as for- envolvimento nas tomadas de deci- pondo assim redes de co-responsa- mas de otimização da promoção da sões e adquirirem maior controle bilidade quanto à qualidade de vida saúde (BRASIL, 2001). sobre as decisões políticas, sociais da população em que todos sejam e culturais que afetam sua saúde partícipes no cuidado com a vida. A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) assume o (OMS, 1998). exercício da intersetorialidade como A ampliação dos espaços de dis- um elemento-chave para a promo- cussão do Ministério da Saúde com ção da alimentação saudável. Nos outros ministérios, demais níveis de eixos contemporâneos da promoção gestão do sistema de saúde e insti- da saúde, esta é uma política de NA ATUALIDADE, QUE DADOS SUBSIDIAM E DETERMINAM O PAPEL A SER DESEMPENHADO PELAS POLÍTICAS PUBLICAS EM RELAÇÃO À ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO? grande potencial para selar o debate intersetorial. A multidisciplinari- A distribuição das principais cau- edade e multissetorialidade, princí- sas de mortalidade e morbidade tem ção. O controle/participação social A ALIMENTAÇÃO POUCO SAUDÁVEL E A FALTA DE ATIVIDADE FÍSICA SÃO, POIS, AS PRINCIPAIS CAUSAS é o caminho para fortalecer ações DAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO pios básicos da promoção da saúde, encontram na PNAN a legitimidade necessária a sua implementa- de promoção da saúde frente ao cenário assistencialista da saúde no TRANSMISSÍVEIS MAIS IMPORTANTES mudado profundamente nos países desenvolvidos. Em muitos países em desenvolvimento se observa uma tendência similar. Em escala mundial, tem aumentado rapidamente a carga de doenças não transmissíveis. Em 2001, estas foram as causas de Brasil. A demanda da sociedade bra- 60% dos casos em 56 milhões de dis- sileira por ações de promoção da funções anuais e de 47% de carga alimentação saudável é emergente mundial de mortalidade. Consideran- e extrapola os serviços de saúde. O tuições de ensino e pesquisa faz par- do e o crescimento previsto desta diálogo sobre as práticas alimenta- te do processo de construção de uma carga, a prevenção das doenças não res saudáveis deve se estruturar Política Nacional de Promoção da transmissíveis constitui-se num de- preferencialmente nos espaços sau- Saúde, a qual tem a alimentação e safio muito importante para saúde dáveis, como escolas, supermerca- nutrição como uma das linhas de pública mundial (WHO, 2000; 2003). dos, restaurantes entre outros, em- cuidado a ser abordado na perspec- A alimentação pouco saudável e poderando os sujeitos nas tomadas tiva de modos de vida saudável. A a falta de atividade física são, pois, de decisão na perspectiva do resga- PNAN, ao lado do Programa Anti-ta- as principais causas das doenças te/melhoria de um modo de vida bagismo (INCA/MS), sustenta um dos crônicas não transmissíveis mais mais saudável. destes eixos da Promoção da Saúde. importantes – como as cardiovas- Na promoção da saúde, o empo- Assim, a promoção da saúde culares, a diabetes tipo 2 e determi- deramento é um processo social, apresenta-se como um caminho para nados tipos de câncer – e contribu- cultural, psicológico ou político pela o fortalecimento e a implantação de em substancialmente para a carga 132 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional mundial de morbidade, mortalida- cerca de 70% dos gastos com aten- de e incapacidade (WHO, 2000). ção à saúde em 2002. Essas evidências auxiliam no entendimento de que a inseguran- Neste contexto, a obesidade mere- Em relação ao consumo alimen- ça alimentar e nutricional no Bra- ce destaque por ser simultaneamen- tar, dados nacionais recentes ates- sil tem duas faces: aquela associ- te uma doença e um fator de risco tam modificações importantes. Estas ada à negação do direito humano para outras DCNTs. considerações sobre a disponibilida- à alimentação adequada e aquela Com já dissemos, no Brasil, nas de domiciliar de alimentos adquiri- resultante da alimentação inade- últimas décadas, fenômeno seme- dos pelas famílias brasileiras confir- quada, que não confere à popula- lhante vem sendo observado com mam o aumento da participação de ção uma alimentação saudável. modificações no padrão demográfi- gorduras em geral na alimentação, Pessoas com excesso de peso ou co e no perfil de doenças e na morta- gorduras de origem animal e açúcar obesidade são pessoas expostas ao lidade da população (transição nu- e diminuição com relação a cereais, consumo inadequado de alimen- tricional e epidemiológica), caracte- leguminosas e frutas, verduras e le- tos; entre os mais pobres, alimen- 4 rizados pela alta morbidade e mor- tos com alta densidade energética talidade por DCNT em detrimento de têm substituído alimentos tradici- doenças infecciosas e parasitárias. onais mais saudáveis (como o tra- De acordo com os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) E M UM PAÍS COMO O BRASIL, ONDE A de 2002/2003, pôde-se observar DESIGUALDADE SOCIAL E REGIONAL É IMENSA , um aumento na prevalência importante de excesso de peso , cu- A GARANTIA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E dicional feijão com arroz): exemplo claro é o consumo elevado de alimentos com excesso de açúcar como refrigerantes e alimentos com alto teor de sal e gordura jos valores atuais chegam a 40,6% NUTRICIONAL PRESSUPÕE A NECESSIDADE DE como salgadinhos, fast foods e dos adultos com excesso de peso UM MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE outros alimentos industrializados e 11,1% (sendo 8,9% em homens e de preparo rápido. 13,1% em mulheres) com obesida- Em um país como o Brasil, de. Apesar de ocorrer em todas as onde a desigualdade social e regi- regiões do país e nos diferentes onal é imensa, a garantia da se- extratos socioeconômicos da po- gumes. Associadas ao sedentarismo, gurança alimentar e nutricional pulação, o número de casos de essas tendências podem explicar as pressupõe a necessidade de um obesidade são proporcionalmente taxas de prevalência de excesso de modelo de atenção à saúde, no mais elevados nas famílias de peso e da obesidade entre adultos. âmbito do SUS, que integre as duas baixa renda. Dados do Ministério Além disso, ressalta-se o aumento da faces da insegurança alimentar e da Saúde revelam que no Setor participação de alimentos industria- nutricional da população: a desnu- Saúde, as DCNTs respondem pela lizados e o fato que quase um quar- trição e outras carências nutricionais maior parcela dos óbitos no país to (24%) da despesa média mensal de um lado, e, do outro, o sobrepe- e pelas despesas com assistência familiar com alimentação destina-se so/obesidade e as doenças crônicas hospitalar no SUS, totalizando a refeições fora de casa. não transmissíveis associadas. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003: análise da disponibilidade domiciliar de alimentos e de estado nutricional no Brasil, Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Relatório Final. 4 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 133 DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo GESTÃO DE COMPETÊNCIAS: RESPONSABILIDADES COMPARTILHADAS PARA A GARANTIA DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL mentos; a garantia da segurança e apóiem as pessoas em todas as fa- da qualidade dos alimentos e da ses do curso da vida, desde o início prestação de serviços neste contex- da formação do hábito alimentar, to; o monitoramento da situação ali- isto é, do nascimento à velhice. É A Política Nacional de Alimen- mentar e nutricional; a promoção de importante favorecer o deslocamen- tação e Nutrição (PNAN) (BRASIL , práticas alimentares e estilos de vida to do consumo de alimentos pouco 1999) é um instrumento político de saudáveis; a prevenção e controle saudáveis para alimentos mais sau- respaldo à implementação das dos distúrbios nutricionais e de do- dáveis, respeitando as identidades abordagens apresentadas, propõe enças associadas à alimentação e socioantropológicas e culturais da uma estratégia de inserção das nutrição; a promoção do desenvol- alimentação dos grupos sociais. práticas alimentares como compo- vimento de linhas de investigação; O Guia Alimentar para a Popula- nente da Política Nacional de Saú- e o desenvolvimento e capacitação ção Brasileira é um instrumento de e se integra também na pers- de recursos humanos. para disseminação de informação e pectiva de políticas públicas que fomento ao processo de educação requerem ações intersetoriais para em saúde junto aos profissionais de a promoção da saúde. saúde, no contexto da PNAN. Este Esta política, homologada em 1999, foi elaborada na perspectiva de contribuir concretamente com o conjunto de políticas de governo voltadas para a concretização do A PROMOÇÃO DE UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL, DE MODO GERAL, DEVE PREVER UM ESCOPO AMPLO material informativo contém as diretrizes brasileiras sobre o que é uma alimentação saudável, detalhando a partir dos grupos alimentares seu papel na prevenção de do- direito humano universal à alimen- DE AÇÕES QUE APÓIEM AS PESSOAS enças e promoção da saúde. Possui tação e nutrição adequadas e para EM TODAS AS FASES DO CURSO DA VIDA um elenco de mensagens para apoi- a garantia da Segurança Alimentar arem os profissionais de saúde na e Nutricional de nossa população, abordagem nutricional junto à po- assumindo-os junto com a interse- pulação em geral. As necessárias torialidade enquanto fundamentos. contribuições do setor produtivo – A PNAN tem como propósito a O conceito de alimentação sau- indústria de alimentos e governo – promoção de práticas alimentares dável permeia todas as diretrizes e para a promoção da alimentação saudáveis e a prevenção e o contro- ações propostas na PNAN. Entende- saudável também são integrantes le dos distúrbios nutricionais, a ga- se que seu desafio principal é exa- desta proposta. rantia da qualidade dos alimentos tamente a garantia de acesso de to- O Guia Alimentar (BRASIL , 2005b) colocados para consumo no país, dos os brasileiros a uma alimenta- assumiu como meta nacional au- bem como o estímulo às ações in- ção saudável enquanto direito hu- mentar o consumo de frutas, legu- tersetoriais que propiciem o acesso mano e medida de promoção da saú- mes e verduras no país. Juntamente universal aos alimentos. de no contexto da segurança alimen- com o C ONSEA, o Ministério da Saúde tar e nutricional. vem estruturando a Iniciativa de Para o alcance deste propósito foram definidas como diretrizes: o es- A promoção de uma alimentação Incentivo ao Consumo de frutas, le- tímulo às ações intersetoriais com saudável, de modo geral, deve pre- gumes e verduras. O mote de pro- vistas ao acesso universal aos ali- ver um escopo amplo de ações que mover saúde contemplando as di- 134 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional mensões necessárias para o apoio saúde. É importante ter clareza de escolha saudável dos indivíduos e à Segurança Alimentar e Nutricio- que a educação em saúde (sem fa- coletividades. Portanto, a promoção nal pode qualificar a proposição zer confusão com instrumentos de da saúde exige a ação intersetorial, do Fome Zero na perspectiva de informação em saúde) procura de- na qual o setor sanitário e seus pro- ações de combate à fome que abor- sencadear mudanças de compor- fissionais atuem como publicizado- dem todas as dimensões necessá- tamento individual, enquanto que res do fato de que as políticas for- rias, incluindo o aspecto qualita- a promoção da saúde (embora sem- muladas pelos demais setores da tivo: garantia de acesso e consu- pre tenha a educação com aliada) sociedade têm conseqüências para mo a alimentos saudáveis com tem o propósito maior de provo- a saúde da população. Por isso, só geração de emprego, renda e cida- car mudanças de comportamento uma ação integrada e intersetorial dania. Esta iniciativa intersetorial organizacional, capazes de esti- responderá, na sua totalidade, à mular melhorias à saúde da po- demanda pela melhoria da qualida- pulação (CANDEIAS , 2001). de de vida (BRASIL, 2001). tem como objetivo principal aumentar o consumo, a produção e As evidências apresentadas a comercialização de alimentos quanto ao padrão alimentar atual saudáveis como frutas, legumes e verduras (na perspectiva de promo- da população têm ocorrido em to- NA ATUAL PERSPECTIVA, GLOBALIZADA E NEOLIBERAL, FAZ-SE ESTRATÉGICO O dos os grupos econômicos estuda- RESGATE E A VALORIZAÇÃO DA NOSSA pulação. Na atual perspectiva, glo- cultura familiar, desenvolvimento CULTURA ALIMENTAR, O INCENTIVO balizada e neoliberal, faz-se estra- sustentável e garantia da SAN. Para À PRODUÇÃO E AO CONSUMO DE ção da saúde, do respeito e valorização aos hábitos alimentares culturalmente referenciados), de maneira articulada e integrada à agri- tal deve propor ações concretas que abordem todas as dimensões envol- ALIMENTOS MAIS SAUDÁVEIS cação em saúde pode contribuir tégico o resgate e a valorização da nossa cultura alimentar, o incentivo à produção e ao consumo de ferência minimamente processados Integrado ao escopo de ação e entende-se que na prática a edu- do que benefícios para a nossa po- alimentos mais saudáveis, de pre- vidas na referida construção. amplitude da promoção da saúde, dos e trouxeram mais problemas e culturalmente referenciados (ce- ANÁLISES: ENTRE AS MUITAS INTERFACES CONCEITUAIS O QUE PODE SER FEITO? reais, leguminosas, frutas verduras e legumes). O fomento à formação de hábitos alimentares sau- com parte das atividades técnicas A promoção da saúde pressupõe voltadas para a saúde. Este pro- dáveis deve ser explicitado em investimentos consistentes em edu- políticas públicas de todos os se- cesso reflete, especificamente, a ca- cação e informação. O elemento di- tores que têm interface com esta pacidade de apoiar a organização ferenciador, no entanto, diz respeito questão – agricultura, desenvolvi- lógica do componente educativo de ao pressuposto de que as ações em mento agrário e educação. Esta programas, contudo representa a educação e informação atingem seus perspectiva pode representar a to- possibilidade de diferentes combi- objetivos quando sustentadas por mada de decisão do Estado no sen- nações de experiências de ensino um ambiente social no qual as polí- tido de conquista da SAN e da so- – aprendizagem as quais facilitam ticas públicas e as ações de regula- berania alimentar e para tal urge ações voluntárias conducentes à mentação promovem e apóiam a elaborar ações concretas com re- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 135 DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo cursos orçamentários e financeiros da no SUS, reflete as demandas da tação’ e ‘nutrição’, pois em várias que garantam sua implementação. sociedade exercendo um papel de citações estes são considerados O atual cenário epidemiológico pressão perante o Estado para a for- como sinônimos e com objetivos e nutricional demanda das políticas mulação de programas, projetos e semelhantes que se sobrepõem (BRA- públicas (especialmente de promo- políticas. Ambos os documentos fo- SIL, ção da saúde e de segurança alimen- ram aprovados pelo Conselho Naci- de (BRASIL, 2004a) reconhece as ações tar e nutricional) o desafio de conci- onal de Saúde e trazem as questões de alimentação e nutrição vincula- liar essas duas faces da inseguran- de alimentação e nutrição de forma das ao combate à fome, enquanto ça alimentar e nutricional. Isso im- fragmentada e pontual, revelando a apoio ao Programa Fome Zero, con- plica a responsabilidade do Estado, desarticulação e a pouca força polí- tudo não a referencia como uma e da sociedade como um todo, de tica desta discussão na sociedade prática de promoção e atenção à fomentar ambientes saudáveis, pro- civil e junto aos profissionais de saúde no cotidiano dos serviços de movendo a boa alimentação e a ati- saúde. No relatório da XII CNS (BRA- saúde do SUS. As ações ainda refe- 2003). O Plano Nacional de Saú- vidade física – elementos indissoci- ridas são as relacionadas à assis- áveis para a manutenção da saúde, tência junto ao pré-natal e cresci- e, portanto, de modos de vida sau- mento e desenvolvimento de crian- dáveis em todas as fases da vida. O ças com a suplementação medica- O ATUAL CENÁRIO EPISTEMOLÓGICO E acesso a uma alimentação saudável deve ser promovido também no âmbito de programas de transferên- NUTRICIONAL DEMANDA DAS POLÍTICAS mentosa de micronutrientes como ferro e Vitamina A. Do ponto de vista político, estu- cia de renda (Programa Bolsa Famí- PÚBLICAS (...) O DESAFIO DE CONCILIAR diosos em análises sobre a gestão lia, por exemplo), associando, aos ESSAS DUAS FACES DA INSEGURANÇA do atual Governo Federal (2003-06), recursos transferidos para as famí- ALIMENTAR E NUTRICIONAL lias ações de saúde e de educação fazem algumas críticas frente ao modelo de desenvolvimento adota- nutricional de forma a conciliar o do, o qual tem sacrificado políticas acesso a alimentos e a informações sociais importantes em detrimento que possibilitem às famílias a esco- da “estabilidade do mercado” e eco- lha e aquisição de alimentos mais SIL, 2003), as questões temáticas nomia nacional. De acordo com o saudáveis – direito este que lhes elencadas são de caráter assistenci- sociólogo Chico de Oliveira (2005), assiste enquanto seres humanos. alista como a “distribuição de mul- “a política brasileira foi colonizada No setor saúde, no qual reside o timistura nos postos de saúde da pela economia”. Na tentativa de modus operandi da PNAN, se anali- atenção básica” e a “reedição do ‘descolonizar’ a pauta política, a sarmos o relatório da 12ª Conferên- programa do leite”. Na parte de edu- adoção e a efetivação de mecanis- cia Nacional de Saúde (BRASIL, 2003) cação em saúde foi destacada, ain- mos institucionais (com destinação e do Plano Nacional de Saúde (B RA- da, a necessidade da inclusão do orçamentária condizente com a pri- SIL, tema ‘alimentação saudável’ nos orização do tema) que garantam a currículos do ensino básico. inclusão permanente da SAN na 2004a) que são instrumentos recentes e chaves do processo político de formação da agenda do se- Também é nítida a confusão que agenda pública pode tornar-se um tor saúde, alguns aspectos são evi- existe entre o conceito ‘segurança proveitoso caminho para que este denciados. A Conferência, legitima- alimentar e nutricional’ e ‘alimen- governo, historicamente comprometi- 136 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional do com as causas sociais, estimule a tratégicas da promoção da saúde. lo adequado de desenvolvimento hu- implementação de ações aliadas à Nesta análise, os fatores determi- mano e social (e não só econômico) retomada do debate de cunho político nantes da saúde também vão influ- para a nação brasileira. junto aos movimentos populares e à enciar na condição de segurança O setor público precisa assumir sociedade civil como um todo. alimentar e nutricional dos indiví- a responsabilidade de implementar duos e grupos sociais. E assim, este políticas públicas que tenham a pro- conceito abrangente de saúde, que moção da saúde como um eixo arti- se apóia nos recursos sociais e co- culador, para criar condições de de- O papel do setor saúde precisa letivos, e não somente na capacida- legar aos sujeitos possibilidades de ser mais bem esclarecido frente às de física ou condição biológica dos escolhas saudáveis. É pressuposto demandas da temática Segurança sujeitos, individualmente, se concre- da promoção da alimentação sau- Alimentar e Nutricional. Mesmo os tiza mediante a garantia da segu- dável o fomento ao processo de edu- profissionais de saúde precisam ter rança alimentar e nutricional. cação em saúde junto à sociedade, CONSIDERAÇÕES FINAIS uma compreensão mais qualificada que, aliado à ampliação da dispo- da proposta, pois cada setor preci- nibilização e acesso da informação, sa assumir seu papel neste campo é uma das principais ferramentas de atuação. A SAN não pode ficar restrita a uma política de governo ...OS FATORES DETERMINANTES porque precisa ter mecanismos ins- DA SAÚDE TAMBÉM VÃO INFLUENCIAR titucionais que garantam a articulação necessária à sua instituição de maneira permanente como política pública, de Estado. Se entendermos o conceito de NA CONDIÇÃO DE SEGURANÇA ALIMENTAR para ampliar a autonomia decisória dos sujeitos na escolha e adoção de práticas (de vida) alimentares saudáveis. As escolhas alimentares, independentemente da classe social, E NUTRICIONAL DOS INDIVÍDUOS demandam medidas e/ou estratégi- E GRUPOS SOCIAIS as capazes de favorecer o empoderamento dos sujeitos para a seleção ‘promoção da saúde’ (que assume de um padrão alimentar. O conheci- a alimentação saudável como um mento é elemento-chave para toma- dos fatores determinantes da saúde), da de decisão neste processo de es- e de ‘saúde’ (enquanto um conceito Se a intersetorialidade é um com- colha/mudança. Por fim, estudos positivo, determinado pela interação ponente estratégico para tornar pos- comprovam que o aumento da ren- de fatores diversos, como sociais, sível a promoção da saúde no con- da não garante por si só um padrão culturais, ecológicos, psicológicos, texto da segurança alimentar e nu- alimentar saudável (BRASIL, 2004b), econômicos e religiosos) fica claras tricional, a alimentação saudável é a coexistência de um processo edu- as interfaces entre os conceitos ana- uma “zona de intersecção” oportuna cativo permanente é imprescindível lisados: promoção da saúde e segu- para aproximar e subsidiar este diá- para se potencializar este processo. rança alimentar e nutricional. A ali- logo. A PNAN tem ações e diretrizes, O compromisso de construção de mentação saudável aproxima o di- legítimas e consistentes, que podem, um projeto de nação que vise o de- álogo entre os dois conceitos, pois efetivamente, impulsionar a inclusão senvolvimento social (com ênfase além de ser o objeto principal da das abordagens aqui debatidas nas na garantia da eqüidade e diminui- Segurança Alimentar e Nutricional, políticas públicas setoriais, na pers- ção das desigualdades sociais) deve compõe-se com uma das ações es- pectiva da construção de um mode- ser resgatado no plano das políti- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 137 DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo cas públicas. Para este enfrentamen- final. Brasília, DF: Ministério da gia e saúde na década de 80. In: to é preciso coragem de dizer não Saúde, 2003. ALVES, P. 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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005 139 RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 19901 Proposals of the World Bank for Health Sector Reforms in Brazil in the 90s Maria Lucia Frizon Rizzotto1 Recebido: 08/03/03 Modificado: 10/08/04 Aprovado: 14/09/04 RESUMO Analisam-se as propostas do Banco Mundial para a reforma do setor de saúde brasileiro, explicitando-se aspectos dessas propostas que em nossa perspectiva foram assimiladas pelo governo brasileiro no processo de implementação do SUS (Sistema Único de Saúde), nos anos 1990. Parte-se do pressuposto de que determinados projetos e programas da área da saúde, financiados por este organismo internacional, não teriam como objetivo contribuir para o desenvolvimento econômico e/ou social, conforme postulam seus discursos, mas sim, por meio dos acordos de empréstimo e das condicionalidades que os acompanham, visavam interferir nos rumos das políticas nacionais desse setor, provocando uma contra-reforma não anunciada, que busca restringir e/ou anular direitos constitucionais. PALAVRAS-CHAVE: Política de Saúde; BIRF – Banco Mundial; Reforma Setor Saúde. ABSTRACT Este texto foi extraído, com modificações, de tese de doutorado defendida no Departamento de Saúde Coletiva da FCM-Unicamp, em 2000, com o título: “O Banco Mundial e as políticas de saúde no Brasil nos anos 90: um projeto de desmonte do SUS”. 1 Professora Adjunta, Doutora em Saúde Coletiva pela Unicamp. Pesquisadora do GPPS (Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais), Curso de Enfermagem, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. 2 e-mail: [email protected] This paper analyzes proposals of the World Bank for the Brazilian health sector reform in the 90s, highlighting aspects assimilated by the Brazilian government in the process of implementation of the Brazilian Unified Health System (SUS). We assumed that certain projects and programs in the healthcare sector, financed by this international institution, would not aim to contribute to the economic and/or social development, as stated in their speech, but instead, due to the loan agreements and associated conditions, to intervene in the path taken by the national politics in this sector, causing an unannounced counter-reform bound for restricting and/ or nullifying constitutional rights. KEYWORDS: Health Politcy; BIRF – World Bank; Health Sector Reform 140 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990 INTRODUÇÃO ‘humanização’ do Banco, articu- discurso, há quem diga que o Ban- lam-se com ‘questões estratégicas’ co, de fato, tem oferecido em abun- Os direitos sociais, entre eles os voltadas para a segurança interna dância, mais do que recursos, suas direitos à saúde, expressos na Cons- e externa dos países centrais e para próprias idéias, com o intuito de tra- tituição Federal de 1988, resultaram a organização do mundo capitalis- duzi-las em políticas internas nos de um processo multifacetário, tra- ta. O crescente problema da misé- países ‘em desenvolvimento’. dução das contradições existentes no ria, no nível mundial, se insere interior da sociedade brasileira, que neste contexto; segundo Wol- desde o início dos anos 1980 vivia fenshon (1995), presidente do Ban- uma crise econômica e política. co Mundial, ‘aliviar’ a pobreza e Durante e após a elaboração da mantê-la em níveis suportáveis Constituição vozes descontentes na- seria condição necessária para o cionais e internacionais se mani- futuro crescimento de todos. festaram, pois parecia claro para a elite econômica, e parte da classe política do país, que se os direitos cons- “Si lo que el Banco Mundial ofrece son principalmente ideas, y esas ideas ayudarán a dar forma a políticas claves, que preparan nuestras sociedades para un futuro sobre el cual hay solamente conjeturas, cómo se producen y qué validez tienen dichas ideas debe ser analizado con tanto detenimiento como las condiciones y consecuencias de sus créditos.” (CORAGGIO , 1995, p.1). titucionais fossem colocados em prá- HÁ QUEM DIGA QUE Neste final de século, mais do tica representariam um entrave para O B ANCO, DE FATO, que em qualquer outro momento de porem uma proposta que se situava TEM OFERECIDO EM mostrado uma capacidade de “im- na contramão do movimento ‘neoli- ABUNDÂNCIA, MAIS DO poner su visión de la realidad como os interesses do capital, além de com- beral’ em curso há mais de duas décadas em países centrais. O desagrado do Banco Mundial sua história, o Banco Mundial tem la que necesariamente deberían com- QUE RECURSOS, partir todo hombre y mujer sensatos”, reivindicando para si o mono- SUAS PRÓPRIAS IDÉIAS com os avanços dos direitos consti- pólio da verdade e tornando-se im- tucionais, no campo da saúde, no permeável a qualquer crítica (GEOR- Brasil, está expresso em dois docu- GE; S ABELLI, 1994, p.10). Os que sus- mentos produzidos e divulgados por Certa insistência com a questão tentam opiniões contrárias são tidos aquela instituição: ‘Brasil: novo da satisfação das necessidades hu- como mal informados e, na maioria desafio à saúde do adulto’ (1991) e manas básicas e uma crítica aos das vezes, são desconsiderados. ‘A organização, prestação e financi- países com muita disparidade na amento da saúde no Brasil: uma distribuição de renda e extrema di- agenda para os anos 90’ (1995). ferenciação social têm, de certa for- AS PROPOSTAS DO BANCO MUNDIAL PARA O SETOR DE SAÚDE NO BRASIL Em âmbito geral, as propostas ma, caracterizado o discurso desta do Banco Mundial para o setor de instituição nas últimas décadas, a O interesse do Banco Mundial no saúde de países periféricos como o qual acena com financiamento para setor de saúde brasileiro acompa- Brasil, além de pretenderem ‘ajudar’ programas e projetos que visam o nhou a retomada do discurso do no processo de estabilização políti- combate à pobreza e a centralidade combate à pobreza, da última déca- ca e econômica desses países e de na educação básica e na atenção da, e a emergência deste setor como servirem como instrumento para a primária em saúde. Apesar desse um importante mercado para o in- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 141 RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon vestimento privado. A ‘atenção’ dis- Os estudos citados antes teri- pensada para este setor nacional am como objetivos, segundo o pró- pode ser comprovada pela quanti- prio Banco, contribuir para apro- De acordo com dados divulgados dade de estudos e relatórios produ- fundar o conhecimento sobre esse pelo próprio Banco, é possível afir- zidos e divulgados pelo Banco, e setor nacional e apresentar suges- mar que a participação desta insti- pelo aumento dos projetos financia- tões para o “enfrentamento dos tuição, no setor de saúde brasilei- dos por este organismo internacio- desafios do sistema de saúde bra- ro, tem se traduzido mais na apre- nal no Brasil. A título de ilustração, sileiro nas próximas décadas”. sentação de diretrizes e orientações eis alguns desses estudos publica- Esses desafios incluiriam a des- para as políticas nacionais, com o dos na forma de documentos ofici- centralização e democratização, e objetivo de promover importantes ais do Banco: Brazil: Northeast En- a redução dos déficits fiscais, so- reformas do setor, do que, efetiva- bretudo mediante a redução dos mente, no aporte substancial de re- gastos do governo, pois segundo cursos por meio do financiamento demic Disease Control Project (1988), Policies for Reform of Health Care, sam ampliar de modo significativo Brazil (1988), Women’s ReproductiHealth in Brazil: Adjusting to new Challenges (1989), Issues in Federal Health Policy in Brazil, (1991) e The Organization, Delivery and Financing of Health Care in Brazil: Agenda for the 90s (1993). Quanto aos acordos de empréstimos para o Brasil, na última déca- a oferta de serviços de saúde em NO DOCUMENTO ‘BRASIL: NOVO DESAFIO À SAÚDE DO ADULTO’, ESTÁ EXPRESSO QUE “ OS EMPRÉSTIMOS DO B ANCO M UNDIAL PARA O SETOR DE SAÚDE NO BRASIL EQUIVALEM A MENOS DE 1% DA DESPESA NACIONAL TOTAL EM SAÚDE” da, destacam-se três projetos que to de Vigilância e Controle de Doen- nível nacional. No documento ‘Brasil: novo desafio à saúde do adulto’, está expresso que “os empréstimos do Banco Mundial para o setor de saúde no Brasil equivalem a menos de 1% da despesa nacional total em saúde”, contudo, este quantitativo não poderia impedir ao Banco de pensar formas de aplicação do outro montante, afirmando que “é tiveram a participação financeira do Banco Mundial, sendo eles o Proje- os anos 90’ (1995). de projetos ou programas que pos- Nutrition, and Social Security in ve Health in Brazil (1989), Adult saúde no Brasil: uma agenda para imperativo que o Banco Mundial o Banco, “as realidades fiscais também apóie os esforços brasilei- colidem com os sonhos de despe- ros no sentido de que os outros 99% ças (VIGISUS), o segundo Projeto de sa alimentados pelo processo de da despesa sejam aplicados com Controle e Prevenção de DST/A IDS e democratização e pela Constitui- mais eficiência” (idem, 1991, p.1). o REFORSUS (Reforço à Reorganização ção de 1988” (idem, 1991, p.1-20). O núcleo temático dos dois do- do Sistema Único de Saúde), ou, Para efeitos deste estudo, toma- cumentos do Banco, analisados neste como o Banco prefere denominar no mos os dois documentos antes cita- trabalho, constitui-se em uma ava- acordo de empréstimo assinado com dos como base, que em seu conjun- liação genérica do Sistema Único de o Brasil, de ‘Projeto de Reforma do to sintetizam as propostas do Ban- Saúde brasileiro, com ênfase nos Setor de Saúde’. Para o Banco, este co Mundial para o setor de saúde aspectos da relação custo-benefício projeto destinava-se, efetivamente, a brasileiro: ‘Brasil: novo desafio à dos serviços e na defesa da necessi- promover reformas no SUS (Sistema saúde do adulto’ (1991) e ‘A organi- dade de reformas constitucionais e Único de Saúde) brasileiro. zação, prestação e financiamento da institucionais vinculadas a este se- 142 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990 tor. As propostas de reformas apre- • Fortalecimento do papel e da Essas reformas, segundo o Ban- sentadas como fundamentais para responsabilização dos estados em co, teriam implicações imediatas no ampliar a assistência à saúde dos relação ao financiamento e à pres- campo institucional, sendo as prin- mais pobres, em realidade contribui tação de assistência médica; cipais: 1) A definição de quais po- com a tendência de anular ou reduzir os direitos de saúde conquistados pela sociedade brasileira e consagrados na Constituição Federal de 1988. Se no documento do Banco Mundial de 1991 transparece certo otimismo em relação às reformas sofridas pelo setor de saúde brasileiro, durante a década de 1980, refe- • Estabelecimento de um sistema deres o governo estadual deve trans- transparente e consistente, com força ferir para as municipalidades e legal, de transferências da esfera fe- quais devem manter para si; 2) O deral para as estaduais e municipais; estabelecimento de políticas de con- • Mudança no papel do governo federal para a regulamentação, assistência técnica, pesquisa, elaboração de padrões e de incentivos para rindo-se particularmente à questão restrição do acesso; 3) Descentralizar a responsabilidade pela prestação de serviços clínicos para os ese da inexperiência e corrupção das sibilidade de retirar do governo fe- secretarias municipais de saúde; 4) as responsabilidades com os gover- O B ANCO FAZ UMA DEFESA nos estaduais, municipais, entida- DA PARTICIPAÇÃO DA REDE des sociais não governamentais e os valores dos serviços, através da tados, saindo da ingerência federal da descentralização, vista como posderal o poder decisório e partilhar tenção de custos, mantendo baixos Retomar as experiências das AIS (Ações Integradas de Saúde) e do SUDS para as reformas futuras e, 5) PRIVADA NA PRESTAÇÃO Examinar com mais cuidado os pa- 1995, partindo de uma análise in- DOS SERVIÇOS DE péis dos setores público e privado terna do sistema econômico e polí- SAÚDE NO BRASIL ações e políticas específicas (idem, comunidades, no documento de tico nacional e do próprio processo de saúde no Brasil, para definir 1995, p. x-xi). de implantação do SUS, aquele oti- Em ambos os documentos, o mismo se transforma numa crítica Banco faz uma defesa da partici- por um suposto equívoco nas reformas implementadas, uma vez que a descentralização não se processou da forma como era esperada e a defesa da eqüidade, assim como a tendência de universalização do aces- pação da rede privada na prestamelhoria da qualidade, regulamen- ção dos serviços de saúde no Bra- tação e contenção de custos, libe- sil, com duras críticas à preferên- rando-o da responsabilidade pela cia dada, pela Constituição Brasi- prestação e controle dos serviços; leira, às instituições filantrópicas so, teria representado uma enorme • Promoção da pesquisa e do de- sobrecarga, muito além da capaci- bate sobre políticas de saúde atra- dade dos recursos governamentais. vés de financiamento público e vi- Partindo dessas avaliações, o gorosa associação com outros ór- Banco propõe a ‘consolidação das gãos responsáveis pela definição de reformas institucionais’, por meio de políticas nos níveis municipal, es- uma revisão constitucional, que tadual e federal (BANCO MUNDIAL, 1995, deveria compreender: p. xxviii/xxix). e sem fins lucrativos. “Se o objetivo consiste em prestar serviços de quantidade e qualidade máxima com os recursos existentes, então as políticas públicas atuais são inapropriadas. As fontes filantrópicas e as fontes ‘com finalidade de lucro’ devem competir em terreno igual” (idem, 1991, p.120). