PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO
PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES)
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES)
Diretoria Nacional
Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos
21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141
Fax.: (21) 2260-3782
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National Board of Directors
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DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2003-2006)
NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2003-2006)
Presidente
1O Vice-Presidente
2O Vice-Presidente
3O Vice-Presidente
4O Vice-Presidente
Sarah Escorel (RJ)
José Gomes Temporão (RJ)
Rita Sório (DF)
Jacob Portela (RJ)
Maria Ceci Misoczky (RS)
President
1 st Vice-President
2 rd Vice-President
3 th Vice-President
4 th Vice-President
Sarah Escorel (RJ)
José Gomes Temporão (RJ)
Rita Sório (DF)
Jacob Portela (RJ)
Maria Ceci Misoczky (RS)
1O Suplente
2O Suplente
Carmen Teixeira (BA)
Vago
1 nd Substitute
2 nd Substitute
Carmen Teixeira (BA)
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CONSELHO FISCAL
Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) &
Nelson Rodrigues dos Santos (SP)
CONSELHO CONSULTIVO
Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de
Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP),
Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda
Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP),
José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA),
Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF)
CONSELHO EDITORIAL
FISCAL COUNCIL
Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) &
Nelson Rodrigues dos Santos (SP)
ADVISORY COUNCIL
Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de
Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP),
Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda
Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP),
José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA),
Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF)
PUBLISHING COUNCIL
Coordenador: Emerson Elias Merhy (SP)
Coordinator: Emerson Elias Merhy (SP)
Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco
Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva
Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz
Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza
Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte
de Carvalho Amarante (RJ)
Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco
Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva
Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz
Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza Minayo
(RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte de
Carvalho Amarante (RJ)
SECRETARIA EXECUTIVA
Marília Fernanda de Souza Correia
EXECUTIVE SECRETARIES
Marília Fernanda de Souza Correia
EDITORA EXECUTIVA
EXECUTIVE PUBLISHER
Lia Bahia
Lia Bahia
INDEXAÇÃO
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)
Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica
em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe
INDEXATION
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)
The articles about Health History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica em
História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in Latin
America and the Caribbean)
Apoio
A Revista Saúde em Debate é
associada à Associação Brasileira
de Editores Científicos
REVISÃO DE TEXTO
Sonia Regina P. Cardoso – português,
Nina Bandeira Seabra – inglês,
Lia Bahia – revisão tipográfica
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Corbã Editora Artes Gráficas
PROOFREADING
Sonia Regina P. Cardoso – portuguese,
Nina Bandeira Seabra – english,
Lia Bahia – proofreading
COVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING
Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa
PRINT AND FINISH
Corbã Editora Artes Gráficas
NUMBER OF COPIES
TIRAGEM
2.000 exemplares
2,000 copies
Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em maio de 2006.
This publication was printed in Rio de Janeiro on may, 2006.
Capa em papel couche 180 gr
Cover in couche paper 180 gr
Miolo em papel off set 75 gr
Core in off set paper 75 gr
Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./dez. 1976)
– São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2005.
v. 29; n. 70; 27 cm
Quadrimestral
ISSN 0103-1104
1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES
CDD 362.1
Rio de Janeiro
v. 29
n. 70
maio/ago. 2005
ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
ISSN 0103-1104
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005
105
SUMÁRIO / SUMMARY
EDITORIAL / EDITORIAL
107
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliação dos primeiros meses de gestão
Health Politics in Lula Government: an Evaluation of the First Months
of Administration
Ana Carolina Oliveira Mendonça, Camila Pereira Fernandes Dias,
Manuela Santana Araújo, Taiana Quéssia Neves de Alcântara,
Luanne Lísle dos Santos Silva, Ludmila Fernandes Oliveira,
Adriana Oliveira Rocha, Delano Santos Valois,
José Roberto Oliveira Sousa, Lívia Maria Bonfim Mendes,
Lucas Coutinho de Sá Oliveira, Maria da Costa Vargens,
Lucília Nunes de Assis & Jairnilson Silva Paim
109
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da
segurança alimentar e nutricional
Healthy Food and Health Promotion in the Context of Food and
Nutrition Safety
Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro
125
As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de saúde no
Brasil nos Anos 90
Proposals of the World Bank for Health Sector Reforms in Brazil in the 90s
Maria Lucia Frizon Rizzotto
140
Promoção da Saúde: A percepção dos secretários municipais de saúde
Health Promotion: the Perception of Municipal Health Secretaries
Silvano da Silva Coutinho, Maria José Bistafa Pereira &
Anderson Vulczak
148
Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde
Study on the Management of Residues of Healthcare Services
Roberto Naime, Ivone Sartor & Ana Cristina Garcia
157
O Programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes
vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias
The Support Program for Substitute Families of Child and Adolescent
Victims of Domestic Violence, From the Perspective of These Families
Aline Paiva Bertolucci, Camilla Sociio Martins, Caroline Paula Ribeiro
Silvestre & Maria das Graças C. Ferriani
169
106 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005
O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da
reabilitação psicossocial
The Citizenship Rescue: the Therapeutic Attendance and the Psychosocial
Rehabilitation Aspect
Ana Celeste de Araújo Pitiá
179
Informações sobre maus tratos na infância e adolescência entre
enfermeiros(as) de um hospital público de Feira de Santana – Bahia
Information on Children and Adolescent Victims of Abuse Gathered from
Nurses of a Public Hospital Located in Feira de Santana City, Bahia State
Emanuela Cardoso da Silva & Judith Sena da Silva Santana
186
Cuidados Domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de
saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
Home-Based Care: a Response to the Health Needs of People with
Disabilities and Dependency
Maria de Fátima Faria Duayer & Maria Amélia de Campos Oliveira
198
Motivos e influências do uso de benzodiazepínícos em mulheres: estudo
realizado em um CAPS no interior do Ceará
Reasons and Influences of the Use of Benzodiazepines in Women: a Study
Carried Out at a Psychosocial Attention Center in a City in Ceará State
Maria da Glória Oliveira Carneiro, Maria Veraci Oliveira Queiroz &
Maria Salete Bessa Jorge
210
DOCUMENTOS/DOCUMENTS
Carta de Brasília – VIII Simpósio Nacional sobre Política de Saúde da
Câmara dos Deputados, Brasília, 28 a 30 de junho de 2005
Brasília Letter – 8th Chamber of Deputies’ National Symposium on Health
Politics, Brasília, from 28 to 30 of June 2005
221
EDITORIAL
O FUTURO DO CEBES
E
m setembro de 2006, o Centro Brasileiro de Estu-
atividades políticas e editoriais da entidade envolve a
dos de Saúde (CEBES) completará 30 anos de exis-
dedicação voluntária da Diretoria Nacional e o trabalho
tência. Trinta anos de muitos feitos e muitas crises. Se-
profissional da secretaria e editoria executivas.
tenta números da revista Saúde em Debate, 35 números
Se o pensamento da maioria dos associados for as-
da revista Divulgação em Saúde para Debate, e diversos
segurar a manutenção do CEBES – tal como está funcio-
livros foram publicados nesse período. Dezesseis Dire-
nando – e aprimorar suas atividades editoriais, então é
torias Nacionais com mandatos de duração variável de
hora de começar a pensar na nova Diretoria Nacional,
um a três anos estiveram no comando da entidade.
que deverá ser eleita em agosto de 2006, durante a rea-
Ao longo de sua existência, as dificuldades do CEBES
lização do 8 o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e
foram, basicamente, de duas naturezas: ideológico (de
11o Congresso Mundial de Saúde Pública, no Rio de Ja-
projeto) e financeiro. Muitos episódios associaram os
neiro. A Diretoria Nacional está, hoje, constituída por
dois fatores. É o que está acontecendo hoje em dia: vi-
cinco membros titulares e dois suplentes, o Conselho
vemos uma crise que eclodiu financeiramente, mas que
Fiscal (com três integrantes), o Conselho Consultivo (com
se perpetua na indagação: qual o papel do CEBES na atu-
15 membros) e o Conselho Editorial (com 12 membros).
al conjuntura da política de Saúde? Como manter a enti-
Todos são eleitos na mesma ocasião.
dade funcionando diante de sua fragilidade financeira?
Outra possibilidade a ser examinada antes e du-
Não é o passado o que está sob escrutínio. A atuação
rante a Assembléia do CEBES pode incluir a dissolução
do CEBES nos seus quase 30 anos de existência já garantiu
da entidade – o que significaria, segundo seu Estatu-
à entidade um lugar na história da Reforma Sanitária bra-
to, a realização de uma Assembléia Geral Extraordi-
sileira... isto é inquestionável. Mas, qual é o seu futuro?
nária, convocada especificamente para este fim, quan-
A manutenção das revistas parece importante, pois
elas abrem espaço para autores oriundos dos serviços
do a decisão deverá ser tomada por maioria absoluta
dos sócios presentes.
de saúde, assim como para acadêmicos fora do eixo
Entre a manutenção tal como está (com a perspecti-
Sul-Sudeste. A Saúde em Debate assegura o registro his-
va de aprimoramento) e a dissolução da entidade po-
tórico dos principais documentos sobre a política naci-
dem existir alternativas, como a fusão total ou parcial à
onal de saúde e a Divulgação em Saúde para Debate
A BRASCO, algo a ser, necessariamente, discutido, não só
possibilita a difusão de experiências locais, estaduais
internamente ao CEBES mas também com os próprios
ou mesmo nacionais. Pautadas por critérios de quali-
associados e a Diretoria da ABRASCO. O significado de
dade científica e acadêmica, as revistas do CEBES são
fusão total ou parcial mereceria ser mais detalhado.
periódicos daqueles que atuam e militam no Sistema
Único de Saúde (SUS).
Nosso quadro de associados “potenciais” (ou seja,
aqueles que pagaram suas anuidades por determinado
período), engloba mais de dois mil nomes. Em 2004,
cerca de 600 pagaram a anuidade. A manutenção das
Qual é o futuro do CEBES? Aqui estão listadas algumas alternativas. Outras poderão surgir do debate. É
importante a manifestação de todos os associados na
tentativa de responder coletivamente a esta pergunta.
A Diretoria Nacional
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005
107
EDITORIAL
THE FUTURE OF CEBES
I
paid their annuities. Maintaining the entity’s political
and editorial activities involves the voluntary dedication
n september 2006, the Brazilian Center of Health
Studies (C EBES) will complete 30 years of existence.
Thirty years of many achievements and many crises.
of the National Directorship and the professional work of
the executive secretariat and editorship.
If most of the associates intend to secure CEBES’
Seventy issues of the Saúde em Debate (Health in
continuity – the same way it’s currently operating – and
Discussion) journal, 35 issues of the Divulgação em
to improve its editorial activities, so it’s time to start to
Saúde para Debate (Health Disclosure for Discussion)
consider a new National Directorship, which should be
journal and several books were published in this
elected in August 2006, during the 8 th Brazilian
period. Sixteen National Directorships, with
Congress on Collective Health and the 11th World
mandates varying from one to three years,
Congress on Public Health, in Rio de Janeiro. Today, the
commanded the institution.
National Directorship is comprised of five titular
All along its existance, CEBES’ difficulties had
members and two substitute members, the Audit Board
basically two natures: ideological (associated to
(with three members), the Consultant Board (with 15
projects) and financial. Several episodes combined both
members) and the Editorial Board (with 12 members).
elements. That’s what happens nowadays: we are
All of them are elected in the same occasion.
going through a crisis which emerged financially, but
Another possibility to be considered before and
that continues with the questions: What is CEBES ’ role in
during CEBES’ Assembly is to include the dissolution of
the present Health politics scenario? How to maintain
the entity – which would mean, according to its
the entity’s operations in face of its financial frailty?
Bylaws, the convening of an Extraordinary General
The past is not under scrutiny. CEBES’ performance
Assembly specifically for this purpose, when this
in almost 30 years of existence already gave the entity
decision should be taken by the absolute majority of
a place in the history of the Brazilian Sanitary
the current associates.
Reform... that’s for sure. But what about its future?
Maintaining the journals seems important,
Between the maintaining of the entity as it is (with
a perspective of improvement) and its dissolution,
because they open space for authors from inside the
there may be alternatives, such as the total or partial
healthcare services, as well as academicians outside
fusion to ABRASCO – an issue to be necessarily
the South-Southeast regions axis. Saúde em Debate
discussed, not only internally to CEBES, but also with
assures the historical registry of the main documents
on the national health politics, and Divulgação em
Saúde para Debate allows the diffusion of local,
statal or even national experiences. Guided by
scientific and academical quality patterns, CEBES’
journals are active and militant in the Brazilian
Unified Health System (SUS).
Our board of “potential” associates includes more
than two thousand names. In 2004, approximately 600
108 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 107-108, maio/ago. 2005
ABRASCO ’s associates and Board of Directors. The
meaning of a total or partial fusion should be
explained in more detail.
What is the future of CEBES? Here are exposed some
of the alternatives. Others may arise from the
discussion. It is vital that all the associates manifest
themselves, in an attempt to give a collective answer
to this question.
The National Directorship
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros
meses de gestão1
Health Politics in Lula Government: an Evaluation of the First Months of Administration
Ana Carolina Oliveira Mendonça2
Camila Pereira Fernandes Dias2
Manuela Santana Araújo2
Taiana Quéssia Neves de Alcântara2
Luanne Lísle dos Santos Silva2
Ludmila Fernandes Oliveira2
Adriana Oliveira Rocha 2
Delano Santos Valois 2
José Roberto Oliveira Sousa2
Lívia Maria Bonfim Mendes 2
Lucas Coutinho de Sá Oliveira2
Maria da Costa Vargens2
Lucília Nunes de Assis 3
Jairnilson Silva Paim 4
RESUMO
Com o objetivo de avaliar as políticas de saúde nos primeiros 18 meses do
Governo Lula, o presente estudo analisou o conteúdo de notícias obtidas em
jornais e revistas, publicações e sites eletrônicos oficiais, bem como de
entrevistas semi-abertas com dirigentes de instituições públicas da saúde e
pesquisadores da área de saúde coletiva. Foram destacadas iniciativas em
relação à saúde da família, à reforma psiquiátrica e aos programas especiais.
Os autores ressaltam a coerência entre os fatos produzidos no período de
Recebido: 17/12/03
Modificado: 07/12/05
Aprovado: 11/12/05
estudo e o programa de governo do então candidato, apesar dos
constrangimentos determinados pelas políticas econômicas e pela ambigüidade
diante de certas questões como o tabagismo e os transgênicos.
PALAVRAS-CHAVE: Política de Saúde; Avaliação; Análise de Conjuntura.
Trabalho realizado por alunos da
disciplina Política de Saúde (ISC-003) do
ISC-UFBA, sob a orientação dos
professores Jairnilson Silva Paim e Lucília
Nunes de Assis.
1
ABSTRACT
In order to evaluate the health politics in the first 18 months of Lula
Alunos da Faculdade de Medicina da
UFBA, matriculados na Disciplina ISC-003.
government, the present study analyzed the content of news articles published
Professora-substituta da Disciplina
ISC-003, Política de Saúde.
the content of semi-open interviews with public healthcare institutions’
Professor Titular do ISC-UFBA,
Pesquisador 1-A do CNPq.
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade
Federal da Bahia (ISC-UFBA).
Rua Basílio da Gama, s/n – Canela –
Salvador – Bahia
CEP : 40110-170.
e-mail: [email protected]
related to family health, psychiatric reform and special programs. The authors
2
3
4
in newspapers and magazines, official publications and websites, as well as
directors and collective health researchers. This study highlights initiatives
emphasize the coherence found between the health policies developed in the
studied period and the candidate’s program, despite the constraints from the
economic adjustment policy, and the ambiguity in some relevant health
questions as tabagism and transgenic foods.
KEYWORDS: Health Politics; Evaluation; Brazil Politics Analysis
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
109
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
INTRODUÇÃO
e impacto), configurando três tipos
zação popular, despertando esperan-
de avaliação: a) avaliação relacio-
ças e prometendo mudanças para o
O exercício do poder e as ques-
nada a conceptualização e ao dese-
Brasil. Nesse contexto, um estudo
tões referentes ao estabelecimento de
nho; b) monitoramento da implemen-
com o propósito de avaliar a política
diretrizes, planos e programas de
tação; c) estimação e avaliação dos
de saúde do governo torna-se opor-
saúde para determinada população
resultados e utilidade (O XMAN, 1988,
tuno no sentido de contribuir para a
constituem Políticas de Saúde. Nes-
p.57; BUSTAMENTE & PORTALES, 1988).
análise dos fatos produzidos na con-
se sentido, uma política pública pas-
O Brasil é um país federativo ca-
sa por um ciclo que inclui a proble-
racterizado pela existência de múlti-
O presente estudo toma como
matização, a construção da agenda,
plos centros de poder, por um siste-
objeto a política de saúde do Gover-
a formulação, a formalização, a im-
ma complexo de dependência políti-
no Federal, partindo das seguintes
ca e financeira entre as esferas go-
perguntas: quais os fatos políticos
vernamentais e não governamentais,
em saúde produzidos a partir das
plementação, o monitoramento e a
avaliação (P AIM, 2003).
Avaliação de políticas de saúde
eleições presidenciais de 2002, quais
“é a aplicação sistemática de proce-
as visões de atores sobre o proces-
dimentos de investigação social para
estimar a concepção e o desenho, a
juntura e de identificar tendências.
so político e que relações poderiam
implementação e a utilidade da exe-
O BRASIL É UM PAÍS FEDERATIVO
ser identificadas entre tais fatos e o
cução dos programas de tipo social,
CARACTERIZADO PELA EXISTÊNCIA DE
jetivo do estudo é avaliar a formu-
que em nosso caso é fundamentalmente saúde” (O XMAN, 1988, p.55).
MÚLTIPLOS CENTROS DE PODER, POR UM
Esta definição permite superar cer-
SISTEMA COMPLEXO DE DEPENDÊNCIA
tas visões do senso comum que não
admitem a possibilidade de avaliar
um governo no seu início, reduzin-
POLÍTICA E FINANCEIRA ENTRE AS ESFERAS
GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS
do a avaliação apenas a uma aferi-
programa de governo? Assim, o oblação e a implementação das políticas de saúde do governo Lula no
período compreendido entre janeiro
de 2003 a junho de 2004.
METODOLOGIA
ção de produtos, resultados e impacTrata-se de um estudo de avali-
to. Se isto pode ser verdadeiro para
um medicamento ou uma vacina,
por grandes disparidades inter-regi-
ação de políticas de saúde no setor
não o é para um processo social que
onais e por distintos caminhos para
público (B USTAMENTE & P ORTALES ,
produz uma política pública. Neste
a realização de políticas públicas
1988, p.79), utilizando-se como fon-
caso, a avaliação pode contemplar a
(SOUZA, 2002). Em 15 de novembro
tes de dados a mídia impressa (jor-
concepção e o desenho (formulação),
de 2002, o ex-operário Luiz Inácio
nais1 e revistas2), publicações do
o processo (implementação) e, tam-
Lula da Silva foi eleito presidente da
Ministério da Saúde (MS), 3 além da
bém, os efeitos (produtos, resultados
República por meio de forte mobili-
consulta a endereços eletrônicos4 e
1
A Tarde, O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do Conselho Federal de Medicina e Jornal do Conselho Regional de Medicina da Bahia.
2
Veja e IstoÉ.
3
Informe Saúde, Saúde Brasil .
http://www.opas.org.br; http://www.saude.gov.br; http://www.datasus.gov.br; http://www.lula.org.br/assets/caderno_saude.pdf; http://www.pt.org.br;
http://www.funasa.gov.br; http://conselho.saude.gov.br; http://abrasco.org.br ; http://www.in.gov.br; www.oglobo.globo.com\colunas; www.fiocruz.br/
ccs/revista/n2_jun03/sergio_arouca.htm; www.atarde.com.br ; www.ensp.fiocruz.br/public/radis.
4
110 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
sites de busca.5 Foram, ainda, rea-
Atendimento Hospitalar e de Alta
to tem como objetivo contribuir
lizadas entrevistas gravadas ou via
Complexidade, Programas Especi-
para a implantação e consolidação
e-mail com distintos atores, a par-
ais, Vigilância Epidemiológica, Vi-
do referido programa em municí-
tir de um roteiro previamente ela-
gilância Sanitária, Assistência Far-
pios de grande porte, nos quais a
borado (Anexos 1 e 2).
macêutica, Assistência Médica Su-
maior disponibilidade de oferta de
plementar e Controle Socia l.
serviços de saúde, particularmen-
Assim, este fragmento de conjuntura foi investigado a partir da análise do processo político, considerando a “comunidade de atores” (VI-
FATOS PRODUZIDOS PELAS
POLÍTICAS DE SAÚDE
ANA , 1997, p.212-213) e os fatos pro-
duzidos cujas informações alcançaram a esfera pública. Procedeu-se a
uma análise qualitativa de conteúdo (MINAYO , 1994) do material obtido nos meios de comunicação e publicações do MS, bem como das entrevistas, utilizando unidades temáticas e matrizes para o processamento. Estas continham os seguintes
tópicos: fato, data de publicação,
fonte, autor, evidência, ator político,
conteúdo e comentários do pesqui-
te os de média e alta complexidades, não se reflete na qualidade e
na capacidade de respostas dos
serviços (Quadro 1). 8 Reconhece a
Atenção Básica
necessidade de criação de equipes
O Ministério da Saúde (MS) de-
de retaguarda para atuarem como
cidiu ampliar o Programa Saúde
colaboradores dos médicos gene-
da Família (PSF) para assegurar
ralistas; implantação de equipes
qualidade de vida à população de
de saúde bucal em cada unidade
baixa renda, criando o Projeto de
do PSF; 9 investimento em capaci-
Expansão e Consolidação do Saú-
tação de recursos humanos e pes-
de da Família (Proesf). Este proje-
quisas para solução de problemas;
6
7
QUADRO 1 – Atenção Básica de Saúde: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de
janeiro de 2003 a junho de 2004
sador. No caso dos dados obtidos nas
Proposições do programa de governo Lula
Fatos produzidos na conjuntura
entrevistas, utilizou-se uma matriz
Aumentar o financiamento da rede básicaProposições
do programa de governo Lula
Aumento do financiament o do custeio, via PABA, e contrato
com o Banco Mundial para investimentos (PROESF)
Dobrar o número de equipes de PSF
Ampliação do número de equipes de Saúde da Família.
Seleção de médicos para o PITS
na qual as colunas continham os entrevistados em ordem numérica; e as
linhas apresentavam as perguntas e
respectivas respostas, com comentá-
e construção de um pacto entre os
cada município; 10 aumento do or-
rios dos pesquisadores acerca do dis-
administradores das três esferas de
çamento para reformar, ampliar e
curso dos entrevistados. Para a aná-
governo a fim de que seja estabe-
equipar as unidades básicas de saú-
lise, foram utilizadas as seguintes
lecida uma divisão de incentivos
de nos 231 municípios com mais de
unidades temáticas: Atenção Básica,
para o funcionamento do PSF em
100 mil habitantes.11
5
CADÊ, YAHOO, GOOGLE, etc.
Revista do Conselho Federal de Medicina (CFM), jan/2003; Revista do Conselho Regional de Medicina, (jun/2003); Informe Saúde/MS
(jan/2003); Saúde Brasil (abr/2003).
6
7
Meta de 21 mil equipes até o final do ano de 2003. A Tarde (abr/2003).
8
Entrevistado 5.
9
Informe Saúde, Ano VII, n.217 (jun/2003). Saúde Brasil, n.87 (jun/2003).
10
A Tarde (jan/2003).
11
A Tarde (abr/2003).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
111
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
Além destes recursos, o governo
elevou o Piso de Atenção Básica
tariam se negando a receber pacientes do SUS em UTIs. 15
Ampliada (P ABA) repassado aos mu-
Além do aumento em investimen-
nicípios, utilizando como parâme-
to nos serviços de urgência, da cria-
tro projeções anuais do IBGE. Com
ção do Serviço de Atendimento Móvel
relação aos recursos humanos, des-
de Urgência (SAMU) e da proposta de
tacam-se a criação de pólos de ca-
aumento no número de leitos de UTI
pacitação e educação permanente
credenciados pelo SUS, houve uma
para profissionais de saúde e a rea-
reformulação na forma de pagamen-
lização do processo seletivo do Pro-
to e reajuste de repasses, segundo o
grama de Interiorização do Traba-
qual os hospitais universitários seri-
lho em Saúde (PITS).
am remunerados por meio de contra-
12
13
tos globais e não mais por produção,
Atenção hospitalar e
de alta complexidade
O Quadro 2 apresenta algumas
manifestações da crise no atendimento de alta complexidade e cer-
objetivando que cada unidade pudesse planejar melhor seus gastos: 16
“Desde fevereiro [de 2003] foi
montado um grupo de trabalho interinstitucional que vem atuando
na questão dos hospitais universitários buscando construir respostas para os diversos âmbitos existentes – já foram criadas 7.700 novas vagas pelo Ministério da Educação e ampliado em 100 milhões
de reais os recursos a serem repassados para os Hospitais Universitários neste ano. Está em fase de
negociação com os Estados e Municípios um projeto de reorganização do Sistema de Urgência e Emergência, com componentes de implantação da Assistência Pré-hospitalar, fortalecimento dos serviços
hospitalares e extra-hospitalares,
capacitação de recursos humanos,
organização de centrais de regulação e ampliação dos leitos de UTI
(este último já iniciado e com meta
de credenciar 2.300 novos leitos).”
(Entr.6)
tas medidas adotadas pelo governo.
Assim, foi reconhecida a necessidade de rever o valor pago pelos pro-
QUADRO 2 – Atenção hospitalar e de alta complexidade: Programa do Candidato Lula e fatos
produzidos de janeiro de 2003 a junho de 2004
cedimentos prestados, discutindo-se
a veracidade dos balanços contábeis
negativos da rede conveniada ao
SUS, bem como a falta de transparência nas prestações de contas da
Proposições do programa de governo Lula
Fatos produzidos na conjuntura
Fortalecimento dos vínculos dos hospitais universitários com
o SUS e recomposição dos quadros de servidores desses
hospitais
Modernização da gestão e promoção de maior inserção dos
hospitais universitários no SUS
Concurso público para ampliação do quadro de
profissionais
Estruturação do serviço de emergência
Estímulo e apoio à criação de Centrais de Regulação
Regionais das urgências
Revisão do valor dos tetos pagos pelo SUS
Liberação de verba para emergência e previsão de maior
financiamento
Lançamento do Programa Nacional de Atenção Integral às
Urgências, com a criação do Serviço de Atendimento Móvel
de Urgência (SAMU)
Incorporação de novas tecnologias ao SUS
Otimização do Sistema Nacional de Transplantes
Nova forma de financiamento dos Hospitais Universitários
Remuneração por contratos globais
mesma.14 A exposição do déficit desencadeou propostas de correção
pelo governo, sendo também cobrado pelo Ministro da Saúde o ressarcimento aos hospitais públicos que
atendem clientes dos planos privados, além da responsabilidade social de hospitais particulares que es12
Informe Saúde (abr/2003); Saúde Brasil (abr/2003). http://dtr2002.saude.gov.br/proesf/mostra/mostra.htm Acesso em 01/04/2004.