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 143 RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon Pensando na limitação da atua- leiro, recém modificado e incluído gestões para o ‘racionamento da ção do setor público e na ampliação na Constituição Federal, um conjun- atenção médica e o controle de cus- do setor privado na prestação de ser- to de propostas que pode ser sinteti- tos da assistência no Brasil’, tais viços de saúde brasileiro, o Banco zado em seis pontos: 1) redução dos como: médicos generalistas, co-pa- propõe uma distinção inicial sobre investimentos públicos no campo da gamento feito pelo paciente, listas as tarefas do setor público e do setor assistência médica; 2) focalização de espera, incentivos fiscais para privado, caracterizando os espaços dos serviços públicos às populações seguro privado, opções de trata- de cada um da seguinte forma: pobres; 3) ênfase nas ações preven- mento ambulatorial e assistência tivas, especialmente a redução dos domiciliar, transferência de um vo- fatores de risco; 4) utilização dos lume maior da assistência para o recursos públicos em programas setor privado, redução do número que representem, basicamente, bens de leitos hospitalares e do tempo públicos; 5) estabelecimento de pri- de permanência, limite no paga- “O setor público é o responsável quase exclusivo pelas tarefas essenciais de regulamentação, promoção e educação, e tem importante papel a cumprir em matéria de financiamento. A prestação de serviços deve ser feita por toda e qualquer entidade capaz de prestá-los mais eficientemente dentro da política geral estabelecida pelo setor público.” (idem,1991, p.117) mento por serviço, criação de mercados internos nos sistemas públicos, limite na aquisição e uso de PARA ESSA INSTITUIÇÃO PARECE As razões explicitadas para a EXISTIR UMA INCAPACIDADE defesa da participação da rede privada, especialmente as EMS (Enti- NACIONAL DE FORMULAR POLÍTICAS dades de Manutenção de Saúde) es- SOCIAIS ADEQUADAS E DE taria na sua maior criatividade, ALOCAR EFICIENTEMENTE maior eficiência e melhor qualida- OS RECURSOS PÚBLICOS de dos serviços prestados, “... os tecnologia e, limite na cobertura em termos de população ou de diagnósticos tratados (idem, 1995). Chama a atenção, na leitura dos documentos, o ponto de vista do Banco sobre a administração pública no Brasil. Para essa instituição parece existir uma incapacidade serviços prestados pelas EMS são nacional de formular políticas soci- comprovadamente superiores aos ais adequadas e de alocar eficiente- serviços públicos disponíveis...” (idem, 1991, p.119). oridades a partir de uma análise da A partir da análise de que no Bra- relação custo/benefício; 6) introdu- sil prestam-se demasiados serviços ção de reformas institucionais e no de base hospitalar; que há uma es- sistema de financiamento do setor pecialização exagerada no atendi- de saúde, que incluiria a descentra- mento ambulatorial; que cresce ra- lização com dotação de recursos, pidamente o uso de procedimentos prioritariamente para os pobres, de alta tecnologia; e, se gasta mui- mobilização de recursos privados, to pouco em promoção e prevenção racionamento da atenção médica e da saúde, os autores dos documen- o uso de incentivos e técnicas de tos do Banco Mundial apresentam gestão moderna. como grandes diretrizes para as re- No conjunto das propostas, formas do sistema de saúde brasi- apresenta-se ainda um rol de su- 144 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 mente os recursos públicos. “O problema principal do setor saúde no Brasil não é, porém, a falta de dinheiro, e sim a aplicação iníqua, ineficiente e ineficaz dos adequados recursos disponíveis. É iníqua porque a proporção dos recursos públicos destinados aos abastados é demasiada. É ineficiente, por se gastar demais em `bens privados´ (...) e por não se gastar o suficiente com os `bens públicos´ (...) é ineficaz no sentido de que, virtualmente em todos os níveis, os sistemas de administração e recursos humanos são antiquados e improdutivos.” (idem,1991, p.8-9). As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990 O mesmo documento traz ainda rar de um país com o seu nível de a seguinte avaliação sobre o setor renda per capita” (idem, 1991, p.101). de saúde brasileiro: “Atualmente o setor público no Brasil está mal orientado e é ineficiente. O setor dedica atenção e recursos relativamente pequenos à sua função central de regulador, promotor e educador. Por outro lado, na área à qual dedica a maior parte de sua atenção a prestação de serviços - o seu desempenho é insatisfatório e ineficiente.” (idem, 1991, p.117). Os problemas políticos e admi- para a proteção dos mais pobres.” (idem, 1995, p. xxiii) Como as políticas de ajuste do Sobre esta questão, embora ile- Banco Mundial e do FMI às quais o gal, sabe-se da existência de cobran- Brasil está submetido, não admitem ça de taxas complementares, que aumentar os gastos públicos, a ques- ocorre tanto na rede pública de saú- tão central parece ser o controle dos de, como em hospitais conveniados custos. Para o Banco Mundial, ao SUS. Segundo Vianna, Piola & “o conceito de controle de custos deve ser entendido como um conjunto de atividades destinadas a: 1) monitorar os custos incorridos; 2) obter o maior volume de produção possível para um Reis, pesquisadores do I PEA , esta conduta é “uma prática que prospera sem aparente reação objetiva das autoridades do setor e dos órgãos profissionais responsáveis pela vi- nistrativos que subsistem nas nos- gilância do comportamento ético de sas instituições públicas não são seus filiados” (1998, p.25). novidade para a maioria dos brasi- Para estes autores, da parte dos usuários também não se tem obser- tões assinaladas pelo Banco ser, no C OMO AS POLÍTICAS DE AJUSTE DO BANCO MUNDIAL E DO FMI ÀS QUAIS O B RASIL ESTÁ SUBMETIDO, mínimo, um demonstrativo de des- NÃO ADMITEM AUMENTAR OS GASTOS Vale ressaltar que isso ocorre apesar leiros. Daí a uma generalização da situação e uma redução da problemática do setor de saúde às ques- conhecimento de parte da realidade brasileira. Nada garante que as pro- PÚBLICOS , A QUESTÃO CENTRAL PARECE postas formuladas por instituições SER O CONTROLE DOS CUSTOS A perspectiva que predomina, nos dois textos analisados, é a da manutenção ou redução dos recursos destinados à saúde, com conseqüente diminuição da oferta e da ampliação dos serviços. “Se é que exista algo a destacar, o Brasil já parece gastar, dado volume de recursos; 3) eliminar desperdícios. Contenção de custos, por sua vez, enfatiza a eliminação dos desperdícios e a limitação no aumento dos custos.” (idem, 1995, p. viii) Aparece ainda como sugestão, no documento de 1995, que o Brasil deveria deral assegurarem a gratuidade no acesso aos serviços públicos e pri- brasileiro deveria “em conjunto com organizações profissionais, estabelecer diretrizes de garantia de qualidade, com suficiente flexibilidade para permitir adaptações por parte dos diferentes prestadores de serviço” (BANCO MUNDIAL , 1995). Embora o Brasil seja um país que “experimentar mecanismos de co-pagamento, com base nos resultados de como no total, proporção do PIB do levantamento sobre demanda, e em experiências em estados e municípios, cobrando apenas de pacien- algo maior do que se deveria espe- tes com renda acima de certo valor, tanto nos serviços públicos de saú- de a Lei 8080/90 e a Constituição Fe- do Banco Mundial de que o governo aqui enfrentamos e/ou serem mais debate interno. de, que possa impedir essa prática. Destaca-se, também, a sugestão possam resolver os problemas que nais do que aquelas emanadas do representações, nos conselhos de saú- vados que integram o SUS. externas, supostamente neutras, adequadas às necessidades nacio- vado mobilização suficiente das suas compõe o rol das nações ditas democráticas, com um sistema constitucional-legal, que organiza o funcionamento dos poderes executivo, legislativo e judiciário, regula a vida Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 145 RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon da sociedade e estabelece os direi- cais, é um elemento essencial para a cura e o custo dos serviços médicos tos e deveres da população, têm sido fixação de prioridades”; 2) a suges- públicos” (idem, 1991, p.5-82). comuns o desrespeito e o descaso tão da discriminação do acesso que A preocupação inicial com os di- para com a Constituição brasileira. fere o princípio da universalidade, “os reitos constitucionais, que segun- Apesar da prática ‘descuidada’ para programas devem orientar-se especi- do os autores do documento de com a Lei Maior, o fato de constar ficamente para os pobres e conside- 1991 era conseqüência de “propos- da Carta Constitucional que a saú- rar explicitamente a sua situação”; e tas idealistas que visam a uma rá- de é direito de todos e dever do Es- 3) a restrição do acesso à atenção pida passagem para um sistema de tado, devendo este fornecê-la gratui- médica curativa que contradiz os prestação de serviços de alta qua- tamente a todos, tem provocado um princípios da integralidade e eqüida- lidade para todos, de acordo com inequívoco incômodo, tanto no go- de (BANCO MUNDIAL, 1991, p.122-7) suas necessidades” (idem,1991, verno quanto em organismos inter- No primeiro documento sobre o nacionais, que têm pressionado pela setor de saúde brasileiro, o Banco redução desse direito, assim como Constituição Federal, conforme se Em 1996, o poder executivo fe- observa nas citações a seguir: deral elaborou e submeteu ao Congresso Nacional proposta de Emen- O B ANCO APRESENTA da Constitucional, acrescentando a expressão ‘nos termos da lei’ ao ar- UMA SÉRIE DE SUGESTÕES tigo 196 da Constituição Federal, que QUE COLIDEM COM ção de medidas de ajuste no interior documento, em recomendação implícita ao não-cumprimento da a sua retirada da Constituição. abriria brecha jurídica para a ado- p.3), transformou-se, no segundo A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA do SUS, entre as quais a revogação dos princípios da integralidade, da gratuidade e da universalidade (Vi- “A crescente expectativa da população em relação a um compromisso público aberto e descentralizado de oferecer assistência médica a todos os cidadãos, (...) deverá forçar uma retração ou diluição do compromisso assumido pelo governo, a menos que surjam alguns controles para tornar compatíveis orçamentos e objetivos.” (idem,1995, p.x, grifo nosso) “A firme tendência para a universa- anna, Piola & Reis, 1998, p.8). lização de cobertura, a menos que seja revertida por medidas eficazes de contenção de custos trará, por si só, um No documento do Banco Mundial Mundial ao mesmo tempo em que de 1991, não obstante a promulga- manifesta certa concordância com as ção recente da Constituição Federal e reformas em curso, demonstra pre- a manifestação expressa de conheci- ocupação com os possíveis desdo- mento dos princípios e diretrizes do bramentos do cumprimento da Cons- SUS, o Banco apresenta uma série tituição Federal, recém aprovada. “O de sugestões que colidem com a prognóstico para o sistema de saú- Constituição brasileira. Citamos de no Brasil não é bom (...). A Cons- Analisando as ações do Ministé- como exemplo: 1) a proposta de co- tituição de 1988 estabelece como di- rio da Saúde, ao longo dos anos brança por serviços de saúde que é reito constitucional o acesso univer- 1990, não se pode negar que deter- contrária ao princípio da gratuida- sal aos serviços públicos de saúde. minadas políticas implementadas de, “a cobrança aos usuários, tanto A implementação deste direito exer- nesse período se aproximam das direta como através de impostos lo- ceria significativo efeito sobre a pro- orientações do Banco Mundial e se- 146 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 aumento significativo nas despesas se as promessas públicas forem mantidas.” (idem,1995, p.xi, grifo nosso). CONSIDERAÇÕES FINAIS As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990 guem a lógica da proposta de refor- guiu acabar com os problemas do G EORGE, Susan; SABELLI, Fabrízio. La ma do Estado brasileiro, colocada setor. Dados do IDEC (Instituto de De- Religión del Crédito: El Banco Mun- em prática a partir das diretrizes senvolvimento Econômico), em 2000, dial y su Imperio Secular. Barcelo- expressas no documento denomina- apontam várias irregularidades fei- na: Colección Intermon, 1994. do ‘Plano Diretor da Reforma do tas por 13 operadoras do ramo, com Aparelho do Estado’, de 1995. graves prejuízos aos usuários. VIANNA , Sólon Magalhães; P IOLA, Sérgio Francisco; REIS, Carlos Octávio Pode-se citar como exemplo, den- Além disso, observou-se, nos tre outros, a criação de subsistemas anos 1990, a tentativa de reabilita- de saúde dentro do SUS; o incentivo ção de um modelo de atenção à saú- por meio de diversas ações à ampli- de centrado na atenção primária em ação da iniciativa privada na pres- saúde, com o argumento de que o tação de serviços de saúde; a trans- modelo médico hegemônico estaria WOLFENSOHN, James. Novos direciona- ferência de funções do Ministério da favorecendo as classes média e alta, mentos e novas parcerias. Washing- Saúde para agências reguladoras e enquanto a população pobre esta- ton, D.C.: [s.n.], 1995. organizações não estatais; a redefi- ria sem atendimento em suas ‘ne- nição da própria estrutura do Mi- cessidades básicas’ de saúde. Pro- nistério da Saúde. Ou ainda, a criação de programas como o PACS (Programa dos Agentes Comunitários de Saúde) e o PSF (Programa Saúde da Família), dirigidos para a população mais pobre. Observou-se também, na década de 1990, a adoção de medidas ou a ausência delas, que permitiram a precarização, sem precedentes na história, do emprego público na área da saúde e a transformação paula- sília (DF): IPEA , 1998. (Texto para discussão, 587). utilizando como estratégias, ações centradas na prevenção, na família e na comunidade, por meio de programas seletivos e focalizados. REFERÊNCIAS BANCO MUNDIAL. Brasil Novo Desafio à Saúde do Adulto. Washington, D.C.: Banco Mundial, 1991. (Série de Estudos do Banco Mundial Sobre Países). . A Organização, Presta- ços em regulador do setor. No cam- ção e Financiamento da Saúde no po da saúde, destaca-se a criação Brasil: uma agenda para os anos 90. de duas agências reguladoras com Washington, D.C.: Banco Mundial, tais fins: a A NVISA (Agência Nacional 1995. (Relatório N.º 12655 - BR). de Vigilância Sanitária), criada em C ORAGGIO, José Luiz. Las Propuestas 26 de janeiro de 1999, pela Lei Fede- del Banco Mundial para la Educa- ral 9728 e a ANS (Agência Nacional ción: sentido oculto o problema de de Saúde Suplementar), criada em concepción? Trabalho apresentado... 28 de janeiro de 2000. Seminário ‘O Banco Mundial e as saúde, por meio da ANS, não conse- sia em torno do co-pagamento. Bra- pôs-se, então, ‘inverter o modelo’, tina do Estado de produtor de servi- A regulamentação dos planos de Oché. Gratuidade no SUS: controvér- políticas de Educação no Brasil’. São Paulo, jun. 1995 (mimeo). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005 147 COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde Health Promotion: the Perception of Municipal Health Secretaries Silvano da Silva Coutinho1 Maria José Bistafa Pereira2 Anderson Vulczak3 RESUMO Pretende-se analisar a percepção dos secretários municipais de Saúde sobre o conceito de promoção da saúde. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de Recebido: 29/07/05 Modificado: 08/09/05 Aprovado: 09/01/06 abordagem qualitativa. Os referenciais foram as Conferências Internacionais de Promoção da Saúde e as discussões de autores tendo por base estas conferências. A amostra foi constituída de 11 secretários municipais de Saúde da 5ª Regional de Saúde do estado do Paraná, os quais responderam a uma entrevista semi-estruturada. Os dados foram ordenados utilizando-se a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A análise dos discursos possibilitou-nos visualizar que as percepções dos gestores transitam entre uma visão focada na prevenção de doenças, e por outro lado, uma visão que ressalta um enfoque ampliado do processo saúde-doença. PALAVRAS-CHAVE: Promoção da Saúde; Prevenção Primária; Programa Saúde da Família. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP (Eerp-USP). Docente do Departamento de Educação Física, Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, Guarapuava, Paraná, Brasil. 1 Endereço: Rua Rubem Siqueira Ribas 377, casa 3 – Bairro Trianon CEP: 85015-080 – Guarapuava/PR e-mail: [email protected] Professora Doutora, Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. 2 Graduado em Educação Física, Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, Guarapuava, Paraná, Brasil. 3 ABSTRACT This paper intends to analyse the perception of municipal health secretaries concerning the concept of health promotion. It is an exploratory research with a qualitative approach. Its references were the International Conferences on Health Promotion and the discussions of authors based on these conferences. The sample consisted of eleven municipal health secretaries of the 5th Health Region in Paraná state, which answered a semi-structured interview. Data were ordered using the Collective Subject Discourse (CSD) methodology. The analysis of these speeches made it possible to visualize that the managers’ perception transits between a vision focused on the prevention of illnesses and, on the other hand, a vision that emphasizes an extended approach of the health-illness process. KEYWORDS: Health Promotion; Primary Prevention; Family Health Program. 148 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde INTRODUÇÃO participação no controle deste pro- dade, democracia, cidadania, desen- cesso (BRASIL , 2001). volvimento, participação e parceria, As discussões sobre promoção da A Carta de Otawa propõe cinco entre outros (BUSS, 2000). Tem-se um saúde têm sido mais intensas nos campos centrais de ação: a constru- entendimento de uma responsabili- últimos 30 anos, em função das ção de políticas saudáveis, a cria- zação múltipla através de uma com- Conferências Internacionais de Pro- ção de ambientes favoráveis à saú- binação de estratégias: ações do moção da Saúde. Nosso principal de, o desenvolvimento de habilida- Estado, da comunidade, de indiví- objetivo é analisar a percepção de des pessoais, o reforço da ação co- duos, do sistema de saúde e de par- um grupo de secretários municipais munitária e a reorientação dos ser- cerias intersetoriais. de Saúde sobre o conceito de pro- viços de saúde. Estas ações são in- Apesar do título de internacio- moção da saúde. terdependentes, mas somente com a nais, as demais conferências têm a A ênfase de que o padrão de as- construção de políticas públicas característica de olhar para as rea- sistência tradicional não tem muito voltadas para a saúde se estabele- lidades regionais, buscando ampli- efeito na promoção de uma saúde ar a visão sobre a importância da melhor está descrito no Relatório promoção da saúde. Lalonde, datado de 1974. Neste do- Na declaração de Adelaide (Aus- cumento foi dada maior importância trália), realizada em 1988, a saúde a quatro componentes intitulados O TERMO é considerada, ao mesmo tempo, ‘determinantes de saúde’: a biologia ‘PROMOÇÃO DA SAÚDE’ como um direito humano fundamen- vida e a organização da assistência TEM SIDO ASSOCIADO social. Os governos são conclama- à saúde. Este documento canadense A UM CONJUNTO humana, o ambiente, os estilos de conclui que quase todos os esforços e os gastos em Saúde concentravam- tal e como um sólido investimento dos a investir recursos em políticas públicas saudáveis. DE VALORES Em 1991, na conferência de Sun- se na organização da assistência dsvall, identificaram-se vários médica, no entanto, as principais exemplos e abordagens para se cri- causas de mortes e enfermidades ti- ar ambientes favoráveis e promoto- nham suas origens nos outros três cerá o ambiente favorável para que res de saúde. Estes ambientes não componentes (BUSS, 2000). as outras quatro ações sejam possí- se referem apenas a aspectos físi- A 1ª Conferência Internacional veis (BRASIL, 2001). Este documento cos, mas a uma compreensão que sobre Promoção da Saúde foi reali- destaca que a promoção da saúde engloba outras dimensões, como o zada em 1986, em Otawa (Canadá) não é uma preocupação exclusiva ambiente sociocultural, o político e e teve suas discussões baseadas nos do setor Saúde, mas, ao contrário, o econômico, que são imprescindí- progressos da Declaração de Alma- se constitui numa atividade eminen- veis para a compreensão das ques- Ata (antiga URSS, 1978). Nesta con- temente intersetorial. tões de saúde, ou seja, a saúde é ferência, a promoção da saúde fi- Após a divulgação da Carta de vista na sua inseparabilidade e in- cou entendida como o processo de Otawa, em 1986, o termo ‘promo- terdependência com o meio ambien- capacitação da comunidade para ção da saúde’ tem sido associado a te (PALHA, 2001). atuar na melhoria de sua qualidade um conjunto de valores: qualidade Durante a Conferência Internaci- de vida e saúde, incluindo a maior de vida, saúde, solidariedade, eqüi- onal de Promoção da Saúde, em Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 149 COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson Santa Fé de Bogotá, em 1992, enfa- des educativas, relacionadas com tos. Isto significa continuar desen- tizou-se que a promoção da saúde riscos comportamentais passíveis de volvendo ações preventivas e de con- na América Latina deve buscar a serem mudados e que dependem do trole de saúde, abrindo espaços, criação de condições para garantir controle dos próprios indivíduos. concomitantemente, para novas in- o bem-estar geral como propósito Como exemplo podemos citar a ali- tervenções de efetiva promoção da fundamental do desenvolvimento, mentação, o hábito de fumar e be- saúde (FERRAZ , 1998). ou seja, saúde e desenvolvimento ber, as atividades físicas etc. devem andar juntos. Como relata Pereira (2001), mui- A segunda conceituação e a que tos foram os avanços do setor bra- Na 4ª Conferência Internacio- mais se aproxima da “nova promo- sileiro de saúde, contudo, ainda te- nal, em Jacarta (Indonésia), no ano ção da saúde” aclamada na Carta mos grandes desafios a enfrentar no de 1997, foram referendados os de Ottawa, define a promoção da modo de se ‘fazer saúde’, sobretudo conceitos citados antes, porém, saúde como “a constatação de que no que diz respeito a um modelo também entendendo a saúde como a saúde é produto de um amplo es- assistencial que privilegie a integra- um direito humano fundamental e lidade da assistência. essencial para o desenvolvimento Em 1994, o Ministério da Saúde social e econômico. apresentou a proposta do Programa Como recomendação da 5ª Confe- Saúde da Família, entendendo esta rência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada na Cidade do A SAÚDE É PRODUTO México, no ano 2000, foi reforçada a DE UM AMPLO ESPECTRO importância das ações de promoção DE FATORES RELACIONADOS da saúde nos programas e políticas COM A QUALIDADE DE VIDA governamentais, nos níveis local, regional, nacional e internacional. como uma “estratégia para a reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de doenças e no hospital” (MERHY, 2002, p.118), sendo que esta última toma Segundo Buss (2002), as diversas o processo saúde-doença como um conceituações disponíveis, bem como fenômeno individual, centrado no a prática de promoção da saúde po- corpo do indivíduo e fundamentado dem ser reunidas em dois grandes pectro de fatores relacionados com no saber biomédico. Faz-se necessá- grupos. A primeira, mais focada no a qualidade de vida” (idem, p.52). rio então, considerar, a família, nas indivíduo, enfatiza que a promoção Como exemplo, podemos citar a ha- suas relações intra e extrafamilia- da saúde consiste em “atividades di- bitação e saneamento, condições res, na luta para a sobrevivência, rigidas centralmente na transforma- adequadas de trabalho e renda, ampliando o conceito do processo ção dos comportamentos dos indiví- oportunidades de educação ao lon- saúde-doença, promovendo interven- duos, focando nos seus estilos de go de toda a vida, estilo de vida res- ções para além do corpo biológico. vida e localizando-os no seio de suas ponsável etc. Neste caso, as ativi- famílias, e no máximo, no ambiente dades de promoção estão mais vol- das culturas da comunidade em que tadas para o coletivo de pessoas e se encontram” (idem, p.51). Um pro- para o ambiente. PERCURSO METODOLÓGICO Trata-se de uma pesquisa explo- grama que se baliza por este concei- Estamos convivendo ao mesmo ratória, de abordagem qualitativa, to tende a concentrar-se em ativida- tempo com novos e antigos concei- ou seja, trabalha com o universo de 150 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde significados, motivos, aspirações, um termo de concordância devida- conteúdo de um dado fragmento que crenças, valores e atitudes, o que mente assinado. compõe o discurso ou a teoria sub- corresponde a um espaço mais pro- • Devolução de documento assi- jacente; as idéias centrais (IC), ex- fundo das relações, dos processos e nado pelo Prefeito do município, pressões lingüísticas que revelam ou dos fenômenos que não podem ser autorizando o secretário de Saúde a descrevem de maneira mais sintéti- reduzidos apenas à operacionaliza- conceder a entrevista. ca e precisa possível o sentido, ou o ção de variáveis (MINAYO, 1994). Como sujeitos desta pesquisa elencamos os secretários municipais de Saúde, acreditando que os mesmos sejam importantes para pensarmos na implementação de práticas de saúde que reorientem o modelo assistencial vigente. A pre- Como instrumento para coleta de dados, tivemos a entrevista semi-estruturada. O tempo médio de duração das entrevistas foi de 24 minutos. Para ordenação e organização do material empírico produzido sentido e o tema de cada conjunto homogêneo de ECH; a ancoragem, ou seja, a expressão de uma teoria, ideologia ou crença religiosa que o autor do discurso adota e que está embutida no discurso como se fosse uma afirmação qualquer; e o discurso do sujeito coletivo, que é uma sente pesquisa foi realizada na 5ª agregação ou soma não matemáti- Regional de Saúde do estado do ca de pedaços isolados de depoimen- Paraná, composta por 20 municípi- tos, de modo a formar um todo dis- os. A população total desta regio- COMO SUJEITOS nal é de 441.837 pessoas, segundo DESTA PESQUISA dados do IBGE do ano de 2002. Onze municípios participaram da cursivo coerente, em que cada uma das partes se reconheça enquanto constituinte deste todo e este como ELENCAMOS OS constituído por estas partes, expres- pesquisa. Com relação às Equipes SECRETÁRIOS MUNICIPAIS sando um posicionamento próprio, de Saúde da Família já implantadas DE SAÚDE distinto, original, específico frente nestes municípios até o momento da ao tema proposto. coleta de dados, constatamos que Estas figuras devem ser obser- das 70 equipes já existentes, 58 fa- vadas cuidadosamente para se ob- zem parte dos 11 municípios inte- ter um resultado que expresse uma grantes da pesquisa, ou seja, 82% pelas entrevistas nos apoiamos no representação fidedigna daquilo que do total de Equipes de Saúde da Fa- processo metodológico do Discur- foi pesquisado. mília desta Regional de Saúde es- so do Sujeito Coletivo – DSC, pro- Após esta organização dos dados, tão incluídas no estudo. posto por Lefèvre et al. (2000), que que resultou na confecção dos DSC A amostra foi selecionada res- possibilita organizar o conjunto de possíveis, procedemos à análise dos peitando aos seguintes critérios discursos verbais emitidos por um mesmos, tendo como pano de fundo de inclusão: dado conjunto de sujeitos sobre de- as discussões das Conferências Inter- terminado tema. nacionais de Promoção da Saúde. • Municípios que possuíam o PSF já implantado. Utilizamos para esta organização, quatro figuras metodológicas: RESULTADOS E DISCUSSÃO • Aceitação do secretário muni- as expressões chaves (ECH), que são cipal de Saúde em participar da pes- pedaços contínuos ou descontínuos Como um dos objetivos do Pro- quisa, devolvendo ao pesquisador da fala que revelam a essência do grama Saúde da Família (PSF) é a Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 151 COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson reorganização do modelo de assis- de adoecer. Este entendimento de Fica evidente nestes discursos a tência no sistema de saúde com base epidemiologia deve levar em con- preocupação dos gestores para com na promoção da saúde, entendemos sideração o conceito de campo de o pronto atendimento, com as deman- ser importante conhecer a concep- saúde, o qual admite que a saúde das de alta e média complexidades e ção dos secretários sobre este tema. é determinada por quatro conjun- com o oferecimento de medicamentos Lembramos que os dados aqui tos de fatores: biologia humana, aos usuários, demonstrando que o discutidos fazem parte de uma dis- estilo de vida, ambiente e organi- entendimento de promoção da saúde sertação de mestrado que versa so- zação do sistema de atenção à saú- se aproxima das definições de Leave- bre a atividade física no Programa de(VILELA & MENDES, 2000). ll & Clark (1976), que relaciona a pro- Saúde da Família. Promoção da saúde com o enfoque na prevenção de doença Nos fragmentos de DSC a seguir, moção da saúde aos níveis de pre- os secretários destacaram aspectos venção de doenças pautados no con- do que eles entendem ser o conceito ceito de história natural da doença. de promoção da saúde: fendemos não é sinônimo de pre- Um dos aspectos mais presentes venção de doenças e se diferencia no discurso dos secretários foi o desta quando se caracteriza por enfoque mais acentuado na preven- ser uma intervenção ou conjunto ção de doença, destacando-se, por exemplo, a importância da epidemiologia nas ações de promoção: “Promoção da saúde é não ter doença, evitando que a pessoa fique doente. É trabalhar em cima da prevenção para cuidar para que tenham saúde, é você prevenir, evitar a doença, é fazer a Epidemiologia do município trabalhar os exames preventivos, essas taxas de leishmaniose, de HIV, pois a epidemiologia, ela envolve muita prevenção.” (DSC 1) A epidemiologia, além da prevenção de doenças, pode também auxiliar na promoção da saúde a partir do momento em que consegue demonstrar a necessidade de estender serviços à comunidade, não apenas para as pessoas doentes que procuram esses serviços, mas também, para alcançar aquelas que ainda não adoeceram, mas se encontram expostas aos riscos A promoção da saúde que de- A PROMOÇÃO DA SAÚDE de intervenções que tem como ho- QUE DEFENDEMOS permanente, ou pelo menos dura- NÃO É SINÔNIMO DE doura da doença, porque objetiva PREVENÇÃO DE DOENÇAS rizonte ou meta ideal a eliminação atingir suas causas mais básicas, e não apenas evitar que as doenças se manifestem nos indivíduos (LEFEVRE & LEFEVRE, 2004). Também foi possível identificar “Quando o paciente precisa realmente de um atendimento, ele não pode esperar; aquela pessoa que não tem condições de poder pagar o médico particular, ele vem e nos procura, porque na hora que você precisa de uma vaga no hospital, não existe a vaga, ele precisa ser atendido.” (DSC 2) “Uma caixa cheia de remédio, de medicamentos.” (DSC 3) “É o atendimento de média e de alta complexidade, porque há uma demanda grande, a espera do serviço, a espera de especialidade de média e de alta complexidade.” (DSC 4) 152 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 nos discursos uma preocupação com a universalidade da atenção ou o direito universal à saúde, inclusive pautado no aspecto humano do atendimento. “Dar ao paciente a condição de vir às unidades de saúde e ser atendido humanamente; promover para que todo mundo tenha uma assistência à saúde digna, para que tenha um atendimento digno.” (DSC 5) Esta visão de promoção, pautada na prevenção, traz consigo uma ideologia (capitalista) racionaliza- Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde dora de melhorar a assistência, com te a uma secretaria municipal. As o olhar no que estas ações podem ações realizadas em conjunto tendem trazer de benefícios aos cofres pú- a obter maior êxito, alcançando re- blicos, diminuindo os gastos com sultados mais duradouros. É neces- os serviços de saúde. sário estabelecer uma política de go- “Eu acho que tudo caminha para que se faça uma prevenção bem feita para evitar o acúmulo de atendimento nas áreas emergenciais de saúde. Se fizermos prevenção na saúde, se economiza; tem que fazer a administração pública entender que é fazendo prevenção que se vai economizar futuramente na saúde pública.” (DSC 6) verno para que se possa obter mais potência nos resultados de qualidade de vida das pessoas. tratada na residência. O modo de relacionamento com a sociedade, com a família consigo mesmo também entra nisso. É a parte social da saúde, são ações intersetoriais.” (DSC 7) Quando pensamos em promoção da saúde, todos estes aspectos citados pelos secretários têm que estar presentes. Proporcionar melho- Promoção da saúde numa concepção ampliada do processo saúde-doença res condições de vida para as pessoas, fazendo com que elas adquiram hábitos que as levem a ter Na seqüência, temos discursos maior disposição para viver, tam- que expressam passos em direção a bém deve ser objetivo de todo ges- Atuar em ações preventivas tor. Enxergar os problemas com pode, sem dúvida, promover eco- uma visão de promoção de saúde nomia de gastos no setor saúde, exige não olhar somente o proble- uma vez que, primeiramente, atu- ma, mas tentar deslocar nosso olhar ar com a perspectiva de evitar a MEDIDAS PROMOCIONAIS doença nos seres humanos é um TENDEM A ATINGIR QUESTÕES ganho social sem precedentes. Lembramos, ainda, que agra- para ações básicas que norteiam e BÁSICAS DE PLANEJAMENTO vos à saúde também trazem cus- MUNICIPAL, QUE, NA SUA MAIORIA, tos sociais muitas vezes impossí- DEPENDEM DE AÇÕES INTERSETORIAIS veis de se calcular. É importante frisar que muitas das doenças não transmissíveis podem ser tratadas com intervenções de custo relativamente baixo, através de ações preventivas e promocionais. As medidas de prevenção são em si um grande caminho para melhorar a saúde das pessoas, mas medidas promocionais tendem a atingir questões básicas de planejamento municipal, que, na sua maioria, dependem de ações intersetoriais, como implantação de redes de saneamento, construção de escolas, incentivo à prática de atividades físicas e de lazer, ou seja, não deve se restringir exclusivamen- uma concepção do processo saúdedoença de forma mais ampliada, fugindo da saúde entendida somente como a ausência de doenças. Nesta linha de raciocínio, os gestores expressaram uma preocupação com os aspectos sociais que envolvem o processo saúde-doença. “É o indivíduo ter boa renda, boa escolaridade, ter lazer, ter um bom relacionamento familiar, ser feliz nessa casa, ter realização profissional, cultura, ter uma residência adequada, banheiro que tenha rede de esgoto, tenha água influenciam esta situação problema. As pessoas precisam sentir que são importantes através de: “[...] ações benfazejas que produzem o bem para o indivíduo, no sentido de manutenção do estado de saúde. O ambiente, a situação do ambiente, a situação dos hábitos de vida entram nisso também... é procurar o bem-estar pessoal, físico da pessoa, contribuindo para que o indivíduo mantenha ou até alcance saúde num estado mais continuado; é o paciente se sentir bem, é estar integrado na sociedade, é ele ser alguém.” (DSC 8) As ações em saúde devem atender aos princípios gerais do SUS com relação à universalidade, eqüidade e integralidade (S ANTINI, 1991) e, neste sentido, verificamos a incorporação destes princípios pelos gestores em seus discursos, ao declararem que a promoção da saúde é: Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 153 COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson “Um direito de todos. Não distinguimos nenhuma classe, nem o pobre nem o rico: quem procura a saúde é atendido igualmente. E fazer um trabalho para a coletividade, pensando na população.” (DSC 9) Para tentarmos ampliar o conceito sobre promoção da saúde, temos que direcionar as ações do PSF dentro de um conceito de universalidade, entendendo que toda pessoa tem direito ao atendimento e que a saúde é um direito de cidadania e dever do governo, na sua esfera munici- blemas. Pacientes vindo à procura de um trabalho da saúde, porque foi alertado de alguma coisa, porque existe um trabalho, ou de repente você vai de encontro ele com a equipe do médico, enfermeiro, do auxiliar que vai fazer esse trabalho na saúde, ver os efeitos que vem causando para a família do nosso município.” (DSC 10) o enfrentamento das doenças crôni- promoção da saúde: cas e causas externas (BRASIL , 2001). CONSIDERAÇÕES FINAIS PARTES E SOLTO NO MUNDO, PORTANTO, (P INHEIRO, 2003, p.11). O indivíduo O ATENDIMENTO DEVE SER FEITO PARA não deve ser visto como um amon- A SUA SAÚDE E NÃO SOMENTE PARA toado de partes e solto no mundo, AS SUAS DOENÇAS portanto, o atendimento deve ser fei- acontecem, ou seja, ir à comunidade para identificar, conhecer e ana- dos secretários municipais de Saúde transitam em meio a referenciais de prevenção de doença e de promoção da saúde. Atualmente, já se entende que a promoção da saúde é imprescindível na implementação de políticas públicas visanpessoas e diminuir a quantidade e para as suas doenças. so ir atrás dos problemas onde eles Ficou evidente que o discurso do melhorar a qualidade de vida das to para a sua saúde e não somente própria Unidade de Saúde, é preci- saúde, pois é essencial capacitar as sas fases da existência, o que inclui e coletivos, em cada caso, nos ní- através de demanda espontânea na aprendizado para os assuntos de forma mais ativa no processo de VISTO COMO UM AMONTOADO DE blemas da comunidade venham formação e às oportunidades de a vida, preparando-as para as diver- preventivos e curativos, individuais não deve esperar que todos os pro- a ela total e contínuo acesso à in- população para que ela participe de O INDIVÍDUO NÃO DEVE SER mover a saúde, a Equipe de Saúde comunidade, é preciso proporcionar pessoas para aprender durante toda do de ações e serviços de saúde, Pactuando com a idéia de pro- Para aumentar a participação da preocupação na conscientização da Entendemos também que a inte- veis de complexidade do sistema” te processo” (BRASIL, 2001). Os gestores demonstraram uma pal, estadual ou federal. gralidade é “um conjunto articula- maior participação no controle des- a gravidade das doenças. “A população deve fazer a parte dela também: ela ainda não se conscientizou da importância que realmente tem em fazer a parte dela também. Quando depende um pouco do lado da população mesmo, falta muito ainda, deixa muito a desejar, então é uma questão de cultura.” (DSC 11) Um conceito de promoção da saúde pautado apenas em se prevenir doenças é válido, porém, insuficiente. Temos que procurar expandir nosso olhar sobre a promoção de saúde para além dos aspectos da doença. Uma política de saúde ca- A Carta de Ottawa dá destaque a paz de promover a saúde deve levar esta preocupação, conceituando pro- em consideração aspectos importan- lisar a realidade local, e propor moção da saúde como “o processo tes relacionados a ações intersetori- ações capazes de nela interferir. de capacitação da comunidade para ais e ao suporte social. “Não só resolver os problemas, atuar na melhoria de sua qualidade Numa visão intersetorial, enten- mas diminuir, ir à tona de alguns pro- de vida e saúde, incluindo uma de-se que a saúde não deva ser vis- 154 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde ta como uma conquista ou uma res- o exercício de participar, elaborar e . Promoção da saúde da ponsabilidade exclusiva do setor fiscalizar diretrizes de políticas so- família. Revista Programa Saúde da saúde; ela é produto de uma inte- ciais, entre elas as da saúde, nos Família, Brasília, 2002, p. 50-63. gração de esforços, visando alcan- espaços coletivos instituídos de çar mais e melhores resultados e CARVALHO, Yara Maria de. Atividade participação e controle social e jun- racionalizar recursos. física e saúde: onde está e quem é o to aos dirigentes e governantes de “sujeito” da relação? Revista Brasi- nossos municípios. leira de Ciências do Esporte, v. 22, Por sua vez, o suporte social em promoção da saúde representa um conjunto de ações que podem ser realizadas por diferentes tipos de pessoas: os membros da equipe de saúde da família, parentes, amigos, voluntários, sociedade civil organizada ou governantes. O suporte social acontece quando se fornece informação, quando se disponibiliza um apoio emocional ou quando se fornecem recursos técnicos e/ou materiais para ajudar Por meio desta pesquisa tivemos a intenção de diminuir os obstáculos que possam nos tornar defensores de uma utopia, pois, para que a promoção da saúde realmente aconteça é necessário um entendimento e um envolvimento maior de todos que participam da construção do sistema de saúde. FERR AZ , Sônia Terra. Promoção da saúde: viagem entre dois paradigmas. RAP, v. 32, n. 2, mar-abr. 1998. p. 49-60. G ONÇALVES, Aguinaldo. Conhecendo e Discutindo Saúde Coletiva e Atividade Física. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. L EAVELL, H. R.; C LARK, E. G. Medicina REFERÊNCIAS Preventiva. Rio de Janeiro: McGraw- as pessoas a se protegerem e se cuidarem melhor. A idéia é que n. 2, jan. 2001. BAR ATA , Luiz Roberto Barradas; TA MENDES, José L EFEVRE, Fernando; LEFEVRE , Ana Ma- cimentos, maior confiança em si e Dínio Vaz. O papel do gestor esta- ria Cavalcanti & T EIXEIRA, Jorge Jua- mais habilidades possa proteger dual no Sistema Único de Saúde rez Vieira O discurso do sujeito co- sua saúde e viver melhor. (SUS). São Paulo: Serviço Gráfico letivo: uma nova abordagem meto- do D.A.S., 2003. dológica em pesquisa qualitativa. uma pessoa que tenha mais conhe- Ao finalizar, deixamos as lacunas para futuros aprofundamentos, entendendo que se faz necessário investir num conceito teórico-prático sobre o tema promoção de saúde, que possibilite um olhar ampliado do processo saúde-doença, pois, como gestores, eles têm, em tese, condições de buscar as articulações com outros setores (ações intersetoriais) na busca de proporcionar à NAKA, Oswaldo Yoshimi; HILL do Brasil, 1976. BRASIL. Ministério da Saúde. Promo- Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2000. ção da Saúde: Declaração de Alma- L EFEVRE, Fernando & L EFEVRE, Ana Ata, Carta de Ottawa, Declaração de Maria Cavalcanti. Promoção de saú- Adelaide, Declaração de Sundsvall, de, ou, A negação da negação. Rio Declaração de Santa Fé de Bogotá, de Janeiro: Vieira & Lent, 2004. Declaração de Jacarta, Rede de Me- M ERHY, Emerson Elias. Programa gapaíses e Declaração do México. Saúde da Família: somos contra ou Projeto Promoção da Saúde. Brasí- a favor? Saúde em Debate, Rio de lia, DF: Ministério da Saúde, 2001. Janeiro, v. 26, n. 60, jan.-abr. 2002. p. 118-122. comunidade condições de ter uma BUSS, Paulo Marchiori. Promoção da vida com mais saúde. saúde e qualidade de vida. Revista MINAYO , Maria Cecília de Souza. Pes- Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Ja- quisa social: teoria, método e cria- neiro. v.5, n. 1, 2000. p. 163-177. tividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. Na dimensão coletiva, a comunidade também precisa desenvolver Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 155 COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson PALHA, Pedro Fredemir. Vivências do cotidiano: A Promoção da Saúde como um exercício de cidadania no Programa de Integração Comunitária da Vila Tibério – Ribeirão Preto/SP. Ribeirão Preto, 2001. Tese (doutorado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. PEREIRA , Maria José Bistafa. O trabalho da enfermeira no serviço de assistência domiciliar – potência para (re) construção da prática de saúde e de enfermagem. Ribeirão Preto, 2001. Tese (doutorado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. PINHEIRO, Roseni. Integralidade e práticas de saúde: transformação e inovação na incorporação e desenvolvimento de novas tecnologias assistenciais de atenção aos usuários no SUS. Boletim ABEM, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1/2, jan-abr. 2003. S ANTINI, Luiz Antônio et al. A saúde do município: organização e gestão. Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Serviços Urbanos. Núcleo de Saúde. Convênio Ibama/Unicef, 1991. VILELA , Elaine Morelato & MENDES, Iranilde José Messias. Entre Einstein e Newton: desmedicalizando o conceito de saúde. Ribeirão Preto, SP: Holos, 2000. 156 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005 Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde Study on the Management of Residues of Healthcare Services Roberto Naime1 Ivone Sartor2 Ana Cristina Garcia3 Recebido: 17/10/03 Modificado: 15/06/04 Aprovado: 31/08/04 RESUMO Discute-se a questão dos resíduos dos serviços de saúde, na dimensão da construção de modelos de desenvolvimento sustentável. São divulgados os conceitos de redução, reutilização e reciclagem dentro dos serviços de saúde. Uma revisão bibliográfica do estado-da-arte do tema é apresentada, visando a obtenção de informações para a elaboração de parâmetros de adequada gestão destes materiais. É proposta uma nova atitude pró-ativa Geólogo. Doutor em Geologia Ambiental, Docente do Departamento de Engenharia Civil, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Curso Engenharia Industrial (Icet / Feevale,), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. 1 Departamento de Engenharia Civil FENG-PUC-RS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 30 CEP: 90619-900 – Porto Alegre, RS Fone: (51) 3320-3553 - Fax: (51) 3320-3824 e-mail: [email protected] Farmacêutica. Doutora em Ciências. Docente, Faculdade de Farmácia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. e-mail: [email protected] 2 Bióloga. Mestre em Engenharia ambiental, Docente do Curso de Engenharia Industrial, Centro Universitário Feevale, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil. e-mail: [email protected] 3 para o setor de saúde, sendo diagnosticado um grande potencial para o desenvolvimento de técnicas que minimizem os impactos ambientais causados por este setor no meio ambiente. PALAVRAS-CHAVE: Serviços de Saúde; Resíduos dos Serviços de Saúde; Gestão de Qualidade; Desenvolvimento Sustentável. ABSTRACT This paper discusses the issue of healthcare services’ residues, through the perspective of constructing sustainable development models. This work discloses the concepts of reducing, reusing and recycling in the healthcare services. It accomplishes a bibliographic review of the theme’s state-of-theart, in order to obtain information for the elaboration of parameters for managing these materials. It proposes a new proactive approach for healthcare services, with the perception of a significant potential for the development of techniques capable of reducing environmental impacts caused by these services. KEY-WORDS: Healthcare Services; Medical Waste; Quality Management; Sustainable Development. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 157 157 NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina INTRODUÇÃO As estratégias de sustentabilidade ambiental buscam compatibilizar de lixo” (CEMPRE, 1998). Então a reci- Este artigo pretende contribuir clagem de lixo surge como uma para que o Estado e as organizações opção importante no gerenciamento tenham subsídios adequados para dos resíduos sólidos. assumirem suas responsabilidades. as intervenções antrópicas com as O maior desafio para a recicla- características dos meios físico, bi- gem é a separação dos resíduos. A ológico e socioeconômico, minimi- falta de informações sobre o assun- zando os impactos ambientais atra- to é um dos principais motivos para Um programa eficiente de geren- vés da menor geração de resíduos a ausência de projetos bem susten- ciamento dos resíduos infecto-con- sólidos e pelo adequado manejo dos tados que determinem melhorias no tagiosos gerados nos estabelecimen- resíduos produzidos. setor. Particularmente os resíduos tos de saúde objetiva promover a Quando a população humana era dos serviços de saúde merecem aten- melhoria das condições de saúde pequena e a natureza tinha como ção especial em suas fases de sepa- pública, através da proteção do compensar os impactos a que era CONCEITUAÇÃO meio ambiente. submetida, não ocorriam desequilí- Com um efetivo gerenciamento, brios. No entanto, quando a popu- é possível estabelecer em cada eta- lação começa a crescer, os efeitos pa do sistema a geração, segrega- dos impactos começam a surgir. PARTICULARMENTE OS No século XVIII, com a revolução industrial, passa a ser intensa RESÍDUOS DOS SERVIÇOS a exploração dos recursos naturais. DE SAÚDE MERECEM No entanto, já a partir da metade do ATENÇÃO ESPECIAL século XX, o modelo de desenvolvi- ção, acondicionamento, coleta, transporte, armazenamento, tratamento e disposição final dos resíduos, com manejo seguro dos mesmos e equipamentos adequados aos profissionais envolvidos, inclusive mento passa a ser questionado, con- quanto ao uso de Equipamentos de siderando que os recursos naturais Proteção Individual (EPIs), que são são finitos. indispensáveis no caso. Em um país tão cheio de proble- A adoção de mecanismos prévi- mas sociais e econômicos, pode pa- ração, acondicionamento, armazena- os de separação e desinfecção per- recer secundária a preocupação com mento, coleta, transporte, tratamen- mite a reciclagem do vidro, dos os resíduos. Mas ao contrário do que to e disposição final, em decorrên- metais, do alumínio, dos plásticos possa parecer, essa motivação é vi- cia dos riscos graves e imediatos que e do papel. tal para nossa saúde e para a quali- podem oferecer, particularmente na dade de vida das gerações futuras. questão infecto-contagiosa. As principais causas do crescimento progressivo da taxa de gera- “Lixo é basicamente todo e qual- É lícito dizer que a própria Cons- ção dos resíduos sólidos dos servi- quer resíduo sólido proveniente das tituição Federal, em seu artigo 174, ços de saúde (RSSS) é o contínuo in- atividades humanas. No entanto o prevê que o Estado seja o regulador cremento da complexidade da aten- conceito mais atual é de que lixo é das atividades econômicas, promo- ção medida e o uso crescente de ma- aquilo que ninguém quer ou não tem vendo o desenvolvimento equilibra- teriais descartáveis (SANCHES, 1995). valor comercial. Nesse caso, pouca do entre produção e conservação coisa descartada pode ser chamada ambiental (BRASIL , 1988). 158 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 A população brasileira está cada vez mais concentrada em áreas ur- Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde banizadas e a expectativa média de to do uso de descartáveis, que so- viço de saúde esteja contaminado, vida do brasileiro vem crescendo de freu ampliação de 5% para 8% ao ano. levando a um preconceito que induz forma consistente. Estes fatores Em geral, os resíduos dos servi- a uma negligência para com as po- também se somam aos anteriores ços de saúde ainda não recebem o (FORMAGGIA, 1995). devido tratamento diferenciado, ten- Moreal (1993) assevera, em con- A quantidade e a natureza dos do muitas vezes como destino final firmação a todas as observações resíduos depende do tipo de hospi- o mesmo local utilizado para des- anteriores, que a quantidade de re- tal, dos procedimentos adotados, de carte dos demais resíduos urbanos síduos sólidos gerados no estabele- fatores sazonais e até do tipo de ali- (BRILHANTE & CALDAS, 1999). cimento de serviço de saúde é fun- líticas de gestão. mentação adotado (F ORMAGGIA, 1995). Destaque-se que, na maioria des- ção das diferentes atividades que Assim sendo, é necessário um es- tes locais, o acesso é livre aos cata- nele se desenvolvem, dependendo, tudo de caracterização, como a pesa- dores, que praticam a reciclagem portanto, da quantidade de serviços gem e a análise dos resíduos em cada informal, tornando elevadas as pos- médicos, do grau de complexidade estabelecimento e em cada período do sibilidades de assimilação de doen- da atenção prestada, do tamanho do ano, para se determinar a correta na- ças infecto-contagiosas pelas pesso- estabelecimento, da proporção entre tureza dos resíduos dos serviços de as expostas a manipulação de áreas pacientes externos e internos, e do saúde em cada estabelecimento. contaminadas por estes resíduos. número de profissionais envolvidos, Segundo Petranovich (1991), o Joffre et al. (1993) apresentam es- não sendo fácil, portanto, estabele- volume de resíduos dos serviços de tudo comparativo entre a gestão clás- cer relações simples que permitam saúde tem crescido 3% ao ano, num sica e a gestão avançada dos resídu- estimar a quantidade de resíduos fenômeno alimentado pelo crescimen- os dos serviços de saúde (Tabela 1). sólidos gerados. Por simplificação, na maioria dos TABELA 1 – Gestão de resíduos de serviços de saúde Tipo Gestão Clássica Gestão Avançada casos, é realizada uma relação en- Descrição básica Kg/leito/dia gerados, em função do número de A totalidade do RSSS é considerada especial (resíduos de pacientes com infecções virulentas, de pacientes com infecção de transmissão oral-fecal, de pacientes com infecções de transmissões por aerossóis, de resíduos perfurantes ou cortantes, cultivo e reservas de agentes infecciosos, sangue humano e resíduos anatômicos humanos). 1,5 - 2,0 A totalidade do RSSS é considerada como infectante (classe A) e como especial (classe B). 1,2 - 3,8 Brasil 0,005 – 0,4 Alemanha Holanda Canadá Áustria Suécia Somente uma pequena percentagem dos RSSS é considerada infectante e/ou especial. tre a quantidade média de resíduos Países leitos do estabelecimento, obtendo- Reino Unido França Bélgica se assim números que podem estar sujeitos a certo grau de imprecisão, mas que permitem facilidades de manejo e aplicação. Esta situação não pode ser aplicada a farmácias, ambulatórios, postos de saúde, consultórios e clínicas para os quais são necessários estudos específicos. Risso (1993) destaca vários ca- No caso brasileiro, embora algumas ações estejam sendo desenvol- resíduos ainda é considerada peri- sos de acidentes com resíduos de gosa (infectante ou especial). serviços de saúde, existentes na li- vidas para alterar a gestão atual, o Esta visão tem como premissa que se observa é que a maioria dos que todo resíduo originado de ser- teratura, incluindo o acidente com o Césio 137, em Goiânia. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 159 159 NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina OBJETIVOS Apresentar e discutir os principais procedimentos de manejo dos resíduos de saúde (com exemplos), bem como apresentar uma síntese das propostas contidas nos documentos normativos (Normas Brasi- das para a proteção ambiental “Uni- os recursos hídricos, a vegetação, ted Nations Environmental Protecti- os solos e a saúde. on” (UNEP ) como: • Risco agudo: decorrente de • Risco direto: probabilidade de emissões de matéria ou energia em que um determinado evento ocorra, grandes concentrações, em curto multiplicado pelos danos causados espaço de tempo. por seus efeitos. • Riscos tecnológicos ambientais: leiras, NBR) que disciplinam o tema. • Risco de acidentes de grande são riscos vinculados a contaminan- Abordar ainda a normatização porte: caso especial de risco direto tes ambientais, resultantes da ação (acondicionamento, coleta, armazena- em que a probabilidade de ocorrên- antrópica (tecnológicos) ou naturais. mento, tratamento, disposição final cia do evento é baixa, mas suas con- dos resíduos de serviços de saúde), seqüências são muito prejudiciais. Os riscos de caráter tecnológico podem ser controlados tanto na programas de gerenciamento, legis- probabilidade de ocorrência quan- lação e licenciamento ambiental. to em suas conseqüências, enquanto os de caráter natural so- PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS DE MANEJO DOS RESÍDUOS DE SAÚDE mente podem ser controlados O MAIOR PROBLEMA DOS quanto às suas conseqüências. A avaliação do risco é um pro- O maior problema dos resíduos RESÍDUOS SÓLIDOS DOS cesso analítico muito útil, que gera sólidos dos serviços de saúde é seu SERVIÇOS DE SAÚDE É valiosas contribuições para a ges- potencial de risco. E o risco é defi- SEU POTENCIAL DE RISCO nido como a medida da probabili- tão do risco, da saúde pública e para a tomada de decisões de política dade e da severidade de ocorrerem ambiental. Administrar de forma efi- efeitos adversos de uma ação parti- caz os riscos à saúde, associados cular. O risco ambiental pode ser ao vasto espectro da poluição gera- classificado de acordo com o tipo de atividade, englobando as dimensões de exposição instantânea, crônica, probabilidade de ocorrência, severidade, reversibilidade, visibilidade, duração e ubiqüidade de seus efeitos. No contexto governamental, o risco ambiental pode ser classificado nas áreas de saúde pública, recursos naturais, desastres naturais e introdução de novos produtos. • Risco percebido pelo público: a percepção social do risco depende de sua aceitação. A facilidade de compreensão e da aceitação do risco depende das informações fornecidas, dos dispositivos de segurança existentes, do retrospecto da atividade e dos meios de informação. da pelas atividades antrópicas, é um dos grandes desafios a serem enfrentados pelas políticas públicas. A United States Enviromental Protection Agency ( USEPA , 1986) define os resíduos perigosos como “o resíduo sólido ou combinação de resíduos sólidos, que devido a sua quantidade, concentração, características físicas, químicas ou infec- • Risco com características crô- ciosas, pode causar ou contribuir Brilhante e Caldas (1999) sinteti- nicas: aqueles que apresentam uma significativamente para o aumento zam a classificação de risco, segun- ação contínua por longo período, da mortalidade ou aumento das do- do a Organização das Nações Uni- como, por exemplo, os efeitos sobre enças graves irreversíveis ou de 160 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde incapacitação temporária, represen- resíduos foram realizados por Ma- 1995), podem atingir o homem por tando um risco real e potencial à chado Jr. et al. (1978). Estes estu- inalação, ingestão e injeção. saúde humana e ao meio ambien- dos identificaram uma série de mi- Para avaliar o potencial de ris- te, quando inadequadamente trata- crorganismos presentes na massa co da transmissão, deve ser levada do, armazenado, transportado e dis- de resíduos, indicando o potencial de em conta a dose infectante neces- posto ou manejado”. risco dos mesmos. Foram indicados sária para o desenvolvimento de de- Os resíduos dos serviços de saú- microrganismos como coliformes, terminada doença (infecções bacte- de são considerados perigosos tan- Salmonella thyphi, Pseudonomas rianas, por exemplo, necessitam de to pela legislação americana quan- sp., Streptococcus aureus e Cândi- maior dose infecciosa para se ins- to pela normatização brasileira. A da albicans. A possibilidade de so- talarem, do que infecções virais); periculosidade é atribuída tanto à brevivência do vírus na massa foi o agente infeccioso considerado; a toxicidade quanto à patogenicidade. comprovada pelo poli tipo I, hepa- resistência do hospedeiro e a porta Dentre os resíduos gerados nos tites A e B, influenza e vírus entéri- serviços de saúde, os classificados senvolverá se penetrar no organis- apresentam riscos mais evidentes, gênicos) como por substâncias quí- N A MEDIDA QUE OS R ESÍDUOS SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE SÃO DISPOSTOS micas (fármacos carcinogênicos, te- SEM CUIDADO EM DEPÓSITOS A CÉU ratogênicos e materiais radioativos). ABERTO , OU EM CURSOS DE ÁGUA , ção biológica (microrganismos pato- O risco de contaminação biológica por vírus, bactérias, fungos etc., POSSIBILITAM A CONTAMINAÇÃO DE favorecidos pela ação seletiva de an- MANANCIAIS DE ÁGUA POTÁVEL tibióticos e quimioterápicos, apre- netração do patógeno. O vibrião da cólera, por exemplo, somente se de- como infectantes são aqueles que podendo apresentar tanto contamina- de entrada, ou seja, a forma de pe- mo por via digestiva. A Associação Paulista de Controle de Infecção Hospitalar realizou estudos, indicando que as causas determinantes de patologias em usuários dos serviços médicos são: a) 50% devido ao desequilíbrio da flora bacteriana do corpo do paciente já debilitado; b) 30% devido ao despreparo dos profissionais que prestam sentando comportamento peculiar de assistência médica; c) 10% devido a multirresistência ao ambiente hospitalar, podem provocar infecções de cos. Estudos realizados pelo mes- difícil tratamento. mo autor revelaram patógenos em instalações físicas inadequadas, que proporcionam a ligação entre áreas consideradas sépticas e não sépticas, Os pacientes e os profissionais condições de viabilidade por até 21 das áreas, médica e para-médica, semanas durante o processo de de- biental; e d) 10% devido ao mau ge- bem como os funcionários que ma- composição de material orgânico. renciamento dos resíduos sólidos dos nuseiam os resíduos, são os poten- Durante estes estudos, foi verificado serviços de saúde. ciais alvos das infecções. o desenvolvimento de bactérias me- Na medida que os Resíduos Só- Por isso a solução é uma rigoro- sófilas (65.450.000/kg de resíduos), lidos de Serviços de Saúde são dis- sa normatização de conduta para o esporuladas (2.211.000/kg), termófi- postos sem cuidado em depósitos gerenciamento dos resíduos sólidos las (8.427.000/kg), fungos (500.000/ a céu aberto, ou em cursos de água, dos serviços de saúde. kg) e helmintos (428 ovos/kg). possibilitam a contaminação de possibilitando a contaminação am- Os primeiros estudos feitos com Os microrganismos presentes mananciais de água potável, sejam o objetivo de caracterização destes nos resíduos infecciosos (FORMAGGIA, superficiais ou subterrâneos, dis- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 161 161 NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina seminando as doenças por meio de considerado dentro do conceito de dução na geração de resíduos peri- vetores que se multiplicam nestes prevenção à ocorrência dos impac- gosos, antes das fases de tratamen- locais ou que fazem dos resíduos tos ambientais. É possível minimi- to, armazenamento ou disposição, fonte de alimentação. zar a geração de resíduos em certo incluindo qualquer redução de resí- nível, e traz grandes benefícios eco- duos na fonte geradora, e inclui a nômicos e ambientais. diminuição do volume total e a re- Minimização Segundo a Agência de Proteção dução da toxicidade do resíduo. A minimização, antes de se cons- Ambiental Americana (Enviromental A Tabela 2 apresenta vários mé- tituir em uma etapa de gerencia- Protection Agency / EPA, 1988), “Mi- todos para a minimização de alguns mento, é o primeiro aspecto a ser nimização de resíduos” significa re- resíduos perigosos. TABELA 2 – Métodos para minimização de alguns resíduos perigosos Tipo de resíduo Solvente Mercúrio Formaldeído Quimioterápicos antineoplásicos Fonte de geração Patologia Histologia Engenharia Embalsamento Laboratórios Equipamento obsoleto e/ou quebrado Patologia Necropsia Diálises Embalsamento Berçário Soluções de quimioterápicos Clínica geral Farmácia Pesquisa Materiais pontiagudos Bandagem Químicos fotográficos Radiologia Raios X Radioativos Medicina Nuclear Laboratório Testes clínicos Tóxicos Corrosivos Miscelâneas químicas Teste clínico Manutenção Esterilização Soluções para limpeza Resíduos de utilidades 162 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 Método recomendado Substituir solventes de limpeza por solventes menos perigosos Segregar resíduos de solventes Recuperar e reutilizar solventes por meio de destilação Usar calibradores de solventes para testes rotineiros Substituir instrumentos contendo mercúrio por eletrônicos Reciclar o mercúrio contido em resíduos de equipamento Fornecer kits individuais para limpeza de derramamento de mercúrio Diminuir a extensão de formaldeído Minimizar os resíduos da limpeza dos equipamentos de diálise Utilizar osmose reversa para tratamento de água Recuperar o resíduo de formaldeído Investigar a reutilização na doença, nos laboratórios de necropsia Reduzir os volumes utilizados Otimizar o tamanho do recipiente da droga quando da compra Retornar drogas com prazos de validade vencidos Centralizar o local dos compostos quimioterápicos Fornecer kits de limpeza para derramamentos Segregar resíduos Devolver o revelador fora da especificação para o fabricante Cobrir os tanques do fixador e do revelador para reduzir a evaporação Recuperar a prata Reciclar o resíduo do filme e papel Usar equipamento para reduzir perdas do liquido revelador Utilizar banho em contracorrente Usar menos isótopos perigosos quando possível Segregar e rotular apropriadamente os resíduos radioativos Inspeção e manutenção permanentes nos equipamentos para esterilização de óxido de etileno Substituir os agentes de limpeza por produtos menos tóxicos Reduzir volumes utilizados em experimentos Retomar os recipientes para reutilização Neutralizar os resíduos ácidos com resíduos básicos Usar manuseio mecânico para tambores para evitar derramamentos Usar métodos físicos em lugar de químicos para limpeza. Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde No gerenciamento de resíduos, lizados para diagnóstico e tratamen- sos, todos se tornam perigosos. A a redução na fonte facilita a defini- to de doenças, destacando-se solven- NBR 12807/93 define a segregação ção de modelos de gerenciamento. tes, produtos químicos fotográficos, como “operação de separação de re- As tendências internacionais atuais quimioterápicos e antineoplásticos, síduos no momento da geração, em estão referenciadas com a segrega- formaldeídos, radionucleídeos, gases função de uma classificação previa- ção e a minimização, bem como a anestésicos, mercúrio e outros resí- mente adotada para estes resíduos”. redução de distância entre os pon- duos tóxicos e corrosivos. Alguns A escassez de recursos humanos tos de geração de resíduos e de tra- destes materiais perigosos se tornam capacitados para gerenciar proble- tamento, objetivando diminuir as parte integrante de seus resíduos. mas ambientais decorrentes de pro- distâncias de transporte. A minimização deve focar prioritariamente os produtos perigosos uti- As ações de minimização podem gramas inadequados ou até mesmo ser esquematizadas por meio do flu- inexistentes quanto ao manejo de xograma da Figura 1. resíduos sólidos, é uma realidade nos serviços de saúde. Formaggia (1995) sugere que os profissionais FIGURA 1 – Fluxograma das ações de minimização deveriam se preocupar com os resíduos gerados por suas atividades, objetivando minimizar riscos ao meio ambiente e à saúde das populações que eventualmente possam ter contato com os resíduos. Para que a segregação dos resíduos seja eficiente, é necessária uma classificação prévia dos resíduos a serem separados. Deve ser estabelecida uma hierarquia em função das características dos materiais, considerando-se as questões operacionais, ambientais e sanitárias. A se- A racionalização de outras atividades desenvolvidas pelo estabelecimento, com a ordenação dos estoques por data de vencimento dos produtos; a centralização das compras e estoques de fármacos, dro- Segregação gregação em várias categorias é re- O fenômeno da descartabilidade é o responsável pelo aumento cada vez maior do volume de resíduos em estabelecimentos de saúde, determi- comendada como meio de assegurar que cada um receba apropriado e seguro manejo, tratamento e disposição final. A Resolução de maio de 1993 gas e outros materiais perigosos e nando que as ações sejam implemen- do Conselho Nacional do Meio Am- o treinamento dos profissionais para tadas no sentido de haver uma se- biente ( CONAMA ) já assinala que o manejo de materiais tóxicos e para gregação na origem da geração. quando a segregação não ocorre, o uso de técnicas de minimização Quando ocorre a mistura de re- os resíduos comuns (grupo D) que de resíduos também incrementa a síduos, quando materiais perigosos poderiam ser tratados como resí- minimização da geração. se mesclam a materiais não perigo- duos domiciliares, serão contami- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 163 163 NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina nados pelos resíduos infectantes que podem ser empregadas para uso (grupo A), merecendo o mesmo ge- como recipientes de descarte de ma- renciamento destes resíduos. teriais perfurocortantes. NORMATIZAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE Acondicionamento Takayanagui (1993) e Descarpack (1997) destacam que os principais Recuperação objetivos da realização da segregação são: 1) minimização dos re- A recuperação de Resíduos Sóli- síduos gerados; 2) permitir o ma- dos dos Serviços de Saúde é entendi- nuseio, tratamento e disposição fi- da como o processo por meio do qual nal adequados para cada catego- um resíduo se torna um produto útil ria de resíduos; 3) minimizar os e regenerado. Pode ser exemplificado custos empregados no tratamento pela recuperação da prata dos produ- dos resíduos; 4) evitar a contami- O acondicionamento deve ser executado no momento de sua geração, no seu local de origem, ou próximo, para reduzir as possibilidades de contaminação (R ISSO, 1993). O uso de sacos plásticos, exceto para perfurocortantes, oferece muitas vantagens sobre outros tipos de recipientes, tais como eficiência, nação de uma grande massa de re- praticidade, redução da exposição síduos por uma pequena quantida- do manipulador ao contato direto de perigosa; 5) priorizar medidas com os resíduos e melhoria nas con- de segurança quando são realmente urgentes e necessárias; 6) separar os resíduos perfurocortantes, evitando acidentes em seu manejo, A RECUPERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE e 7) comercializar os resíduos reci- É ENTENDIDA COMO O PROCESSO POR MEIO cláveis. Estes autores destacam DO QUAL UM RESÍDUO SE TORNA UM ainda que, para serem eficientes, os métodos adotados pelo estabeleci- PRODUTO ÚTIL E REGENERADO dições higiênicas. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) dispõe de várias normas relacionadas aos sacos plásticos. Devem ser consultadas: NBR 9191/93; NBR 9195/93; NBR 9196/93; NBR 9197/93; NBR 13055/93 e NBR 13056/93. mento, com padrões de cores e si- Martinez (1993) relata uma sis- nais, devem ser de conhecimento temática de identificação de sacos geral de todos os envolvidos. por cor, utilizada em muitos hospitais norte-americanos, que toma por Reuso tos químicos fotográficos; recupera- base as normas e recomendações da Organização Mundial da Saúde: O reuso é entendido como a reuti- ção de solventes por destilação, reci- lização de um material sem que ele clagem de filme e papel fotográfico, • Resíduos comuns: sacos verdes. tenha de passar por um processo de reciclagem do vidro e papelão descar- • Resíduos infectantes: sacos tratamento. Um bom exemplo de reu- tados e reaproveitamento de resíduos so é fornecido por algumas embala- de alimentos para uso em alimenta- gens de agrotóxicos – os fornecedo- ção animal, desde que não tenha en- res as reutilizam. O mesmo método trado em contato com os pacientes. pode ser empregado na reutilização Nestes casos, recomenda-se cuidado das embalagens do formaldeído de com o armazenamento, recomendan- necropsias, na utilização de latas de do-se que sejam submetidos a proces- • Vidros: sacos brancos. leite vazias do setor de maternidade, sos de cocção prévia. • Papel e papelão: sacos cinzas. 164 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 vermelhos. • Resíduos anatomopatológicos: sacos pretos. • Resíduos plásticos: sacos laranja. Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde Coleta Segundo a NBR 12807/93, “coleta interna de resíduos é a operação de transferência dos recipientes, do local de geração, para o local de armazenamento interno, normalmente localizado na mesma unidade de geração, no mesmo piso ou próximo, ou deste para o abrigo de resíduos ou armazenamento externo, geralmente fora do estabelecimento, ou ainda diretamente para o local de tratamento. Em pequenas instalações ou determinados casos, essas etapas reduzem-se a uma única.” destinada à limpeza, desinfecção e da uma nova filosofia na gestão de guarda de utensílios utilizados na tratamento dos resíduos, na qual assistência ao paciente. foram determinadas e consagradas Os edifícios comerciais que pos- regras que consideram que somen- suem estabelecimentos de saúde te uma pequena quantidade de resí- devem prover abrigos de resíduos duos hospitalares deve receber tra- domiciliares e comuns, separados tamento específico. do abrigo de resíduos infectantes e O objetivo de tratar resíduos in- especiais para facilitar a coleta in- fecciosos é reduzir os riscos associ- terna; todos atendendo às disposi- ados com a presença de agentes pa- ções normativas da ABNT. togênicos. Vários métodos são conhecidos, como tratamento por luz ultravioleta, tratamento com peróxido de oxigênio e outros. A coleta interna é aquela reali- Não há consenso sobre os méto- zada dentro da unidade, e consiste dos, e a melhor solução deverá ser no recolhimento dos resíduos das resultante da combinação entre va- lixeiras, fechamento do saco e seu NÃO HÁ CONSENSO SOBRE OS MÉTODOS, transporte até a sala de resíduos ou E A MELHOR SOLUÇÃO DEVERÁ SER gráficas e infra-estrutura, combina- RESULTANTE DA COMBINAÇÃO ENTRE das com a disponibilidade de recur- expurgo (DESCARPACK, 1997). A coleta externa consiste no recolhimento dos resíduos de servi- VARIÁVEIS LOCAIS COMO CONDIÇÕES ços de saúde armazenados nas uni- GEOGRÁFICAS E INFRA-ESTRUTURA sos e quantidade de resíduos. Disposição final dades a serem transportados para A Resolução CONAMA 05/93 define o tratamento ou disposição final. os sistemas de disposição final de A NBR 12810/93 especifica as con- resíduos sólidos, como o conjunto de dições do veículo. A Portaria 291 unidades, processos e procedimentos do Ministério da Saúde, de 31 de março de 1988, relaciona as substâncias infectantes. Armazenamento riáveis locais como condições geo- que visam o lançamento do resíduo Tratamento no solo, garantindo-se a proteção da Na década de 1980, com o advento da Síndrome de Deficiência saúde pública e conduzindo à minimização do risco ambiental. Imunitária Adquirida (AIDS ), ocorre É a última etapa no gerenciamento A Portaria 282, de 17 de novem- uma grande comoção pública em dos RSSS. No Brasil são dispostos: bro de 1982, do Ministério da Saú- relação às condutas de higiene hos- 1) a céu aberto; 2) em vazadouros; de prevê a instalação de sala ou ser- pitalar, e todos os resíduos que ti- 3) alimentação de animais; 4) ater- viço destinada ao preparo da medi- vessem contato com pacientes eram ros sanitários; e 5) valas sépticas. cação e do material usado na assis- considerados infectantes e passa- É recomendável que se tomem tência ao paciente e prevê também vam a merecer tratamento específi- medidas para isolar e tornar inde- a sala de utilidades ou expurgo, co. A partir de 1989, foi estabeleci- vassável o aterro e proteger águas Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 165 165 NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina superficiais e subterrâneas, bem A NBR 12810/1993 fixa os proce- menor impacto ambiental sobre os como o controle de gases e líquidos, dimentos exigíveis para as coletas meios físico, biótico e socioeconô- e a drenagem das águas pluviais. interna e externa. A NBR 9191/02 fixa mico que constituem o meio ambi- especificações para os sacos plásti- ente é uma necessidade urgente cos a serem utilizados e a NBR 11175/ para a melhoria de qualidade de PROGRAMA DE GERENCIAMENTO 90 estabelece padrões de desempenho O plano de gerenciamento de re- para os processos de incineração. síduos é composto de etapas, ela- A Resolução CONAMA 05/1993 es- boradas pelos geradores de resídu- tabelece as competências sobre o os, de acordo com suas caracterís- gerenciamento dos resíduos gerados ticas diagnosticadas. Considera uma em estabelecimentos de saúde. fase intra-estabelecimento e outra extra. A etapa primordial é na fase infra-estabelecimento. Envolve as fases: 1) Diagnóstico Inicial; 2) Conteúdo básico do Plano de Gerenciamento; e 3) Complementações de procedimentos previstos. O conteúdo básico do plano deve conter a classificação: (A1) Material biológico; (A2) Sangue e Hemoderivados; (A3) Cirúrgico, Anatomopatológico e Exsudato; (A4) Material perfuro cortante; (A5) Animais Contaminados e (A6) Assistência ao LICENCIAMENTO AMBIENTAL Várias normas brasileiras já citadas tratam do assunto, destacan- de qualidade de vida no atendimento prestado pelos serviços de saúde às populações. O presente trabalho se insere neste contexto, buscando trazer alternativas viáveis para a gestão dos resíduos dos serviços de saúde. REFERÊNCIAS O licenciamento ambiental é regido pela Resolução 237 de 19 de BRASIL. Associação Brasileira de Nor- dezembro de 1997 do CONAMA e con- mas Técnicas. NBR 7500. Símbolos sidera a utilização do licenciamen- de Riscos Manuseio para o Trans- to, instituído pela Política Nacional porte e Armazenamento de Materi- do Meio Ambiente, como instru- ais: Simbologia. Rio de Janeiro: mento de gestão ambiental. Regis- ABNT, 1994. tra ainda a necessidade de incorpo- . NBR 9191. Sacos Plásti- ração de práticas visando atingir a cos para Acondicionamento de Lixo: meta de desenvolvimento sustentá- Requisitos e métodos de ensaio. Rio vel e contínua melhoria. de Janeiro: ABNT,, 2002. paciente e sobras de alimentos. LEGISLAÇÃO vida das populações, sem a perda CONCLUSÕES . NBR 9195. Sacos Plásticos para Acondicionamento de Lixo: Determinação da Resistência à Que- As atividades ligadas ao setor de saúde são fundamentais no contexto de todos os aglomerados humanos organizados. No entanto, o compro- da Livre. Rio de Janeiro: ABNT, 1993. . NBR 9196. Determinação de Resistência à Pressão do Ar. Rio de Janeiro: ABNT, 1993. do-se ainda as NBR 9191/02, NBR metimento ambiental gerado pela 7500/94 (trata da simbologia), NBR gestão inadequada de resíduos sóli- . NBR 9197. Sacos Plásti- 12809/93 e NBR 13853/97. dos dos serviços de saúde é reconhe- cos para Acondicionamento de Lixo: A NBR 12807/83 estabelece a cido tanto pela comunidade científi- terminologia a ser utilizada, en- ca como pelas autoridades sanitári- quanto a NBR 12808/93 classifica as e pela população em geral. os grupos e a NBR 12809/93 fixa os procedimentos. Logo, a contribuição de alternativas tecnológicas que viabilizem 166 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 Determinação da Resistência ao Impacto. Rio de Janeiro: ABNT, 1993. . NBR 10004. Resíduos Sólidos: Classificação. Rio de Janeiro: ABNT, 1987. Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde . NBR 11175. Incineração BRASIL. Resolução CONAMA nº 05/ os dos Serviços de Saúde no Municí- de Resíduos Perigosos. Padrões de 1993. Define as normas mínimas pio de Botucatu. Proposta de Segre- Desempenho. Rio de Janeiro: ABNT, para tratamento de resíduos sólidos gação. Anais... 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Portaria 291 de 31/03/ ronmental effects from medical T AKAYNAGUI, A. M. M. Trabalhadores de Saúde e Meio Ambiente: ação educativa do enfermeiro na conscientização para gerenciamento de resídu- M ACHADO , V. M. P.; AMBRÔSIO, R. A.; os sólidos. (Tese de Doutorado). Ri- M ORENO, J. Diagnóstico dos Resídu- beirão Preto, SP: [s.n.], 1993. 179p. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 167 167 NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina U.S. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY (USEPA ). Guide for infectious. Waste Management Report. Washington, DC: USEPA, 1986. U.S. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY (EPA). Waste Minimization Opportunity. Assessment Ohio: EPA. 1988. 108p. 168 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias The Support Program for Substitute Families of Child and Adolescent Victims of Domestic Violence, From the Perspective of These Families Aline Paiva Bertolucci 1 Camilla Soccio Martins2 Caroline Paula Ribeiro Silvestre 3 Maria das Graças C. Ferriani4 RESUMO Pretende-se conhecer o Programa de Auxílio à Família Substituta (PAFS) na ótica das famílias, as quais possuem a guarda de crianças/adolescentes vítimas da violência intrafamiliar, abrigadas no Centro de Atendimento à Criança e Adolescente Vitimizados (C ACAV) no ano de 2002. Utilizou-se a Recebido: 03/05/04 Modificado: 04/06/04 Aprovado: 22/11/04 abordagem qualitativa fundamentada em Minayo (1994). A análise dos dados consiste em descobrir núcleos temáticos contidos nas falas das famílias. Identificamos dois núcleos: “Andamento do PAFS” e “Relacionamento da Família com a Criança/Adolescente”. Concluímos que o PAFS não está cumprindo seus objetivos, havendo incoerência entre teoria e prática; notamos que o relacionamento com a criança/adolescente é satisfatório, mas as condições materiais comprometem os cuidados a eles prestados. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq, Graduanda em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo. 1 Enfermeira. Mestranda em Enfermagem Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. Av. Bandeirantes, 3.900 Campus Universitário Monte Alegre Ribeirão Preto – CEP:14040-902 e-mail: [email protected] Portanto, questionamos se é conveniente retirar as vítimas do abrigo para encaminhá-las a uma família que não está apta para criá-las. PALAVRAS-CHAVE: Violência Doméstica; Família Substituta; Desenvolvimento de Programas. 2 Graduanda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil 3 Orientadora, Profa. Titular do Departamento de Enfermagem MaternoInfantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. 4 ABSTRACT This study aims to get to know the Substitute Family Support Program (PAFS) from the perspective of families with the custody of child/adolescent victims of intrafamily violence, who found shelter at the Support Center for Child and Adolescent Victims (CACAV) in 2002. We used a qualitative approach based on Minayo (1994). Data analysis consisted of the discovery of thematic groups contained in these families’ discourse. We identified two groups: “Course of the PAFS” and “Relation Between the Family and the Child/Adolescent”. We concluded that the PAFS is not reaching its objectives and that theory is not coherent with practice; we observed that the relation with the child/adolescent is satisfactory, but that material conditions jeopardize the care delivered to them. Hence, we question whether it is useful to remove the victims from the shelter and send them to a family that is not apt to raise them. KEYWORDS: Domestic Violence; Substitute Family; Program Development. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 169 BERTOLUCCI, Aline Paiva et al INTRODUÇÃO tigos corporais ou negligência em termos de cuidados básicos. A violência doméstica tem afetado crianças e adolescentes em todo o mundo. É tratada, muitas vezes, como um assunto proibido, o qual deve permanecer oculto para não trazer à tona a desestruturação familiar. Em geral, é caracterizada por um abuso do poder disciplinador e coercivo dos pais ou responsáveis, em que a vítima é completamente objetalizada e seus direitos fundamentais, como a vida, a liberdade e a • Violência sexual: Refere-se a todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual, cujo agressor esteja em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente. As • Negligência: Refere-se à irresponsabilidade dos pais quanto ao suprimento das necessidades básicas da criança ou adolescente, como alimentação, educação, higiene e afeto, os quais são essenciais ao seu desenvolvimento. A forma mais grave de negligência é o abandono. práticas são impostas pela violên- • Abandono: Afastamento do gru- cia física, ameaças ou indução de po familiar, crianças sem habitação, vontade, podendo variar entre atos desamparadas e sujeitas a perigos. com ou sem contato sexual, além de explorações que visem lucro. Podemos, ainda, definir o conceito de conflito familiar. Segundo segurança, são desrespeitados. Esta Brider (2003), o conflito é um fator subordinação de crianças e adoles- inerente às relações humanas. A cri- centes a diversas formas de maus- ança, por possuir papel secundá- tratos no ambiente familiar pode ter duração indefinida graças à sacralidade dessa instituição e à autoridade que os pais exercem sobre os filhos, impondo-lhes um pacto de silêncio e, por vezes, de cumplici- AS CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLÊNCIA INCIDEM SOBRE A CRIANÇA E/OU ADOLESCENTE , SOBRE O AGRESSOR, SOBRE A FAMÍLIA E NO FINAL SOBRE A SOCIEDADE dade (GUERRA & AZEVEDO , 1992). rio nas relações sociais (incluindo a relação familiar) e ser submissa à autoridade dos adultos, acaba por se tornar a maior vítima destes conflitos. As mães descontam em seus filhos as frustrações em função da posição de inferioridade e subordi- Muitos estudiosos têm buscado nação que ocupam na escala soci- estabelecer e definir a origem da vi- al; os pais usam as crianças para olência doméstica. Através de uma demonstrar seu poder e autorida- revisão histórica, notamos que ela sempre existiu, mas de formas distintas, de acordo com a época e a • Violência psicológica: Inclui a interferência negativa do adulto ou de, já que estas devem obediência ao “chefe da família”. pessoas mais velhas sobre a compe- As conseqüências da violência tência social da criança, conforman- incidem sobre a criança e/ou ado- do um padrão de comportamento des- lescente, sobre o agressor, sobre a trutivo. O agressor prejudica o desen- família e no final sobre a sociedade, • Violência física: É definida como volvimento social e mental da crian- uma vez que a violência é reprodu- qualquer ação, única ou repetida, não ça, pois esta é depreciada, podendo zida ideologicamente pelo núcleo fa- acidental (ou intencional), perpetra- apresentar dificuldades de relaciona- miliar, que, através de gerações, lega da por um agente agressor adulto ou mento. Pode-se apresentar das seguin- aos seus descendentes o que apren- mais velho que a vítima, que provo- tes formas: ameaças, humilhações, pri- deu e vivenciou. Este processo é de- que danos físicos à criança e ado- vações emocionais, rejeição, aterrori- nominado multigeracionalidade, sen- lescente. Processa-se através de cas- zamento, cobrança e corrupção. do definido por Caminha (2000) como sociedade. Segundo Assis (1994), a violência pode ser dividida em diferentes modalidades: 170 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias o fenômeno pelo qual crianças e ado- são encaminhados formalmente, mos direitos e deveres que a famí- lescentes expostos à violência domés- através do Conselho Tutelar e Juiza- lia natural possui. tica, de modo repetitivo e intencio- do da Infância e da Juventude, às A família substituta e guardiã é nal, tornam-se adultos que subme- instituições que abrigam crianças e regida pelo Estatuto da Criança e do terão crianças às mesmas experiên- adolescente em situação de risco, Adolescente (ECA), sob a Lei 8069 de cias pelas quais passaram. onde permanecem em caráter provi- 13.07.1990 e pelo Código Civil, no Apesar da mudança verificada no sório, sendo garantido atendimento caso de jovens com idade entre 18 e âmbito legal com a promulgação do integral à saúde e estímulo à parti- 21 anos. De acordo com Diniz (2002), Estatuto da Criança e do Adolescen- cipação em atividades da vida diá- esta família tem necessariamente que te em 1990 (BRASIL, 1997) e o reco- ria e prática. Com a resolução do possuir a guarda da criança ou ado- nhecimento dos direitos sociais desta caso na Vara da Infância e Juventu- lescente. Pela Lei 8069/90, Art. 28 do parcela da população, as institui- de, a criança e/ou adolescente volta Código Civil, constitui ‘guarda’ um ções de atendimento à criança e ao para sua família biológica, pode ser meio de colocar menor em família adolescente vêm constantemente sen- substituta ou em associação, inde- do chamadas a um reordenamento pendentemente de sua situação jurí- para a sua adequação à nova pro- dica, até que se resolva, em definiti- posta de atenção integral a estes, como sujeitos de direitos. A possibilidade de identificação de casos de violência muitas vezes se dá por profissionais que atuam A VANTAGEM DA FAMÍLIA SUBSTITUTA SOBRE Esta família pode, ainda, depois O ABRIGO É QUE ELA TEORICAMENTE OFERECE da decisão judicial da criança no caso UM LAR CONVENCIONAL RESGATANDO requerer a tutela ou adoção deixan- diretamente junto à criança e ao REFERENCIAIS A VALORES FAMILIARES , adolescente, sobretudo por aqueles A FIGURA DO PAI, DA MÃE E DOS IRMÃOS vinculados à Educação e à Saúde. vo, o destino do menor. de ela ser retirada do poder familiar, do de ser família substituta. • Tutela: é um complexo de direitos e obrigações conferidos pela lei a Atualmente, as denúncias po- um terceiro, para que proteja um dem ser feitas por meio do Disque menor que não se acha sob o poder Criança, quando se faz uma liga- familiar, e administre os seus bens. ção telefônica gratuita, sem necessi- encaminhada para uma família dade de identificação de quem aces- substituta guardiã e ainda pode ser sou o serviço. Após a realização da adotada, sendo prioridade sua vol- denúncia, as assistentes sociais da ta ao convívio familiar de origem. Secretaria Municipal do Bem-Estar Entende-se como família substi- Social são designadas para averi- tuta e guardiã aquela que se pro- guar e analisar o caso. Caso seja con- põe a trazer para dentro de sua pró- firmada a violação dos direitos da pria casa uma criança ou adoles- criança ou adolescente, o Conselho cente que, por qualquer circunstân- Tutelar é acionado. cia, foi desprovido da convivência • Adoção: A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que em geral lhe é estranha. Constatada a necessidade de se com a família natural, para que seja A vantagem da família substitu- retirar a criança e/ou adolescente da parte integrante dela, e nela se de- ta sobre o abrigo é que ela teorica- responsabilidade da família, estes senvolva, estando sujeita aos mes- mente oferece um lar convencional, Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 171 BERTOLUCCI, Aline Paiva et al resgatando referências a valores fa- co de ações de acordo com nível de cuidados; negligenciadas; sofrendo miliares, a figura do pai, da mãe assistência: primário (equipe básica), abuso de autoridade e violência se- e dos irmãos. secundário (equipe secundária) e o xual e/ou doméstica por denúncia – De acordo com a realidade fami- nível terciário (equipe terciária). In- situação em que se aciona o Conse- liar da violência e a complexidade teressa-nos para a presente pesquisa lho Titular e a criança é encaminha- deste fenômeno, é preciso sensibili- o nível terciário, incluindo o Centro da para o abrigo. Não há tempo zar e conscientizar os profissionais de Atendimento à Criança e Adoles- mínimo nem máximo de permanên- de saúde, fornecendo mais conheci- cente Vitimizados (CACAV) onde reali- cia dessas crianças no abrigo, tudo mentos, disponibilizando informa- zamos nossa pesquisa. depende do andamento do processo. ções e capacitando-os para o diag- O CACAV está localizado na re- nóstico e intervenção nos casos de gião sul do município de Ribeirão violência doméstica contra crianças Preto, interior do estado de São e adolescentes – não esquecendo Paulo, e compartilha área física da necessidade da formação de O presente estudo é de cunho qualitativo, fundamentado na proposta de Minayo & Sanches (1993) que define essa abordagem como “aquela capaz de aprofundar a complexidade de fe- equipes interdisciplinares em pro- nômenos, fatos, processos, particula- gramas de prevenção, detecção e res e específicos, de grupos mais ou acompanhamento das vítimas. Para isso, definimos como objeto de estudo famílias substitutas guardiãs de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. A CIDADE DE RIBERÃO PRETO , AO LONGO DOS ANOS, VEM INTENSIFICANDO O ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE OBJETIVO Conhecer, na ótica das famílias, ATRAVÉS DA ELABORAÇÃO DE PROGRAMAS PREVENTIVOS Campo de estudo mente”. A análise qualitativa, segundo os autores, trabalha com significados, motivações, crenças, valores e atitudes num espaço mais profundo da realidade social (p.23-24). Minayo (1996) argumenta que os sujeitos sociais que detêm os atriperderiam muito do seu significa- Substituta (PAFS) do município de METODOLOGIA pazes de serem abrangidos intensa- butos que pretendemos conhecer o Programa de Auxílio à Família Ribeirão Preto, em São Paulo. menos delimitados em extensão e ca- do se fossem abordados quantitaticom a Vara da Infância e da Ju- vamente. Assim, a pesquisa quali- ventude desta comarca. A área fí- tativa nos permitiu identificar a per- sica disponível está dividida em cepção que as famílias substitutas área de atendimento, sendo que as possuem com relação a um progra- crianças e adolescentes têm aces- ma de auxílio a elas. A cidade de Ribeirão Preto, ao lon- so livre a estes locais. Todas as A amostra constitui-se de quatro go dos anos, vem intensificando o crianças e adolescentes têm uma famílias substitutas que possuem a atendimento à criança e ao adoles- ficha arquivada contendo carteira guarda de crianças e adolescentes cente através da elaboração de pro- de vacinação e receitas médicas. vitimizados pela família biológica gramas preventivos e, hoje, estrutu- A clientela atendida na institui- e que foram abrigados no CACAV no ra-se uma Rede de Atendimento Inte- ção caracteriza-se por crianças de 2 ano de 2002. Estas famílias estão gral à Criança e ao Adolescente (RAI - a 17 anos e são encaminhadas em inscritas no Programa de Auxílio à CA), baseada condições de abandono; carentes de Família Substituta. num sistema hierárqui- 172 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias Os dados foram coletados atra- ria que serve de guia à leitura. Com adolescentes preconizados na ECA vés da análise documental, inclu- o tema, descobrimos os núcleos de (Estatuto da Criança e do Adolescen- indo documentos do próprio CACAV sentido, ou seja, um agrupamento te): o direito de viver em família, e relatórios das famílias e das cri- das respostas classificadas que per- mesmo que em família substituta. anças e adolescentes, elaborados mitiram detectar divergências, con- As famílias incluídas no progra- pela assistente social responsável flitos, vazios e pontos coincidentes ma são aquelas que possuem renda no abrigo. Utilizamos, também, que se acham nas afirmações dos per capta igual ou inferior a 80 reais. como instrumento de coleta de da- correspondentes. A partir dos nú- O programa repassa um benefí- dos, a entrevista semi-estruturada. cleos, interpretamos as mensagens cio financeiro, tendo em vista que a contidas nas falas. família, ao acolher uma criança sob Esta última, é aquela que parte de certos questionamentos bá- guarda, terá um gasto maior. Esse sicos, apoiados em teorias e hipó- benefício advém do Fundo Munici- teses que interessam à pesquisa e pal dos Direitos da Criança e do Ado- que, em seguida, oferecem amplo lescente. Consiste em 80 reais men- campo de interrogações, fruto de sais para uma criança; 120 reais novas hipóteses que vão emergin- mensais, no caso de a família ter sob O PROGRAMA REPASSA UM BENEFÍCIO FINANCEIRO, guarda duas crianças; e 200 reais tificar os entrevistados, numera- TENDO EM VISTA QUE por seis meses, mas há indicações mos as entrevistas de 1 a 4, op- A FAMÍLIA, AO ACOLHER período, que parece não ser suficien- do à medida que recebem as respo stas do inf or mante (T R I V INOS ,1992). Com o objetivo de iden- tando pela letra E de entrevistado. A investigação ocorreu no período de junho a julho, no ambiente das UMA CRIANÇA SOBRE GUARDIÃ , mas apresenta características comuns a todas as famílias incluídas. Sendo assim, a família precisa bus- aprovada pelo Comitê de Ética se- car um referencial de autonomia gundo o protocolo 0120/200. para que, futuramente, as dificulda- Os dados serão analisados com des financeiras não sejam motivo de base na proposta de Bardim (1979). uma comunicação cuja presença signifique alguma coisa para o objeto analítico visado (MINAYO , 1996), te para a família se organizar. Esse projeto é individualizado, TERÁ GASTO MAIOR mas da resolução 196/96-CNS, os núcleos de sentido que compõem início, a família permanece no PAFS técnicas para a prorrogação desse famílias. A pesquisa segue as nor- Essa técnica consiste em descobrir para quatro ou mais crianças. De dispensa da guarda. Na prática, essa ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO autonomia se dá através da otimização dos recursos oferecidos pela co- Caracterização do Programa de Auxílio à Família Substituta (PAFS) munidade, como centros de formação, cursos de iniciação profissional, indicações profissionais, etc. ou seja, a partir de um tema consi- A prefeitura do município de Ri- derado como uma unidade de sig- beirão Preto implantou, em 1994, o nificação, que se liberta natural- Programa de Auxílio à Família Subs- mente de um texto analisado segun- tituta (PAFS), com o objetivo de aten- Para a caracterização de nossa do certos critérios relativos à teo- der ao direito das crianças e dos amostra, optamos por descrever o Caracterização das vítimas Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 173 BERTOLUCCI, Aline Paiva et al perfil das crianças abrigadas no família de origem, com o objetivo os pré-requisitos já citados para a CACAV no ano de 2002, localizando- de não privá-la do direito de convi- inclusão no Programa, sendo esta a as nesse contexto. vência no local onde primariamente nossa amostra. Constatamos que no ano de 2002, estabeleceu vínculos afetivos. Nes- 224 crianças e adolescentes foram tes casos, opta-se por um acompa- abrigadas no CACAV em decorrência das nhamento ou tratamento terapêuti- modalidades de violência doméstica. co com os pais agressores, no senti- Houve predomínio da negligência so- do de auxiliá-los numa mudança de bre as demais formas de violência, conduta quanto à educação dos fi- sendo que, das 224 crianças, 90 fo- lhos. Contudo, não há garantia de ram abrigadas devido a negligência. que esse fato será consumado, pois Segundo Minayo (2002), os ca- muitos pais não respondem de modo sos de negligência são responsáveis positivo ao tratamento, ou não par- pela maioria das notificações for- ção de pobreza da família, mas são questões completamente distintas e separadas. O que acontece é que lise de conteúdo, foram definidas as temáticas que servem para classificar e compreender os depoimentos em geral. Essas temáticas são: Andamento do Programa de Auxílio à Família Substituta (PAFS) e Relacionamento das famílias com a Na primeira temática, observa- de 50%. Ocorre, predominantemendendo ser confundida com a situa- De acordo com a técnica de aná- criança/adolescente. mais de violência doméstica – mais te, nas famílias de baixa renda, po- Núcleos temáticos mos que para três das famílias o ... QUANTO À RESOLUTIVIDADE DOS CASOS , A MAIORIA DAS CRIANÇAS/ ADOLESCENTES as dificuldades presentes nas vi- ABRIGADOS RETORNOU PARA das destas pessoas podem favore- A FAMÍLIA BIOLÓGICA cer ou estimular a ocorrência desse tipo de violência. Das quatro crianças e adolescentes incluídos no estudo, duas foram vítimas de negligência, uma de abandono e ticipam dele. Quanto a essa situa- uma de conflito familiar. ção, observamos que, com base em tempo de permanência no PAFS e o benefício recebido não estão sendo suficientes, considerando que o dinheiro é utilizado para cobrir despesas como alimentação, aluguel e energia elétrica, como podemos identificar nas falas abaixo: “Ah, tinha que aumentar, viu? Porque só aqui ó, eu devo quatro mês de aluguel já, entendeu? (...). Porque vamo supor, a gente ganha 20, 30 conto por dia catando papel, não tem condições.” (E1) Ainda podemos dizer que, quan- dados colhidos ao longo da histó- to à resolutividade dos casos, a ria, é possível presumir que se as maioria das crianças/adolescentes crianças e adolescentes agredidos abrigados retornou para a família voltarem a conviver com os agres- biológica; seguidas por aquelas que sores, 5% deles serão mortos e 35% Para a quarta família, receber permanecem abrigadas. As crian- serão feridos de novo (Kempe, 1975 ou não o benefício do PAFS é indife- ças/adolescentes encaminhados a apud Azevedo & Guerra, 1989). rente. Contudo, notamos um tom ar- uma família substituta correspon- “Que nem, 80 real, cê tira 35 (casa), depois cê tira 56…energia… né? Não tem, não dá. Acho pouco, ajuda, mas tá pouco.” (E1) Das 25 crianças encaminhadas a rogante e frustrado em sua fala, con- famílias substitutas, quatro foram siderando que, dentre todas as fa- Este fato deve-se à prioridade incluídas no Programa de Auxilio à mílias, é a que apresenta condições dada ao retorno da criança à sua Família Substituta, por possuírem mais precárias: dem a 11% do total. 174 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias “Independente disso ou não, eu sempre dei conta de sustentar minha casa, nunca recebi isso daí na minha vida.” (E4) fício, notamos que o Programa tem receberam o benefício em dinheiro e se mostrado omisso, pois as visitas a cesta básica, concomitantemente. são feitas apenas no início do recebi- Já nas outras duas, as cestas bási- mento do benefício, e após esse perí- cas foram doadas até a inclusão no “Independente disso ou não, sempre criei meus filho sozinha, nunca passei necessidade, nunca faltou roupa ou calçado pra eles, entendeu?” (E4) odo nenhum acompanhamento é re- Programa; quando começaram a alizado, distanciando-se do objetivo receber o benefício, deixaram de re- inicialmente proposto. Isso foi rela- ceber ajuda em alimentação. Percebemos, assim, que o tempo de permanência no PAFS e o benefício recebido são, de modo geral, insuficientes em função das dificuldades que estas famílias en- tado por todas as famílias, como observamos nas falas abaixo: “Ah, só veio no começo… depois não veio mais, agora quem vai lá assim todo mês fui eu, né?” (E2) frentam, as quais se agravam com “Ela falou assim pra mim que ia me dar os 80 e uma cesta básica (...). Depois que começou a vir ao 80, aí ela cortou a cesta básica.” (E3) a inclusão de um novo membro. O dinheiro que deveria ser utilizado em benefício da criança, muitas vezes não serve nem para suprir as necessidades básicas das famílias, como alimentação e moradia. Diante da situação descrita, questionamos se é conveniente retirar uma criança ou adolescente do abrigo para encaminhá-los a uma famí- “Não recebi mais nada, foi só o dinheiro, até quando ela tava lá que ela vinha passar o final de semana em casa aí eles trazia umas coisinha (...). Aí depois que eu peguei ela mesmo já não deram mais nada.” (E2) ... QUESTIONAMOS SE É CONVENIENTE RETIRAR UMA CRIANÇA DO ABRIGO PARA ENCAMINHÁ -LOS A UMA FAMÍLIA QUE NÃO LHES DÊ O MÍNIMO DE CUIDADOS NECESSÁRIOS Concluímos, assim, que por um lado o Programa mostrou-se coerente, pois as famílias que receberam as cestas básicas eram, de fato, as que possuíam as condições mais precárias. Por outro lado, notamos que ele foi falho, pois se limitou a forne- lia que não lhes dê o mínimo de cer ajuda em alimentação, conside- cuidados necessários. O abrigo pode rando isto suficiente para auxiliar não ser o destino mais indicado para famílias que, além das dificuldades uma criança vitimizada, já que provoca a privação desta do ambiente familiar e comunitário. Contudo, tão importante como o direito à convi- “Eles vinha, não era sempre não, mas de vez em quando eles vinha (...). Se vieram umas duas vez aqui foi muito.” (E4) vência em família destacamos o di- Com relação a outras formas de reito à alimentação, moradia e edu- auxílio, constatamos que a única cação adequadas, itens ausentes em ajuda que as famílias receberam algumas das famílias estudadas. além do dinheiro foi a entrega de ces- No que se refere ao acompanha- tas básicas. Não foram citados en- mento das famílias por parte dos res- caminhamentos a cursos ou empre- ponsáveis pelo PAFS, no sentido de gos, no sentido de proporcionar à identificar suas necessidades e ori- família autonomia financeira, como entá-las quanto à aplicação do bene- propõe o Programa. Duas famílias financeiras que já apresentavam, assumiram a responsabilidade pelos cuidados de uma outra criança, o que acaba por aumentar as despesas. Quanto às perspectivas gerais em relação ao PAFS e a expectativa após o término do auxílio financeiro, três famílias mostraram-se preocupadas, reconhecendo que o dinheiro é de grande utilidade e que as dificuldades serão maiores sem ele. “Ah, eu acho que as coisa vai ficar difícil, viu? Vou ter que trabalhar mais Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 175 BERTOLUCCI, Aline Paiva et al né? Trabalhar dobrado pra dar conta das coisa.” (E1) Em outra família ouvimos críticas ao Programa, tanto quanto à sua ineficácia como ao tratamento recebido por parte das assistentes sociais: “Nunca tive antes também esse poblema com assistente social, de vim ficar na minha porta (...), porque tem hora que eu vou falar pra você, enche o saco...” (E4) “Vim aqui, vê a sua situação, trazer uma cesta, falá assim: vou te arrumar um emprego, ninguém te arruma (...). Neguinho só sabe falar assim: vou te denunciar, vou tirar seu filho (...), cê fuma maconha, ai, cê tá drogada.” (E4) das como os filhos biológicos, como respeito. Este é um fator relevante, podemos notar na fala abaixo: já que estas crianças e adolescentes “Ela me chama de mãezona, eu sou a mãezona. Onde nóis vai ela fica abraçando, beijando, agarrando (...). Eu falei pra ela: eu gosto de você como se fosse uma filha minha.” (E2) provêm de lares que lhes negaram estes cuidados, sendo importante que eles os recebam na nova família, para um desenvolvimento social e emocional saudável. Na outra família, o vínculo com Segundo Daher (2003), requerer o adolescente mostrou-se prejudi- a guarda de uma criança violenta- cado, pois a responsável relata ter da é um ato de grandeza imensurá- sido induzida a ser guardiã, ou seja, vel, é uma demonstração de despren- acolheu a criança contra sua von- dimento, capacidade de repartir e de tade. Menciona estar desapontada, se doar. Trata-se de um sacrifício por tantos ignorado e por quem poderia amenizar, considerado indiferente. Estas famílias estão dispostas a ofe- Assim, para a maioria das famílias, receber o benefício em di- DE MODO GERAL, recer às crianças amor, respeito e NOTAMOS QUE A lutar por muito tempo para alcan- dignidade. São capazes de esperar e FAMÍLIA SUBSTITUTA çar legalmente seus objetivos. No tiva de reorganização de sua situa- DISPENSA CUIDADOS COMO: ção financeira e, ao saírem do Pro- ATENÇÃO, AMOR, CARINHO de sobrevivência destas famílias, nheiro foi importante para a tenta- grama, as dificuldades serão mai- E RESPEITO ores. Contudo, verificamos que para nenhuma delas estas dificuldades adolescente, pois estas famílias pois apesar de seu esforço para têm consciência dos possíveis pro- cuidar do menino, ele fugiu e vol- blemas que podem enfrentar, mas tou para o abrigo: mento das famílias com a criança/ adolescente, identificamos que o vínculo com as crianças e adolescentes são satisfatórios em três das famílias substitutas. Estas se dispuseram rem famílias substitutas pode estar relacionado com o interesse e necesro. Sendo assim, há maior compro- cerem com a guarda da criança ou Na segunda temática, Relaciona- percebemos que o fato de se torna- sidade de receber auxílio financei- serão um obstáculo para permane- estão dispostas a superá-los. entanto, devido às reais condições “Não fui eu que fui tirar ele de lá (...), eu não tô acostumada a cuidar duma criança da idade dele, então eu acho que quem tem que ficar com ele mesmo é meu pai, nem aqui nem no C ACAV não é o lugar dele, tinha que ser do lado do meu pai.” (E4) espontaneamente a receber as víti- De modo geral, notamos que a mas, e possuem com elas um bom família substituta dispensa cuida- relacionamento afetivo, sendo trata- dos como: atenção, amor, carinho e 176 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 metimento com os cuidados dispensados à criança/adolescente, considerando que este é um requisito para a permanência no Programa. Identificamos, ainda, que na percepção de três famílias as crianças e adolescentes apresentam bom comportamento, sendo este representado pela obediência às normas impostas e pelo fato de não saírem à rua. Podemos evidenciar isso na fala abaixo: “Ela morava com a mulher ali, só que com a mulher ela dava trabalho. O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias Aqui comigo ela não dá, eu tenho que brigar com ela para ela sair e dar uma voltinha.” (E3) cia no PAFS, como também quanto Diante desta situação, não pode- ao incentivo à autonomia financei- mos nos esquecer de que todas as ra. O tempo de permanência no Pro- medidas e decisões devem ser toma- Por outro lado, percebemos que grama e o auxílio recebido são das visando ao bem-estar das cri- para uma família o mau comporta- considerados insuficientes, já que anças e adolescentes, pois estes, que mento do adolescente é reconhecido, o benefício é utilizado como uma já sofreram com a violência intrafa- na ótica do responsável, através da fonte de renda para cobrir despe- miliar, não podem ter mais uma vez desobediência às normas impostas: sas básicas, e não para o investi- seus direitos violados. “Ele quer ser dono do nariz dele (...). O dia que ele pediu pra ir na festinha junina aqui, eu falei: ‘Até dez e meia’. Ele chegou era meia-noite. Eu não posso ficar atrás dele pra lá e pra cá...” (E4) mento direto na criança ou adolescente. Detectamos, assim, uma in- REFERÊNCIAS coerência entre teoria – objetivos formais do PAFS – e prática – aquilo que se concretiza, de fato, nas famílias substitutas. A SSIS, Simone Gonçalves. Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes. Petrópolis, RJ: Vozes, O fato de o comportamento das Em relação à segunda temática, crianças e adolescentes constituir observamos que a maioria das fa- um dos núcleos de referência está mílias possui um relacionamento A ZEVEDO , Maria Amélia; GUERRA, Vi- diretamente relacionado à importân- afetivo positivo com as vítimas, ofe- viane Nogueira de Azevedo. Vio- cia atribuída pela família a este as- recendo-lhes tudo, ou quase tudo, lência doméstica na infância e na pecto. A forma como a criança e o que lhe foi negado emocionalmen- adolescência. São Paulo: Robe Edi- adolescente manifestam seu com- te. Contudo, subentendemos que o torial, 1995. portamento, no entanto, está auxílio financeiro pode induzir as relacionada à forma como eles são . Crianças vitimizadas: a sín- famílias a se tornarem guardiãs de educados. Assim, apesar da violên- drome do pequeno poder. São Pau- crianças e adolescentes vitimizados. cia de que foram vítimas em suas lo: Iglu, 1989. Além da questão afetiva, deve- famílias biológicas e conseqüente mos considerar a questão materi- prejuízo em sua educação, estas cri- al, pois estas crianças e adolescen- anças e adolescentes apresentam, na tes têm direito à alimentação, saú- visão das famílias guardiãs, um de e moradia adequadas. Se as fa- BARDIN, Laurence. Análise de conteú- bom comportamento. mílias inscritas no PAFS não podem do. Lisboa (PT): Edições 70, 1979. oferecer estas condições, o Progra- CONCLUSÃO ma deve cumprir seu papel de maneira adequada e rever suas dire- 1994. 72 p. . et al. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1998. BRIDER , Inah. Direito e Família, 2003. Disponível em: http//www.direito ejustiça.com/direito_de_familia/ Concluímos que, de acordo com trizes, para que as famílias pos- a primeira temática, o andamento sam, no mínimo, suprir suas ne- do Programa, na ótica das famílias cessidades básicas. Se isso não C AMINHA, Renato Maiato. A violên- substitutas, não está cumprindo ocorrer, questionamos se é conve- cia e seus danos à criança e ao ado- seus objetivos iniciais no que diz niente retirar as vítimas do abrigo lescente. In: UNICEF. Violência do- respeito ao acompanhamento da fa- e encaminhá-las a uma família que méstica. Brasília, DF: Unicef, 2000. mília durante o tempo de permanên- não está apta para criá-las. p. 43-60. index4.htm. Acesso em: 10 jul 2003. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 177 BERTOLUCCI, Aline Paiva et al DINIZ , Maria Helena. Código Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2002. v.5. . Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8069 de 13 de julho de 1988. São Paulo, 1988. GUERRA , Viviane Nogueira de Azevedo.; A ZEVEDO, Maria Amélia. Violência doméstica contra Criança e Adolescentes e Políticas de Atendimento : Do silêncio ao compromisso. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v.II, n.1, 1992. MINAYO , Maria Cecília de Souza. A Violência na Adolescência: Em Foco a Adolescência Descamisada. Rio de Janeiro: Academia Regional de Medicina, 1990. . O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em saúde. 4 ed. São Paulo: HUCITEC, 1996. 269p. . O significado social e para a saúde da violência contra crianças e adolescentes. In: WESTPHAL, M. F. (Org). Violência e criança. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 95-114. MINAYO , Maria Cecília de Souza.; S ANCHES, Odécio. Quantitativo – quali- tativo: Oposição ou Complementariedade? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.9, Supl. 3, 1993. p. 239-262. TRIVINÕS , Augusto Nibaldo da Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em Educação. São Paulo: Atlas, 1995. 178 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005 O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial1 The Citizenship Rescue: the Therapeutic Attendance and the Psychosocial Rehabilitation Aspect Ana Celeste de Araújo Pitiá2 Recebido: 27/02/04 Modificado: 24/10/04 Aprovado: 09/11/04 RESUMO Discute-se o que é a clínica do Acompanhamento Terapêutico (AT) como dispositivo clínico na ressocialização do cliente em dificuldades psicossociais. A Psiquiatria Democrática é relacionada à originalidade dessa clínica. Pretende-se apresentar essa modalidade de atendimento como um campo de ação para os profissionais de saúde e a importância da formação como acompanhantes terapêuticos. O texto ilumina a prática clínica do AT com o referencial teórico da psicoterapia corporal, exemplifica uma situação de atendimento, incluindo-a no processo da reabilitação psicossocial, suas mudanças e transformações imiscuídas nas diferenças sociais do processo humano-sociocultural. PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Psiquiatria; Reabilitação; Terapêutica. ABSTRACT This paper discusses what is the Therapeutic Attendance (AT) clinic, as Doutora pelo Programa Interunidades de Doutoramento na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Professora da PUC-Campinas, Faculdade de Enfermagem, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. 2 e-mail: [email protected] Pesquisa subvencionada pelo Programa Capes/PICDT. 