13
Informe Saúde/MS (abr/2003). www.saude.gov.br. Acesso em abril 2004.
14
Folha de S. Paulo (15/02/2003).
15
Folha de S. Paulo (15/06/2003 e 01/05/2003).
16
Saúde Brasil (abr/2003 e 06/2003); Folha de S. Paulo (19/06/2003).
112 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
Ainda em relação aos atendi-
butação à indústria do tabaco, 19 com
Interlagos (SP), ocorrida em abril de
mentos hospitalares e de alta com-
conseqüente elevação do preço do
2003.26 Segundo um dos entrevista-
plexidade, houve um reajuste nos
cigarro. 20 Resoluções foram lança-
dos, “A MP do cigarro, (...) foi um
procedimentos realizados para re-
das a fim de se modificar a apresen-
retrocesso a uma medida de promo-
nais crônicos e implementou-se
tação dos maços, de modo a serem
ção à saúde”(Entr.2).
uma medida para monitoramento
informados os males causados pelo
Mesmo assim, o governo preten-
e controle das infecções hospitala-
tabaco e a proibição de sua venda
de lançar um projeto de lei que res-
res em nível nacional, através da
aos menores de 18 anos,
público
tringe a propaganda, comercializa-
disponibilização gratuita do Siste-
este atingido por uma campanha
ção e consumo de bebidas alcoóli-
ma Nacional de Informação em Ser-
pela tevê. Propostas adicionais fo-
cas. 27 Para controlar o consumo de
viços de Saúde (S INAIS) pela Agên-
ram lançadas, tais como a criação
drogas, o MS pretende expandir o
cia Nacional de Vigilância Sanitá-
de programas de combate ao taba-
número de Centros de Apoio Psicos-
ria (ANVISA) à rede hospitalar. 17
gismo e de uma Frente Parlamen-
social (CAPs) destinados aos usuári-
tar Antitabagista, composta por de-
os de drogas psicoativas28 e aos por-
putados, que contará com levanta-
tadores de transtornos mentais, atra-
mentos epidemiológicos sobre os
vés de tratamento ambulatorial.
Programas especiais
Destacam-se, em relação aos
21
22
23
males causados pelo tabaco. 24
Ainda em relação à saúde men-
programas especiais, medidas de
Apesar dessas ações de controle
combate ao tabagismo, saúde men-
tal, o governo lançou um projeto de
do tabagismo,25 um fato que merece
tal, saúde bucal e ações voltadas
lei destinado a criar um auxílio para
destaque pelo seu caráter contradi-
para mulheres, crianças e adolescen-
reabilitação fora do ambiente hos-
tório foi a edição da Medida Provi-
tes, idosos, índios e trabalhadores
pitalar, 29 cujo programa foi denomi-
sória n.118, permitindo a realização
(ver Quadro 3).
nado “De volta para casa”:
de eventos esportivos patrocinados
No caso do tabagismo, houve
por marcas de cigarro até 2005. Este
restrição à venda da mercadoria em
fato relaciona-se com a liberação da
padarias e supermercados, além de
propaganda de cigarros durante a
propostas de aumento sobre a tri-
realização do GP de Fórmula 1, em
18
“Foram ampliadas as metas de expansão de novos Centros de Atenção
Psicossocial, aumentando o volume de
recursos para assistência à saúde mental em serviços extra-hospitalares e en-
17
Saúde Brasil (05/2003). Ações do MS-2003. www.ensp.fiocruz.br/publi/radis e www.saude.gov.br . Acesso em 27/02/2004.
18
A Tarde (abr/2003).
19
A Tarde (09/04/2003).
20
Istoé (29/05/2003).
21
www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (03/2003).
22
Saúde Brasil (jun/2003); Portal da Saúde (jun/2003).
23
Saúde Brasil (jun/2003); Portal da Saúde (jun/2003).
24
CFM (jul/2003).
25
www.inca.gov.br (abr/2003); Veja (jun/2003).
26
Correio Braziliense (maio/2003); Informe Saúde (jun/2003).
27
Folha de S. Paulo (maio/2003); www.ensp.fiocruz.br/publi/radis . Acesso em maio 2003.
28
www.ensp.fiocruz.br/publi/radis, Acesso em maio 2003; Entr.2 e 6.
29
Saúde Brasil (jun/2003). A Tarde 09/06/2004.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
113
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
caminhando ao Congresso projeto criando uma bolsa no valor de um salário
mínimo mensal para os pacientes internados há mais de dois anos que saírem
dos hospitais e passarem a ser acompanhados ambulatorialmente.” (Entr.6)30
Aprovou o Programa Anual de
Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS – 2004,31
cujos objetivos são “reduzir leitos e
aumentar a diária em hospitais de
pequeno porte”, além de ampliar a
rede extra-hospitalar, estimando que
15 mil pacientes possam voltar à
sociedade.32 Até o fim de 2004, o MS
espera expandir para 650 o número
de Caps implantados no país:
“A ampliação da rede será fundamental para continuar crescendo o
número de atendimentos realizados
nos centros. Em 2002, foram 389,8
mil. No ano passado, ultrapassou a
marca de 3,69 milhões de atendimentos, quase dez vezes mais em relação
ao ano anterior.”33
mir o processo asilar, atuar na pro-
tro anos. Para atingir esse objetivo,
moção e recuperação da sua saúde,
foram assinadas duas portarias que
bem como na implantação de far-
tratam, respectivamente, da obriga-
34
mácias populares.
toriedade da notificação de óbitos de
Foi implantado o Disque Saúde
mulheres em idade fértil e da Comis-
da Mulher, que coloca à disposição
são Nacional de Mortalidade Mater-
informações referentes à violência
na. Foi ainda criado um grupo de
sexual, ao planejamento familiar, à
trabalho para análise e elaboração
prevenção de câncer de colo de úte-
de propostas para melhoria da qua-
ro, de mama e de Doenças Sexual-
lidade da atenção obstétrica e neo-
mente Transmissíveis (DST). Além
natal. 37 Este conjunto de ações con-
disso, a meta do governo é reduzir
vergiu para a apresentação da Polí-
em 25% a taxa de mortalidade ma-
tica Nacional de Atenção Integral à
terna nas capitais nos próximos qua-
Saúde da Mulher (2004-2007).38
35
36
QUADRO 3 – Programas especiais: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro
de 2003 a junho de 2004
Proposições do governo Lula
Programa Saúde e Prevenção nas Escolas
Política de saúde de crianças e adolescentes
trabalhar em conjunto com o Minis-
Lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher para o período de 2004 a 2007
Atenção Integral à Saúde da Mulher/Redução dos coeficientes
de mortalidade materna
tério da Assistência Social na criação do Programa Nacional de Cuidadores dos Idosos, a fim de supri30
Folha de S. Paulo (maio/2003).
31
PTGM, 06/01/2004.
Ampliação e aperfeiçoamento do Sistema de Vigilância
Alimentar e Nutricional - SISVAN
Centros de Atenção Psicossocial (Caps) voltados para
crianças e adolescentes (Capsi)
O governo sancionou o Estatuto
do Idoso e apresentou a proposta de
Fatos produzidos na conjuntura
Assinatura de portarias tratando da obrigatoriedade da
notificação de óbitos de mulheres em idade fértil e da
Comissão Nacional de Mortalidade Materna
Pacto Nacional pela Redução dos índices de Morte
Materna e Neonatal
Criação do Consenso para o Controle do Câncer de Mama
www.saude.gov.br, Brasília 02/02/2004. Radis 19, mar/2004, p.14. RADIS, n.5 abr/2004. http://portalweb01.saude.gov.br/saude.
Acesso em 23/06/2004.
32
33
http://portalweb01.saude.gov.br/saude .Acesso em 29/06/2004.
34
Folha de S. Paulo (maio/2003); CFM (jan/2003). Radis (fev/2004), p.6. http://www.quadranews.com.br/index.php?materia=7423.
35
www.saude.gov.br , Brasília, acesso em 02/02/2004. Radis, n.6 (maio/2004).
36
www.ensp.fiocruz.br/publi/radis . Acesso em maio 2003.
37
PTGM (jan/2004) e http://portal.saude.gov.br/saude/ Acesso em 08/03/2004. A Tarde (25/06/2004. p.3).
38
www.saude.gov.br , Brasília, acesso em 27/05/2004
114 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
QUADRO 3 – Programas especiais: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro
de 2003 a junho de 2004 (continuação)
Com relação à saúde da criança e
do adolescente, o MS buscou articular o Programa Saúde e Prevenção nas
Proposições do governo Lula
Fatos produzidos na conjuntura
Saúde do Trabalhador
Proposta de efetivar a implementação da RENAST e da
Política Nacional de Saúde do Trabalhador
DST/AIDS, além da educação sexual
Aprovação do Estatuto do Idoso
as DSTs e gravidez na adolescência.39
Saúde do idoso: atendimento integral nos serviços públicos e
criação de centros de convivência
Escolas ao Programa Nacional de
Proposta de trabalho conjunto com o Ministério da
Assistência Social
Programa de reintegração dos idosos à sociedade
Programa Nacional de Cuidadores de Idosos
Capacitação de RH
Direito a acompanhante em tempo integral em internamento
Criação de Pólos de Capacitação e Educação Permanente
para profissionais de saúde frente às necessidades do SUS
Extensão do PROMED da graduação de medicina para as
demais categorias profissionais da área de saúde
Proposta de Código de Direitos dos Usuários do SUS
Inquérito das condições de saúde bucal
Povos indígenas e população negra
Saúde mental/Ampliação dos CAP’s
Programas preventivos contra dependência e uso de drogas
Portadores de deficiência
Controle do tabagismo
Combate à desnutrição pelo Programa Bolsa-Alimentação
Ações de controle da tuberculose
nas escolas, como forma de prevenir
Para a nutrição, tem buscado a
ampliação e aperfeiçoamento do
Sistema de Vigilância Alimentar e
Nutricional (S ISVAN), através das seguintes medidas: instalação de sítios sentinelas que possam testemunhar o comportamento epidemiológico dos problemas e sua vinculação com marcadores de risco;
monitoramento nutricional de cada
usuário; mapeamento das endemi-
Criação da portaria nº 70 em janeiro de 2004
as carenciais (anemia, hipovitami-
Implantação de novas diretrizes para o modelo de atenção
à saúde dos povos indígenas
nose A e deficiência de iodo); aten-
Projeto-de-lei criando o programa De Volta para Casa.
terno e avaliação periódica do esta-
Expansão no número de CAP’s no país
do nutricional dos alunos da escola
Programa Anual de Reestruturação da Assistência
Psiquiátrica Hospitalar no SUS – 2004
pública; monitoramento da produ-
Restrição da propaganda de cerveja
evolução qualitativa e quantitativa
Descriminalização dos usuários de drogas
da oferta e do consumo; implemen-
ção às práticas de aleitamento ma-
ção de alimentos e análise crítica da
tação da Política Nacional de Ali-
Sem identificação de notícias
mentação e Nutrição com distribui-
Campanhas Educativas
ção de suplementos medicamento-
MP 118
sos de sulfato ferroso para crianças
Integração da atenção odontológica no PSF, aumento da
assistência e de serviços especializados na área
Aumento em 20% do financiamento para saúde bucal até
o fim de 2003 assegurado via PABA
de 06 a 18 meses, gestantes e mu-
Realização de estudos e pesquisa em saúde bucal
Continuidade do Levantamento Epidemiológico em saúde
bucal no país
tituição de maior controle através
lheres que estão amamentando; insda A NVISA, a partir de julho de 2004,
no que diz respeito à fortificação da
farinha de trigo e de milho. 40
39
http://portalweb01.saude.gov.br/saude/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=8974. Acesso em 26/03/2004.
40
http://portal.saude.gov.br/saude. Acesso em 04/03/2004.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
115
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
Quanto à saúde do trabalhador,
ações vêm sendo desenvolvidas pelo
ços de saúde no SUS, com a execu-
o MS tem como proposta efetivar a
MS para dar continuidade às políti-
ção em etapas, na Hemorrede Naci-
implementação da Rede Nacional de
cas referentes à A IDS. Dentre elas,
onal, de ações referentes aos testes
Atenção Integral à Saúde do Traba-
está a descentralização dos recur-
de amplificação e de detecção de
lhador (RENAST), com implantação
sos para prevenção da A IDS e outras
ácidos nucléicos para HIV e HCV nas
de novas unidades de saúde do tra-
DSTs, em que as verbas seriam re-
amostras de sangue de doadores. 46
balhador, cadastramento de unida-
passadas diretamente do Fundo Na-
Dois grandes grupos populacio-
des subordinadas às secretarias es-
cional da Saúde para os fundos es-
nais têm merecido atenção especi-
taduais de saúde, gestão dos muni-
taduais e municipais, contando
al do Governo: as gestantes e os
cípios e criação de centros colabo-
com o controle social dos Conselhos
adolescentes. Assim, foi liberado
radores, ligados a universidades,
de Saúde. Além disso, organizações
um financiamento maior para o
laboratórios e instituições de ensi-
não governamentais receberão parte
combate à transmissão vertical e à
no e pesquisa.
da verba para melhorar a relação
prevenção de modo geral. Para con-
41
44
Em relação à política de saúde
ter o crescimento da doença entre
para as nações indígenas, algumas
adolescentes, o Ministério da Saú-
propostas têm sido apresentadas:
de lançou uma ofensiva objetivan-
DOIS GRANDES GRUPOS
ampliação da cobertura vacinal nas
comunidades indígenas; construção
POPULACIONAIS TÊM
de 54 centros diagnósticos de tuberculose em áreas indígenas; for-
MERECIDO ATENÇÃO
mação de parcerias entre o Depar-
ESPECIAL DO GOVERNO:
tamento de Saúde do Indígena e Organizações da Sociedade Civil de
AS GESTANTES E
Interesse Público, em vez de convê-
OS ADOLESCENTES
nios. (ver Quadro 3).
42
o quadro epidemiológico do país têm
sido tratadas com atenção pelo novo
governo
43
(ver Quadro 4). Novas
xa etária. Ídolos da juventude participaram de campanhas, principalmente na tevê, tentando passar uma
posição mais afirmativa junto aos
seus parceiros e salientando a importância na prevenção.47 O governo objetiva duplicar o uso de preservativos no país, aumentar o número de testes diagnósticos para o
Vigilância epidemiológica
Grandes endemias que compõem
do o uso de preservativo nesta fai-
HIV, e garantir o tratamento de toentre sociedade civil e governo no
combate à AIDS.45
das as gestantes soropositivo.48
Em relação à tuberculose, o Mi-
O governo pretende implantar a
nistério da Saúde pretende utilizar
hemovigilância em todos os servi-
o DOTS (Diretly Observed Treatment,
41 http://portal.saude.gov.br/saude. Acesso em 05/03/2004.
42 Balanço das Ações do MS-2003. www.saude.gov.br , Brasília, acesso em 18/02/2004.
43 Radis (abr/2003); A Tarde (20/05/2003); CFM (jan/2003). www.saude.gov.br . Acesso em 01/07/2004.
44 Radis (abr/2003).
45 A Tarde (29/01/2003 e 31/01/2003).
46 www.saude.gov.br (PT GM n.112, jan/2004).
47 A Tarde (08/01/2003 e 14/02/2003); Radis (mar/2003); Folha de S. Paulo (05/07/2003); www.saude.gov.br. Acesso em 09/02/2004.
48 Balanço das Ações do MS – 2003. www.saude.gov.br . Acesso em 11/05/2004.
116 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
Short course), uma nova estratégia
de tratamento supervisionado da tuberculose, com base em cinco pilares: vontade e decisão política; acesso aos exames laboratoriais na rede
do SUS; garantia de medicamentos;
sistema de registro e informações
QUADRO 4 – Vigilância Epidemiológica: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de
janeiro de 2003 a junho de 2004
Proposições do governo Lula
Fatos correspondentes
Descentralização das ações de vigilância epidemiológica,
sanitária e ambiental
Descentralização dos recursos para prevenção da AIDS e
outras DST
Intensificação de ações de prevenção da AIDS/DST
Implantação da hemovigilância no SUS.
Proposta de duplicação de usuários de preservativos
Intensificação da vacinação e do controle das doenças
endêmicas
Prevenção da febre amarela silvestre
Combate à tuberculose
Reestruturação do programa brasileiro de controle da
hanseníase
Campanhapara eliminar a hanseníase até 2005
Investimento de R$ 1 bi em saneamento nas regiões
metropolitanas até 2007
Liberação de R$ 4,4 milhões para obras de saneamento
Organizar um “ministério único”
Criação e instalação Secretaria de Vigilância à Saúde
Melhoria da atenção pré-natal e eliminação da transmissão
vertical
Financiamento maior para combate a transmissão vertical
confiáveis e tratamento diretamente
observado. Essa estratégia, além de
ampliar as taxas de cura, com diminuição do abandono ao tratamento,
evita o aumento da resistência medicamentosa, risco que tem crescido em
todo o mundo. Com essas novas
medidas, espera-se uma redução no
número de mortes por tuberculose e
a prevenção de novos casos. 49
Quanto à hanseníase, o governo
pretende a reestruturação do programa com a meta de diminuir em
QUADRO 5 – Vigilância Sanitária: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro
de 2003 a junho de 2004
30%, a cada ano, o número de ca-
Proposição do governo Lula
Fatos produzidos na conjuntura
sos até 2005, através do envolvi-
Descentralização das ações de vigilância sanitária
Sem identificação de notícias
mento de agentes comunitários de
Criação de grupo interministerial para discutir transgênicos
Criação de novas regras para o descarte de resíduos
Reforçar a promoção da saúde, controlando a qualidade dos
hospitalares
alimentos, da água, dos medicamentos, dos serviços de saúde
Resoluções da Anvisa para aumentar a segurança dos
públicos e privados
remédios
Regulação de alimentos trangênicos
Novas regras para o descarte de resíduos hospitalares
saúde e de médicos do PSF na detecção precoce da doença. 50
Ressaltando a importância da
atenção à saúde integral e coordenada entre os diversos setores que compõem o MS, cabe destacar a criação
da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), cujo propósito é possibilitar o aprimoramento, o combate e a
prevenção de doenças no âmbito do
Intensificar o controle das fraudes, adulterações, concorrência
desleal e incompetência técnica no interesse do consumidor e
do produtor
Constituir um efetivo Sistema Nacional de Vigilância à Saúde
com as ações integradas de vigilância epidemiológica,
ambiental e sanitária
Discussão de estratégias de combate à falsificação de
medicamentos
Criação da Secretaria de Vigilância em Saúde
SUS, além de subsidiar com informações epidemiológicas a elabora-
nova secretaria pretende fortalecer a
um dos entrevistados: “Na área de
ção de políticas públicas de saúde e
vigilância epidemiológica com a reu-
vigilância epidemiológica, o que eu
fomentar a avaliação do impacto de
nificação dos programas e ações hoje
acho importante é (...) o conceito de
programas e ações do ministério. A
pulverizadas no MS, como destaca
vigilância à saúde” (Entr.2).
51
49
Informe Saúde , Ano VII, n.205 (4a semana de mar/2003).
50
Balanço das Ações do MS – 2003.
51
CFM (jan/2003); http://www.fiocruz.br/ccs/revista/n2_jun03/sergio_arouca.htm. Entrevista 26/06/2003) – Entr.6.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
117
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
Vigilância Sanitária
A nova gestão iniciou a implementação de novas medidas de Vigilância Sanitária (Quadro 5), criando um grupo interministerial composto por sete ministros para discutir a questão dos transgênicos. No
entanto, poucos meses depois, em
mais uma ação polêmica, foi liberada a comercialização da safra de
qualidade e eficácia dos mesmos. 53
frente às áreas de risco (...) e às
Publicou, via resolução RDC n.33/
áreas de piores condições de vida,
03, a nova classificação de resídu-
com medidas de impacto de promo-
os hospitalares e as novas regras
ção à saúde” (Entr.2).
para o acondicionamento e descarte desses resíduos.54
Vale ressaltar que, embora algumas ações tenham sido realizadas
para o controle de riscos, não foram
observadas medidas efetivas contra
Assistência farmacêutica
O MS iniciou a execução de ações
para melhorar a assistência farmacêutica à população (Quadro 6).
Uma das medidas implementadas
os determinantes: “o que vai conti-
soja transgênica, o que gerou pro-
consiste no aumento do financia-
nuar sem se conseguir é o impacto
testos por parte do Greenpeace. Se-
mento federal per capita de R$1,00
sobre os determinantes da saúde”.
para R$2,00 nas cidades onde o Pro-
gundo esta ONG, o produto não foi
jeto Fome Zero já está sendo implan-
devidamente testado, o que não dá
tado. Outra corresponde à Lei
respaldo à sua liberação.52
10.742/03 e estabelece que, a partir
O primeiro semestre de 2003 foi
EM MAIS UMA AÇÃO POLÊMICA,
marcado por uma série de escândalos na indústria farmacêutica e
FOI LIBERADA A COMERCIALIZAÇÃO
o relato de casos de cegueira e
morte pelo uso de medicações irre-
DA SAFRA DE SOJA TRANSGÊNICA,
gulares, como o colírio Methy Lens
O QUE GEROU PROTESTOS POR
Hipoc e o contraste Celobar. Como
PARTE DO GREENPEACE
conseqüência de muitos lotes de
de 2004, o ajuste de preços só ocorrerá uma vez por ano, sempre no
mês de março, obedecendo a critérios definidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos
(CMED). Em relação à política de
medicamentos, outras medidas podem ser mencionadas tais como cri-
medicamentos terem sido identifi-
ação da farmácia popular, investi-
cados com irregularidades e dos
mento na produção dos laboratóri-
laboratórios terem sido ameaçados
os oficiais, aumento do repasse para
de perder as suas licenças de fun-
Parte dessas intervenções poderia
a assistência farmacêutica básica e
cionamento, a ANVISA , através da
ser realizada mediante ações inter-
flexibilidade das patentes dos remé-
publicação de 18 resoluções, trou-
setoriais em saúde, como afirma o
dios.55 A auto-suficiência em medi-
xe novas regras para o registro e a
mesmo entrevistado: “(...) a saúde
camentos básicos, hemoderivados e
comercialização dos medicamentos
precisa muito da intersetorialida-
vacinas é, também, uma meta do
visando aumentar a segurança,
de”. Ele reforça que “trabalharia
governo. 56 Já os medicamentos ge-
52
A Tarde (19/02/2003 e 07/05/2003).
53
A Tarde (07/06/2003); IstoÉ, p.44 a 46 (22/06/2003).
54
A Tarde (07/03/2003); Saúde Brasil, n.84 (03/2003).
55
A Tarde (31/01/2003; 02/02/2003; 02/03/2003; 18/05/2003; 30/05/2003; 12/06/2003; 23/06/2003); Folha de S. Paulo (25/03/2003); IstoÉ
(30/04/2003); CFM (01/03/2003); Informe Saúde ano VII, n.199 (fev/2003). Balanço das Ações do MS – 2003. www.saude.gov.br ; Brasília,
acesso em 17/05/2004. A Tarde (9/6/2004 e 11/6/2004). Folha de S. Paulo (08/06/2004). www.anvisa.gov.br.
56
A Tarde (22/02/2003); www.ensp.fiocruz.br/public/radis. Acesso em 04/03/2003.
118 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
néricos, continuam a enfrentar um
Neste contexto, o papel da ANS
constata-se que os fatos ocorridos
lobby cujo objetivo, ainda que dis-
passou a ser rediscutido, já que o
não aparentam uma relação direta
simulado, é reduzir sua credibilida-
governo menciona a necessidade de
com a ação do MS, expressando a
de. Além de não terem alcançado a
rever o papel das agências regula-
ausência de proposições consisten-
taxa de venda esperada pelo merca-
doras que, segundo o ministro da
tes do então candidato à presidên-
do, os mesmos sofrem concorrência
Saúde, teriam assumido tarefas ex-
cia da República em relação aos
dos de marca, que algumas vezes
clusivas de governo. No Quadro 7,
planos privados.
60
chegam a ser mais baratos que os
próprios genéricos. 57
QUADRO 6 – Assistência Farmacêutica: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de
janeiro de 2003 a junho de 2004
Assistência Médica Suplementar
Dentre os diversos fatos referentes à Saúde Suplementar ocorridos
nessa conjuntura, destaca-se a ins-
Proposições do programa de governo Lula
Fatos produzidos na conjuntura
Estímulo à criação de farmácias populares e fortalecimento
de laboratórios oficiais
Proposta de ampliação da assistência farmacêutica e de
auto suficiência em medicamentos
Implantação de farmácias populares
Realização de ampla discussão com a sociedade sobre a Lei Defesa da flexibilidade das patentes dos remédios
de Patentes e suas conseqüências
talação de uma CPI com o objetivo
de investigar irregularidades na
prestação de serviços por empresas e instituições privadas de pla-
Avaliação do MS sobre composição dos preços
comercializados no país a fim de evitar aumentos abusivos
Liberação de preços de remédios que não exigem receita
médica e prorrogação do ICMS para medicamentos
utilizados em doenças crônicas e raras
Alteração do ICMS para medicamentos utilizados em
doenças crônicas e raras.
Lei 10.742/03
Reformulação e ampliação dos genéricos
Sem identificação de notícias.
nos de saúde, além de descobrir
por que as mesmas são campeãs
em reclamações dos usuários junto ao Instituto de Defesa do Consumidor (I DEC).58 Levantou-se a discussão em torno da dívida das
QUADRO 7 – Assistência Médica Suplementar: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos
de janeiro de 2003 a junho de 2004
empresas da saúde suplementar
pelo não-ressarcimento ao SUS do
Proposições do programa de governo Lula
Fatos produzidos na conjuntura
Regulação das ações e serviços suplementares
Instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos
planos de saúde pela Câmara dos Deputados.
Revisão do papel de agências reguladoras
Divulgação de resultados de pesquisa sobre planos de saúde
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
atendimento de seus clientes na
rede pública, bem como a necessidade de a CPI adquirir dados mais
completos por meio do acesso às
planilhas de custos das maiores
Controle Social
empresas. Questionou-se, ainda, a
Nacional de Saúde (CNS), em conjunto com o MS, planeja a criação de um
importância de se desenvolver um
O controle social no SUS tem tido
melhor fluxo dessas informações
perspectivas de fortalecimento (Qua-
Código de Direitos dos Usuários do
de forma permanente. 59
dro 8). Nesse contexto, o Conselho
SUS, o desenvolvimento de uma ou-
57
A Tarde (18/02/2003; 25/01/2003; 18/05/2003).