1 a clinical instrument for the re-socialization of clients with psychosocial difficulties. The democratic psychiatric model and its ideas are related to the originality of this type of clinic. The present study introduces this new model of attendance as a field for health professionals, highlighting the importance of the therapeutic attendant graduation. The AT clinic practices are seen as the theoretical reference for the body psychotherapy, with the social differences, conflicts and contradictions inherent to the process of human relations. KEYWORDS: Mental Health; Psychiatry; Rehabilitation; Therapeutics Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005 179 PITIÁ, Ana Celeste de Araújo CONSIDERAÇÕES SOBRE A CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO O termo ‘acompanhante terapêutico (AT)’ designa o profissional nicação com o aspecto vital da existência humana (idem). terapeuta que, em seu trabalho te- O objetivo terapêutico da clínica O Acompanhamento Terapêutico rapêutico, abriga a função de AT converge com os aspectos da res- (AT) é uma função específica que acompanhar o cliente no local de socialização, dentro do processo de surgiu na Argentina, em meados da sua dificuldade, recolocando-o em Reforma Psiquiátrica, e busca au- década de 1970, a partir da experi- contato com a realidade social. A xiliar o sujeito a reinserir-se em seu ência de tratamento de clientes psi- clínica de Acompanhamento Tera- cotidiano, apesar de suas dificulda- cóticos em terapias de abordagem pêutico (AT) se constitui a ativida- des. Aponta Duarte Junior (1987) que múltipla. O acompanhante terapêu- de clínica que objetiva romper com o cliente precisará, durante sua ‘vi- tico (at) era integrante de uma equi- as barreiras que dificultam a rela- agem’ de alguém que o acompanhe pe multidisciplinar que se compu- ção com o ambiente social em que – mas que não o force a retornar a nha de psicoterapeuta, psiquiatra, uma realidade pré-editada. É neces- terapeuta familiar e acompanhantes sário alguém que o acompanhe du- terapêuticos. Partia-se do princípio rante o percurso; em quem ele pos- terapêutico segundo o qual é neces- sa confiar e que o auxilie em coisas sário abordar esses clientes em to- que ele possa precisar ao longo de dos os aspectos de sua vida diária, A PROPOSTA E UTILIDADE tentando criar-lhes um meio ambi- TERAPÊUTICA SEGUEM ente favorável ao seu restabeleci- NA DIREÇÃO DO RESGATE mento (MAUER & RESNIZKY, 1987). DA IDENTIDADE SOCIAL DE Na história do Acompanhamento Terapêutico, identificamos seus PESSOAS EM CRISE primórdios nos anos 1960, com a seu trajeto mental – uma espécie de confidente, que partilhe com ele suas experiências e que as reconheça como válidas e não como expressões ‘sem sentido’ de um doente. Sua experiência é real e, pelo vínculo que se estabelece com a figura do acompanhan- movimentação político-ideológica te terapêutico é possível o contato das reformas psiquiátricas e a ten- com sua própria individualidade, na tativa de supressão dos manicômi- realidade de suas experiências. os na Europa Ocidental e Estados Unidos. Na América do Sul, esse tipo se encontram pessoas portadoras de atendimento teve sua origem, na de dificuldades psicossociais. REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL E AT: UMA COMBINAÇÃO ANTI-SEGREGACIONISTA década de 1970, vindo da Argenti- A referência teórica que susten- na, chegando pouco depois ao Bra- ta a prática do AT está intimamente O início dessa combinação anti- sil – onde se estende ao longo do relacionada com a dinâmica pró- segregacionista pode ter como ponto eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Apre- pria dessa clínica. A proposta e uti- de partida o modelo de atendimento senta duas trajetórias: uma que pas- lidade terapêutica seguem na dire- da antipsiquiatria, que emerge na sa por Porto Alegre e chega ao Rio ção do resgate da identidade social década de 1960, na Inglaterra, em meio de Janeiro, e outra que chega dire- de pessoas em crise, refletida por aos movimentos underground da con- tamente a São Paulo, vinculada ao suas atitudes psíquicas e psicoló- tracultura, a partir do trabalho de que antes era chamado ‘amigo qua- gicas impressas no corpo e que de- um grupo de psiquiatras – entre lificado’ argentino (PITIÁ , 2002). notam isolamento e perda de comu- eles, Ronald Laing, David Cooper e 180 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005 O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial Aaron Esterson –, muitos com ex- do louco, que não deve ser podada péis sociais, promovendo ativamen- periência em psiquiatria clínica e (AMARANTE, 1995). te amplas possibilidades de ação te- psicanálise. Laing e Cooper passa- Está assim desencadeado o pro- rapêutica (ROTELLI, 1990). ram a questionar os métodos de es- cesso de resgate da cidadania das Nos projetos de ‘invenção’ na tudo e de ação da psiquiatria e da pessoas em sofrimento psíquico e o saúde, a clínica AT se expressa com psicologia “tradicionais”. As críticas processo de supressão de manicô- uma dinâmica de inclusão do dife- fundamentais desses autores referi- mios da psiquiatria democrática de rente, ao mesmo tempo que reabi- ram-se à maneira tradicionalmente Franco Basaglia, na Itália, encontra lita esta pessoa psicossocialmente utilizada por psiquiatras e psicólo- respaldo nesse modelo para sua pro- em seu próprio contexto de vida. gos para compreender a conduta, posta. A ênfase se dá sobre o respei- Daí a concepção de que a reabilita- que fornece uma visão fragmenta- to às diferenças e o comportamento ção psicossocial implica numa éti- da do que seja a mente humana e os do ‘louco’ e todo seu jeito peculiar ca de solidariedade que facilite os seus desvios. A antipsiquiatria vem de se comunicar (P ITIÁ, 1997). sujeitos com limitações a realizar se contrapor a essa idéia de frag- os afazeres cotidianos, aumentan- mentação, partindo para o conheci- do seu poder de contratualidade mento do ser humano, em seu dis- afetiva, social e econômica que vi- túrbio mental, através de todos os sentidos possíveis (DUARTE JR ., 1987). O discurso da antipsiquiatria procura romper, no âmbito teórico, com o modelo assistencial vigente, buscando destituir, definitivamente, o NOS PROJETOS DE ‘INVENÇÃO ’ NA SAÚDE , A CLÍNICA AT SE EXPRESSA COM UMA DINÂMICA DE INCLUSÃO DO DIFERENTE, AO MESMO TEMPO QUE REABILITA ESTA abilize sua autonomia para a vida na comunidade (P ITTA, 2001). O profissional de saúde, enquanto acompanhante terapêutico, acolhe o material psíquico do paciente a partir de um lugar singular, onde a valor do saber médico da explica- PESSOA PSICOSSOCIALMENTE EM SEU relação terapêutica se dá sem a ‘pri- ção-compreensão e tratamento das PRÓPRIO CONTEXTO DE VIDA vacidade’ das paredes institucionais, doenças mentais. Surge, então, um possibilitando o projeto de ‘invenção’ novo projeto – o da comunidade te- de saúde e a reprodução social do rapêutica, e um lugar onde o saber paciente. A proposta deve ser tera- psiquiátrico possa ser interrogado. Nesse sentido, as experiências de pêutica no ato e no movimento de A realidade é aqui investigada pela Reforma Psiquiátrica em Trieste, Itá- interagir no âmbito social, procuran- técnica de interação afetiva entre lia, preocuparam-se com a desinsti- do desinstalar o indivíduo de sua si- observador/observado – uma racio- tucionalização da doença mental, tuação de dificuldade e poder recriar nalização dialética não exterior à voltando-se para a existência com- algo de novo na sua condição. Esse realidade humana e que se movi- plexa da pessoa em sofrimento psí- movimento configura-se pela presen- menta em uma autodefinição sinté- quico, considerando a relação do seu ça de um ‘guia’, de uma proposta tica progressiva. sofrimento com o contexto social em terapêutica, que procura articular o Assim, o método terapêutico da que ela vive. A ênfase é colocada não paciente em seu espaço social. A rein- antipsiquiatria não prevê tratamen- no sintoma, mas sobre projetos de venção se faz presente a partir da to químico ou físico, e sim valori- ‘invenção’ na saúde e reprodução própria condição do ‘louco’. za a análise do discurso por meio social do cliente, ou seja, preconiza- O importante é aquilo que possa da metanóia, da viagem ao delírio se utilizar a riqueza infinita de pa- ser alcançado pelo cliente, em vista Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005 181 PITIÁ, Ana Celeste de Araújo do que é definido como construtivo e práticas alternativas ao atendimen- manicômios, a eliminação de mei- positivo para si. A ‘reinvenção’ irá to da psiquiatria tradicional. os de contenção física e portões remetê-lo a meios de se re-fazer, re- A clínica AT como prática e dispo- abertos modificam as relações de construir e re-elaborar seu cotidiano, sitivo terapêutico anti-segregação ten- poder entre os trabalhadores (e en- apesar da crise, com tudo o que lhe ta minimizar os efeitos da estigmati- tre estes e os clientes). É na medida pertença como características e limi- zação das pessoas em dificuldade que se restabelece a relação do pa- tações pessoais – uma possibilidade pela própria forma de intervenção, ciente com seu corpo e com a pala- do resgate do cliente como sujeito ci- buscando propiciar maior autonomia vra, produzem-se novas relações e dadão – de volta ao seu contexto, res- para que os clientes possam conviver interlocuções possíveis. As mudan- ponsabilizando-se por seus atos e re- e se desenvolver como sujeitos criati- ças instauradas procuram restituir conhecendo-se de novo capaz de exer- vos em seu próprio meio social e ur- os direitos civis, reativando uma cer, da forma mais consciente possí- bano, apesar dos limites e dificulda- base de crédito para que o paciente vel, ações subjetivas sobre o seu es- des individuais – isto é, uma repre- possa aceder ao intercâmbio social paço e lugar na sociedade. (R OTELLI, 1990). AT: UMA PROPOSTA DE AÇÃO TERAPÊUTICA NO ESPAÇO DA REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL A CONVIVÊNCIA COM O MEIO SOCIAL E O NÚCLEO DELIRÓIDE DE HERMES:1 CENA DE AT Amarante (1995), quando reconstitui o processo histórico da trajetória da Reforma Psiquiátrica, configura todo o contexto das práticas ESSA CLÍNICA ESTÁ CONFIGURADA COMO UM DISPOSITIVO ESTRUTURAL EXTERNO AO MANICÔMIO, ASSINALANDO A POSSIBILIDADE DE O DOENTE PODER Hermes, 48 anos, casado, pai de dois filhos, eletricista de manutenção de uma fábrica, foi acompanhado durante quase um ano e tinha transformadoras no âmbito da saú- SER ACOMPANHADO EM SUA NOVA psicose depressiva como diagnósti- de mental. A luta pela extinção dos RELAÇÃO COM O SOCIAL co médico-psiquiátrico. Apresenta- manicômios, originária da psiquia- va como conteúdos prevalecentes o tria democrática italiana, encontra sentimento de insuficiência e o pen- eco no Brasil na I Conferência Naci- samento deliróide de não ter saldo onal de Saúde Mental, em 1987, sentação do resgate de sua ‘auto-re- em sua conta bancária. Essa idéia evento que marca o momento de dis- gulação’ no social (PITIÁ, 2002). era contrariada, no real, todas as cussões sobre propostas alternativas Essa clínica está configurada vezes que, pela atividade clínica AT de atendimento em Saúde Mental. como um dispositivo estrutural ex- (ato interpretativo), ele ia ao caixa Este passo vem somar-se ao Proje- terno ao manicômio, assinalando a eletrônico, juntamente com a acom- to de Lei 3657/89, do deputado Pau- possibilidade de o doente poder ser panhante terapêutica, retirava seu lo Delgado, que assinala a redução acompanhado em sua nova relação extrato bancário, confrontando-se do número de leitos manicomiais, com o social, convergente com o com o registro de obter saldo ban- bem como a diminuição das inter- processo da Reforma da Psiquiatria cário suficiente para a lida de sua nações psiquiátricas, aumento de e suas bases históricas e democrá- vida cotidiana. Nesse momento, serviços ambulatoriais entre outras ticas originais. A desmontagem de acompanhante e cliente, dentro da 1 Foi dado o nome de Hermes ao paciente, respeitando-lhe o anonimato. 182 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005 O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial cabine do caixa e na rua, convivi- aspectos saudáveis existentes no que os ‘desviados’ são banidos do am com elementos do meio social. indivíduo, apesar das limitações de convívio social, caracterizados como O cliente se manifestava aflito, suor seu estado de dificuldade. indivíduos que não estavam apro- no rosto, corpo trêmulo, olhava para Dessa maneira, o movimento é priadamente preparados para a o extrato e para a acompanhante ao de inclusão – na situação aqui abor- nova ordem social que começava a mesmo tempo com olhos assusta- dada, a acompanhante, dentro da se instaurar no processo da indus- dos, caía sentado, pedindo socorro. relação terapêutica com o cliente, trialização. As diretrizes da prática Nesse instante, a fila crescia para pôde contribuir para a promoção de AT, contrapondo este modelo, apon- fora da cabine e o convívio de Her- movimentos ‘inclusivos’ dentro da tam para a prevenção da cronifica- mes, seu delírio e o meio social se realidade circunstancial do indiví- ção e institucionalização, buscando relacionavam e era intermediado duo em dificuldade e buscou o es- o resgate da cidadania e a não-alie- pela figura da acompanhante tera- paço que possibilitou o convívio / nação social, de modo a permitir a pêutica. Esta, valendo-se do seu re- articulação do delírio de Hermes reinserção do sujeito na coletivida- ferencial psicoterapêutico corporal, de, preservando suas diferenças in- colocava o seu corpo como instru- dividuais e potencialidades e propi- mento de intervenção clínica, no ins- ciando momentos e espaços nos AS DIRETRIZES DA PRÁTICA AT, CONTRAPONDO ESTE MODELO, quais ele possa realizar-se como dificuldade real do seu delírio) e o APONTAM PARA A PREVENÇÃO DA seria ‘fazer-se cargo’, segundo Ro- olhava nos olhos, estabelecendo um CRONIFICAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO , telli (1990), de uma pessoa num es- tante em que segurava Hermes pelos braços, solicitava que ele firmasse os pés no chão (contato com a momento terapêutico de apoio à sua dificuldade, incluída no meio social e no ambiente das ruas. BUSCANDO O RESGATE DA CIDADANIA E A NÃO-ALIENAÇÃO SOCIAL sujeito ativo em seu meio social. O terapêutico, neste contexto, paço novo de vida, sem, no entanto, submeter o paciente a objetivos preestabelecidos. A ênfase é posta A prática do AT, na medida que na pessoa com suas idéias, valo- transcorre exteriormente ao consul- res e no seu direito de resgate à au- tório / instituição e pode ser reali- tonomia de cidadão. zado seja na cabine de um caixa ele- com o meio social. O dispositivo te- trônico, seja na casa, na rua, no ci- rapêutico da clínica AT então, ga- nema, no shopping, na escola, no nha espaço no projeto da reabilita- trabalho, ou outro local disposto na ção psicossocial - processo na Re- comunidade, tem nesses locais ins- forma Psiquiátrica atual. A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO Em Manson et al. (2002), são trumentos fundamentais para serem No modelo assistencial hospita- destacados alguns dos principais manejados pelo profissional e a pos- locêntrico (desde século XVII), o sa- aspectos da formação do acompa- sibilidade de uma conexão com o ber médico exerce poder de controle nhante terapêutico: conhecimento âmbito social, com os aspectos cul- sobre a doença mental, configuran- científico, supervisão e práticas de turais e simbólicos nos quais o cli- do o enclausuramento nos hospitais, acompanhamento, como estágios ente se insere ou convive todo o dia, enquanto estabelecimentos passíveis para os que se preparam para exer- procurando resgatá-lo em sua intei- de ‘cura’ (FOUC AULT, 1993). É o ‘mun- cer esta função. E isso implica em reza humana, desenvolvendo seus do da exclusão’ e da loucura, em preparo teórico e prático por parte Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005 183 PITIÁ, Ana Celeste de Araújo do profissional de saúde que se iden- próprio corpo do cliente/terapeuta, é um veículo de comunicação soci- tifique com essa prática. impressos na marca dos movimen- al e diz respeito à nossa relação É necessário que o terapeuta de tos do próprio ato de acompanhar. com o mundo. A compreensão des- acompanhamento conheça o voca- Acompanhamento Terapêutico impli- sa interação deve levar em conta, bulário sobre os distúrbios psicos- ca, então, estar ao lado de um cor- continuamente, aspectos simbólicos sociais e psiquiátricos, para que isto po/pessoa com dificuldades inscri- e corporais, visto que estes são in- lhes permita o intercâmbio de infor- tas e repercutidas no social de modo dissociáveis. A expansão e o con- mações com os demais profissionais a comprometer capacidade espontâ- tato para fora (contato social) e de saúde envolvidos. Assim, há a nea de se relacionar (PITIÁ , 2002). contração, o momento de interiori- necessidade de uma visão mais Pelo conceito da auto-regulação dade consigo mesmo (o olhar para aprofundada sobre os diferentes social de Reich (1981), o importan- si) pode ser visto no AT como pro- quadros clínicos e o suporte teórico te é estar junto, buscando materia- cesso de retomada da vida. É im- da linha de trabalho do profissional, lizar a busca pelo processo vital prescindível por parte do acompa- que o auxilie a trabalhar sobre o nhante terapêutico a escuta da an- vínculo terapêutico – fator decisivo gústia do cliente no seu contato para a intervenção clínica. com a realidade circundante e na A prática AT é clínica e pode ser vista por diversas abordagens que dêem sustentação à intervenção utilizada pelo profissional. Os enfoques podem ser os mais variados, seja NO VÍNCULO QUE SE ESTABELECE NA RELAÇÃO ACOMPANHANTE/ACOMPANHADO, AS ATIVIDADES DEVEM SER PROPOSTAS A busca do retorno de seu movimento espontâneo, ou seja, auto-expressivo – pulsatório (LOWEN, 1982). No vínculo que se estabelece na relação acompanhante/acompanha- pela psicanálise freudiana, lacania- PARTIR DO OLHAR DO TERAPEUTA PARA O do, as atividades devem ser propos- na, winnicottiana ou por linhas tera- MOVIMENTO ESPONTÂNEO DO ACOMPANHADO tas a partir do olhar do terapeuta pêuticas de base analítica como cor- para o movimento espontâneo do porais reichianas e neo-reichianas, acompanhado, dentro das especifi- ou pelas abordagens cognitiva, soci- cidades de cada caso, possibilitan- al, entre outras. O que importará é o do, dessa maneira, o resgate de sua aprofundamento desse suporte teóri- que possibilita a autonomia indi- porção saudável e vital do sujeito, co de intervenção, acompanhado pela vidual na interação com os outros no seu contato com o social, procu- supervisão do trabalho do profissio- indivíduos na sociedade, de manei- rando conhecer e respeitar as neces- nal, acrescida de seu próprio traba- ra ‘natural’ e histórica. sidades do acompanhado, objetivan- lho pessoal psicoterapêutico, em que A expressão da angústia prove- se possa trabalhar seus conteúdos niente do corpo do paciente – sua internos mobilizados pela relação linguagem não verbal – relaciona- terapêutica que se efetiva na clínica da ao conteúdo de sua linguagem de atendimento terapêutico. verbal captada pela escuta durante do resgatá-lo de dentro da doença e do enclausuramento psíquico. CONSIDERAÇÕES FINAIS Aqui o trabalho clínico do AT re- o AT, conflui para a noção de uma Neste texto foi possível tecer algu- ferenciado com elementos da inter- unidade funcional mente-corpo, mas considerações acerca da clínica venção corporal, olha-a e maneja-a dentro da proposta terapêutica de do AT e seus critérios de atuação pro- com instrumentos constituídos no acompanhar. O corpo, além de tudo, fissional, tecendo considerações his- 184 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005 O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial tóricas e teóricas que ofereceu anco- so da Reforma Psiquiátrica. Fica aber- (Doutorado) – Escola de Enferma- ragem a todo conteúdo exposto. to o caminho para o diálogo e expan- gem, Universidade de São Paulo, Pretendeu-se deixar clara a utili- são interdisplinar na área de saúde Ribeirão Preto. dade dessa clínica em meio a todo como um todo, mediante uma práti- processo de Reforma Psiquiátrica, ca ainda recente no Brasil, especial- particularmente a oriunda dos prin- mente na área da saúde mental. cípios de uma psiquiatria democrá- diano: cenas de um manicômio. Ribeirão Preto, 1997. 144p. Dissertação (Mestrado), Escola de Enferma- REFERÊNCIAS tica em que levem em conta os as- . O enfermeiro e seu coti- gem de Ribeirão Preto, Universida- pectos da ressocialização e resgate de de São Paulo, Ribeirão Preto. de cidadania dos enclausurados e AMARANTE, Paulo. (org.) A trajetória banidos socialmente pelas suas di- da Reforma Psiquiátrica no Brasil. P ITTA, Ana (org.) Reabilitação Psi- ficuldades psicossociais ou pela dis- Rio de Janeiro: Panorama Ensp, 1995. cossocial no Brasil. São Paulo: criminação de sua ‘loucura’. C OOPER, David. Psiquiatria e antip- O modelo da Psiquiatria Democrática, e suas idéias respaldam a originalidade desse tipo de clínica. Importante conhecer essa nova modalidade de atendimento como um campo de ação para os profissionais de saúde que busquem formação específica como acompanhante terapêutico e todo o arsenal da supervisão e siquiatria. São Paulo: Editora Pers- R EICH, Wilhelm. A Função do Or- pectiva, 1973. gasmo. São Paulo: Editora Brasi- D UARTE JR ., João Francisco. A Política da Loucura. Campinas, SP: Papirus, 1987. F OUCAULT, Michel. História da loutiva, 1993. Hucitec, 1990. São Paulo: Summus, 1982. (tradu- que trabalhe na prática terapêutica. ção: Maria Silvia Mourão Netto) coterapia corporal, enunciando sobre o que cada um de nós tem de características pessoais adquiridas ao longo da própria história de vida e as atitudes ‘naturais’, ‘espontâneas’ e sociais na medida que contribuem na busca da qualidade de vida, ou seja, na busca do reencontro com o processo vital (REICH, 1981). ventada in: NICÁCIO, F. (org.) Desinstitucionalização. São Paulo: como suporte para todo profissional referenciada pelo pressuposto da psi- Glória Novak) cura. São Paulo: Editora Perspec- L OWEN , Alexander. Bioenergética . exemplificado (o caso de Hermes) foi liense, 1981. (tradução: Maria da R OTELLI, Franco. A Instituição In- trabalho pessoal psicoterapêutico A leitura clínica utilizada no AT Hucitec, 2001. M ANSON, Frederico et all. Eficacia clínica del Acompañamiento Terapéutico. Buenos Aires, AR: Editorial Polemos, 2002. M AUER , Susan.; R ESNIZKY, Silvia. Acompanhamento Terapêutico e Pacientes Psicóticos: manual introdutório a uma estratégia clínica. Campinas, SP: Papirus, 1987. (tradução: Waldemar Paulo Rosa) P ITIÁ, Ana Celeste A. Acompanha- A clínica AT, entre outros aspec- mento terapêutico sob o enfoque da tos, se configura como um disposi- psicoterapia corporal: uma clínica tivo terapêutico inclusivo no proces- em construção. 2002. 153 p. Tese Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005 185 DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia) Information on Children and Adolescent Abuse Gathered from Nurses of a Public Hospital Located in Feira de Santana City, Bahia State Emanuela Cardoso da Silva1 Judith Sena da Silva Santana2 Recebido: 29/09/03 Modificado: 26/08/04 Aprovado: 09/11/04 RESUMO Este artigo trata do resultado de uma investigação que objetivou identificar e analisar as informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) do Hospital Geral Clériston de Andrade (HGCA), situado na cidade de Feira de Santana (Bahia), no ano de 2000, tendo em vista a freqüência de crianças vitimizadas que dão entrada nos serviços de saúde e que dependem de tratamento especializado. Estudo do tipo qualitativo descritivo. Utilizou a entrevista semi-estruturada na coleta de dados e análise de conteúdo para sua análise e interpretação. Os sujeitos do estudo informam que conseguem identificar ou suspeitar de parte dos casos de violência apenas do tipo físico, passando despercebidos os demais, por ausência de conhecimento, o que sugere a necessidade de treinamento com relação ao tema. PALAVRAS-CHAVE: Maus-tratos Infantis; Enfermagem; Violência. ABSTRACT This paper presents the results of a study which attempted to identify and analyze information on child and adolescent abuse gathered from nurses of the Cleriston Andrade Hospital (HGCA), located in Feira de Santana city, Bahia state, during the year 2000, in order to discover the frequency of entrance of victimized children, depending on specialized care, in the health services. This qualitative and descriptive study used semi-structured interviews for the collection of data, the content analysis and interpretation. Enfermeira, Programa Saúde da Família, Alagoinhas, Bahia, Brasil. 1 Doutora em Enfermagem, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, Bahia, Brasil. 2 The subjects of the study informed that they can identify and suspect of part of the cases of violence, generally the physical ones, but other types of violence remain unnoticed due to lack of knowledge. This perception has showed the need for training related to this theme. KEYWORDS: Child Abuse; Nursing; Violence 186 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia) INTRODUÇÃO atribuído, principalmente, à criação implique, concretamente, no supri- do Estatuto da Criança e do Adoles- mento de suas necessidades básicas, O tema da violência tem desper- cente (ECA) e à atuação de institui- incluindo o fortalecimento do núcleo tado em todos os setores da socie- ções na aplicação das medidas so- familiar, ambas as ações se consti- dade uma crescente preocupação, cioeducativas previstas na lei. tuem em elementos indispensáveis devido, principalmente, às suas con- Várias pesquisas têm subsidiado à existência de um estado pleno de seqüências mais visíveis, seja a per- o estudo deste fenômeno. Investiga- direito da criança e do adolescente. da de um ente querido por ato vio- ção realizada por Oliveira (1989), ci- O(a) enfermeiro(a) pode tornar-se, lento (assassinato) ou casos divul- tado em publicação do Ministério da a partir do atendimento à criança e gados nos meios de comunicação de Saúde (BRASIL,1993), denuncia que ao adolescente vítimas de maus-tra- crianças abusadas sexualmente pe- 47,1% dos “meninos de rua” que fi- tos, a primeira instância na criação los próprios pais. zeram parte do estudo, abandonaram e manutenção de uma rede de apoio seus lares devido à violência domés- que favoreça o desenvolvimento bi- O mundo convive, historicamente, com o problema da violência, opsicossocial da criança, atuando na mesmo nos países desenvolvidos. busca da saúde em seu conceito Nos subdesenvolvidos e nos em de- ampliado. Entendemos a necessida- senvolvimento, a exemplo do Brasil, de urgente de aliar o conhecimento há um elemento complicador que é O ÍNDICE DE DENÚNCIAS a subnotificação, que mascara a si- DE MAUS-TRATOS CONTRA tuação real. Isto se dá por duas questões relativamente imbricadas: a) a científico sobre violência à prática da CRIANÇAS TEM AUMENTADO enfermagem, inclusive, pelas próprias características da profissão, que, ao incorporar o conceito ampliado de falta de conhecimento dos profissio- POUCO A POUCO saúde, se coloca como responsável nais que atendem as vítimas e, b) NOS ÚLTIMOS ANOS em considerar questões que transcen- inexistência de redes de apoio às ví- dem o biológico a fim de contribuir timas nos municípios. para o estado de saúde dos diversos O Centro Regional de Atenção aos grupos populacionais. Maus-tratos à Infância e Adolescên- A violência doméstica não é um cia (CRAMI), de Campinas, recebeu, tica que enfrentavam no dia-a-dia. fato novo para os profissionais de no período de março de 1988 a mar- Também Ferriani (1979), citada por saúde. Os casos que envolvem víti- ço de 1992, 1.220 casos, dentre os Martins e Ferriani (2003), identificou mas de maus-tratos são recebidos quais, apenas 15% e 4% referem-se em seu estudo que das internações e diariamente nos serviços, porém, à notificações feitas por profissio- atendimentos de emergência de cri- muitas vezes, o profissional não nais da saúde e educação, respecti- anças e adolescentes, 37% apresen- consegue identificá-los, ou, quando vamente (BRASIL, 1993). taram lesões genitais e anais, carac- o faz, não encontra uma rede de terizando abuso sexual. apoio que garanta o atendimento Apesar disso, o índice de denúncias de maus-tratos contra crianças É verdade que o ECA, de modo especializado necessário. tem aumentado pouco a pouco nos isolado, não pode resolver a ques- O Estatuto da Criança e do Ado- últimos anos, conforme se pode tão dos maus-tratos na infância e lescente prevê a denúncia obrigató- constatar pelas informações da im- adolescência, mas aliado a uma ria dos casos de maus-tratos por prensa em geral, e este fato pode ser política de proteção a esse grupo que parte do profissional que os atenda, Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 187 DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva segundo o exposto em seu artigo 245 (BRASIL, 1991, p.90): “deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimentos de saúde e de ensino fundamental, préescola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maustratos contra criança ou adolescente. Pena de multa de três a vinte salários referência, aplicando-se o dobro no caso de reincidência.” Todavia, na prática, existem en- TENTANDO CONSTRUIR UM CONCEITO DE VIOLÊNCIA esquecer da violência oculta, sofrida, principalmente pelas mulheres, crianças e escravos através dos tem- A violência sempre esteve ligada, pos. De acordo com Souza (2000), desde os tempos primitivos, à luta as antigas civilizações não reconhe- pela sobrevivência. O homem luta ciam as mulheres e crianças como contra seus inimigos naturais, os cidadãos. Estas sofriam as mais di- animais, ou contra o próprio homem. versas formas de violência, sem que A Bíblia, conjunto de relatos dos isso fosse considerado um agravo. mais antigos da humanidade, traz Tal situação perpetuou-se por mui- vários registros de atos violentos to tempo, e ainda hoje estas parce- (por exemplo, o assassinato de Je- las da população, apesar de todo o sus Cristo). Na era cristã, a paixão avanço alcançado na luta pelo cum- traves que dificultam a ação dos primento dos direitos de cidadania, profissionais de saúde, como a fal- ainda sejam subjugadas. ta de conhecimento apropriado para Conceituar a violência é, ainda reconhecer os sinais de maus-tra- hoje, uma tarefa difícil, tendo em de violência intrafamiliar, quando CONCEITUAR A VIOLÊNCIA É, AINDA HOJE , UMA TAREFA DIFÍCIL, se considera privativo o espaço do- TENDO EM VISTA A tos, a ausência de um atendimento integral à criança e, ainda, questões éticas que envolvem os casos méstico. O conjunto desses fatores nos faz questionar até que ponto COMPLEXIDADE DO FENÔMENO procede a responsabilização previs- vista a complexidade do fenômeno. Comumente, a violência é reconhecida por atos violentos, como assassinatos, brigas, entre outros, o que demonstra limitações para compreender que a violência não representa apenas uma ação que provoca um dano visível. ta pelo ECA, indistintamente, para Nessa trajetória, necessário se faz os profissionais de saúde que não recorrer a vários autores, a fim de denunciam os maus-tratos dada a e morte de Jesus evidenciam as di- que se possa construir um conceito atual conjuntura, já que esta atitu- versas faces da violência humana, de violência que dê conta de sua de depende, diretamente, das infor- que vão desde a discriminação à amplitude. Segundo Koller (2003, mações de que dispõem sobre o delinqüência (SOUZA, 2000). As guer- p.33), violência pode ser definida tema, e o mesmo, apenas recente- ras também são exemplos históri- como “ações, e/ou omissões que mente, foi incluído em alguns pro- cos da violência humana, como evi- podem cessar, impedir, deter ou re- gramas de cursos de graduação. denciado nas Cruzadas, na Santa tardar o desenvolvimento pleno dos Fazemos eco ao que diz Deslandes Inquisição ou ainda na Segunda seres humanos.” (1994, p.35): “a violência invadiu Guerra Mundial, quando o nazismo Nesse contexto, também é im- de tal maneira os serviços, que é foi responsável pela morte de mais prescindível acrescentar que o fenô- urgente discuti-la, sobretudo acer- de seis milhões de judeus. meno da violência sofre interferên- ca dos possíveis caminhos de prevenção e tratamento”. Os exemplos citados são fatos cias relativas ao tempo, espaço e conhecidos, porém, não podemos cultura de cada população. Assim, 188 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia) de acordo com a afirmação de Bar- da por mau-trato ou cerceamento da ros Filho et al. (1997, p.65), a vio- liberdade ou imposição da força”. lência é um ato que, consciente ou inconscientemente, ignora, impede Minayo e Assis, citadas na publicação do Ministério da Saúde (BRASIL, 1993), classificam a violên- CLASSIFICANDO A VIOLÊNCIA ou atenta contra os direitos humanos e de cidadania; constrange uma Como vimos, a violência nem sem- pessoa a fazer o que não deseja ou pre está ligada a atos criminosos, que não é aceito, dentro dos padrões como assaltos e homicídios. Ela pode sociais, seja por uma questão de estar implícita de maneira sutil, sem sobrevivência, seja para atender aos que conscientemente nos demos conta fortes apelos sociais. da sua existência, pois pode existir Podemos observar que todos os violência expressa, ou não, através autores até aqui citados relacionam de palavras, de gestos e imposições. cia em quatro grupos: • Violência estrutural: decorrente do sistema político-ideológico vigente, que define as regras socioeconômicas que, por sua vez, determinam as desigualdades sociais, expressas no desemprego, miséria e exclusão social. • Violência cultural: oriunda da a violência à força e submissão. De violência estrutural, ela se manifes- fato, os atos violentos, sejam eles ta através de formas de dominação visíveis ou não, estão ligados à re- racial, de gênero e étnica, dos gru- lação de poder, em que o ‘forte’ sub- pos etários e familiares. Isto pode ser juga o mais ‘fraco’, utilizando-se das “ VIOLÊNCIA É TODA AÇÃO mais variadas estratégias para ga- DANOSA À VIDA E À SAÚDE rantir a manutenção deste poder, DO INDIVÍDUO, CARACTERIZADA seja pelo emprego de recursos físicos ou psicológicos. As crianças e os adolescentes, pelas características próprias de seu evidenciado quando, por exemplo, é POR MAU-TRATO OU CERCEAMENTO DA LIBERDADE OU IMPOSIÇÃO DA FORÇA” atribuída à raça negra atividades menos prestigiadas ou mal remuneradas, ou, ainda, quando em algumas comunidades o homem se considera mais importante que a mulher. • Violência da delinqüência: é a estágio de desenvolvimento, são as mais conhecida e se toma a forma principais vítimas desta relação de do que é considerado, por lei, como poder imposta pela violência. No crime: roubo, assassinato, seqües- caso dos maus-tratos, o agressor se Podemos, ainda, classificar a vi- tro, entre outros. É a mais visível vale da violência para impedir, for- olência segundo Aranha (1997), em das violências e está presente diari- çar ou constranger a criança ou ado- ‘vermelha’ e ‘branca’, sendo a pri- amente nos noticiários. lescente a sofrer, praticar ou permi- meira assim denominada por estar tir que pratique atos que fogem à mais relacionada a homicídios, es- sua compreensão ou que provocam tupros, entre outras formas que atin- danos físicos e/ou psicológicos. gem o físico. A segunda está relaci- Nesta perspectiva, entendemos onada à maneira sutil como se apre- que Einsenstein e Souza (1993, p.95) senta, a exemplo da ‘fome oculta’ trazem o conceito de violência que resultante da má alimentação a que mais se adapta ao seu conteúdo: está exposta a maioria da popula- “violência é toda ação danosa à vida ção brasileira de baixa renda, ou e à saúde do indivíduo, caracteriza- ainda, na violência intrafamiliar. • Violência de resistência: é exercida por determinados grupos, historicamente discriminados, como os negros, os homossexuais, mulheres e índios, que lutam para ter os mesmos direitos dos demais indivíduos da sociedade. No caso específico das crianças e adolescentes, devemos levar em Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 189 DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva consideração que embora a maio- • Abuso físico: caracteriza-se dades esportivas, música, língua ria dos casos notificados de maus- quando um indivíduo de mais ida- estrangeira, a um só tempo, além tratos seja oriunda das classes po- de que a criança ou o adolescente das atividades escolares, não restan- pulares, estes estão presentes em causa-lhe um dano físico, com con- do tempo para as brincadeiras, in- todas as classes sociais, sendo re- seqüências leves ou extremas. dispensáveis para o desenvolvimen- flexo, principalmente, das violências estrutural e cultural. MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA Foi a medicina quem primeiro identificou e esclareceu os sinais e seqüelas dos maus-tratos à crian- • Abuso sexual: quando um indivíduo em posição de ‘superiorida- Faz parte deste elenco: o aban- de’ usa sexualmente a criança ou dono, que expõe a criança a situa- adolescente para obter prazer sexu- ções de risco; e a negligência, que al. Tal ação pode ser de cunho hete- implica privar-lhe daquilo que pre- ro ou homossexual, variando do cisa para crescer e se desenvolver jogo sexual à penetração. (alimentos, vestimenta, habitação, medicamentos, escola, lazer, segu- ça. Outras ciências, a partir daí, rança, afeto, entre outros). contribuíram para a explicação e a formação de estratégias de combate aos maus-tratos na infância, como as ciências sociais, o serviço social, a psicologia, a criminologia. to nesta faixa etária. METODOLOGIA F AZ PARTE DESTE ELENCO : O ABANDONO, Em nosso estudo, o modelo de QUE EXPÕE A CRIANÇA A SITUAÇÕES DE abordagem foi o qualitativo do tipo do termo ‘violência’, esta, quando RISCO; E A NEGLIGÊNCIA, QUE IMPLICA descritivo, já que foram tratados praticada contra crianças e adoles- PRIVAR-LHE DAQUILO QUE PRECISA PARA violência. Para a coleta dos dados, Apesar do emprego generalizado centes, por indivíduo em condição de superioridade – seja de idade e/ou CRESCER E SE DESENVOLVER desenvolvimento – ela ganha cono- aspectos subjetivos do fenômeno utilizou-se a entrevista semi-estruturada, cujos resultados foram analisados a partir da técnica da Análi- tação de abuso ou maus-tratos, não se de Conteúdo, de Bardin (1977). deixando de ser, entretanto, conside- De acordo com Minayo (1996), a rada como violência. Desse modo, entrevista semi-estruturada é aque- • Abuso psicológico: decorre de la que combina questões abertas e uma ação negativa do adulto em fechadas, facultando