58
CFM (06/03/2003; 07/03/2003). CFM, Ano XVIII, n.143 (05/03/2003; 06/03/2003).
59
CFM (06/03/2003; 07/03/2003); Folha de S. Paulo (31/05/2003; 24/02/2003).
60
CFM (07/03/2003); Veja (03/03/2003). A Tarde (03/03/2003; 25/01/2003).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
119
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
vidoria e o estabelecimento de puni-
lecer a gestão democrática do SUS.
ras de planos de saúde (Entr.3); au-
ções para os transgressores. O códi-
O MS também já aprovou a conti-
mentar sua participação nos PSF e
go pretende seguir os moldes do Có-
nuidade e a ampliação da capaci-
voltar mais sua atenção para os
digo de Defesa do Consumidor e visa
tação de novos conselheiros de
pequenos municípios (Entr.4); au-
melhorar a qualidade do atendimen-
saúde. Além disso, realizou-se a
mentar os quadros dos hospitais de
to ao usuário, conferindo-lhe esclare-
XII Conferência de Saúde Sérgio
pequeno porte, especialmente os lo-
cimentos sobre os seus direitos.
Arouca, em caráter extraordiná-
calizados nos pequenos municípios
rio,
da Conferência Nacional de
(Entr.6); melhorar a administração
cretaria de Gestão Participativa que
Saúde Bucal e da II Conferência
da saúde e dos recursos com ênfase
visa maior relação entre o gover-
Nacional de Ciência, Tecnologia &
para a área preventiva (Entr.7).
no e a sociedade, buscando forta-
Inovação em Saúde.
61
Houve também a criação da Se-
62
63
Enfatizam, ainda, diferentes aspectos da política de saúde, com
QUADRO 8 – Controle social: Programa do Candidato Lula e fatos produzidos de janeiro de
2003 a junho de 2004
pontos convergentes, tais como a
implantação do PSF e a melhoria da
Proposições do programa de governo Lula
Fatos correspondentes
atenção à assistência básica. Con-
Ampliação e Fortalecimento do Controle Social.
Código de Direitos dos Usuários do SUS, Capacitação de
Conselheiros
Criação da Secretaria de Gestão Participativa
tudo, alguns deram prioridade a
Realização da 12ª Conferência Nacional de Saúde Sergio
Conferências de Saúde como prática regular para avaliação Arouca (2003), da Conferência Nacional de Saúde Bucal e
da situação de saúde
da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
em Saúde (2004)
Posição de dirigentes de instituições
públicas de saúde e pesquisadores da área
de saúde coletiva face à conjuntura
outros tópicos: melhorar o SUS
(Entr.1), com destaque para a acessibilidade e o trabalho em áreas de
risco (Entr. 2); fiscalização das 115
faculdades de medicina do Brasil
(Entr.3); intervenção na mortalida-
prescindíveis: fazer mais pesquisas
de infantil através da vacinação e
voltadas para as necessidades do
de medicina preventiva (Entr.4); reor-
SUS (Entr.1); garantir a integralida-
ganização dos sistemas de referência
de do SUS, equacionar os pontos re-
e contra-referência (Entr.5); implemen-
ferentes à promoção da saúde e in-
tação da reforma psiquiátrica, altera-
tervir nas causas (Entr.2); estabele-
ção da situação dos hospitais univer-
cessidades da população brasileira.
cer um plano de carreira para o
sitários, mudanças na atenção da ur-
Para um entrevistado em particular,
médico que vai trabalhar no SUS,
gência e emergência, integração das
“o que pode existir são lacunas, na
uma relação trabalhista estável para
ações de vigilância epidemiológica,
medida em que o programa não pode
os médicos que estão fazendo parte
ambiental e sanitária e fortalecimen-
cobrir todos os aspectos que poderi-
dos PSF, o embargo da abertura de
to dos espaços de controle social e
am ser abordados” (Entr.6).
novas faculdades de medicina, o
participação popular (Entr.6).
De modo geral, os entrevistados
concordaram que as propostas do
Governo Lula estão refletindo as ne-
Contudo, muitos deles acrescen-
respeito à emenda 29 e o reajuste
As limitações de ordem econômi-
tam pontos que consideram im-
das tabelas do SUS e das operado-
ca, como dificuldades de captação
61
Folha de S. Paulo (06/02/2003); Informe Saúde (02/03/2003).
62
www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (Acesso em 04/03/2002), www.ensp.fiocruz.br/publi/radis (Acesso em 03/03/2003).
63
Brasil. Ministério da Saúde. Saúde no Brasil. Contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília, 2004. 306p.
120 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
e distribuição de recursos para a
suas informações são orientadas
gir a uma unidade da Federação, ain-
saúde, foram os itens mais citados
pela política editorial do jornal, en-
da que um deles exerça à época da
pelos entrevistados como obstácu-
quanto os documentos oficiais e as
entrevista um cargo dirigente no Mi-
los à implementação das propostas
informações contidas em sites ten-
nistério da Saúde e outro já tenha sido
do governo na saúde. Ainda relati-
dem a revelar fatos de interesse do
ministro da Saúde. Cumpre ressal-
vo aos aspectos econômicos, há o
governo ou suas versões. Contudo,
tar que os demais, mesmo morando
relato de alguns entrevistados de que
o confronto entre as informações
e atuando em nível estadual, têm
o governo favorece a política eco-
obtidas, a partir de documentos téc-
expressão nacional e são personali-
nômica em detrimento do social.
nicos e oficiais, e as divulgadas
dades capazes de fornecer uma vi-
Também os aspectos de ordem ad-
através da mídia, além da opinião
são menos fragmentada da realida-
ministrativa (tempo despendido com
de entrevistados, podem, de algum
de, além de se encontrarem inseri-
a organização da equipe política e
modo, reduzir a possível tendencio-
dos no processo político de saúde do
reestruturação do Ministério da Saú-
sidade dessas fontes.
país. Essas personalidades podem
de), limitaram a implementação das
ser consideradas integrantes de uma
políticas, segundo acreditam alguns
“comunidade de atores” ( VIANA ,
entrevistados. Outros aspectos foram
1997), ou seja, atores sociais que,
citados isoladamente, dentre eles a
enquanto sujeitos (individuais ou
lentidão na implementação de outras
PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DA
políticas sociais necessárias à imple-
político em saúde (TESTA , 1997).
gilidade dos mecanismos de regula-
REPÚBLICA, TODOS OS CANDIDATOS À
ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2002
ção, controle, avaliação e auditorias;
APRESENTARAM PROPOSTAS VOLTADAS
impôs uma busca exaustiva dos
o grau de educação da população bra-
PARA O FORTALECIMENTO DO SUS
fragmentos do discurso, tanto nos
mentação de medidas de saúde; a fra-
sileira; e a falta de um mecanismo
coletivos), participam do processo
Quanto à análise, o recurso às
matrizes e às unidades temáticas
textos publicados quanto nas entre-
direto de comunicação na cadeia hie-
vistas transcritas, evitando-se que
rárquica que torne as decisões e o
certos fatos ou representações dos
retorno das ações mais ágeis.
entrevistados fossem privilegiados
DISCUSSÃO
No caso das entrevistas, é possí-
em detrimento de outros. Assim, o
vel a ocorrência de situações em que
estudo revela a riqueza da conjun-
o entrevistado não esteja atualizado
tura examinada e aponta fatos de
Ao se utilizar como fonte de da-
acerca do tema, exibindo inconsis-
grande importância para as políti-
dos publicações técnicas e oficiais,
tências em seu depoimento. Daí te-
cas de saúde no Brasil.
mídia e entrevistas com atores soci-
rem sido selecionadas pessoas de
De início, cabe ressaltar que, pela
ais, cabe considerar possíveis limi-
diferentes inserções político-institu-
primeira vez na história da Repúbli-
tações metodológicas. No caso da
cionais visando contornar tais difi-
ca, todos os candidatos à eleição pre-
mídia, embora possibilite trazer
culdades. Mesmo assim, certa obje-
sidencial de 2002 apresentaram pro-
para a esfera pública parte do que
ção pode ser levantada pelo fato de a
postas voltadas para o fortalecimen-
ocorre nos bastidores da política,
maioria dos entrevistados se restrin-
to do SUS,64 com eqüidade, integra-
64
Coligação Lula Presidente, 2002; Coligação Frente Trabalhista, 2002; Coligação Grande Aliança, 2002; Coligação Frente Brasil Esperança,
2002. www.lula.org.br/assets/caderno_saude.pdf.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
121
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
lidade e participação social, embora
Foram mantidos programas espe-
dades e agravos, tais como violên-
já se ressaltassem as restrições im-
ciais, referentes ao tabagismo e à
cia e as doenças crônico-degenera-
postas pela política econômica como
A IDS, mas não foram encontrados fa-
tivas que ocupam lugar de desta-
um dos grandes desafios para a con-
tos que evidenciassem a atenção à
que dentre as causas de mortalida-
cretização do Sistema Único de Saú-
população negra e aos portadores de
de (BARRETO & C ARMO, 2000), mere-
de (BRASIL , 2002). Assim, as políticas
deficiência, propostas no programa
cendo, também, uma atenção da
de saúde nos primeiros meses do
de governo. Quanto à mulher, verifi-
Vigilância em Saúde.
Governo Lula viveram essa contra-
cou-se um esforço do governo em
Com base na Política Nacional de
dição: enquanto o Ministério da Saú-
enfrentar a mortalidade materna e
Medicamentos (BRASIL, 1999), que
de buscava concretizar o programa
formular uma política específica.
visa garantir a necessária seguran-
setorial do governo, este impunha
No que diz respeito à tuber-
ça, eficácia e qualidade dos medi-
restrições financeiras, a exemplo do
culose, as medidas adotadas com
camentos, a promoção do uso raci-
maior contingenciamento em termos
base no DOTs procuram evitar a re-
onal e o acesso da população àque-
absolutos entre os ministérios (1,6
les considerados essenciais, o gover-
bilhões de reais) e cortes no orçamen-
no mostrou-se disposto a cumprir
to atingindo a área social, como Saú-
estes propósitos, baixando portari-
de, Educação, Trabalho e Assistência Social.65 A inclusão de 3,5 bilhões
as que aumentam a fiscalização e
O FINANCIAMENTO CONTINUA
o controle dos medicamentos. Além
da Saúde de 2004 representou uma
SENDO UM ENTRAVE PARA A MELHORIA
disso, fez cumprir a lei já existen-
forma de burlar a EC-29 e a Resolu-
DA SAÚDE, COMPROMETENDO A
de reais do Fome Zero no orçamento
ção 316 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS, 2002), revelando que o
PREMISSA BÁSICA DO SUS:
A UNIVERSALIZAÇÃO
financiamento continua sendo um entrave para a melhoria da saúde, com-
te, penalizando os laboratórios irregulares; buscou a ampliação de
laboratórios oficiais e criou as farmácias populares.
Em uma avaliação realizada
pelo Conselho Nacional de Saúde
prometendo a premissa básica do
(CNS), destacou-se como desafio
SUS: a universalização.
para o desenvolvimento do SUS a
Entretanto, as ações referentes à
atenção básica demonstraram o
sistência medicamentosa e aumen-
subordinação das agências regula-
compromisso do governo com a
tar a adesão do paciente ao trata-
doras, como a ANS, às instâncias
manutenção de uma das principais
mento. É preciso, no entanto, asse-
gestoras públicas, mesmo se tratan-
políticas de saúde da gestão passa-
gurar a cobertura de atenção para
do de autarquias especiais (BRASIL,
da, independente de questões parti-
os casos já diagnosticados, viabili-
2002). Contudo, o governo tem-se
dárias. Com a implantação do PRO-
zando o sucesso desta intervenção.
mostrado omisso ou tímido em re-
e aumentando as equipes de saú-
Embora as ações sobre as doen-
lação ao controle e regulação da
de bucal (ESB), o governo visa am-
ças transmissíveis sejam justificá-
saúde suplementar. Após o Supre-
pliar a assistência, e estimular a
veis, a análise do perfil epidemioló-
mo Tribunal Federal decidir em 2003
mudança das práticas de saúde.
gico do país aponta outras enfermi-
que os usuários de planos de saú-
ESF
65 A Tarde (12/02/2003).
66 Folha de S. Paulo, 3/10/2004, p.A5.
122 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
Políticas de Saúde do Governo Lula: Avaliaçãodos primeiros meses de gestão
de, com contratos anteriores à Lei
tivos inversamente proporcionais às
B ARRETO , Maurício Lima & C ARMO,
9.656, não teriam as garantias des-
vulnerabilidades sociais; multipli-
Eduardo Hage Determinantes das
ta lei, o governo estabeleceu um
cação das oportunidades de capa-
condições de saúde e problemas pri-
programa de mudança dos contra-
citação, progressão funcional e edu-
oritários no país. In: Cadernos da
tos antigos para a migração dos usu-
cação permanente; proteção social
11a. Conferência Nacional de Saúde.
ários, enquanto as operadoras che-
do trabalhador e regulação públi-
Brasília, DF: Ministério da Saúde,
garam a apresentar em 2004 índices
ca das especialidades a partir das
Conselho Nacional de Saúde, 2000.
de reajuste de até 85%. Só depois que
necessidades de saúde da popula-
p.235-259.
decisões nos âmbitos estaduais da
ção e do SUS; estabelecer modali-
Justiça determinaram um limite de
dades de cooperação entre trabalho
11,75%, o governo conseguiu uma
profissional de saúde e ações de vo-
liminar federal contra operadoras e
luntariado do terceiro setor em
a ANS passou a multá-las.66
benefício da população e não para
B RASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Medicamentos. Brasília, DF: Ministério da Saúde,
1999.40p.
Por fim, no que se refere ao con-
mascarar a desvinculação e pre-
. Ministério da Saúde.
trole social, observa-se um saldo
carização ocupacional ( ABRASCO &
Conselho Nacional de Saúde. O De-
positivo visto que o governo já to-
C EBES, 2002, p.293).
senvolvimento do Sistema Único de
mou medidas relativas a propostas
Enfim, as políticas de saúde dos
Saúde: avanços, desafios e reafirma-
de campanha, voltadas para a par-
primeiros 18 meses de Governo Lula,
ção de seus princípios e diretrizes.
ticipação popular na gestão do SUS.
ainda que coerentes com o progra-
Brasília, DF: Ministério da Saúde,
A realização de conferências de saú-
ma do candidato e com a Reforma
2002. 72p. (Série B. Textos Básicos
de e o compromisso do ministro da
Sanitária Brasileira (PAIM, 2002), so-
de Saúde).
Saúde de acatar as suas proposições
freram fortes constrangimentos polí-
. Ministério da Saúde. 1 o
são fatos importantes para o desen-
ticos e econômicos, revelando o ca-
Semestre de 2003. Balanço das Ações.
volvimento de políticas de saúde de
ráter contraditório da composição do
[s.l.]: Ministério da Saúde. 2003a. 24p.
caráter democrático.
governo e a ambigüidade das políti-
Em relação aos recursos huma-
cas públicas implementadas,67 ado-
nos, um ponto destacado pelos en-
tando decisões que contrariavam a
trevistados foi a falta de uma polí-
proteção da saúde, como as MPs que
tica específica que atenda às neces-
flexibilizaram a propaganda de cigar-
sidades do SUS e de um plano de
ros e liberaram a soja transgênica.
carreira para os profissionais da
SUS – 15 anos de implantação: desafios e propostas para sua consolidação. Brasília, DF: Ministério da
Saúde, 2003b. 23p. (Série B. Textos
Básicos de Saúde) – (Série Políticas de Saúde).
REFERÊNCIAS
saúde integrados ao PSF, objeto de
. Ministério da Saúde.
B USTAMENTE, Fernando. & POR TALES,
reiteradas propostas do movimento sanitário tais como: estabeleci-
A BRASCO & CEBES. Em Defesa da Saú-
Carlos. Evaluación de Políticas y
mento de Plano de Carreira, Cargos
de dos Brasileiros. Saúde em Deba-
Programas de Salud. In: OPS/CLAD.
e Salários para o SUS com admi-
te, Rio de Janeiro, v.26, n. 62, 2002.
Políticas de Salud en América
nistração descentralizada e incen-
p.290-294.
Latina. Aspectos Institucionales de
66
Folha de S. Paulo, 3/10/2004, p.A5.
67
Folha de S. Paulo (07/05/2003). Radis,16:7, dezembro de 2003.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
123
MENDONÇA, Ana Carolina Oliveira et al
su Formulación, Implementación y
Onocko, R. Agir em saúde: um de-
2. LISTA DOS ENTREVISTADOS
Evaluación. Caracas, VE: [s.n.],
safio para o público. São Paulo,
E RESPECTIVOS CARGOS
1988. p. 79-120.
Buenos Aires: Hucitec, Lugar Edito-
CONSELHO NACIONAL DE S AÚDE.Resolução
rial, 1997. p.17-70.
1. Hugo da Costa Ribeiro Júnior –
Diretor do Hospital Universitário Pro-
No. 316, de 4 de abril de 2002 ( dire-
VIANA, Ana Luiza d’Ávila. Enfoques
trizes acerca da aplicação da Emen-
metodológicos em políticas públi-
da Constitucional No. 29, de 13 de
cas: novos referenciais para o estu-
setembro de 2000 - EC29). In: Brasil.
do de políticas sociais. In: Canesqui,
Programa de Pós-graduação em Saú-
Ministério da Saúde. Conselho Naci-
Ana Maria Ciências Sociais e Saú-
de Coletiva da Universidade Federal
onal de Saúde. O Desenvolvimento
de. São Paulo, Rio de Janeiro: Huci-
da Bahia.
do Sistema Único de Saúde: avan-
tec, Abrasco, 1997. p. 205-215.
ços, desafios e reafirmação de seus
2. Inês Dourado – Coordenadora do
3. Jecé Brandão – Presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia.
princípios e diretrizes. Brasília, DF:
ANEXOS
Ministério da Saúde, 2002. p.49-59
(Série B. Textos Básicos de Saúde).
fessor Edgard Santos (HUPES/U FBA).
1. ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
4. Jorge Solla – Secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
MINAYO , Maria Cecília de Souza (Org)
Que pontos da política de saúde
5. Ligia Maria Vieira da Silva – Dire-
Pesquisa social: teoria, método e
proposta pelo Governo Lula diver-
tora do Instituto de Saúde Coletiva
criatividade. 5 ed. Petrópolis, RJ:
gem das reais necessidades da po-
(ISC/UFBA).
Vozes, 1994.80p.
pulação brasileira?
OXMAN, Gastón. Evaluación de Políti-
Que medidas não constam no
cas de Salud. In: OPS/CLAD. Políticas
Programa de Saúde do Governo
de Salud en América Latina. Aspec-
Lula e o(a) senhor(a) adotaria
tos Institucionales de su Formulaci-
como política de saúde para a po-
ón, Implementación y Evaluación.
pulação brasileira?
Caracas, VE: [s.n.], 1988. p.53-78.
Dentre as medidas propostas no
P AIM, Jairnilson Silva. Saúde, Políti-
Programa de Saúde do Governo Lula,
ca e Reforma Sanitária. Salvador,
quais teriam a implementação prio-
BA: CEPS-ISC, 2002. 446p.
rizada pelo senhor(a)?
. Políticas de Saúde no Bra-
Nesses seis primeiros meses de
sil. In: Rouquayrol, Maria Zélia &
governo, quais fatores o senhor(a)
Almeida Filho, Naomar de Epidemi-
identificou como obstáculos à im-
ologia & Saúde. 6 ed. Rio de Janei-
plementação do programa de saú-
ro: Medsi, 2003. p. 587-603.
de proposto?
6. Roberto Santos – Ex-ministro da
Saúde, Presidente do CNPq, Reitor
da UFBA, Secretário de Saúde da
Bahia, Governador do Estado, Deputado Federal, fundador da Associação Brasileira de Educação Médica
(ABEM), além de Professor Catedrático de Clínica Médica e Pesquisador
da Faculdade de Medicina da UFBA.
7. Sebastião Dias – Secretário de
Saúde do Município de Santo
Amaro, Bahia.
AGRADECIMENTOS
S OUZA, Celina. Governos e socieda-
Quais medidas do referido pro-
des locais em contextos de desigual-
grama foram ou estão sendo imple-
Os autores agradecem aos entre-
dades e de descentralização. Ciên-
mentadas nos seis primeiros meses
vistados que gentilmente acolheram
cia & Saúde Coletiva, Rio de Janei-
de Governo Lula?
a solicitação para colaborarem com
ro, 2002, v.7, n.3, 2002. p. 431-442.
Qual o impacto da política de saú-
T ESTA, Mario. Análisis de institucio-
de implantada pelo governo até o
nes hipercomplejas. In: Merhy &
momento em sua prática de trabalho?
124 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 109-124, maio/ago. 2005
o presente estudo, contribuindo com
informações e reflexões.
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da
segurança alimentar e nutricional
Healthy Food and Health Promotion in the Context of Food and Nutrition Safety
Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro1
Recebido: 23/09/05
Modificado: 17/04/06
Aprovado: 02/05/06
RESUMO
A taxa mundial de doenças não transmissíveis aumentou rapidamente
no Brasil: 40% da população brasileira adulta têm excesso de peso. A
natureza da problemática nutricional requer ações para tratar a má-nutrição
em sua globalidade, seja a manifestada pela carência ou pelo desequilíbrio
no consumo energético. A Política Nacional de Alimentação e Nutrição
pode contribuir efetivamente para este debate intersetorial. Destaca-se a
importância do papel da promoção da saúde, para a garantia de segurança
alimentar e nutricional.
PALAVRAS-CHAVE: Programas e Políticas de Nutrição e Alimentação; Promoção da
Saúde; Obesidade.
ABSTRACT
The rates of noncommunicable diseases have grown up quickly in Brazil:
Nutricionista e Sanitarista, Especialista
em Terapia Nutricional e Mestre em Saúde
Publica (UFSC); Consultora Técnica da
Coordenação Geral da Política de
Alimentação e Nutrição, Departamento de
Atenção Básica (Secretaria de Atenção à
Saúde, Ministério da Saúde).
Pesquisadora Associada do Observatório
de Políticas em Segurança Alimentar e
Nutrição da Universidade de Brasília,
Brasília, Distrito Federal, Brasil.
1
recent statistics showed that 40% of the adult population is overweight. This
complex nutritional problem demands joint actions capable to encompass
bad nutrition in all of its aspects, preventing underweight and obesity in an
integrated approach. The National Food and Nutrition Policy can contribute
effectively to this cross-sector dialogue. The role of heath promotion should
be highlighted in order to guarantee food and nutritional safety.
KEYWORDS: Nutrition Programmes and Policies; Food and Nutritional Safety;
Health Promotion; Obesity.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
125
DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo
A alimentação e a nutrição constituem requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde, possibilitando a afirmação plena do
potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com qualidade de
vida e cidadania (B RASIL, 1999).
A alimentação saudável não se
delineia enquanto uma ‘receita’
preconcebida e universal para todos, pois deve respeitar alguns
atributos coletivos específicos e individuais impossíveis de serem
to acessível e de fácil produção em
várias regiões brasileiras.
c) Sabor. A ausência de sabor é
outro tabu a ser desmistificado,
pois uma alimentação saudável é,
e precisa pragmaticamente ser, sa-
f) Harmonia. Em termos de
quantidade e qualidade dos alimentos consumidos, para o alcance de
uma nutrição adequada, considerando-se os aspectos antropológicos
e socioculturais;
borosa. O resgate do sabor como
g) Segurança sanitária. Do pon-
um atributo fundamental é um in-
to de vista de contaminação físico-quí-
vestimento necessário à promoção
mica e biológica e dos possíveis ris-
da alimentação saudável.
cos à saúde. Destacando-se a necessi-
d) Variedade. O consumo de diferentes grupos de alimentos ajuda
dade de garantia do alimento seguro
para o consumo da população.
massificados. Contudo, identifi-
Uma alimentação saudável deve
cam-se alguns princípios básicos
basear-se em práticas alimentares
que devem reger esta relação en-
com significação social e cultural.
tre as práticas alimentares e a pro-
A alimentação se dá em função do
U MA ALIMENTAÇÃO
DEVE BASEAR-SE EM
moção da saúde e a prevenção de
doenças (P INHEIRO et al , 2005).
Os atributos básicos para uma
PRÁTICAS ALIMENTARES
alimentação saudável devem ser:
a) respeito e valorização das
práticas alimentares culturalmen-
sivamente de nutrientes. Os alimentos têm gosto, cor, forma, aroma e
textura e todos estes componentes
COM SIGNIFICAÇÃO
precisam ser considerados na abor-
SOCIAL E CULTURAL
dagem nutricional. Embora os nu-
te identificadas. O alimento tem sig-
trientes sejam importantes, os alimentos não podem ser resumidos a
nificações culturais diversas que
veículos destes. Os alimentos trazem
precisam ser percebidas e privilegiadas. A busca da soberania alimen-
consumo de alimentos e não exclu-
significações antropológicas, socioa contemplar o elenco de nutrientes
culturais, comportamentais e afeti-
necessários para o organismo, evi-
vas singulares, portanto, o alimen-
tando a monotonia alimentar que
to enquanto fonte de prazer e identi-
b) Acessibilidade física e finan-
pode limitar o acesso a todos os
dade também compõe esta aborda-
ceira. As práticas de marketing
nutrientes necessários a uma ali-
gem (PINHEIRO et al, 2005).
muitas vezes vinculam a alimen-
mentação adequada.
tar deve ser fortalecida por meio
deste resgate;
tação saudável ao consumo de ali-
e) Cor. Usar este elemento como
Tradicionalmente, o conceito de
‘alimentação saudável’ foi desenha-
mentos industrializados especiais
forma de garantir a variedade, prin-
do com enfoque especifico na dimen-
e não privilegiam os alimentos não
cipalmente em termos de vitaminas
são biológica, contudo entende-se
processados e menos refinados
e minerais, e também a apresenta-
que este enfoque é um dos compo-
como, por exemplo, a mandioca,
ção atrativa das refeições, destacan-
nentes que integram este complexo
que é um (tubérculo) alimento sa-
do o incentivo ao aumento do con-
conceito que não se restringe e en-
boroso, nutritivo, popular, de cus-
sumo de frutas, legumes e verduras.
volve uma complexidade de outras
126 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional
dimensões – sociais, econômicas,
los de desenvolvimento socioeconô-
Sob este enfoque, alguns aspec-
afetivas, comportamentais, antropo-
mico dos países. A transição nutri-
tos merecem destaque e análise
lógicas e ambientais.
cional é um processo de modifica-
como: 1) o papel do gênero neste
Os aspectos antropológicos da
ções seqüenciais de perfil nutricio-
processo, quando a mulher assume
alimentação são fundamentais, pois
nal, condicionado pelas possibilida-
uma vida profissional extradomicí-
determinam as escolhas alimentares
des de escolha e seleção de alimen-
lio, porém continua acumulando a
e podem ser observados na forma
tos que determinam o padrão ali-
responsabilidade sobre a alimenta-
de manutenção cotidiana ou de es-
mentar de grupos populacionais.