ao entrevista- relação à criança que pode levá-la do discorrer sobre o assunto em a um comportamento destrutivo. foco. As perguntas norteadoras da Suas formas mais praticadas são: entrevista foram: O que é violência? rejeitar, isolar, aterrorizar, corrom- Quais são os tipos de violência e per e produzir expectativas irreais maus-tratos que atingem crianças e ou extremas exigências. Esse mau- adolescentes? Quais os efeitos que trato é mais freqüente nas classes os maus-tratos podem provocar no Segundo a autora, dentre os sociais economicamente privilegia- crescimento e desenvolvimento da maus-tratos contra a criança e o das, em que se impõe às crianças criança e do adolescente? Quais as adolescente, destacam-se: excesso de atividades como, ativi- formas de controle da violência? “define-se abuso ou mau-trato pela existência de um sujeito agressor em condições superiores (idade, força, posição social ou econômica, inteligência, autoridade) que comete um dano físico, psicológico ou sexual, contrariamente à vontade da vítima ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa.” (DESLANDES, 1994, p.13) 190 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia) Os sujeitos do estudo foram a exploração do material, o trata- ou da vítima. Se nos colocamos sob enfermeiros(as), em número de 12, mento dos resultados, a inferência o ponto de vista da vítima, em geral do Hospital Geral Clériston de Andra- e a interpretação. Destacaram-se as o que importa é o dano causado. de (HGCA), em Feira de Santana, na unidades de registro, agrupando- Porém, se nos colocamos sob o pon- Bahia. Todos atuavam no atendimen- as por similaridade para a cons- to de vista do agressor, levamos em to às crianças e adolescentes admiti- trução das categorias representa- consideração o motivo e o objetivo dos na emergência ou internados na tivas do conteúdo. do comportamento agressivo. pediatria ou clínica médica. Os entrevistados compunham um grupo Não diferente do senso comum, RESULTADOS E DISCUSSÃO majoritariamente feminino, com ape- os entrevistados, aqui, associam a violência ao ato de agredir, coisa que, nas um do sexo masculino; idades Ao conceituar a violência, a mai- entre 24 e 51 anos; 70% com estado oria dos entrevistados (55,5%) vale- civil casado(a) e uma média de nove se do termo ‘agressão’ em suas con- de maneira geral, é traduzida pela manifestação física, intencional. Acompanhando este raciocínio, anos de serviço na profissão. A cole- observamos que a agressão física ta de dados ocorreu no ano 2000. foi citada por todos os entrevista- O HGCA é um hospital regional, dos, quando questionados sobre os público (estadual), que serve à po- tipos de violência: “os tipos de vio- pulação da microrregião de Feira de Santana. É uma instituição de grande porte, que deve atender a clientela de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS): universalidade, gratuidade e integralidade, nos níveis primário e secun- NÃO DIFERENTE DO SENSO COMUM , OS ENTREVISTADOS , AQUI, ASSOCIAM A VIOLÊNCIA AO ATO DE AGREDIR, COISA QUE , DE MANEIRA GERAL, É TRADUZIDA PELA MANIFESTAÇÃO FÍSICA, INTENCIONAL dário de atenção à saúde. lência que eu conheço são a violência física (E12). O abuso físico é “toda e qualquer lesão intencional infligida a uma pessoa, conscientemente ou não, produto da força física, única ou repetida, cuja magnitude e características são variáveis” (EINSENSTEIN & SOUZA , 1993, Obedecendo-se a Resolução 196/ p.96). Ainda quando citam outros ti- 96 do Conselho Nacional de Saúde pos de violência, a física é a primei- (BRASIL, 1998), obteve-se a autoriza- siderações, como observaremos a ra a ser lembrada, conforme menci- ção dos informantes para o uso de seguir: a violência “é aquilo que onado: “física, psicológica, emocio- suas informações, garantindo-lhes o agride o ser humano”(E3); “é qual- nal, moral e social” (E6). anonimato e o direito de afastar-se quer agressão que possa fazer a Estudo realizado pelo Centro La- do estudo quando julgassem neces- outra pessoa, seja adulto, criança tino-americano de Estudos de Vio- sário, sem que isto implicasse em ou adolescente”(E6); “é o ato come- lência e Saúde (CL AVES) nos Centros prejuízo para os mesmos. Nos re- tido de agressão”(E9). Regionais de Atenção aos Maus-Tra- sultados, os fragmentos de falas dos Segundo Gomes (1997), vio- tos na Infância (CRAMIs), envolven- entrevistados estarão acompanha- lência e agressão estão associadas do as cidades de Campinas, Piraci- dos de um código de seqüência das quando a agressividade é usada com caba, Botucatu, Bauru entre outras entrevistas (E1, E2,...). fins destrutivos. Entretanto, o termo do interior de São Paulo, evidenciou A análise dos dados foi realiza- agressão vai depender do ponto de que nestes locais, no período de da em cinco etapas: a pré-análise, vista que elegemos: o do agressor 1988 a 1992, o abuso mais cometi- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 191 DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva do, também, foi a agressão física te vê muito isso, a questão da super- se a partir da existência de alguém (D ESLANDES, 1994). lotação das unidades de saúde”(E10). que possui como característica a O maior reconhecimento do abu- Temos então, a violência institucio- superioridade (idade, força física, so físico como tipo de violência pela nal, que “ocorre nas instituições pú- poder econômico, entre outros) fren- população, possivelmente, deva-se blicas e privadas, na escola, nos lo- te à sua vítima (D ESLANDES, 1994). à maior visibilidade dos sinais (he- cais de trabalho, nas ruas...” ( EIN - matomas, ferimentos, contusões) SENSTEIN & SOUZA, 1993, p.98). Parte considerável dos(as) enfermeiros(as) (33,3%) conseguiu apresentados na vítima; à sua mai- O HGCA, pelo fato de ser uma ins- conceituar os maus-tratos em sua or divulgação pela mídia; e por este tituição pública em que há um défi- amplitude, ao afirmar que violen- ser o tipo de violência mais sofrido cit de recursos materiais, físicos e tar é: “fazer mal à criança, causar e temido pela sociedade em geral. humanos, possibilita uma maior mal à criança, fazer algo que não é Depois da física, as violências ocorrência desse tipo de violência. de sua natureza; maltratar(E7); mais referidas neste estudo foram Porém, somente 22,2% dos entrevis- “qualquer tipo de dano, qualquer a psicológica e a de negligência. Na tipo de ação que possa ser feita com prática, entre os casos suspeitos de a criança e adolescente que venha a maus-tratos, alguns mencionavam lesá-lo fisicamente ou a causar trau- que “vinham de maus-tratos, não mas psicológicos” (E4). VIOLENTAR É: da violência, do espancamento, mas Observamos, então, que os(as) enfermeiros(as) conseguem perceber re-se ao ato de privar a criança do “ FAZER MAL À CRIANÇA, CAUSAR MAL À CRIANÇA, que é necessário ao seu pleno de- FAZER ALGO QUE NÃO ‘força’ contra a criança, de forma que senvolvimento biopsicossocial, É DE SUA NATUREZA; MALTRATAR isso implica danos para a mesma. do desleixo da mãe” (E12). Ao citar a negligência, o entrevistado refe- como por exemplo: afeto, proteção, a presença de um agressor em posição de superioridade, que utiliza sua Isto é demonstrado nas falas a se- medicamento, alimentação, mora- guir: “vai desde a agressão física, até dia, vestimentas adequadas ao cli- com palavras, nas atitudes dos pais ma, entre outras. ou de quem esteja cuidando da Segundo estudo realizado por tados citaram a violência do tipo ins- criança”(E6); (...) ”maus-tratos dos Deslandes (1994, p.17), “entre as titucional nas suas falas: “uma su- pais, professores, de vizinhos” (E3). notificações dos serviços brasileiros perlotação onde o calor impera, é o Os que não conceituaram os especializados no atendimento dos barulho, não tem uma cama ou um maus-tratos citaram alguns dos seus casos de maus-tratos, a negligência berço adequado; ela (a criança) não tipos, exemplificando: “são crianças aparece como o segundo abuso come o que ela gosta, ela come o que que chegam com maus-tratos em ní- mais cometido”. o hospital oferece...., então, tudo isso vel de cuidado domiciliar, crianças é uma forma de violência”(E1). que não são bem alimentadas” (E10); Os(as) enfermeiros(as) deste estudo percebem outras expressões da Os maus-tratos podem ser enten- “pais que trabalham e deixam crian- violência no seu cotidiano profissio- didos como ações de um agressor ças pequenas presas dentro de casa. nal, os quais incluem o modo como que ocasionam um dano físico, se- Isso é um tipo de violência” (E3). são tratadas as pessoas que procu- xual ou psicológico à criança ou Nestas falas, além da negligência, ram atendimento nos serviços: “a gen- adolescente. Tal relação concretiza- também aparece o abandono, que 192 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia) pode ser estimulado pela situação lentam não é porque eles querem, é sido exposto continuamente a algu- socioeconômica da família que, não a própria situação que exige, e tam- ma forma de agressão, embora isso dispondo de um local para deixar seus bém a situação que eles vivem: a não seja condição determinante. Tam- filhos (creche, escola) quando saem fome, a miséria, a falta de condi- bém Einsenstein e Souza (1993) afir- para trabalhar ou procurar emprego, ções financeiras... muitas vezes isso mam que freqüentemente, crianças são obrigados a deixá-los sozinhos em leva até à violência com o próprio maltratadas, quando maiores ou casa. Para o Ministério da Saúde (BRA- filho” (E3); “grande parte da violên- quando adultos, irão maltratar ou- SIL , 1993, cia que vejo contra a criança parte tras crianças ou pessoas mais frá- das condições sociais”(E5). geis. Assim também Levinsky et al. p.9), “o tipo mais freqüente de violência a que estão sujeitos crianças e adolescentes é aquele deno- Um número considerável de en- (1997, p.27), sugerem que “a delin- trevistados (22,2%), citou como ori- qüência pode ser resultante de uma Na realidade, “a sociedade se en- gem da violência a história de vida construção social cuja raiz está na contra mergulhada em um estado de de cada indivíduo, relacionando-a às própria violência familiar e social”. minado ‘estrutural’”. violência, toda vez que as exigênci- Exemplo dessa assertiva está no as mínimas que garantem o viver estudo realizado por Figueiredo e com dignidade deixam de ser atendi- Alves (1999) com um grupo de ido- das” (BARROS FILHO et al., 1997, p.29). sas sobre o tema ‘abuso na infân- São as camadas populares, nas quais identifica-se o maior número de casos de maus-tratos, as maiores vítimas da violência estrutural. Assis (1992), citada na publicação do Ministério da Saúde (BRASIL ,1993, p.16), encontrou em inves- TODOS OS ENTREVISTADOS APONTARAM A FOME , A MISÉRIA, O DESEMPREGO E AS MÁS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS COMO CAUSAS cia’. As pesquisadoras encontraram que, para as idosas, o modo antigo de disciplinar as crianças utilizando instrumentos como chicote, vara ou similares, foi considerado natural. Essa ‘naturalização’ da violên- DA VIOLÊNCIA cia torna-a muito mais comum do tigação realizada no município de que se pode imaginar. Duque de Caxias em que pais e mães Com relação aos efeitos que os de alunos das escolas públicas pra- maus-tratos podem provocar no ticaram mais atos violentos contra experiências de maus-tratos na in- crescimento e desenvolvimento da seus filhos do que os de escolas par- fância e adolescência. “A gente não criança e do adolescente, verifica- ticulares, num percentual que variou sabe o que aconteceu na vida en- mos que todos os entrevistados con- entre 4 e 6%; e o tipo mais comum quanto criança, dessa pessoa que cordam que podem trazer reflexos foi a agressão física. Segundo a mes- hoje tem a índole violenta; quais negativos: “acho que todo tipo de ma fonte, este último dado também foram os maus-tratos que tenham violência tem uma repercussão no aparece em estudos realizados no Rio interferido de tal forma que tenha futuro” (E8); “isso irá, com certeza, de Janeiro e em Campinas. quebrado algo dentro dele, que te- refletir na vida da pessoa”(E12); nha desenvolvido esse processo de “causam traumas terríveis. Ela pode ele ser violento...” (E7). se tornar violenta, uma pessoa Todos os entrevistados apontaram a fome, a miséria, o desemprego e as más condições socioeconô- A literatura sobre o assunto insi- amarga, sem acreditar em ninguém, micas como causas da violência: nua que o ato violento tende a ser uma pessoa que tenha desconfian- “eu acho que os pais às vezes vio- repetido por um indivíduo que tenha ça de todo mundo... achar que o Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 193 DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva amor não existe, que carinho é se- jovens a desenvolver suas capacida- cial para os devidos encaminha- gundo plano” (E3); “(...) ela pode se des morais e cognitivas (...)”. mentos e orientações” (E2). tornar uma criança introvertida, ela Se considerarmos os pais como Verificamos que os(as) enfermei- pode se tornar uma criança agressi- semeadores de conceitos, valores, ros(as) do HGCA apenas identificam va em decorrência dos maus- hábitos e costumes, entenderemos a e encaminham os casos de maus- tratos”(E8). Azevedo (1995) confirma questão da base familiar como um tratos, sem participar do processo essa assertiva ao relatar que a viti- fator que pode interferir no controle de acompanhamento destes. Isto mização física de crianças e adoles- da violência. Entretanto, se por al- ocorre por desinformação ou por- centes tem conseqüências deletérias gum motivo, de origem externa (si- que não há uma sistematização do para o seu desenvolvimento físico, tuação econômica do país) ou inter- atendimento que os envolva: “eu neurológico, intelectual e emocional. na (mau relacionamento entre os não sei como se procede, porque na São marcas que poderão acompanhar membros da família), há desequilí- verdade a gente identifica e entre- o indivíduo para o resto da vida. brio no fornecimento dessas condi- ga ao serviço social” (E2). Segundo os entrevistados, a prin- O fato de todos os entrevistados cipal forma de controle da violência terem se graduado na Universidade é através da educação. Alguns apon- Estadual de Feira de Santana (UEFS), taram-na como meio de promover mudança, porque “através da educação, a gente pode mudar o com- AS INFORMAÇÕES DE QUE DISPÕEM SOBRE O TEMA FORAM portamento” (E8). De fato, a edu- ADQUIRIDAS, PRINCIPALMENTE, cação é uma das formas de comba- POR MEIO DA PRÁTICA COTIDIANA, te à violência, porém, esta medida deve ser tomada em conjunto com NO ATENDIMENTO A CRIANÇAS outras, como a melhoria das condi- E ADOLESCENTES há nove anos, em média, permitenos afirmar que estes não tiveram acesso ao conhecimento científico relacionado ao tema da violência, incluindo os maus-tratos na infância, quando de sua graduação, tendo em vista que somente a partir da mudança de currículo do curso de ções de vida da população: “prover enfermagem na UEFS, em 1998, é o ser humano de boas condições de que tais conteúdos passaram a fa- vida, seria uma forma de prevenir” zer parte da formação do profissio- (E7); “é educação, é trabalho, e ali- ções, o desenvolvimento desses indi- mentação” (E12). víduos estará comprometido, princi- Segundo os entrevistados, as in- Para o Ministério da Saúde (BRA - palmente porque ela própria pode se formações de que dispõem sobre o 1993, p.9), “essa situação de po- tornar um “componente deste intrin- tema foram adquiridas, principal- breza (...) decorre em grande parte cado complexo gerador de violência” mente, por meio da prática cotidia- da total ausência de suporte social (L EVINSKY et al., 1997, p.25). na, no atendimento a crianças e ado- SIL, nal enfermeiro. direcionado às famílias”. A impor- De acordo com todos os entre- lescentes. Outras referências foram tância dessa questão é confirmada vistados, os casos de suspeita ou os meios de comunicação, com des- por Giannetti, citado por Levinsky comprovação de maus-tratos aten- taque para a televisão. Segundo (1997, p.25), quando esta afirma que didos no hospital são encaminha- eles, o hospital ainda não ofereceu “a família é o principal responsável dos ao Serviço Social daquela ins- treinamento sobre como identificar pela transmissão social de um senti- tituição: “os casos que chegaram, e qual a conduta a ser tomada nos do de valores que induza os mais foram comunicados ao serviço so- casos de maus-tratos. 194 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia) Apesar disto, todos os entrevista- Conforme vimos antes, o Estatu- car o conhecimento pertinente ao dos concordam que deva ser obriga- to da Criança e do Adolescente pre- assunto: “o enfermeiro, a cada dia, tória a denúncia de casos, o que de- vê punição para o profissional de a cada ano que passa é um traba- monstra sensibilidade para com a si- saúde que não notifica os casos de lhador de saúde envolvido psico- tuação e seus efeitos sobre a criança: maus-tratos atendidos. Todos os logicamente, politicamente e soci- “a gente, enquanto profissional de enfermeiros e enfermeiras estão in- almente com o paciente. Eu acho saúde, não deve se omitir de forma formados sobre os aspectos legais que isso é fazer saúde” (E7). alguma, mesmo com a suspeita...” envolvidos na questão dos maus-tra- Apenas um deles destacou que o (E7); “se no caso, onde a gente tiver, tos. Inclusive, um deles destacou envolvimento com os maus-tratos, trabalhar como assistente social, po- que a criação do ECA contribuiu para “é uma questão, digamos, delica- deria fazer a denúncia à parte”(E8). despertar o interesse dos profissio- da... você se envolver de frente... Para um dos entrevistados, “o trata- nais de saúde: “eu acho que o inte- mesmo porque você lida com uma mento deve ser multidisciplinar” resse é a partir do Estatuto. O ECA demanda enorme de gente” (E5). (E12), mas deve envolver, também, a Nesse aspecto podemos afirmar que vítima, a família e recursos da comu- o posicionamento do(a) enfermeiro(a) diante de uma vítima de maus- nidade a fim de evitar recidivas. Segundo o Ministério da Saúde, “os profissionais que atuam no serviço de saúde têm como dever diagnosticar e atender os casos de crianças e adolescentes vítimas de violência, além de encaminhá-los e acompanhálos objetivando um atendimento integrado.” (BRASIL, 1993, p.20) tratos requer um conhecimento pré- “ A GENTE , ENQUANTO vio acerca do assunto, além de uma PROFISSIONAL DE SAÚDE, rede de apoio, envolvendo a institui- NÃO DEVE SE OMITIR fissionais como médicos, fisiotera- ção, o Conselho Tutelar e outros pro- DE FORMA ALGUMA , peutas, psicólogos, entre outros, que MESMO COM A SUSPEITA...” forneçam subsídios concretos e confiáveis que permitam a prevenção, o combate efetivo e o tratamento ade- Um dos entrevistados afirma quado da vítima de maus-tratos. que, “se houvesse um procedimen- “Esse assunto deve ser mais di- to já rotineiro, eu acho que isso traria mais segurança para os profis- tem chamado a atenção da gente que vulgado, sobretudo no ambiente sionais atuarem nessa área” (E11). é profissional de saúde”(E4). hospitalar onde estas crianças rece- Este fato chama a atenção para a Apesar da baixa notificação de bem atendimento”(E2); “o enfermei- necessidade de se propor uma for- casos, no Serviço de Advocacia da ro deve ser capacitado para lidar ma sistematizada de atuar frente Criança, em São Paulo, de fevereiro com a questão da violência. Quan- aos maus-tratos identificados nas de 1988 a março de 1990, foram re- do ele não é capacitado, ele não tem instituições de atendimento. “Nesta gistrados 1.072 casos de violência condição (...)”(E12). questão os profissionais de saúde física e 203 de sexual, entre os quais, Investigação semelhante foi rea- têm fundamental importância, reco- os maiores notificantes foram profis- lizada com os operadores do Direito nhecida e esperada pela sociedade e sionais e familiares (BRASIL, 1993). na Comarca de Jardinópolis, interi- pelo Estatuto da Criança e do Ado- Entre os entrevistados, obser- or de São Paulo, a qual detectou, lescente (ECA), vigente no Brasil des- vamos essa preocupação com o entre os entrevistados “uma visão de 1990” (D ESLANDES, 1994, p.5). atendimento, e o interesse em bus- limitada quanto à violência domés- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 195 DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva tica e à violência na sociedade, não apesar de todos os avanços, princi- cesso sistematizado de prevenção, citando, por exemplo, os aspectos palmente a criação do Estatuto da identificação e apoio às vítimas de psicossociais, éticos, morais, etc.” Criança e do Adolescente, muitos maus-tratos. Sugerimos, então, a (R OQUE, FERRIANI, 2002, p.343). profissionais enfermeiros ainda não criação de um protocolo de atendi- Como vimos, o papel do(a) dispõem de conhecimento científico mento que contemple os diversos enfermeiro(a) não se resume a iden- sobre o tema e em conseqüência dis- momentos do processo, desde a sus- tificar e encaminhar os casos, cabe so, sentem-se impotentes para atu- peita do caso, até seu tratamento, à enfermagem participar do proces- ar além do atendimento biológico. acompanhamento e prevenção de so de combate aos maus-tratos, li- Os(as) enfermeiros(as) do HGCA recidivas, a ser elaborado pelos pro- dando com as vítimas e também lidam diariamente com a questão fissionais envolvidos. Assim, os pro- com os agressores, de modo a ten- dos maus-tratos contra crianças e fissionais teriam um instrumento tar identificar as causas e, juntamen- adolescentes, identificando, princi- para guiar as ações a serem reali- te com os responsáveis legais – Con- palmente, a forma física, havendo zadas frente a cada caso, além de selho Tutelar, Juizado de Menores e ambigüidades quanto aos conteú- possibilitar a interdisciplinaridade, outros profissionais (psicólogos, dos conceituais. congregando as diversas categorias pedagogos, entre outros), buscar a De maneira geral, os entrevista- profissionais em busca de um só melhor solução para cada caso, in- dos apontam a causa social como o objetivo: a redução dos maus-tratos cluindo o agressor como alvo de sua maior precipitante da violência intra- contra crianças e adolescentes. atenção e como alguém capaz de familiar e compreendem que os O desconhecimento e a omissão mudar o comportamento. Conhecer maus-tratos na infância e adolescên- são terreno fértil para a manuten- mais sobre os maus-tratos, também, cia trazem conseqüências desastro- ção dos episódios de maus-tratos, possibilita ao profissional repensar sas para o desenvolvimento integral além de expor a criança vitimizada o comportamento e atitudes huma- do indivíduo. E que o(a) enfermei- a mais um tipo de violência: a ne- nas, seu papel enquanto cidadão e ro(a) tem um papel importante na gligência profissional. a maneira como o ser humano se interrupção desse processo de violên- posiciona frente aos problemas de cia, independentemente da exigência seu cotidiano. “É interessante por- e das penalidades legais. REFERÊNCIAS que você pára para pensar o ser Apesar do interesse demonstra- ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Vi- humano” (E7), garantindo um aten- do sobre o assunto, reconhecem que olência e cidadania. In: B ARROS F ILHO dimento de saúde mais abrangente. agem como meros encaminhadores et al. Violência em debate. São Pau- de casos suspeitos ou identificados, lo: Moderna, 1997. 160 p. CONCLUSÕES justificando-se com o fato de não estarem capacitados para o ade- A realização deste estudo per- quado atendimento. AZEVEDO, Mª Amélia. Violência doméstica na infância e na adolescência. São Paulo: Robe, 1995. 126 p. mitiu a análise do fenômeno da vi- Salientamos a preocupação de- olência em uma de suas nuanças, monstrada pelos entrevistados, no os maus-tratos na infância e ado- que tange à participação de uma lescência, conforme compreendidos equipe multiprofissional, de modo BARROS FILHO , Clóvis et al. Violência pelos(as) enfermeiros(as) de um hos- que haja uma concentração de es- em debate. São Paulo: Moderna, pital público. Constatando-se que, forços a fim de estabelecer um pro- 1997. 260p. 196 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. [s.l.]: Edições 70. 1977. Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia) B RASIL. Estatuto da Criança e do realidade brasileira. São Paulo: Ar- Adolescente. Brasília, DF: MTb, SE- tes Médicas, 1997. 118 p. FIT, 1991. 110 p. M ARTINS, Camilla S., F ERRIANI, Ma. BRASIL. Ministério da Saúde. Violên- das Graças C. Caracterização dos cia contra a criança e o adolescen- agressores e vítimas de violência te. Proposta preliminar de preven- sexual intrafamiliar: um estudo de ção e assistência à violência domés- caso. Revista Brasileira de Sexuali- tica. Brasília, DF: Ministério da Saú- dade Humana, v.14,n.1. p. 129-139. de, 1993. 24 p. jan./jun. 2003. B RASIL. Ministério da Saúde. Dire- M INAY O , Maria Cecília de Souza trizes e normas regulamentadoras (Org.). Pesquisa social. Teoria, mé- de pesquisas envolvendo seres hu- todo e criatividade. Petrópolis, RJ: manos. Brasília, DF: Ministério da Vozes, 1996. 80 p. Saúde, 1996. R OQUE, Eliana M. de S. T., FERRIANI , D ESLANDES, Suely Ferreira. Prevenir a Ma. das Graças C. Desvendando a violência: um desafio para os pro- violência doméstica contra crianças fissionais de saúde. Rio de Janeiro: e adolescentes sob a ótica dos ope- F IOCRUZ, 1994. 39 p. radores do Direito na comarca de EINSENSTEIN , Evelyn, SOUZA , Ronald Pagnonceli de. Situações de risco à saúde de crianças e adolescentes. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993. 145 p. F IGUEIREDO, Sumaya C. S., ALVES, Zélia, Mª Mendes B. Abuso na infância de Pessoas idosas de hoje. Florianópolis: UFSC, 1999. 540 p. (Texto e Contexto, 1, 1999) Jardinópolis – SP. Revista LatinoAmericana de Enfermagem, v.3, n.10, maio/jun. 2002. p.334-344. S OUZA, Sinara de Lima. A violência vivenciada por adolescentes trabalhadores de rua. Salvador, BA 2000, 139 p. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2000. G OMES, Romeu. 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Adolescência e violência: conseqüências da Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005 197 DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência Home-Based Care: a Response to the Health Needs of People with Disabilities and Dependency Maria de Fátima Faria Duayer1 Maria Amélia de Campos Oliveira2 Recebido: 29/09/03 Modificado: 13/05/04 Aprovado: 01/07/04 RESUMO Mudanças no perfil demográfico da população brasileira e nas condições de vida demandam a reorganização dos serviços de saúde de modo a responder às necessidades de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência. Este trabalho tem como objeto os cuidados domiciliares no Sistema Único de Saúde, como uma resposta às necessidades de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência. Pretende-se discutir a inserção desses cuidados nos vários níveis de complexidade do Sistema, propor um critério de elegibilidade para o recebimento desses cuidados, definir e hierarquizar as atividades necessárias para o provimento dos mesmos e oferecer subsídios para a compreensão das especificidades do processo de trabalho das equipes, de forma a contribuir para a formulação de diretrizes para o provimento desses cuidados. PALAVRAS-CHAVE: Cuidados Domiciliares de Saúde; Determinação de Necessidades de Cuidados de Saúde. ABSTRACT Changes in Brazilian demographic and social trends demand for the reorganization of healthcare services, in order to respond to the health Médica sanitarista. Membro do Grupo de Assessoria da Coordenadoria da Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, São Paulo, Brasil. e-mail: [email protected] 1 Enfermeira. Professora doutora, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. e-mail: [email protected] 2 needs of disabled and dependent people. This study focuses on home-based care in the Brazilian Unified Health System (SUS) and its potential as a response to the health needs of these social groups. It intends to discuss the insertion of this type of care into various levels of the health system; to propose eligibility criteria to qualify for this type of care; to define and create hierarchies for the related activities; and to discuss the specific aspects of home-based healthcare teams work processes, contributing to the creation of guidelines for providing these services. KEYWORDS: Home Care Services; Needs Assessment 198 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência INTRODUÇÃO do idoso em seu domicílio, em con- na sociedade brasileira, viver mais dições adequadas, está associada a não quer dizer necessariamente vi- As necessidades de saúde da po- uma melhor qualidade de vida do que ver melhor, e o aumento da expecta- pulação mundial vêm sofrendo gran- quando ele é institucionalizado; que tiva de vida não está sendo acompa- des mudanças. No século XX, a ex- o envelhecimento da população pro- nhado por melhor qualidade de vida, pectativa de vida aumentou de uma duz alterações na demanda dos ser- o que repercute nas condições de média de 47,3 anos em 1900, para viços de saúde, que se expressam saúde dos idosos, que envelhecem 75,4 anos em 1990, com as mulhe- pelo aumento de casos de doenças com maior grau de dependência, cri- res vivendo cerca de sete anos mais crônico-degenerativas e risco de in- ando novas necessidades que vêm do que os homens (SMELTZER ; BARE, capacidades, e que a elevação dos desafiar os serviços de saúde. Ao 2002). Nos próximos 20 anos, as custos dos sistemas de saúde decor- mesmo tempo, as condições violen- doenças crônico-degenerativas serão re principalmente do consumo eleva- tas de vida provocam maior número as principais causas de incapacida- do de serviços hospitalares ou insti- de seqüelas de traumatismos crâni- des, enquanto a AIDS , a tuberculose oencefálicos e raquimedulares por e a malária continuarão sendo im- acidentes ou armas de fogo que atin- portantes causas de morbidade e gem populações mais jovens. morte. As estimativas de crescimen- O AUMENTO DA EXPECTATIVA DE VIDA NÃO to de até 300% da população idosa ESTÁ SENDO ACOMPANHADO POR MELHOR gráfico e nas condições de vida da de muitos países em desenvolvimen- QUALIDADE DE VIDA, O QUE REPERCUTE população brasileira demandam a to e o não menos importante aumen- Essas mudanças no perfil demo- reorganização dos serviços de saú- to do número de idosos nos países NAS CONDIÇÕES DE SAÚDE DOS IDOSOS, desenvolvidos resultarão em uma QUE ENVELHECEM COM MAIOR dades dos indivíduos com perdas ampliação da demanda por cuidados GRAU DE DEPENDÊNCIA funcionais e dependência, e de suas domiciliares no mundo (WHO, 2000). de de modo a responder às necessi- famílias, o que inclui a prestação No Brasil, segundo dados do cen- de cuidados de saúde no domicílio. so demográfico de 2000, a esperan- A necessidade de utilização mais ça de vida ao nascimento é de 68,6 tucionais por idosos mais vulnerá- eficiente dos recursos de saúde esti- anos (64,8 anos para o sexo mascu- veis (ESPINOSA ALMENDRO et al., 2000). mulou a criação de Programas e lino e 72,6 anos para o feminino) e As mudanças demográficas que Serviços para o provimento de cui- a esperança de vida livre de incapa- vêm sendo observadas há algumas dados domiciliares nos setores pú- cidade, de 54 anos (IBGE, 2000). décadas no Brasil demonstram um blico e privado. No setor público, Os cuidados domiciliários de saú- crescimento da população idosa, o muitas experiências ligadas a hos- de estão em rápida expansão em vá- que acarreta um aumento das doen- pitais (D UARTE; DIOGO , 2000) origina- rios países. Isto se deve basicamente ças crônico-degenerativas, freqüen- ram-se de tentativas de racionaliza- à interação, em diferentes medidas, temente presentes nesse grupo popu- ção do uso dos leitos e tiveram o do entendimento que a permanência lacional (Q UEIROZ, 2000). No entanto, mérito de demonstrar que é possí- 1 1 A esperança de vida livre de incapacidade possibilita distinguir entre o número de anos vividos livres de qualquer tipo de deficiência e o número de anos vividos com pelo menos uma deficiência ou incapacidade. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 199 DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos vel prover, no domicílio, com me- da Secretaria de Saúde do Município pacientes e familiares no processo lhoria da qualidade de vida do pa- de São Paulo (DUAYER et al., 2002) e de de cuidar, fundamentada em Leo- ciente, cuidados até então restritos uma revisão da literatura, à luz dos nardo Boff, para quem ao ambiente hospitalar. princípios da universalidade, da eqüi- Essas iniciativas em geral foram dade e da integralidade do SUS. constituídas a partir das necessida- CONSIDERAÇÕES SOBRE O CUIDADO NO DOMICÍLIO des dos serviços desse nível de atenção à saúde. Em que pese sua contribuição, não foram suficientes “cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF , 1999) para permitir a formulação de dire- Por serem múltiplas as necessi- trizes para a reorganização dos equi- dades das pessoas com perdas fun- Os sentimentos experimentados pamentos públicos de saúde, de for- cionais e dependência, é necessário no cuidado criam vínculos entre ma a responder pela prestação de partir de uma concepção ou de um pacientes, equipe de saúde e famili- cuidados no domicílio, em conso- ares, laços de confiança geradores de nância com os princípios da Refor- solidariedade, que podem proporci- ma Sanitária, a reorganização da onar melhor qualidade de vida para prática assistencial proposta pelo os pacientes e seus cuidadores. Programa Saúde da Família (PSF), a Política Nacional do Idoso Brasile de Pessoas Portadoras de Deficiências (BRASIL, 1994, 1996, 2002). Este trabalho tem como objeto os OS SENTIMENTOS EXPERIMENTADOS NO CUIDADO CRIAM VÍNCULOS ENTRE PACIENTES, EQUIPE DE SAÚDE E FAMILIARES, LAÇOS DE CONFIANÇA GERADORES cuidados domiciliários no Sistema DE SOLIDARIEDADE Único de Saúde (SUS), como uma Esta concepção está de acordo com a reorganização da prática assistencial proposta pelo PSF, que busca substituir o atual modelo de assistência por novas práticas estruturadas na lógica da atenção à saúde, “afirmando a indissociabilidade resposta às necessidades sociais de entre os trabalhos clínicos e a pro- saúde de pessoas com perdas funci- moção da saúde”, concebendo os onais e dependência e de suas famí- usuários dos serviços como sujei- lias. Pretende-se discutir a inserção conjunto de idéias que promova uma tos do seu processo saúde-doença destes cuidados nos vários níveis de ampliação do objeto de intervenção (BRASIL , 1997). complexidade do Sistema, propor dos profissionais de saúde para “O enfoque assistencialista e de- um critério de elegibilidade para o além da dimensão biológica e indi- sarticulador [que caracteriza a atu- recebimento desses cuidados, defi- vidual da assistência e em conso- ação tradicional do setor saúde] vem nir e hierarquizar as atividades ne- nância com a reorganização da prá- gerando dependentes sociais, tratan- cessárias para o provimento dos tica assistencial proposta pelo Pro- do os indivíduos como permanen- mesmos e oferecer subsídios para a grama Saúde da Família (PSF). tes receptores de benefícios externos compreensão das especificidades do Propõe-se, aqui, uma concep- e não como cidadãos com direitos ção abrangente de cuidado que resguardados constitucionalmente.” Esta discussão e proposições se- contemple a riqueza dos sentimen- O PSF propõe “... o exercício de uma rão construídas a partir da análise dos tos e das relações humanas viven- nova prática, com base em outra ra- serviços de Assistência Domiciliária ciadas por profissionais de saúde, cionalidade, partindo de uma pre- processo de trabalho das equipes. 200 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência missa solidária e construída de for- vida, a preservação ou a recupera- res de doenças crônicas, transmissí- ma democrática e participativa, ca- ção da saúde por meio da instru- veis ou não, como tuberculose, cân- paz de transformar os indivíduos em mentalização do paciente e/ou seu cer e moléstias cardiovasculares; verdadeiros atores sociais e sujei- cuidador e da disponibilização di- portadores de deficiências físicas ou tos do próprio processo de desenvol- reta ou referenciada dos recursos sensoriais, independente da etiologia vimento” (BRASIL , 1997), com direi- materiais e humanos necessários à destas; pessoas HIV positivas ou com tos assegurados pela Lei dos Direi- realização das ações pertinentes à AIDS ; pessoas incapacitadas definiti- tos dos Usuários (BRASIL, 2000). sua condição de saúde. va ou temporariamente devido a aci- As definições e experiências de A finalidade do provimento des- dentes por causas externas ou ou- Assistência Domiciliária no Brasil ses cuidados é ampliar o acesso de tros; portadores de doenças mentais (PAPALÉO NETTO , 1999; DUARTE; D IOGO , pessoas funcionalmente incapacita- e principalmente os cuidadores das 2000; B RASIL, 2002) estão centradas das e com dependência aos serviços na realização no domicílio de pro- e cuidados de saúde, mediante a cedimentos por profissionais de saú- esta afirmação, que as pessoas com res como sujeitos e co-partícipes de incapacidades funcionais e depen- projetos terapêuticos. Como tomam víduo com dependência e não as É aceito, embora não haja estudos que confirmem de modo claro de, envolvendo pacientes e familia- como objeto da intervenção o indi- pessoas acima identificadas. PESSOAS COM INCAPACIDADES FUNCIONAIS dência que são cuidadas no domicílio alcançam melhor qualidade de E DEPENDÊNCIA QUE SÃO CUIDADAS NO vida do que aquelas mantidas em grupos aos quais pertencem, tais DOMICÍLIO ALCANÇAM MELHOR QUALIDADE hospitais ou institucionalizadas (ES- definições não ultrapassam a dimen- DE VIDA DO QUE AQUELAS MANTIDAS EM necessidades sociais de saúde dos são individual da assistência. Assim sendo, em substituição ao HOSPITAIS OU INSTITUCIONALIZADAS PINOSA ALMENDRO et al., 2000). São beneficiadas ao terem garantido o acesso aos serviços e à assistência mais humanizada, o que favorece o à denominação ‘assistência domi- exercício da autonomia e da respon- ciliária’, propõe-se aqui a designa- sabilidade pela própria saúde. ção ‘cuidados domiciliários’ para Para os serviços de saúde, a re- designar o conjunto articulado de ação conjunta e integrada da famí- ações que operacionalizam políti- lia, da sociedade organizada e do cas públicas de saúde que visam Estado, de forma a viabilizar a es- as diminui o risco de iatrogenias e responder a necessidades sociais de ses indivíduos a melhor qualidade aumenta a rotatividade dos leitos saúde de pessoas com perdas fun- de vida e o maior grau de indepen- hospitalares. A continuidade e a ar- cionais e dependência. dência possíveis, incentivando a ticulação das ações desenvolvidas Os cuidados domiciliários de saú- autonomia, a participação social, a pela Atenção Básica e Unidades Hos- de compreendem o conjunto de atos dignidade e solidariedade humanas pitalares e de Emergência aumenta e relações que acontecem no domi- (WHO, 2000). a resolubilidade das mesmas e pro- dução das internações desnecessári- cílio, envolvendo paciente, familia- Segundo a Organização Mundi- move o compartilhamento de respon- res e equipe de saúde, com a finali- al da Saúde (WHO, 2000), a popula- sabilidades entre os níveis do siste- dade de promover a inclusão soci- ção que necessita de cuidados do- ma de saúde, aumentando assim sua al, a melhoria da qualidade de miciliários de saúde inclui portado- eficiência, eficácia e efetividade. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 201 DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos A INSERÇÃO DOS CUIDADOS DOMICILIÁRIOS NO SUS E A ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL atendimento de outros profissionais não necessitam obrigatoriamente da de saúde, a exemplo de nutricionis- infra-estrutura hospitalar. Tais pa- tas, fisioterapeutas, entre outros, cientes devem ser assistidos por ser- O Grupo de Estudos sobre Cui- que nem sempre compõem o qua- viços de Internação Domiciliária – ID dados Domiciliários constituído pela dro das UBS. Mesmo assim, deve- (C OTTA et al.,2001), que devem con- OMS recomenda que esses cuidados se evitar a organização de serviços tar com equipes multiprofissionais integrem a Atenção Primária nos paralelos para o atendimento de ne- próprias, constituídas para esses países em desenvolvimento (WHO, cessidades específicas de alguns atendimentos, e com a retaguarda 2000). São características dessa grupos de pacientes. de uma unidade hospitalar. modalidade de assistência o segui- A OMS não recomenda a consti- A ID é caracterizada pela transito- mento, a atenção longitudinal e con- tuição de serviços específicos para riedade, freqüência e complexidade da tínua dos pacientes acamados e a determinados grupos de indivíduos assistência (idem). Ao contrário dos vigilância à saúde no domicílio, sen- ou patologias porque se tornam frag- cuidados domiciliários prestados pela do que a Atenção Básica é a principal Atenção Básica, a ID deve ter uma responsável por essas ações (ESPINOSA duração limitada (idem) e a alta po- ALMENDRO, 2000; COTTA et al., 2001). derá acontecer por cura, óbito, rein- Assim sendo, os cuidados domiciliários devem integrar o nível de OS CUIDADOS DOMICILIÁRIOS Atenção Básica do SUS, ampliando DEVEM INTEGRAR O NÍVEL DE o acesso da população aos serviços. ATENÇÃO B ÁSICA DO SUS, Cabe salientar que ações de inclu- ternação hospitalar ou estabilização do quadro clínico, com referência do paciente para a Atenção Básica. A ID pode ser uma alternativa à internação hospitalar prolongada ou são social e promoção da saúde, fi- AMPLIANDO O ACESSO DA à institucionalização, desde que os nalidades desses cuidados, reque- POPULAÇÃO AOS SERVIÇOS problemas de saúde dos pacientes rem o compartilhamento de respon- exijam cuidados de complexidade sabilidades entre o setor saúde e compatível com o ambiente do do- outros setores governamentais, bem micílio e o suporte familiar permita como a participação de segmentos o provimento de cuidados de quali- organizados da sociedade. mentados, desarticulados, medica- dade. Para isto, é necessário que a As Unidades Básicas de Saúde lizados e muito onerosos, portanto oferta desses cuidados seja feita de (UBS) devem realizar, na própria menos custo-efetivos (ESPINOSA ALMEN- forma contínua, independentemente Unidade ou no domicílio, o acom- DRO et al., 2000; WHO, 2000). É ne- das patologias causadoras das in- panhamento ambulatorial dos paci- cessário estabelecer uma articula- capacidades, da idade e do tempo entes com dependência, de acordo ção em rede entre os diferentes ser- de sobrevida dos pacientes, incluin- com suas condições clínicas. Mui- viços dos vários níveis do Sistema, do assim desde jovens com incapa- tas vezes as condições clínicas e/ou de forma a integrar e apoiar as UBS. cidades, até idosos e pacientes com psicossociais das pessoas com de- Alguns pacientes com quadros doenças em fase terminal (ESPINOSA pendência, principalmente dos paci- clínicos mais graves exigem cuida- entes terminais, são bastante com- dos de maior complexidade que su- Um trabalho realizado com a fi- plexas e requerem a intervenção de peram aqueles que podem ser ofe- nalidade de caracterizar os serviços outros especialistas médicos ou o recidos pela Atenção Básica, mas de Assistência Domiciliária da Se- 202 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 ALMENDRO et al., 2000). Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência cretaria de Saúde do Município de de do quadro clínico, a presença de grau de incapacidade funcional dos São Paulo (DUAYER et al., 2002) ilus- um cuidador no domicílio e a com- pacientes e não na patologia que cau- tra a importância de discutir a in- plexidade dos cuidados, que deve sou a dependência, ou mesmo em serção dos cuidados domiciliários ser compatível com as condições do grupos etários. Deve permitir acesso no sistema de saúde. O estudo reve- domicílio e possibilidades do servi- equânime dos pacientes a serem be- lou uma superposição de atividades ço. Esses critérios respondem à fi- neficiados, de forma que todos aque- realizadas por serviços de níveis nalidade de prover no domicílio, com les que apresentarem a mesma con- hierárquicos diferentes, já que tan- a participação do cuidador famili- dição tenham a possibilidade de re- to os Hospitais como as Unidades ar, cuidados que até então eram re- ceber os mesmos cuidados. de Saúde responsabilizavam-se por alizados nos hospitais. Muitas pessoas não têm acesso pacientes que demandavam cuida- Ao pensar a inserção dos cuida- aos serviços de saúde por estarem dos de complexidade semelhante, dos domiciliários no SUS, respeitan- incapazes de utilizar o transporte sugerindo pouca racionalidade na do os princípios de universalidade, público e a solução para este pro- utilização dos recursos existentes blema não pode ser simplesmente nos equipamentos hospitalares. A o atendimento no domicílio, o que inexistência de serviços de ID não ampliaria muito a clientela, ao in- permitia aos Hospitais Municipais vés de reconhecer a necessidade de e, conseqüentemente, ao Sistema Municipal de Saúde, aumentar a rotatividade e otimizar o uso dos leitos hospitalares. Esses achados reafirmam a necessidade de definição das competências dos diversos serviços envol- POBREZA EXTREMA E RESIDÊNCIA NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA, APESAR DE NÃO CONSTITUÍREM CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE, DEVEM SER CONSIDERADOS NA INCLUSÃO DO PACIENTE adequar o espaço urbano às mudanças ocorridas na população, por meio de políticas públicas e ações intersetoriais. Pobreza extrema e residência na área de abrangência, apesar de não constituírem critérios de ele- vidos e o compartilhamento de res- gibilidade, devem ser considera- ponsabilidades entre os vários níveis dos na inclusão do paciente por- do Sistema, além da formulação de que irão influenciar a operaciona- um critério de elegibilidade para o integralidade e eqüidade, o importan- recebimento desses cuidados e a te é responder quem, dentre todas as A ausência de tais critérios tem definição e hierarquização das ati- pessoas com dependência, deve re- implicações éticas, pois remete ao vidades necessárias em cada nível. ceber cuidados de saúde no domicí- profissional que atua nos serviços lio. Assim, a definição de um crité- a decisão sobre quem terá acesso rio de elegibilidade é de fundamen- aos cuidados, com base em suas tal importância quando se pensa o experiências individuais. Isto impli- provimento desses cuidados como ca o risco de ampliação dos poten- resposta a necessidades sempre cres- ciais usuários do serviço sem uma centes, frente a recursos limitados. compatibilização dos recursos dis- CRITÉRIO DE ELEGIBILIDADE E HIERARQUIZAÇÃO DAS ATIVIDADES Dentre os critérios de elegibilidade adotados pelos serviços de As- lização do serviço. sistência Domiciliária de Hospitais O critério de elegibilidade para o poníveis, o que poderá ferir o prin- Públicos de São Paulo (D UARTE; DIO - recebimento de cuidados domiciliá- cípio da eqüidade e gerar conflitos GO, rios de saúde deve estar baseado no para o profissional que terá que ne- 2000) predominam a estabilida- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 203 DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos gar o atendimento a um paciente por insuficiência de recursos. Critério de elegibilidade Com base em Pitelli da Guia, Duayer & Mishima (2000), propõe-se como critério de elegibilidade para o recebimento de cuidados de saúde no domicílio o grau de Incapacidade Funcional para as Atividades da Vida Diária,2 definido com base na Escala de Avaliação da Incapacidade Funcional da Cruz Vermelha Espanhola • Grau 5 – Imobilizado na cama • Prestação eventual de cuidados ou sofá, necessitando de cuidados de enfermagem, no âmbito do do- contínuos. micílio, para os pacientes classifi- Atividades desenvolvidas para provimento dos cuidados de saúde Os cuidados domiciliários de saúde incluem a execução das seguintes atividades: • Avaliação do grau de incapacidade funcional do paciente e do grau de dependência para as atividades da vida diária (por meio da cados como demandando cuidados domiciliários de segundo nível. • Prestação rotineira de cuidados médicos, de enfermagem e outros, no âmbito do domicílio, para os pacientes classificados como demandando cuidados domiciliários de terceiro nível. • Transporte para a Unidade Hospitalar referenciada ou Ambulatório de Especialidades, quando (PAPALÉO NETTO, 1999). necessário, para os pacientes que • Grau 0 – Vale-se totalmente por si mesmo. Caminha normalmente. • Grau 1 – Realiza suficientemen- demandam cuidados domiciliários PROPÕE- SE COMO CRITÉRIO DE ELEGIBILIDADE de terceiro nível. De acordo com atividades a se- te as Atividades da Vida Diária PARA O RECEBIMENTO DE CUIDADOS DE rem desenvolvidas na prestação dos (AVD). Apresenta algumas dificulda- SAÚDE NO DOMICÍLIO O GRAU DE cuidados, estes podem ser hierarqui- des para locomoções complicadas. INCAPACIDADE FUNCIONAL PARA AS ATIVIDADES DA VIDA D IÁRIA zados em três níveis: cuidados de • Grau 2 – Apresenta algumas dificuldades nas AVD, necessitando Hierarquização dos cuidados apoio ocasional. Caminha com aju- Cuidados domiciliários de pri- da de bengala ou similar. • Grau 3 – Apresenta graves dificuldades nas AVD, necessitando de apoio em quase todas. Caminha com muita dificuldade, ajudado por pelo menos uma pessoa. • Grau 4 – Impossível realizar, primeiro, segundo e terceiro nível. meiro nível Escala de Avaliação da Incapacida- São elegíveis para este nível de de Funcional da Cruz Vermelha Es- cuidados pacientes com graus 1 ou panhola), das condições de salubri- 2 de incapacidade funcional, vin- dade de seu domicílio e da disponi- culados a uma unidade ambulato- bilidade de cuidador. rial, que pode ser uma UBS ou um Ambulatório de Especialidades. sem ajuda, qualquer das AVD. Ca- • Apoio e capacitação do cuidador. paz de caminhar com extraordiná- • Oferta dos materiais e medica- de cuidador no domicílio. Um ria dificuldade, ajudado por pelo mentos imprescindíveis ao provi- exemplo são os portadores de do- menos duas pessoas. mento dos cuidados. ença pulmonar obstrutiva crônica Não é obrigatório que disponham As atividades da vida diária podem ser discriminadas como: 1)Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD): alimentação, banho, higiene, vestuário, transferência e continência; e 2) Atividades Instrumentais da Vida Diária: lavar, cozinhar, trabalhos domésticos, telefonar, comprar, utilizar meios de transporte e cuidar dos medicamentos e das finanças. 2 204 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência que necessitam de oxigenioterapia • Monitoramento domiciliar do to à necessidade de receber cuida- no domicílio, sem outras compli- paciente, com periodicidade mínima dos domiciliários de terceiro nível. cações clínicas geradoras de perdas de 6 meses, com o objetivo de avali- funcionais mais graves. ar riscos ambientais e prevenir que- Neste nível, os cuidados domiciliários abrangem as seguintes atividades: • Avaliação das condições do domicílio com o objetivo de identificar riscos ambientais e prevenir quedas e acidentes domésticos. • Educação para o autocuidado, que deverá ser realizada na Unida- das e acidentes domésticos. ceiro nível • Educação para o autocuidado. São elegíveis para os cuidados • Oferta de materiais e medica- domiciliários de terceiro nível pa- mentos imprescindíveis ao provi- cientes que apresentam graus 4 ou mento dos cuidados. 5 de incapacidade e que dispõem • Apoio e treinamento do cuidador para o desempenho de suas atividades junto ao paciente. São elegíveis para este nível de cuidados pacientes com grau 3 de incapacidade funcional, vinculados ma ininterrupta. de cuidado, deve-se considerar, além da incapacidade funcional, a gravi- mentos imprescindíveis ao provi- gundo nível isto é, durante dia e noite de for- a serem desenvolvidas neste nível • Oferta de materiais e medica- Cuidados domiciliários de se- de um cuidador em tempo integral, Para a definição das atividades de de Saúde à qual está vinculado. mento dos cuidados. Cuidados domiciliários de ter- SÃO ELEGÍVEIS PARA OS CUIDADOS dade do quadro clínico apresentado DOMICILIÁRIOS DE TERCEIRO NÍVEL A gravidade do quadro clínico PACIENTES QUE APRESENTAM GRAUS 4 OU 5 DE INCAPACIDADE E QUE DISPÕEM DE UM CUIDADOR EM TEMPO INTEGRAL pelo paciente. determinará a periodicidade das visitas médicas necessárias para o acompanhamento do paciente e também a necessidade de atendimento pelos diversos profissionais a uma Unidade de Saúde. Devem da área de saúde como nutricio- dispor obrigatoriamente de um nistas, fisioterapeutas, fonoaudi- cuidador no domicílio, mas não ne- ólogos e outros. Portanto, a gravi- cessariamente durante as 24 horas. Estes pacientes necessitam da ajuda de um cuidador para executar apenas algumas das atividades da vida diária, em intervalos regulares, de forma que o cuidador não necessita • Prestação de cuidados de enfermagem eventuais no âmbito domiciliar, como coleta de exames laboratoriais, controle de dados vitais, troca de cateteres ou outros. dade do quadro determinará se este paciente estará vinculado a uma Unidade Básica ou a um serviço de Internação Domiciliária. Quando a gravidade apresentada pelo paciente for compatível com ficar permanentemente à sua dispo- A assistência médica para esses o atendimento ambulatorial e a pe- sição. São exemplos pacientes com pacientes deverá ser realizada no riodicidade de visitas médicas ne- limitação motora importante devido serviço de saúde. Quando houver cessárias ao tratamento puder ser a seqüelas de AVC ou osteoartrose. necessidade de avaliação médica mensal, apesar do paciente ser res- Os cuidados domiciliários de se- com intervalos menores que uma trito ao leito, ele deverá estar vin- gundo nível abrangem as seguintes consulta de rotina a cada 30 dias, o culado a uma unidade ambulatori- atividades: paciente deverá ser reavaliado quan- al e receber os cuidados de saúde, Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 205 DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos inclusive a consulta médica, no do- O cuidado de maior complexi- vierem a falecer no domicílio. Para micílio. Este é o caso, por exemplo, dade e freqüência, prestado a esse isto, poderá contar com a retaguar- de paciente portador de seqüela de pequeno contingente de pacientes da de uma Unidade Hospitalar pre- AVC, que não deambula, restrito ao mais graves, durante determinado viamente integrada ao serviço, que leito e que utiliza ou não sonda para período de sua história clínica, se responsabilizará pelo atendimen- alimentação; ou de um indivíduo constitui a ID. Na ID, o médico de- to a intercorrências e óbitos que portador de paraplegia com ou sem verá realizar a visita acompanha- acontecerem no período noturno, úlceras de pressão, com quadros do por uma auxiliar de enfermagem feriados e finais de semana. O aten- clinicamente estáveis. para viabilizar a realização de pro- dimento a intercorrências, o preen- A UBS deverá contar com a reta- cedimentos como hidratação veno- chimento do atestado de óbito e o guarda de um Ambulatório de Es- sa ou administração de medica- apoio ao cuidador criarão as con- pecialidades e/ou uma Unidade de mentos injetáveis. Este caráter da Reabilitação, através do sistema de visita médica aumenta sua resolu- referência e contra-referência, para o por de um prontuário médico no fisioterapeutas, nutricionistas e as- domicílio para que possam dispo- litar o atendimento às demandas es- A EQUIPE RESPONSÁVEL PELA pecíficas dos pacientes, qualifican- PRESTAÇÃO DOS CUIDADOS do assim o cuidado no domicílio. Os pacientes com quadros clínicos mais graves, a exemplo de pessoas com Doença de Alzheimer em estágio avançado, em fase terminal lização” da morte. Os pacientes em ID deverão dis- apoio de outros profissionais como sistentes sociais, de forma a possibi- dições objetivas para a “desospita- CARACTERIZADOS COMO ID DEVE SE ORGANIZAR PARA O ATENDIMENTO DAS INTERCORRÊNCIAS CLÍNICAS nibilizá-lo aos médicos da Unidade Hospitalar que os atenderão nas eventualidades acima. As atividades que compõem os cuidados de terceiro nível são: • Prestação de cuidados médicos, de enfermagem e outros necessári- de doenças degenerativas, ou com os à recuperação e preservação da rebaixamento do nível de consciên- saúde do paciente no domicílio. cia, entre outros, devem estar vinculados a uma equipe multidisciplinar bilidade, evita deslocamentos e pe- própria, composta minimamente pe- ríodos de observação desnecessá- los profissionais – médico, enfermei- rios nos Pronto-Atendimentos e ra, fisioterapeuta, nutricionista e as- Pronto-Socorros. • Capacitação e apoio do cuidador familiar. • Garantia de transporte até o serviço hospitalar referenciado, quan- sistente social – a fim de permitir a A equipe responsável pela pres- periodicidade de visitas com interva- tação dos cuidados caracterizados los menores e a complexidade de como ID deve se organizar para o cuidados que o quadro do paciente atendimento das intercorrências clí- exige. Esta equipe deverá se respon- nicas apresentadas pelos pacientes • Garantia para os pacientes com sabilizar pelo atendimento das inter- assistidos, freqüentes pela vulne- maior gravidade de quadro clínico corrências clínicas que surgirão e o rabilidade e gravidade do quadro do atendimento às intercorrências fornecimento do atestado para o óbi- clínico, e para o fornecimento do clínicas e fornecimento do atestado to que ocorrer no domicílio. atestado de óbito aos pacientes que para o óbito ocorrido no domicílio. 206 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 do necessário. • Oferta dos insumos imprescindíveis ao provimento dos cuidados. Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência ESPECIFICIDADES DO PROCESSO DE TRABALHO ção da alimentação, no comporta- podem culminar em isolamento so- mento, no padrão do sono. cial, ansiedade, depressão e mes- No cuidado do paciente terminal, mo doenças orgânicas (Karsch, O cuidado no domicílio envolve muitas vezes a equipe de saúde deve 1998). Com vistas a minimizar a a participação do paciente, da famí- tomar decisões que envolvem posi- ocorrência de tais distúrbios, pro- lia e da equipe de saúde. Aos fami- cionamentos éticos, como a pertinên- põe-se que a atividade de cuidador liares cabe zelar para que o ambi- cia de procedimentos mais ou me- seja desenvolvida de forma solidá- ente do domicílio seja próprio para nos intervencionistas e o transporte ria, isto é, que cada paciente possa o cuidado e assumir a responsabili- para o hospital do paciente na pro- dispor de mais de um cuidador, de dade pela alimentação, cuidados de ximidade da morte, decisões essas forma a viabilizar o usufruto de higiene, administração de medica- que devem ser tomadas junto com o períodos de descanso. mentos orais para o paciente, quan- paciente ou com seus familiares, A solidariedade precisa ser exer- do este é dependente. Os profissio- respeitando suas crenças e valores. cida não apenas em relação ao pa- nais de saúde devem se responsabi- ciente, mas também em relação ao lizar pelas orientações e execução cuidador, num movimento que in- dos procedimentos técnicos cabíveis centive a valorização e o reconheci- no provimento do cuidado. A todos mento do seu papel social. cabe o empenho no desenvolvimento de um relacionamento com base O PACIENTE E SEUS FAMILIARES no respeito, no diálogo e no afeto DEVEM SER INFORMADOS SOBRE para viabilizar a recuperação do SEU ESTADO DE SAÚDE E PARTICIPAR paciente e, quando ela não é mais possível, uma atitude positiva fren- DOS PROJETOS TERAPÊUTICOS te à doença e à morte. Ao posicionar o cuidador como elemento nuclear e viabilizador deste modelo de assistência, entende-se que os serviços de cuidados domiciliários devem se organizar para lhes oferecer o apoio psíquico e emocional imprescindível ao desen- O paciente e seus familiares de- volvimento de suas atividades. vem ser informados sobre seu es- CONSIDERAÇÕES FINAIS tado de saúde e participar dos projetos terapêuticos, atuando como sujeitos no processo saúde-doen- A atividade do cuidador informal Os serviços de saúde ainda não ça e no cuidado. É importante que A atividade de cuidador informal estão devidamente estruturados para estejam cientes das rotinas do ser- pode ser executada por qualquer pes- o provimento de cuidados de saúde viço, a exemplo dos parâmetros soa adulta e capaz, que seja membro no domicílio, principalmente para para o estabelecimento da perio- da família ou da comunidade. Consti- pacientes restritos ao leito, que aca- dicidade das visitas ou do proce- tui-se em atividade essencialmente bam por recorrer ao atendimento nos dimento em caso de intercorrênci- voluntária e não profissionalizante. serviços hospitalares e de emergên- as clínicas. Os familiares devem As atividades pertinentes ao cui- cia, que não assumem o seu acom- ser orientados sobre como proce- dador implicam profundas mudan- der a vigilância do estado de saú- ças no seu cotidiano, as quais fre- Até o momento, sequer é possí- de do paciente, ou seja, estar aten- qüentemente incorrem em processos vel a caracterização dessas pessoas tos para as mudanças na aceita- de desgaste físico e emocional que e permanecem desconhecidos faixa panhamento sistemático e regular. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 207 DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos etária, sexo, causas da incapaci- cais e regionais; dimensionar os re- as. Normas Jurídicas do Senado Fe- dade, grau de dependência, perfil cursos materiais necessários à im- deral. 1994. Brasília (DF). Disponível do cuidador. Tampouco há parâ- plantação e operacionalização da em: http://www.senado.gov.br. Aces- metros para o dimensionamento do proposta; definir conteúdos para so em: 29 ago. 2002. cuidado e dos recursos necessários qualificação da força de trabalho em à sua consecução. saúde; criar um sistema de informa- BRASIL. Decreto n. 1.948, de 3 de julho de 1996. Regulamenta a Lei n. A Estratégia Saúde da Família e ção e definir indicadores que permi- hospitais públicos vêm responden- tam o conhecimento e avaliação dos do pelo provimento de cuidados do- serviços prestados; propor estraté- miciliares nos seus respectivos ní- gias de financiamento para o provi- veis de atenção, responsabilizando- mento destes cuidados para legiti- se pelos cuidados domiciliares dos má-los enquanto política pública na usuários de seus respectivos servi- esfera do SUS e oferecer subsídios ços. Carecem, entretanto, de maior para a organização de ações para sistematização, possivelmente por promover o envelhecimento ativo e BRASIL. Ministério da Saúde. Secre- ausência de uma política que nor- a inclusão social dos indivíduos taria de Assistência à Saúde. Coor- teie essas ações. com dependência e seus cuidadores. denação de Saúde da Comunidade. É necessário partir dessas expe- A reflexão sobre os serviços de Saúde da família: uma estratégia riências pioneiras, inovadoras, e cuidados domiciliários de saúde para a reorientação do modelo as- superar seus limites na formulação existentes – fundamentada nos prin- sistêncial. Brasília (DF): Ministério de diretrizes que possam permitir cípios da Reforma Sanitária e da da Saúde, 1997. a reorganização dos serviços de reorganização da prática assisten- saúde para o provimento desses cui- cial proposta pelo PSF, na Política dados para toda a população que Nacional do Idoso e de Pessoas Por- deles necessita. tadoras de Deficiências – evidenciou A formulação destas diretrizes a necessidade de superar tais expe- deve contemplar parâmetros e crité- riências rumo a uma resposta orga- 8.842, de 4 de janeiro, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e dá outras providências. Normas Jurídicas do Senado Federal. 1996. Brasília (DF). Disponível em: <http:www.senado.gov.br>. Acesso em: 29 ago. 2002. BRASIL. Lei n. 10.241 de 17 de março de 1999. In: GOUVEIA, R. Saúde pública, suprema lei: a nova legislação para a conquista da saúde. São Paulo: Mandacaru, 2000. nizada do SUS às necessidades de BRASIL. Ministério da Saúde. Secreta- atuais dificuldades para a imple- saúde de pessoas com perdas funci- ria de Assistência à Saúde. Portaria mentação de cuidados domiciliári- onais e dependência. n. 1060/GM, de 5 de junho de 2002. rios que permitam equacionar as Dispõe sobre a Política Nacional de os: identificar a população-alvo; REFERÊNCIAS definir critérios de elegibilidade para o recebimento de cuidados de saú- Saúde da pessoa portadora de deficiência. 2002. Brasília (DF). Disponí- BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética vel em: <http:www.saúde.gov.br/ quizar as atividades necessárias à do humano, compaixão pela terra. sas/>. Acesso em: 29 ago. 2002. prestação da assistência; oferecer 6. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1999. BRASIL. Ministério da Saúde. Secre- subsídios para a compreensão das BRASIL. Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de taria de Assistência à Saúde. Porta- especificidades do processo de tra- 1994. Dispõe sobre a Política Nacio- ria SAS/ n.249, de 16 de abril de 2002. balho das equipes; estabelecer com- nal do Idoso, cria o Conselho Nacio- Dispõe sobre Normas para Cadastra- petências e integrar os serviços lo- nal do Idoso e dá outras providênci- mento de Centros de Referência em de no domicílio; identificar e hierar- 208 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência Assistência à Saúde do Idoso. 2002. K ARSCH, Ursula Maria. Envelheci- Brasília (DF). Disponível em: <http:/ mento com dependência: revelando /www.saúde.gov.br/sas/>. Acesso cuidadores. São Paulo: Educ, 1998. em: 29 ago. 2002. P APALÉO NETTO, Matheus. Gerontolo- C OTTA , Rosângela Minardi et al. 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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005 209 CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará Reasons and Influences of the Use of Benzodiazepines in Women: a Study Carried Out at a Psychosocial Attention Center in a City in Ceará State Maria da Glória Oliveira Carneiro1 Maria Veraci Oliveira Queiroz2 Maria Salete Bessa Jorge3 RESUMO Procura-se caracterizar os aspectos socioculturais das mulheres que consomem benzodiazepínicos e apreender motivos e influências do uso dos Recebido: 19/02/03 Modificado: 05/07/04 Aprovado: 09/11/04 mesmos. Realizado no CAPS, os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada durante junho a dezembro de 2002. Constatou-se predominância na faixa etária de 41 e 50 anos, baixa escolaridade, estado civil casada, residentes no município, não apresentando nenhum tipo de doença orgânica e sem diagnóstico psiquiátrico. Cinco mulheres participaram das entrevistas originando as temáticas: tempo de uso dos benzodiazepínicos; motivos que levaram ao uso dos benzodiazepínicos; benefícios dos benzodiazepínicos e narrando o estado de saúde. É necessária a implementação de políticas públicas de atenção psicossocial à mulher, incluindo ações profissionais que reforcem atitudes de enfrentamento. Psicóloga, Especialista em Saúde Mental, Centro de Atenção Psicossocial em Itapipoca (Ceará) e em atividades clínicas no sistema particular, Itapipoca, Ceará, Brasil. 1 PALAVRAS-CHAVE: Ansiolíticos; Saúde da Mulher; Saúde Mental. ABSTRACT e-mail: [email protected] This paper aims at distinguishing the sociocultural aspects of women Enfermeira, Docente, Doutora em Enfermagem, Hospital Geral de Fortaleza, Universidade Estadual do Ceará. Membro do grupo de Pesquisa Saúde Mental Família e Práticas de Saúde, Fortaleza, Ceará, Brasil. 2 e-mail: [email protected] using benzodiazepines and at learning the reasons and influences of these drugs. It was carried out at a Psychosocial Attention Center (CAPS) and data were collected through semi-structured interviews from June to December 2002. The study has shown that the predominant age group is 41 to 50 years, with low scholarship, civil state married, living in the municipal district, lack of organic disease and no psychiatric diagnosis. Five women Enfermeira. Doutorado em Enfermagem, Docente, Universidade Estadual do Ceará. Líder do grupo de Pesquisa Saúde Mental, Família e Práticas de Saúde da UECE. Vice-coordenadora do Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública, Fortaleza, Ceará, Brasil. participated in the interviews, originating these themes: time of e-mail: [email protected] KEYWORDS: Benzodiazepine Anxiolytic; Woman’s Health; Mental Health 3 benzodiazepine use, reasons that made them use it; the drug’s benefits and a description of their current health state. It is necessary to implement public politics of psychosocial attention to women, including professional actions strengthening defiance attitudes. 210 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará INTRODUÇÃO mais se usadas por períodos supe- vida reprodutora (da menarca à riores a seis meses e subitamente menopausa). Este é um fato que Percebemos, no cotidiano, que interrompidas, o que pode causar pode ilustrar o uso de benzodiaze- o consumo de benzodiazepínicos efeitos de abstinência, tais como pínico, visto que essa medicação, entre mulheres é comum, tornan- irritabilidade, insônia excessiva, muitas vezes, é utilizada em situa- do-se um problema de saúde pú- sudorese, dor pelo corpo todo, ções em que o paciente não está re- blica e uma preocupação no cam- podendo, nos casos extremos, cau- cebendo atendimento por um espe- po da saúde mental. Os benzodia- sar convulsões. Se a dose é grande cialista, ou quando o mesmo é uti- zepínicos são drogas ansiolíticas desde o início, a dependência ocor- lizado como um coadjuvante do tra- utilizadas no mundo todo, inclusi- re com mais rapidez. Há também tamento antidepressivo. ve no Brasil. No âmbito geral, estas desenvolvimento de tolerância, Varela (1998) ressalta que há um drogas são de uso principalmente embora esta não seja muito acen- bilhão de mulheres no mundo viven- nas diversas formas de ansiedade. tuada, isto é, o usuário acostumado do sob o efeito de hipnóticos ou se- Seu principal efeito é tranqüilizar a dativos. As mulheres ocupam uma pessoa estressada, tensa e ansiosa, posição de destaque em relação ao ou seja, “diminuir ou abolir a ansi- consumo de benzodiazepínicos. edade das pessoas sem afetar em demasia as funções psíquicas e motoras” (C EBRID, 2002, p.1). Para Range e Dale (1993), os Em nosso cotidiano, observamos A FARMACODEPENDÊNCIA É o uso incorreto e abusivo desta dro- UM PROBLEMA PREOCUPANTE, ga, pois ela é ingerida para todos os tipos de ansiedade, inclusive benzodiazepínicos agem sobretudo POIS, MESMO DOSES TERAPÊUTICAS no sistema nervoso central e seus PODEM LEVAR A UM é, causadas pelas tensões do dia-a- efeitos farmacológicos consistem ESTADO DE DEPENDÊNCIA dia, e o mais grave, sem indicação na redução da ansiedade e agres- aquelas consideradas normais, isto e/ou acompanhamento médico. E, são, na sedação e indução do sono, ainda, são prescritos indevidamen- na redução do tônus muscular e te pelo médico, consoante revela o coordenação, além de ter um efei- estudo de Oliveira e Fraga (2002) to anticonvulsivante. Entretanto, esse grupo de substâncias causa também efeitos in- à droga não precisa aumentar a dose para obter o efeito inicial (RAN GE & realizado em Sobral (Ceará). Dessa maneira, percebemos a necessidade da informação adequa- D ALE, 1993; ADAM, 2000). desejados, como a toxicidade agu- Segundo Yonkers e Steiner da, do controle e do acompanhamen- da, apesar de que, administrados (1999), estudos epidemiológicos re- to da pessoa em uso dessa substân- em superdosagem, os benzodiaze- alizados em diversas partes do mun- cia. Conforme Morais et al. (2002), pínicos são considerados menos do demonstram, de forma convin- é necessário que sejam discutidos perigosos do que outras drogas an- cente, que a prevalência de trans- com a sociedade os aspectos refe- siolíticas/hipnóticas. tornos de humor em adultos, ao lon- rentes à legislação e a banalização A farmacodependência é um pro- go da vida, é significativamente do uso desse medicamento e male- blema preocupante, pois, mesmo maior entre as mulheres do que en- fícios causados à saúde. doses terapêuticas podem levar a tre os homens. Esta incidência é ex- Diante da realidade vivenciada um estado de dependência, ainda pressiva durante o período de sua em um CAPS, surgiu o interesse por Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 211 CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa este tema, pois constatamos a pro- mos compreender os principais mo- tratégico fundamental, uma vez que cura freqüente de mulheres usuári- tivos e influências que levam as a internação era a alternativa dis- as de benzodiazepínico neste servi- mulheres (participantes do estudo) a ponível para a família e para a co- ço, e, em muitos casos, vimos que consumir os benzodiazepínicos. munidade, aumentando ainda mais elas utilizam esse medicamento por O estudo foi realizado no Centro o ciclo de re-internamentos. Funcio- tempo indeterminado e sem um de Atenção Psicossocial (CAPS) de um na em prédio próprio da Prefeitura acompanhamento adequado. Consi- município do interior do Ceará. Este e conta com uma equipe de nove deramos assunto relevante no sen- serviço foi implantado em 5 de ju- técnicos de nível superior (um psi- tido de despertar nos profissionais nho de 1999, com o apoio da Prefei- quiatra, uma enfermeira, duas psi- a necessidade de estabelecer maior tura Municipal, através de sua Se- cólogas, duas assistentes sociais e controle dessa situação junto aos cretaria de Saúde. Conta também com três terapeutas ocupacionais), além usuários e provocar reflexões que o apoio da Secretaria de Saúde do de outros seis técnicos de nível mé- venham contribuir para a interven- Estado, desta recebendo uma verba dio. Todas as funções têm carga ção nessa problemática. horária de 40 horas semanais com Na presente pesquisa, nos empe- supervisão técnica. O serviço dispõe nhamos em estudar o uso desse fár- de transporte contratado para loco- maco na população de mulheres, moção da equipe em visitas domi- independentemente da idade, tendo como objetivos caracterizar os aspectos socioculturais das mulheres que consomem benzodiazepínicos e apreender os motivos e as influências do uso de benzodiazepínicos na O ESTUDO FOI REALIZADO NO C ENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS) DE UM MUNICÍPIO DO INTERIOR DO CEARÁ população estudada. ciliares e outros atendimentos na sede e na zona rural. A partir do levantamento nos prontuários, no período de junho a dezembro de 2002, a população foi inicialmente constituída de 183 sujeitos, mulheres atendidas no CAPS. Ao final do levantamento, identifi- CAMINHO METODOLÓGICO camos os participantes que durante a triagem já usavam benzodiazepí- Trata-se de um estudo descritivo, mensal destinada ao pagamento de nicos. Das 183 mulheres, 115 modalidade de análise que, no en- funcionários e manutenção do servi- (62,84%) não foram incluídas na tendimento de Leopardi (2002), per- ço. Os custos financeiros com medi- pesquisa por não fazerem uso des- mite demonstrar com exatidão os camentos são mantidos pelo Minis- se medicamento. Assim, a amostra fatos ou fenômenos da realidade, por tério da Saúde, o qual dispõe de uma ficou constituída de 68 (37,16%) meio de um levantamento das suas verba anual específica para a com- mulheres que faziam o uso de ben- características ou dos componentes. pra de medicamentos entregues tri- zodiazepínicos, constatado durante A investigação foi realizada em duas mestralmente pelo Município. a triagem realizada no CAPS. etapas. A princípio, foi feito levanta- É um serviço de referência em Para a coleta de dados, elabora- mento retrospectivo nos prontuários saúde mental, atendendo prioritari- mos um formulário, o qual orientou com a finalidade de caracterizar os amente pessoas com transtornos a busca de informações no prontuá- aspectos socioculturais da população mentais agudos e crônicos. A oferta rio, contemplando as seguintes vari- estudada. Na segunda fase, busca- desse serviço assume um lugar es- áveis: idade, estado civil, escolarida- 212 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará de, profissão, doença orgânica e di- quisadoras, fazendo a sua leitura. em seguida aparece a faixa etária agnóstico psiquiátrico. Cinco mulhe- Todas as pessoas aceitaram partici- de 21 a 30 anos, com 11 mulheres res foram escolhidas intencionalmen- par voluntariamente da pesquisa, (16%). O intervalo entre 81 e 90 anos te no contato durante o retorno ao cientes de que sua identificação se- não apresentou nenhum caso e a serviço pois elas participaram da en- ria mantida em sigilo e autorizaram idade compreendida entre 91 e 93 trevista semi-estruturada para com- a divulgação dos dados coletados anos revelou um caso, ou seja, 1%. plemento das informações, utilizan- por meio do termo de consentimen- Por conseguinte, os resultados do as questões norteadoras: que mo- to, o qual foi assinado por todos os mostram que a mulher adulta jo- tivos lhe levaram a fazer uso desse participantes. Enfim, a pesquisa se vem, na faixa etária de 11 a 20 anos remédio? Como iniciou o seu uso? O desenvolveu com base na Resolução faz pouco uso de benzodiazepínicos que lhe traz de benefício esse remé- 196/96 do CNS-MS, que regulamen- (seis casos, ou 9%) e entre 21 a 30 dio? Fale um pouco de sua saúde. ta as pesquisas envolvendo seres anos percebemos um aumento de 11 humanos (BRASIL , 1996). casos (16%). É na fase de 40 a 50 De posse do levantamento de dados da primeira fase da pesquisa, anos que acontece a maior ocorrên- agrupamos esses indicadores – os cia do consumo de benzodiazepíni- quais estão descritos com a freqüên- cos. Estudo recente realizado por cia e o percentual simples. As infor- Oliveira e Fraga (2002) com mulhe- mações obtidas nas entrevistas fo- É NA FASE DE 40 A 50 res mostram resultados semelhan- ginadas dos questionamentos feitos, ANOS QUE ACONTECE A consumo desta droga compreende a cumprindo o critério de similarida- MAIOR OCORRÊNCIA DO ram organizadas por temáticas ori- des e diferenças dos discursos. Ao final, obtivemos as seguintes cate- tes, pois evidenciaram que o maior faixa etária entre 45 e 60 anos. En- CONSUMO DE BENZODIAZEPÍNICOS tretanto, encontram-se numa idade mais elevada, em relação ao nosso gorias: motivos que levaram ao uso estudo, considerando que a maior de benzodiazepínicos; benefícios e/ ocorrência se deu no intervalo etá- ou dependência aos benzodiazepíni- rio de 30 a 50 anos. cos; narrando o estado de saúde. Quanto aos aspectos éticos, por não existir comitê de ética em pesquisa na Instituição nem no Município, solicitamos da Secretaria de Saúde autorização para realizar a APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Indicadores do perfil sociocultural das mulheres que consomem benzodiazepínicos Essa evidência pode ser entendida por diversos fatores, desde os fisiológicos aos psicossociais e culturais. Como revela Marraccini (2001), durante este ciclo vital ocorre um período de transição e, nesse pesquisa, obtendo o aceite. Em se- Das 68 mulheres usuárias de processo, os sistemas físicos acen- guida, comunicamos à coordenado- benzodiazepínico pesquisadas no tuam-se, acontecem alterações hor- ra do CAPS a realização da pesqui- CAPS, no período de junho a dezem- monais, naturais do climatério e da sa, informando detalhes sobre a for- bro de 2002, houve maior incidên- menopausa. O anúncio do envelhe- ma de coleta de dados e o envolvi- cia na faixa etária de 41 a 50 anos, cimento abate a auto-estima, neste mento dos sujeitos. Quanto a estes, correspondendo a 17 (26%). A faixa período de 30 a 50 anos ocorre a apresentamos o consentimento livre etária de 31 a 40 anos veio depois, independência dos filhos, o que para e esclarecido, elaborado pelas pes- com um total de 15 casos (22%), e muitas mães pode causar angústia. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 213 CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa Em geral, com o alcance dessa ma- Em nossa pesquisa, a maioria der que contêm no fator hierarqui- turidade cronológica surgem ques- das mulheres usuárias de benzodi- zante a sujeição e a desigualdade. tões que causam ansiedade e se tor- azepínicos é casada, corresponden- Odália (1983) refere que é preciso nam obstáculos ao relacionamento do a 42 (62%). Constatamos que em considerar essa violência, além da amoroso e sexual, há uma reflexão seguida aparecem as solteiras com agressão, mas sob a forma de pri- quanto à atividade, ou mesmo a che- 16 casos. A menor ocorrência foi nas vação. ‘Privar’ significa ‘tirar’ , gada da aposentadoria. As respon- separadas (três casos, ou 4%). ‘despregar’, ‘desapossar’ alguém sabilidades, a rotina doméstica e o Ao observarmos a realidade vi- de alguma coisa. E essas mulhe- trabalho minam o lazer e afastam os venciada nesse CAPS, percebemos res, com efeito, estão sendo priva- amigos. Enfim, há um balanço das que quase sempre essas mulheres das dos seus direitos de igualdade, vivências pessoais e os significados casadas sofrem algum tipo de vio- liberdade e dignidade no momento a elas associados, atrelados à meno- lência de seus companheiros. Foi em que são violentadas. pausa, às alterações psicológicas e constatado na pesquisa de Oliveira sociais específicas dessa fase. Quanto à profissão/ocupação, encontramos, entre as 22 mulheres Verificamos que o maior índice usuárias de benzodiazepínicos, agri- de consumo de benzodiazepínicos cultoras (33%), seguidas de 17 (25%) O ALTO CONSUMO DE ocorreu no em pessoas com o ensino fundamental incompleto, apresentando 22 mulheres (33%), segui- BENZODIAZEPÍNICOS NAS do de analfabeta e alfabetizada, res- MULHERES CASADAS PODE ACONTECER pectivamente, 19 (28%) e 14 casos (20%). As menores freqüências ocor- EM VIRTUDE DO ALTO ÍNDICE reram nos níveis subseqüentes no DE VIOLÊNCIA CONJUGAL A ensino fundamental completo, ensi- QUE SÃO SUBMETIDAS que desenvolvem somente ‘prendas do lar’. Esta variável está relacionada à condição econômica. Entretanto, não foi possível identificar, por meio dos prontuários, o valor da renda individual e/ou familiar. Como se pode observar, a maior representatividade da ocupação é re- no médio incompleto e completo e ferente à agricultora, seguida de nível superior, todos apresentando prendas do lar, atividades que se duas mulheres (3%). incluem num nível socioeconômi- Esses dados corroboram os es- e Fraga (2002) o fato de que a vio- co de baixo poder aquisitivo. tudos de Oliveira e Fraga (2002), em lência doméstica, especificamente Muitas são as queixas, percebi- que os graus de instrução predomi- física e sexual, faz parte do cotidia- das nos discursos das mulheres nes- nantes foram o ensino fundamental no dessas mulheres. se CAPS, com relação à ocupação de incompleto e o analfabetismo. Me- O alto consumo de benzodiaze- agricultora. Segundo elas, as condi- diante esses resultados, é provável pínicos nas mulheres casadas pode ções de trabalho são precárias. Elas que a baixa escolaridade influencie acontecer em virtude do alto índice trabalham horas seguidas, no sol ou no maior consumo de benzodiaze- de violência conjugal a que são sub- na chuva, sem alimentação adequa- pínicos. Possivelmente, essa inferên- metidas. Falar de violência contra a da nem renda justa, sendo, ainda, cia esteja associada a outras situa- mulher significa mencionar um tipo responsáveis pelas tarefas do lar e ções carenciais que atingem a po- de conflito que permeia as relações pela educação dos filhos. Além da pulação de baixa renda, na qual a interpessoais cotidianas e implica ocupação na agricultora, também mulher está inserida. considerá-las como relações de po- desempenham os trabalhos domésti- 214 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará cos, isto é, as mulheres empregadas cia foi nos transtornos neuróticos, ou profissionais autônomas têm uma relacionados ao estresse e somato- sobrecarga de tarefas. formes, 21 casos (31%). Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos por mulheres assistidas no CAPS de Itapipoca-Ceará É importante ressaltar que, para Diante dos dados apresentados, Para a apreensão dos motivos que se fazer uma análise da saúde da verificamos que a metade das pes- levaram as mulheres ao consumo de mulher e sua relação com o uso de soas do grupo estudado não apre- benzodiazepínicos, bem como outras benzodiazepínicos é necessário levar senta diagnóstico psiquiátrico. Al- informações subjetivas relacionadas em consideração as suas condições guns casos se justificam pelo fato a saúde e ao bem-estar, apresenta- sociais, trabalho, relações familiares, de ainda não terem sido consulta- mos as categorias apreendidas da enfim, suas condições de vida e so- dos pelo médico e outros, apesar de análise/interpretação dos achados. brevivência. Portanto, consideramos já terem se submetido a consultas, que as condições de trabalho na agri- sem, no entanto, constar um diag- cultura e no lar, a que essas mulhe- nóstico. Em relação aos prontuári- res se submetem, podem influenciar ficado na construção do estudo, pois No que concerne à distribuição 51 mulheres (76%) não apresentarem nenhum tipo de patologia. Das mu- benzodiazepínicos Esta categoria tem grande signi- o uso dos benzodiazepínicos. por doença, foi detectado o fato de Motivos que levaram ao uso dos está relacionada a um dos seus ob- E NTRE AS MULHERES USUÁRIAS jetivos. Dessa forma, procuramos perceber, nos discursos, as manifes- DE BENZODIAZEPÍNICO ATENDIDAS tações dessas mulheres, retratando NO CAPS, 34 (51%) nas entrelinhas situações diversas maior registro foi a hipertensão arterial, com dez casos (15%). Vale res- NÃO APRESENTAM mas entrevistadas revelam ter inici- DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO ado o uso por apresentarem quadros lheres com algum tipo de doença, o saltar que, em relação a cardiopatia e epilepsia, foram dois casos (3%). que mostram o seu cotidiano. Algu- Observamos que a maioria (76%) ansiosos e insônia. Ao buscarem atendimento médico, a terapêutica do grupo estudado não traz doença prescrita foi o benzodiazepínico. orgânica constatada. Os 15% de mu- Corroboramos a idéia de Olivei- lheres com hipertensão arterial fazem os com diagnóstico, notou-se evi- ra e Fraga (2002), quando estas cri- uso de benzodiazepínico, percenta- dência quanto aos transtornos neu- ticam a forma de atendimento e gem clinicamente justificada pelo fato róticos, relacionados ao estresse e acompanhamento médico a estas de, em geral, esses medicamentos distúrbios somatoformes. Esse fato mulheres. Segundo as autoras, a serem associados a outros, específi- é justificável, visto que essa me- lógica da produtividade rege os ser- cos para esta doença, em razão do dicação é indicada, segundo o Di- viços de saúde, e, conseqüentemen- seu efeito tranqüilizante. cionário de Especialidades Farma- te, o atendimento médico é determi- Entre as mulheres usuárias de cêuticas (2000-01), para o alívio nado pela ordem quantitativa, de- benzodiazepínico atendidas no CAPS, sintomático da ansiedade e para os vendo atender vários pacientes du- 34 (51%) não apresentam diagnósti- problemas funcionais e manifesta- rante o dia, o que implica uma re- co psiquiátrico registrado nos pron- ções somáticas associadas à ansi- dução de tempo na consulta, o que tuários. Das mulheres com diagnós- edade, ou seja, é indicada para faz cair, portanto a qualidade do tico psiquiátrico, a maior incidên- esse tipo de transtorno. atendimento. O acompanhamento Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 215 CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa destas mulheres, em razão deste fato, médios que suprimem a sua capaci- se restringe a entrar no consultório, dade de reagir e enfrentar os sofrimen- dizer ao médico por qual motivo está tos e os problemas, além de dar a sen- ali e sair com a receita na mão. sação de uma falsa felicidade. Observamos nos depoimentos Estamos vivendo uma cultura na dessas mulheres que o uso do me- qual é proibido sofrer; somos víti- dicamento ultrapassa os seis meses, mas de uma euforia dissimulada e o que demonstra a prática médica qualquer tristeza é logo considerada de renovação da receita, sem acom- depressão. Segundo Bezerra (2003), panhamento e avaliação adequados. essa cadeia de distorções tem início Desse modo, entendemos ser neces- com a publicidade da indústria far- sária uma consciência profissional, macêutica, quando as propagandas no sentido de se considerar e tratar prometem retirar o mal-estar e as adequadamente a saúde mental, isto E STAMOS VIVENDO UMA cia seja amenizada. CULTURA NA QUAL É PROIBIDO SOFRER; SOMOS VÍTIMAS DE UMA EUFORIA DISSIMULADA E QUALQUER TRISTEZA É LOGO CONSIDERADA DEPRESSÃO angústias; passa pelos discursos e práticas de muitos profissionais de saúde, que incorporam esse paradigusuários que, desejando sair do so- memória de cada entrevistada. Para frimento e diante de sua fragilidade, Varela (1998), essas reações, comu- aceitam essa via medicamentosa mente conhecidas por ataque de ner- como a única saída. sufocado com a administração de re- ções cotidianas, por meio da utilização desses medicamentos, negando a condição de seres humanos dotados de sentimentos, tanto posi- necem um comprimido por considerarem que esta é a forma de colaborar com o outro. Acontece também quando, por conta própria, adquirem esses medicamentos com familiares ou na farmácia, o que denota a falta de acompanhamento médico ências deste fato, essas pessoas aca- do tratamento, histórias trazidas na que sofrem. No entanto, esse grito é ocupações, e até mesmo das priva- tos farmacológicos. Como conseqü- ma; e termina com a ignorância dos satisfação, a frustração e a opressão de dor, de perda, de raiva e das pre- e controle sanitário de tais produ- Esses discursos retratam o início dessas mulheres, demonstrando a in- procuram fugir de seus sentimentos de vizinhos, que os receitam e for- que essa problemática da dependên- vos ou ataques histéricos, são gritos lheres nos fazem perceber que elas vante é que iniciam seu uso pela via angústias dessas mulheres, para “Eu iniciei a tomar o diazepam porque eu perdia sono. Passei um ano e três meses sem dormir. Fui a um hospital, passaram um remédio mas ele não serviu, aí depois outro médico passou o diazepam e consegui dormir.” (ENT.03) Estes e outros relatos das mu- tivos quanto negativos. Outro agra- é, a subjetividade, o sofrimento e as “Eu tive uns desmaios, aí fiquei doente, aí o médico passou um bocado de exames, depois passou um bocado de medicamentos, aí comecei a tomar o diazepam e não desmaiei mais.” (ENT. 01) é só assim que o homem poderá recuperar o pleno esforço da sua liberdade na gestão responsável de sua própria vida. Caso contrário [...] provocará iatrogênese clínica.” (2000, p.441) Nesta direção, compartilhamos a idéia de Bresciani: “Não existe vivência positiva enquanto não se conseguir dar sentido ao sofrimento, ao limite e à morte [...] 216 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 bam aprisionadas aos benzodiazepínicos, e assim se expressam: “Comecei a tomar depois que minha filha morreu. Eu não dormia à noite, fiquei perturbadinha (...) a primeira vez que eu tomei foram uns vizinhos amigos que me deram (...) Aí comecei a comprar (...) Era assim: comprava uma cartela e ficava tomando quando estava nervosa. Era o lexotam, o lorax ...” (ENT 04) “Minha filha faz dez anos que toma diazepam. Um dia tava nervosa aí tomei uma banda desse comprimido e saí pra casa de uma cunhada Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará minha, comecei a conversar (...) o remédio começou a fazer efeito e fiquei boazinha. Aí o doutor passou o medicamento pra mim, e fiquei tomando.” (ENT 05) Os discursos evidenciam uma realidade diferente da que é preconizada pelos órgãos de competência em relação ao controle dos medicamentos, bem como a dos serviços que têm responsabilidade não apenas pelo tratamento das doenças, mas também pela promoção da saúde, isto é, têm demonstram a dependência, quando citam que, com a falta do remédio, certos sintomas aparecem... elas não conseguem ficar sem ele. Tais sintomas são a chamada ‘síndrome de abstinência’, que, segundo Cavalcante (2002), é uma das características da dependência, o que podemos perceber no seguinte depoimento: “Vou lhe dizer uma coisa: esse remédio a gente toma porque é o jeito. Por exemplo: faz três dias que me faltou e faz três dias que não durmo. Tem horas como meta desenvolver um compor- sas mulheres, destacamos um dos depoimentos que evidencia o quan- tra que os benefícios advindos do uso dos benzodiazepínicos são o efeito tranqüilizador temporário e a falsa idéia de que estão ajudando a enfrentar os problemas. Neste caso, estão sendo enfrentados? Em vez de criar este círculo de dependência, Benefícios e/ou dependência Na apreensão das histórias des- A análise desses discursos mos- será que realmente os problemas tamento positivo para a saúde. aos benzodiazepínicos “Depois que comecei a tomar esse remédio, fiquei mais forte. Tomava vitamina, mas tenho certeza que foi esse remédio. Ele me dá mais coragem pra lutar com minha filha que é doente. Se eu não tomasse remédio controlado, já tinha ficado perturbada, de olho branco.” (ENT. 05) não seria mais prático e menos cus- AS ENTREVISTADAS toso praticar políticas de atenção à CONSIDERAM QUE O saúde da mulher que abrangessem, além dos parâmetros biológicos, REFERIDO MEDICAMENTO também aqueles que viessem aten- to o medicamento traz calma mas AJUDA A ENFRENTAR der as dimensões psicossociais? Será não acabam com os problemas nem PREOCUPAÇÕES DO DIA-A-DIA que promovendo uma qualidade de alcançam a ‘cura’: “Tomando o remédio ele me acalma um pouquinho. (...) Se eu não tomar fico com vontade de chorar... fico com medo, fico muito nervosa. Ele me acalma assim, mas de dizer que serve mesmo de remédio, não serve não, que eu tomo e fico doente ainda, eu fico com falta de ar. (...) Quando sinto raiva de alguma coisa, assim um vexame, aí eu fico muito doente, aí ele acalma um pouquinho, mas eu não fico boa, eu passo o dia caída.” (ENT. 01) As percepções acerca dos benefícios dos benzodiazepínicos estão associadas ao seu efeito tranqüilizador, favorecendo também o sono. Ao mesmo tempo, as entrevistadas vida que permita amenizar a desigualdade social, a violência, a pobreza e possibilite uma vida digna, não se estaria contribuindo para que fico tonta, tonta, bebinha... É depressão, né? Com a falta desse remédio me sinto longe também.” (ENT. 03) Além disso, as entrevistadas consideram que o referido medicamento ajuda a enfrentar preocupações do dia-a-dia: aumentar a saúde e o desenvolvimento dessas mulheres? A Carta de Ottawa, redigida na Primeira Conferência Internacional de Promoção da Saúde, reforça a idéia de saúde associada a diversos fatores: “a saúde é o maior recurso para o desenvolvimento social, eco- “É bom porque a gente fica mais calma, porque a gente que é mãe de família... acontece tanta coisa... os filhos bebem, são caminhoneiros, aí a gente toma os comprimidos e fica mais calma e dorme bem.” (ENT. 04) nômico e pessoal”. Para que ocorra, porém, esta saúde, é necessária que haja elaboração e implementação de políticas públicas de apoio à saúde da mulher, tal como preconi- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 217 CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa za esse documento: criação de ambientes favoráveis à saúde, reforço de ação comunitária, desenvolvimento de habilidades pessoais e reorientação dos sistemas e serviços ruim, bebedor de cachaça, apontava cada faca pra mim, batia na minha cara. Agora eu não vivo mais com ele. Eu, grávida, tinha que ir dormir na casa da minha mãe, pois ele queria me bater.” (ENT. 02) de saúde (BRASIL, 2001). Se houves- Bresciani (2000) comenta que a saúde-doença vai além do caráter biológico, pois inclui a experiência emocional do sujeito, a sua capacidade e qualidade relacional, as condições de trabalho, moradia e se investimentos e ações de fato nes- “Eu não tenho nenhum pouco de sas dimensões, certamente os cus- saúde. Tudo que eu como me faz mal, eu acho que é gastrite, ainda não fiz o exame (...) Depois que perdi minha fi- trício (1996) diz que saúde-doença lha, minha vida não é mais a mesma. A partir daí, sobrou pra mim: o marido a momentos de limitações e supera- tos referentes a esta questão na saúde diminuiriam. Narrando o estado de saúde Para se entender a saúde da mu- me largou por uma mulher mais nova... tudo é problema [choro]... o filho bebe, A SAÚDE- DOENÇA VAI ALÉM DO CARÁTER periências, imposições, tradições e BIOLÓGICO , POIS INCLUI A EXPERIÊNCIA limitações”. Foi o que aconteceu, ao EMOCIONAL DO SUJEITO, A SUA CAPACIDADE E dessas mulheres. Deixamos que elas se manifestassem e percebemos que QUALIDADE RELACIONAL , AS CONDIÇÕES DE TRABALHO, MORADIA E DE ALIMENTAÇÃO se colocaram como mães, esposas “Minha saúde é muito pouca, porque dias eu tô melhor e dias eu tô pior. Só vivo doente. Do tempo que morreu uma menina minha, nunca mais eu tive saúde. Aí nesse tempo eu tive uns desmaios e desse tempo pra cá eu fiquei doente.” (ENT.01) “Eu só vivo em médico, todos os meses. Eu sinto dor de cabeça muita, eu posso até tomar remédio mas a dor de cabeça não passa e quando tô menstruada fico pior. Meu problema começou com meu marido... ele era muito o ambiente. Também considera que, ao trabalharmos com saúde, devemos ter tanto uma visão micro, isto é, detendo-nos no indivíduo, nas suas interações, no seu contexto sociocultural, na sua afetividade e no seu cotidiano, como também uma visão macro, compreendendo das pelas interações com contextos ocupacional e social, correlacionanseu estado de saúde. ses momentos, segundo a autora, as situações de saúde-doença gera- e pessoas diante de um contexto do esses papéis desempenhados com ção das condições de mal viver. Es- po, nas atitudes interacionais com mulher que é mãe, filha, esposa e, interrogarmos a condição de saúde para o ser humano está relacionada através de queixas e sinais no cor- et al. (1996, p.56), “deixar falar a contexto social que é de muitas ex- Complementando essa idéia, Pa- são expressos verbalmente ou não, lher, é necessário, conforme Alves antes de tudo, gente situada em um de alimentação. sociais mais complexos. a velhice chegou, vivo doente. Eu não saio de casa, o passeio que faço é pra igreja e pro médico.” (ENT. 04) Somente à luz desta visão será possível perceber que essas mulheres utilizam os benzodiazepínicos Estes discursos constroem uma mais como uma forma de ameni- rede de significados a respeito do zar seus sofrimentos – e que estes processo saúde-doença. Na constru- têm dimensões físicas, psíquicas ção de sentidos, os episódios de do- e socioculturais. ença são refletidos quanto às posições que estas mulheres ocupam na CONSIDERAÇÕES FINAIS sua rotina, relacionada a um conjunto complexo de fatos e eventos O presente estudo permitiu-nos imbuídos de aflição, dor, limitação, uma aproximação com a realidade privação e perda de dignidade. das mulheres usuárias de benzodi- 218 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará azepínicos, destacando os aspectos intervir nessa realidade. Outro agra- et al. Saúde e doença: abordagem socioculturais dessa população, in- vante é a falta de controle sanitário cultural da enfermagem. Florianó- dicando, portanto, a relação entre destes medicamentos na farmácia, tor- polis: Papa Livro, 1996. as diversas variáveis no contexto nando-se uma rotina a ilegalidade das da saúde. Constatamos que essas vendas deste fármaco. ALVES, Elioenai Dorneles; ARRATIA, Alejandrina; SILVA, Denise M. Perspecti- mulheres vêm de uma classe soci- Ao pensarmos na atuação do pro- al desfavorecida, com baixo nível fissional, consideramos relevante de escolaridade, e trazem consigo reforçar as competências e habilida- a dor de conviver com a pobreza, des positivas de enfrentamento por com a falta de solidariedade e com meio de uma escuta respeitosa, in- BEZERRA , Rose. Mary. Indústria da tudo o que ela traz de ruim, como dividual e de grupos, que promova angústia. Diário do Nordeste, For- a fome, o desemprego, o subempre- o fortalecimento da identidade pes- taleza, Ceará, 30 de março de 2003. go e as péssimas condições de so- soal, da auto-ajuda, potencialize a Caderno Viva. brevivência. Além disso, ainda en- criatividade, as expressões sadias de BRASIL. Ministério da Saúde. Carta frentam questões culturais advin- contato interpessoal e reforce a de Ottawa, Declaração de Adelaide, das de uma sociedade machista e apropriação da cidadania. Declaração de Sundsvall, Declara- vas histórica e conceitual da promoção da saúde. Cogitare Enferm., Curitiba, v.1, n.2, jul./dez.1996. p.2-7. patriarcal, deparando-se com as de- O estudo apresenta alguns indi- ção de Bogotá. Tradução: Luís sigualdades de gênero, as traições cadores das condições de vida e saú- Eduardo Fonseca. Brasília (DF): Mi- conjugais e a violência, sem contar de dessas mulheres e pode agregar nistério da Saúde, 2001. com outros sofrimentos diante das contribuições para a equipe que limitações humanas. atende esta clientela. Assim, podem A compreensão acerca dos moti- emergir novos elementos da reali- vos e influências que levaram as dade, possibilitando referenciais mulheres ao uso de benzodiazepíni- capazes de subsidiar políticas soci- cos traz histórias de sofrimento e dor. Os motivos não se restringem apenas a situações de ansiedade e/ou insônia, mas, além disso, decorrem de um conjunto de fatores relacionados ao contexto sociocultural, econômico, político atingindo as dimensões psíquicas. O sofrimento e a impotência são reprimidos por essas mulheres com a administração dos benzodiazepínicos, ato este reforçado por profissionais que se limitam a prescrever tais me- . Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP. Resolução 196/96 sobre pesqui- ais mais efetivas e culturalmente sa envolvendo seres humanos. Bra- adequadas. Outros estudos podem sília (DF): Ministério da Saúde, 1996. aprofundar tal temática com nuan- BRESCIANI , Claudio. Saúde: abordagem ças diferentes, pois sabemos que histórico-cultural. O Mundo da Saú- cada pesquisador e cada realidade de, São Paulo, v.24, nov./dez. 2000. manifestam-se diferentemente. CAVALCANTE, Antonio.Mourão. Drogas, esse barato sai caro: os caminhos REFERÊNCIAS da prevenção. 4. ed. Rio de Janeiro: ADAM , Izabel. Ansioliticos. Disponível Record/Rosa dos Tempos, 2002. em: <http://www.saoluis-scs.com.br/ CEBRID. Tranqüilizantes ou ansiolíti- projetos/izabel/t232/ansioliticos/ cos. Disponível na Internet em: <http:/ mais.htm. Acesso em 22/08/2002. /www.antidoppe.co m .br/www/ antisio.htm>. Acesso em: 12/12/2002. dicamentos sem considerar os aspec- ALVES, Albertiza Rodrigues et al. Saú- tos causais, sem refletir e buscar jun- de e doença: uma abordagem sócio- L EOPARDI, Maria Tereza. Metodologia to a essas mulheres outros modos de cultural. In: SILVA, Yolanda Flores da pesquisa na saúde. 2. ed. Floria- Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 219 CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa nópolis: UFSC/Pós-Graduação em Vasconcelos et al. Dimensões do coti- Enfermagem, 2002. diano: violência, saúde da mulher e MARRACINI , Eliane micheline. Encontro de mulheres: uma experiência desempenho do trabalho. Fortaleza: PÓS-GRADUAÇÃO/DENF/ UFC, 1998. criativa no meio da vida. São Pau- YONKERS, Kimberly ; STEINER, Meir. lo: Casa do psicólogo, 2001. Depressão em mulheres. 2. ed. São MORAES , Paiva; MEMÓRIA , Neila; LEI TÃO, Paulo: Lemos, 1999. Glória da Conceição; BRAGA, Vi- olante Augusta Batista. Uso de drogas por adolescentes: construção de conceitos. In: SOUSA, Ângela Maria et al. Saúde, saúde mental e suas interfaces. Fortaleza: Pós-graduação DENF/UFC/FFOE/FCPC, 2002. ODÁLIA , Nilo. O que é violência. São Paulo: Beasiliense,. 1983. OLIVEIRA, Eliany Nazaré ; FRAGA, Maria Nazaré. Mulheres e o medicamento de cada dia... In: SOUSA, Angela Maria et al. Saúde, saúde mental e suas interfaces. Fortaleza: Pós-graduação DENF/UFC/FFOE/FCPC, 2002. PATRÍCIO, Zuleica Maria. Ser saudável na felicidade-prazer: uma abordagem ética e estética pelo cuidado holístico e ecológico. Pelotas: Editora Universitária/ UFPel; Florianópolis: PPG em Enfermagem/ UFSC,1996. PEIXOTO, José. Do Fogo às flores. Diário do Nordeste, Fortaleza, 9 de março de 2003. Caderno Eva. RANGE, H. P.; DALE , M. M. Farmacologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 1993. VARELA, Zulene Maria Vasconcelos. A Saúde física, mental e social na família. In: VARELA, Zulene Maria 220 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005 DOCUMENTOS / DOCUMENTS VIII Simpósio sobre Política Nacional de Saúde 28 a 30 de junho de 2005 CARTA DE BRASÍLIA O Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, com a temática “SUS – o presente e o futuro: avaliação do seu processo de construção” é uma grande oportunidade de reflexão e mobilização acerca dos rumos do Estado e da sociedade brasileira, e das estratégias adotadas no âmbito do setor da saúde para a garantia do direito universal e integral à saúde. Em que pesem as mudanças positivas ocorridas na saúde com a instituição e implementação do SUS, persistem, de forma preocupante, baixos níveis de saúde e elevadas desigualdades sociais e regionais. Assim como permanecem o subfinanciamento e as distorções na estrutura dos gastos públicos, influenciados pela lógica do mercado, lógica esta que não atende às expectativas de grandes contingentes da população brasileira. O desenho das políticas públicas deve orientar-se pelas suas conseqüências sobre a vida das pessoas e da coletividade. A simples lógica macroeconômica de valorização do capital – através da ‘financeirização’ do orçamento público, desvinculação de receitas das contribuições sociais e crescente superávit fiscal, sem consideração de seu impacto sobre as condições sociais, culturais e ambientais – não permitirá que construamos uma nação justa, equânime e saudável. A defesa da Seguridade Social como política de proteção social universal, equânime, democrática e participativa no Brasil deve ser intransigente frente à visão predominante da política econômica, em que os cidadãos são transformados em acessórios de um estrondoso processo de acumulação e concentração de renda. As políticas substitutivas de caráter focal e compensatório desconhecem a condição social do cidadão como resultante de um processo econômico e social que afirma a pobreza como um risco individual. É coerente com o Estado mínimo, comprometido com o mercado e descomprometido com políticas solidárias. Noutro aspecto, o desenvolvimento humano está condicionado a uma assimilação de uma política de bem-estar social ampla, com ações intersetoriais que envolvam todas as áreas do Estado – sociais e econômicas. Defendemos um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, integrador e distributivo com justiça social. O processo da reforma sanitária brasileira é um projeto civilizatório, ou seja, pretende produzir mudanças dos valores prevalentes na sociedade brasileira, tendo a saúde como eixo de transformação e a solidariedade como valor estruturante. O projeto do SUS é uma política de construção da democracia que visa a ampliação da esfera pública, a inclusão social e a redução das desigualdades. Todas as propostas devem ter como objetivo principal a melhora das condições de saúde da população brasileira, a garantia dos direitos do cidadão, o respeito aos pacientes e a humanização da prestação de serviços. O Sistema Único de Saúde, integrante da Seguridade Social, é uma política estruturante de Estado, formulado e implementado por comando único nos âmbitos do Governo Federal, dos estados e municípios, com ações destinadas Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, 221-223, maio/ago. 2005 221 DOCUMENTOS / DOCUMENTS a todas as pessoas, classes e grupos sociais. O conceito de integralidade compreende a articulação operacional de ações de promoção e cuidados de saúde, inclusive aqueles agravos resultantes dos processos de trabalho, da previdência e da assistência social. Envolve a participação e a responsabilização de instituições públicas e privadas orientadas por diretrizes de eqüidade e continuidade de ações reguladas pelo Estado. Os participantes do Simpósio entendem como pontos relevantes: 1. Definição de uma política nacional de desenvolvimento socioeconômico que garanta uma redistribuição de renda de cunho social, que recupere os níveis de emprego, com a revisão da política monetária, no sentido de promover decréscimos das taxas de juros e superávit fiscal e redirecionamento do financiamento público para as políticas sociais públicas. 2. Reafirmação da Seguridade Social, definida na Constituição Federal de 1988 como a política de Estado brasileira de proteção social, possibilitando a construção efetiva de políticas sociais e ações integradas que assegurem os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 3. Defesa, intransigente, dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – a universalidade, a eqüidade, a integralidade, a participação social e a descentralização. 4. Retomada dos princípios que regem o Orçamento da Seguridade Social e, enquanto não for possível reconstituir o financiamento integrado, regulamentação com a urgência requerida, da Emenda Constitucional 29, que estabelece critérios para financiamento das ações e serviços de saúde. 5. Avançar na substituição progressiva do sistema de pagamento de serviços por um sistema de orçamento global integrado, alocando recursos com base nas necessidades de saúde da população estabelecidas nos Planos de Saúde nacional, estaduais e municipais, com metas que garantam o aumento de cobertura e melhoria da qualidade de atenção à saúde, com a participação do controle social. 6. Revisão da lógica de subsídios e isenções fiscais para operadores e prestadores privados de planos e seguros privados de saúde, redirecionando esses recursos para o sistema público de saúde. 7. Avançar no debate dos projetos de Lei que tratam da responsabilidade sanitária no sentido de se retomar o cerne da discussão para a garantia do direito à saúde e a garantia dos direitos dos usuários. 8. Reafirmação da descentralização, mantida a responsabilidade dos três níveis de governo, garantindo auditoria ampla e permanente como instrumento de fiscalização e acompanhamento do cumprimento das metas, alocação de recursos e combate à corrupção. 9. Avançar no desenvolvimento dos recursos humanos em saúde, especialmente em três dimensões: a) remuneração, vínculos e incentivos; b) organização dos processos de trabalho; c) formação profissional e educação permanente. 10. Estabelecimento de Plano de Carreira, Cargos e Salários para o SUS de maneira descentralizada, sem a incidência dos atuais limites de gastos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a contratação de pessoal para os serviços e ações públicas de saúde, com a eliminação de vínculos precários, hoje existentes, pela realização de concursos públicos. 222 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 221-223, maio/ago. 2005 DOCUMENTOS / DOCUMENTS 11. Cumprimento da deliberação do Conselho Nacional de Saúde “contrária à terceirização da gerência e gestão de serviços e de pessoal do setor saúde, assim como da administração gerenciada de ações e serviços, a exemplo das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (O SCIP) ou outros mecanismos com objetivos idênticos”. 12. Garantir a democratização do SUS, com o fortalecimento do controle social e regulamentação, em lei, de elementos contidos na resolução do Conselho Nacional de Saúde n. 333, de 4 de novembro de 2003, que define diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamentos dos conselhos de saúde. 13. Definição de uma política industrial, tecnológica e de inovação em saúde, articulada às demais iniciativas governamentais da política industrial do país, como elemento estruturante do SUS. Garantir assistência farmacêutica integral. 14. Desenvolvimento de ações articuladas entre os Poderes (executivo, legislativo e judiciário) para a construção de soluções relativas aos impasses na implementação do SUS. 15. Recriação do Conselho Nacional de Seguridade Social. Finalmente, propõe-se a mobilização da sociedade para a realização de uma Conferência Nacional de Seguridade Social que retome o debate nacional acerca da política de proteção social definida na Carta Constitucional de 1988 e que freie os interesses contrários ao Sistema Único de Saúde. Brasília, 30 de junho de 2005 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, 221-223, maio/ago. 2005 223 ASSOCIE-SE AO CEBES E RECEBA AS NOSSAS REVISTAS O C EBES tem duas linhas editoriais:a revista Saúde em Debate, que o associado recebe quadrimestralmente em abril, agosto e dezembro, e a Divulgação em Saúde para Debate, cuja edição tem caráter temático, sem periodicidade regular. QUEM SOMOS Desde a sua criação em 1976 o CEBES tem como centro de seu projeto a luta pela democratização da saúde e da sociedade. Nesses 29 anos, como centro de estudos que aglutina profissionais e estudantes, seu espaço esteve assegurado como produtor de conhecimentos com uma prática política concreta, em movimentos sociais, nas instituições ou no parlamento. Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o C EBES continua empenhado em fortalecer seu modelo democrático e pluralista de organização; em orientar sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir nas políticas e nas práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e a formulação teórica sobre as questões de saúde; e, em contribuir para a consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma sociedade mais justa. A produção editorial do CEBES é resultado do trabalho coletivo. Estamos certos que continuará assim, graças a seu apoio e participação. A ficha abaixo é para você tornar-se sócio ou oferecer a um amigo! 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