ção da família – a atribuição femi-
tratégias de sobrevivência das po-
Assim, as mudanças socioeconômi-
nina transita entre o ambiente do
pulações, revelando suas represen-
cas e demográficas, influenciam no
trabalho e doméstico e, assim, se
tações e práticas relativas ao con-
modo de viver, adoecer e morrer
coloca como um novo paradigma da
sumo alimentar. Os hábitos e ideo-
(processo saúde-doença) das popu-
sociedade moderna que não tem cri-
logias alimentares justificam as op-
lações (PINHEIRO, 2004).
ado mecanismos de suporte social
ções alimentares adotadas por um
para a desconcentração desta atri-
grupo social e se colocam como di-
buição enquanto exclusivamente
mensões mediadoras, organizando
feminina; 2) a modificação dos es-
as práticas e a organização do consumo doméstico, ou mesmo estra-
OS HÁBITOS E IDEOLOGIAS
tégias de sobrevivência (CANESQUI ,
ALIMENTARES JUSTIFICAM AS
1994). Situações de privação também podem provocar alterações e
OPÇÕES ALIMENTARES ADOTADAS POR UM
paços físicos para o compartilhamento das refeições e nas práticas
cotidianas para a preparação dos
alimentos; 3)as mudanças ocorridas
nas relações familiares e pessoais
adaptações com características em-
GRUPO SOCIAL E SE COLOCAM COMO
com a diminuição da freqüência de
blemáticas em práticas alimentares,
DIMENSÕES MEDIADORAS...
compartilhamento das refeições em
conforme observações de Freitas
família (ou grupos de convívio); 4)
(2003) em um estudo etnográfico
a perda da identidade cultural das
realizado em uma comunidade de
preparações e receitas com a chega-
baixa renda em Salvador (BA). Ob-
da do ‘evento social’ da urbaniza-
servou-se que, na população estu-
O Brasil também vem apresentan-
ção/globalização e com isto o cres-
dada, as pessoas se identificam com
do, nas últimas décadas, transforma-
cente consumo de alimentos indus-
o consumo de ‘comida’ e não pro-
ções socioeconômicas rápidas e pro-
trializados, pré-preparados ou pron-
priamente ‘alimentos’. A comida é
fundas (urbanização acelerada e glo-
tos, que respondem a uma deman-
o alimento adequado para o consu-
balização), com reflexos no perfil de
da de identidade e praticidade; e 5)
mo e, assim, quando questionadas,
saúde de sua população. No campo
a evidente desagregação de valores
as mães diziam que as crianças não
da saúde, a transição nutricional,
sociais e coletivos que vêm cultu-
tomavam leite pois “tomavam min-
tal como a epidemiológica, apresen-
ralmente sendo perdidos em função
gau”. O alimento cozido foi a opção
ta-se complexa e polarizada, com
das modificações acima referidas.
preferida para o consumo.
diferentes segmentos socioeconômi-
De acordo com Araújo et al (2005:
Sob o ponto de vista da história,
cos e territórios, mostando perfis
p.13) o ato de comer revela aspec-
as práticas alimentares também so-
nutricionais substancialmente dife-
tos sociais importantes: “Come-se
freram alterações à luz dos mode-
rentes e contraditórios (idem).
conforme as normas da sociedade.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
127
DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo
Hábitos interiorizam costumes. To-
gênese. O alcance do estado nutrici-
implementação de uma estratégia
dos preferem sabores que suas mães
onal adequado, de maneira indire-
para a promoção de uma alimenta-
lhe fizeram apreciar.” Nesta perspec-
ta, pressupõe o encontro de alguns
ção saudável passa, portanto, neces-
tiva a ‘mesa’ simboliza o centro das
fatores como produção, abasteci-
sariamente, por torná-la viável em
relações, sendo o ‘palco’ da organi-
mento e comercialização, acesso e
um contexto em que os papéis, os
zação, crítica familiar, alegrias, dis-
a utilização biológica dos alimen-
valores e o sentido de tempo estão
sabores e novidades.
tos. Para a garantia de uma alimen-
em constante mudança.
Em síntese, uma alimentação
tação saudável, é necessária condi-
Este artigo tem como objetivo
saudável deve ser entendida enquanto
ção adequada para seu total apro-
identificar a dimensão da alimenta-
um direito humano que compreende
veitamento e estas condições são
ção saudável na promoção da saú-
um padrão alimentar adequado às
relativas às condições de vida como
de, sob o contexto de Segurança Ali-
necessidades biológicas e sociais dos
trabalho, moradia, emprego, educa-
mentar e Nutricional, estabelecendo
indivíduos de acordo com as fases
ção, saúde, lazer e outros. Assim,
interfaces e apontando perspectivas
do curso da vida. Além disso, deve
entre estes campos, no âmbito de
ser baseada em práticas alimentares
políticas publicas.
que expressem os significados socioculturais dos alimentos como fundamento básico conceitual.
Sob o ponto de vista coletivo,
uma alimentação saudável tornase adequada quando também com-
UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
DEVE SER ENTENDIDA ENQUANTO UM
DIREITO HUMANO QUE COMPREENDE
preende aspectos relativos à percep-
UM PADRÃO ALIMENTAR ADEQUADO ÀS
ção dos sujeitos sobre os modos de
NECESSIDADES BIOLÓGICAS E
vida adequados, ou seja, quando
SOCIAIS DOS INDIVÍDUOS
se identifica com as expectativas
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
(SAN) E O DIREITO HUMANO À
ALIMENTAÇÃO (DHAA): FUNDAMENTOS
DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (BRASIL,1999), tem como
fundamentos a Segurança Alimentar
e Nutricional e o Direito Humano à
dos diferentes grupos sociais, que
Alimentação Adequada. A promoção
compõem a sociedade. Para isso, as
de práticas alimentares saudáveis é
dimensões de variedade, quantida-
o objetivo principal desta política.
de, qualidade e harmonia precisam
este conceito tem como objeto a tra-
Estes conceitos também são
associar-se aos padrões culturais,
jetória necessária, desde a produção
compartilhados e estão sistemati-
regionais, antropológicos e sociais
até o consumo, do alimento, em to-
camente presentes nas atuais dis-
das populações.
das as suas dimensões, e todas as
cussões do Programa Fome Zero,1
No enfoque da Segurança Alimen-
possibilidades que esta produção
que tem como objetivo principal o
tar e Nutricional, uma alimentação
gera em termos de desenvolvimento
combate à fome e a garantia da
é saudável e adequada quando tra-
sustentável e soberania alimentar.
Segurança Alimentar e Nutricional
zemos para a abordagem da saúde
Na esfera das políticas públicas,
outros fatores envolvidos em sua
o grande desafio na formulação e
por meio da inclusão social das
populações de baixa renda.
O Fome Zero é uma estratégia impulsionada pelo Governo Federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada, priorizando
as pessoas com dificuldade de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da segurança alimentar e nutricional e contribui
para a erradicação da extrema pobreza e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome.
1
128 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional
O Bolsa Família 2 é o principal
ter o acesso a outras necessidades
A alimentação é reconhecida
programa do Fome Zero. Na pers-
básicas como saúde, educação,
como um direito humano no Pacto
pectiva de ampliação do acesso à
moradia, trabalho, lazer etc., com
Internacional sobre Direitos Econô-
alimentação, além do Bolsa Famí-
base em práticas alimentares que
micos, Sociais e Culturais, de 1996,
lia, os programas que compõem o
contribuem, assim, para uma exis-
do qual o Brasil é signatário, e que
Fome Zero são: alimentação esco-
tência digna em um contexto de de-
foi incorporado à legislação nacio-
lar, construção de cisternas, restau-
senvolvimento integral da pessoa
nal em 1992. Em 1999, o Comitê dos
rantes populares, bancos de alimen-
humana (BRASIL, 2004C ).
Direitos Econômicos e Sociais das
tos, distribuição de cestas de ali-
O Conselho Nacional de Seguran-
Nações Unidas explicita, no Comen-
mentos, agricultura urbana/hortas
3
ça Alimentar e Nutricional (CONSEA)
tário Geral 12, que “o direito a ali-
comunitárias, sistema de vigilância
tem em sua pauta de 2005 o tema
mentação adequada é alcançado
alimentar e nutricional, suplemen-
da alimentação saudável como eixo
quando todos os homens, mulheres
tação de ferro e vitamina A, alimen-
principal da discussão da SAN no
e crianças, sozinhos, ou em comu-
tação e nutrição de povos indíge-
nidade, têm acesso físico e econô-
nas, educação alimentar e para o
mico, em todos os momentos, à ali-
consumo, promoção da alimenta-
mentação adequada, ou meios para
ção saudável, alimentação do trabalhador e desoneração da cesta
básica. Neste escopo de programas
intersetoriais, aqueles que são integrantes da PNAN, no setor saúde,
são o sistema de vigilância alimentar e nutricional, os programas de
suplementação medicamentosa de
A ALIMENTAÇÃO É RECONHECIDA COMO
UM DIREITO HUMANO NO PACTO
INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS
ECONÔMICOS, S OCIAIS E C ULTURAIS,
DE 1996, DO QUAL O
B RASIL É SIGNATÁRIO...
sua obtenção”. O termo ‘adequação’
refere-se não exclusivamente a um
pacote mínimo de calorias e outros
nutrientes, mas também a condições
sociais, econômicas, culturais, ambientais e outros, para a digna sobrevivência (B RASIL, 2005a).
A SAN pressupõe a garantia do
vitamina A e de ferro e a promoção
Direito Humano à Alimentação Ade-
da alimentação saudável.
quada. Entende-se que os ‘Direitos
A Segurança Alimentar e Nutri-
Humanos’ são aqueles que os seres
cional (SAN) é entendida como a
Brasil, entendendo que o seu alcan-
humanos possuem, única e exclu-
garantia, a todos, de condições de
ce na população brasileira é o prin-
sivamente por terem nascido e se-
acesso a alimentos básicos de qua-
cipal resultado esperado para a con-
rem parte da espécie humana. O Di-
lidade, em quantidade suficiente, de
cretude do direito humano a alimen-
reito Humano a Alimentação Ade-
modo permanente e sem comprome-
tação adequada (B RASIL, 2005 C ).
quada (DHAA) é um direito humano
O Bolsa Família consiste em transferência direta de renda para famílias de baixa renda, segundo critério preestabelecido (pobreza e extrema
pobreza). O recebimento do benefício é feito mediante o monitoramento e cumprimento de uma agenda de compromissos, pelos beneficiários
(prioritariamente crianças e gestantes, CONSEA, 2004). A agenda de compromissos é relativa a algumas condicionalidades do setor da saúde
e da educação, que precisam ser cumpridas pelos beneficiários. Todas as famílias devem manter crianças em idade escolar regulamente
freqüentando a rede pública de ensino além de rotineiramente serem pesadas e medidas nos serviços de saúde. O Sistema de Vigilância
Alimentar e Nutricional (SISVAN) é a condicionalidade exigida pelo setor saúde.
2
3
Órgão da Presidência da República, composto por representação em 2/3 de organizações da sociedade civil e 1/3 dos setores governamentais,
que tem sua Secretaria Executiva operada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome do Governo Federal (2004-2007).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
129
DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo
indivisível, universal e não discri-
envolvido nesta temática, com uti-
ção, considerando seus desequi-
minatório, que assegura a qualquer
lização de recursos orçamentários
líbrios e carências.
ser humano o direito a se alimentar
e financeiros adequados de modo
A inclusão da obesidade no con-
dignamente, de forma saudável e
mais eficiente, direcionando as ações
texto da SAN agregou valor à dimen-
condizente com seus hábitos cultu-
que obedeçam a uma escala de pri-
são qualitativa, em seu próprio con-
rais (VALENTE, 2002).
oridades estabelecidas em conjunto
ceito. Neste enfoque, além das di-
com o objetivo central da SAN.
mensões de dignidade humana,
Para a garantia do DHAA, o Estado é um dos principais atores, pois
A 2ª Conferencia Nacional de Se-
quantidade, regularidade e susten-
precisa estabelecer políticas que, as-
gurança Alimentar e Nutricional (II
tabilidade, a qualidade da alimen-
sim como o faz perante o direito a
CNSAN) (BRASIL, 2004c) ocorrida, em
tação torna-se também um objetivo
saúde, melhore o acesso das pesso-
Olinda (PE), em março de 2004, com
a ser alcançado. Desta forma a ali-
as aos recursos para produção ou
1.300 delegados de todas as regiões
mentação saudável e adequada, in-
aquisição, seleção e consumo de ali-
do país, representando a sociedade
corpora-se definitivamente à busca
pela garantia da SAN.
mentos. Essa obrigação se concretiza através da elaboração e implementação de políticas, programas e ações,
ASSUME-SE QUE TANTO A
que promovam a progressiva realização do direito humano à alimen-
DESNUTRIÇÃO QUANTO A
tação para todos, definindo claramen-
A ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA PROMOÇÃO
DA SAÚDE: INSERÇÃO E CONTRIBUIÇÃO
No contexto da formulação e
OBESIDADE SÃO RESULTANTES
aprovação do Sistema Único de Saú-
DE UMA MÁ- ALIMENTAÇÃO,
de (SUS), a saúde passou a ser com-
a SAN dão conseqüência prática ao
CONSIDERANDO SEUS
cidadania, fazendo-se importante
direito humano à alimentação e nu-
DESEQUILÍBRIOS E CARÊNCIAS
te metas, prazos, indicadores, e recursos alocados para este fim.
As ações voltadas para garantir
preendida como dimensão social da
espaço de luta coletiva, agregando-
trição adequadas, extrapolando,
se a outros movimentos da socieda-
portanto, o setor saúde e alcançan-
de civil e reclamando a universali-
do também um caráter intersetorial
zação do direito à saúde, estratégi-
na perspectiva aliada da promoção
civil organizada, governo, socieda-
as de municipalização e o efetivo
da saúde das populações.
des científicas e comunidade acadê-
controle social no sistema de saúde
A premissa básica para o alcan-
mica (universidades), revelou em
(BRASIL , 2001).
ce da SAN é a intersetorialidade.
seu relatório final um aspecto im-
O relatório final da 8ª Conferên-
Enquanto diferentes setores de go-
portante relativo ao entendimento do
cia Nacional de Saúde (CNS 1986)
verno, nas três esferas, e da socie-
que é alimentação saudável no con-
assumiu a saúde
dade civil agirem isoladamente, não
texto da SAN, ao considerar a obesi-
teremos a possibilidade de construir
dade juntamente como a desnutrição
e operar uma Política Nacional de
como manifestações de (In)segurança
SAN. Somente a intersetorialidade
Alimentar e Nutricional.
pode garantir a ação coordenada e
Assume-se que tanto a desnu-
articulada de programas, projetos e
trição quanto a obesidade são re-
políticas existentes em cada setor
sultantes de uma má-alimenta-
130 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
“como resultado dos modos de organização da produção no contexto histórico de uma sociedade e que deve
ser conquistada pela coletividade em
sua existência cotidiana, constituindo avanço sem precedentes na abordagem das questões sanitárias uma
vez que apontava para a ruptura do
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional
modelo centrado na ação médica, curativa e biologicista”.
te no sentido da saúde. Já a preven-
misso de: 1) melhorar as condições
ção de doenças busca que os indiví-
socioeconômicas dos segmentos po-
Esse conceito amplo exige que o
duos não sejam acometidos por es-
pulacionais mais carentes; 2) pro-
Estado assuma a responsabilidade
tas, contudo como ‘saúde’ não pode
mover a mobilização da comunida-
por uma política de saúde integra-
ser resumida apenas à ‘ausência de
de para a construção de um projeto
da às demais políticas sociais e eco-
doenças’, pessoas potencialmente
de vida saudável, no qual 3) a con-
nômicas, e garanta a sua efetivação
em risco de desenvolver uma deter-
vivência com o meio ambiente seja
e a universalidade do acesso da po-
minada doença, como as crônicas
integrada, harmoniosa e sustentável
pulação às condições mínimas de
não transmissíveis, por exemplo,
e 4) responsabilizar os gestores em
vida digna e bem-estar.
poderiam investir em melhorar sua
saúde e de outros setores para com
Diretrizes como estas nos condu-
capacidade funcional, ampliar suas
a saúde da população.
zem inexoravelmente ao desafio da
sensações de bem-estar e desenvol-
Estas diretrizes apontam a neces-
promoção da saúde, integrando o
vimento individual (e coletivo) na
sidade de elaboração de políticas
processo de inovações que operam
públicas saudáveis; a criação de
uma ampla reforma setorial, pauta-
meio ambientes que protejam a saú-
da pela universalização do direito à
de; o fortalecimento de ações comu-
saúde, democratização e descentra-
nitárias; o desenvolvimento de ha-
lização do sistema de saúde. Tanto
que a Carta de Ottawa (1986) declara
que a promoção da saúde consiste
“... em proporcionar aos povos os meios necessários para melhorar sua saúde e exercer um maior controle sobre a
mesma. Na concepção holística adotada, para alcançar um estado adequado de bem estar físico, mental e
social, um grupo deve ser capaz de
identificar e realizar suas aspirações,
satisfazer suas necessidades e mudar
ou adaptar-se ao meio ambiente”.
(BRASIL, 2001)
PROMOVER A SAÚDE É ATUAR
bilidades pessoais; e a reorientação
PARA MODIFICAR OS DETERMINANTES
temente,, dos serviços de saúde. É,
DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA DA
enfim, uma maneira de pensar e agir
POPULAÇÃO E DA COMUNIDADE
tidisciplinar. Com isto, o conceito de
do modelo de atenção e, conseqüen-
em saúde de forma integrada e mulsaúde amplia-se e torna-se um recurso fundamental para o desenvolvimento social, econômico e subjetivo, saindo do lugar de objetivo
perspectiva ampliada da promoção
para o de recurso para a vida coti-
antes da prevenção. Para a preven-
diana (BRASIL, 2001).
ção, evitar a doença é um fim em si
Os pré-requisitos para a melho-
A promoção da saúde é um con-
mesmo, enquanto que para a pro-
ria da saúde, conforme acordo in-
ceito amplo e abrangente que se di-
moção o objetivo contínuo e perma-
ternacional (Carta de Ottawa), inclu-
ferencia com uma tênue linha divi-
nente é alcançar um adequado ní-
em, necessariamente: a paz, a edu-
sória do conceito de prevenção de
vel de vida, em toda a sua comple-
cação, a moradia, a alimentação, a
doenças. A promoção da saúde pro-
xidade (CZERESNIA , 2003).
renda, um ecossistema estável, jus-
cura identificar e enfrentar os ma-
No âmbito deste conceito, pro-
tiça social e a eqüidade. As mudan-
crodeterminantes do processo saú-
mover a saúde é atuar para modifi-
ças ocorridas nos estilos de vida, as
de-doença, no qual insere-se a pro-
car os determinantes do processo
formas de oferta e organização do
moção da alimentação saudável, e
saúde-doença da população e da co-
trabalho e as maneiras e as possibi-
busca transformá-los favoravelmen-
munidade. Isto significa o compro-
lidades de desfrutar do lazer afetam
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
131
DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo
de maneira muito significativa a
qual as pessoas e grupos sociais
uma política transversal, integrada
saúde. Analisar o modelo de socie-
são capazes de expressar suas ne-
e intersetorial, que fomente o dialo-
dade que foi produzido e impulsio-
cessidades, apresentar suas preocu-
go do setor saúde com os outros se-
nado pela urbanização é requisito
pações, delinear estratégias para seu
tores do governo e da sociedade, com-
fundamental para repensar as for-
envolvimento nas tomadas de deci-
pondo assim redes de co-responsa-
mas de otimização da promoção da
sões e adquirirem maior controle
bilidade quanto à qualidade de vida
saúde (BRASIL, 2001).
sobre as decisões políticas, sociais
da população em que todos sejam
e culturais que afetam sua saúde
partícipes no cuidado com a vida.
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) assume o
(OMS, 1998).
exercício da intersetorialidade como
A ampliação dos espaços de dis-
um elemento-chave para a promo-
cussão do Ministério da Saúde com
ção da alimentação saudável. Nos
outros ministérios, demais níveis de
eixos contemporâneos da promoção
gestão do sistema de saúde e insti-
da saúde, esta é uma política de
NA ATUALIDADE, QUE DADOS
SUBSIDIAM E DETERMINAM O PAPEL
A SER DESEMPENHADO PELAS POLÍTICAS
PUBLICAS EM RELAÇÃO À
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO?
grande potencial para selar o debate intersetorial. A multidisciplinari-
A distribuição das principais cau-
edade e multissetorialidade, princí-
sas de mortalidade e morbidade tem
ção. O controle/participação social
A ALIMENTAÇÃO POUCO SAUDÁVEL E
A FALTA DE ATIVIDADE FÍSICA SÃO,
POIS, AS PRINCIPAIS CAUSAS
é o caminho para fortalecer ações
DAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO
pios básicos da promoção da saúde, encontram na PNAN a legitimidade necessária a sua implementa-
de promoção da saúde frente ao cenário assistencialista da saúde no
TRANSMISSÍVEIS MAIS IMPORTANTES
mudado profundamente nos países
desenvolvidos. Em muitos países em
desenvolvimento se observa uma tendência similar. Em escala mundial,
tem aumentado rapidamente a carga de doenças não transmissíveis.
Em 2001, estas foram as causas de
Brasil. A demanda da sociedade bra-
60% dos casos em 56 milhões de dis-
sileira por ações de promoção da
funções anuais e de 47% de carga
alimentação saudável é emergente
mundial de mortalidade. Consideran-
e extrapola os serviços de saúde. O
tuições de ensino e pesquisa faz par-
do e o crescimento previsto desta
diálogo sobre as práticas alimenta-
te do processo de construção de uma
carga, a prevenção das doenças não
res saudáveis deve se estruturar
Política Nacional de Promoção da
transmissíveis constitui-se num de-
preferencialmente nos espaços sau-
Saúde, a qual tem a alimentação e
safio muito importante para saúde
dáveis, como escolas, supermerca-
nutrição como uma das linhas de
pública mundial (WHO, 2000; 2003).
dos, restaurantes entre outros, em-
cuidado a ser abordado na perspec-
A alimentação pouco saudável e
poderando os sujeitos nas tomadas
tiva de modos de vida saudável. A
a falta de atividade física são, pois,
de decisão na perspectiva do resga-
PNAN, ao lado do Programa Anti-ta-
as principais causas das doenças
te/melhoria de um modo de vida
bagismo (INCA/MS), sustenta um dos
crônicas não transmissíveis mais
mais saudável.
destes eixos da Promoção da Saúde.
importantes – como as cardiovas-
Na promoção da saúde, o empo-
Assim, a promoção da saúde
culares, a diabetes tipo 2 e determi-
deramento é um processo social,
apresenta-se como um caminho para
nados tipos de câncer – e contribu-
cultural, psicológico ou político pela
o fortalecimento e a implantação de
em substancialmente para a carga
132 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional
mundial de morbidade, mortalida-
cerca de 70% dos gastos com aten-
de e incapacidade (WHO, 2000).
ção à saúde em 2002.
Essas evidências auxiliam no
entendimento de que a inseguran-
Neste contexto, a obesidade mere-
Em relação ao consumo alimen-
ça alimentar e nutricional no Bra-
ce destaque por ser simultaneamen-
tar, dados nacionais recentes ates-
sil tem duas faces: aquela associ-
te uma doença e um fator de risco
tam modificações importantes. Estas
ada à negação do direito humano
para outras DCNTs.
considerações sobre a disponibilida-
à alimentação adequada e aquela
Com já dissemos, no Brasil, nas
de domiciliar de alimentos adquiri-
resultante da alimentação inade-
últimas décadas, fenômeno seme-
dos pelas famílias brasileiras confir-
quada, que não confere à popula-
lhante vem sendo observado com
mam o aumento da participação de
ção uma alimentação saudável.
modificações no padrão demográfi-
gorduras em geral na alimentação,
Pessoas com excesso de peso ou
co e no perfil de doenças e na morta-
gorduras de origem animal e açúcar
obesidade são pessoas expostas ao
lidade da população (transição nu-
e diminuição com relação a cereais,
consumo inadequado de alimen-
tricional e epidemiológica), caracte-
leguminosas e frutas, verduras e le-
tos; entre os mais pobres, alimen-
4
rizados pela alta morbidade e mor-
tos com alta densidade energética
talidade por DCNT em detrimento de
têm substituído alimentos tradici-
doenças infecciosas e parasitárias.
onais mais saudáveis (como o tra-
De acordo com os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF)
E M UM PAÍS COMO O BRASIL, ONDE A
de 2002/2003, pôde-se observar
DESIGUALDADE SOCIAL E REGIONAL É IMENSA ,
um aumento na prevalência importante de excesso de peso , cu-
A GARANTIA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
dicional feijão com arroz): exemplo claro é o consumo elevado de
alimentos com excesso de açúcar
como refrigerantes e alimentos
com alto teor de sal e gordura
jos valores atuais chegam a 40,6%
NUTRICIONAL PRESSUPÕE A NECESSIDADE DE
como salgadinhos, fast foods e
dos adultos com excesso de peso
UM MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE
outros alimentos industrializados
e 11,1% (sendo 8,9% em homens e
de preparo rápido.
13,1% em mulheres) com obesida-
Em um país como o Brasil,
de. Apesar de ocorrer em todas as
onde a desigualdade social e regi-
regiões do país e nos diferentes
onal é imensa, a garantia da se-
extratos socioeconômicos da po-
gumes. Associadas ao sedentarismo,
gurança alimentar e nutricional
pulação, o número de casos de
essas tendências podem explicar as
pressupõe a necessidade de um
obesidade são proporcionalmente
taxas de prevalência de excesso de
modelo de atenção à saúde, no
mais elevados nas famílias de
peso e da obesidade entre adultos.
âmbito do SUS, que integre as duas
baixa renda. Dados do Ministério
Além disso, ressalta-se o aumento da
faces da insegurança alimentar e
da Saúde revelam que no Setor
participação de alimentos industria-
nutricional da população: a desnu-
Saúde, as DCNTs respondem pela
lizados e o fato que quase um quar-
trição e outras carências nutricionais
maior parcela dos óbitos no país
to (24%) da despesa média mensal
de um lado, e, do outro, o sobrepe-
e pelas despesas com assistência
familiar com alimentação destina-se
so/obesidade e as doenças crônicas
hospitalar no SUS, totalizando
a refeições fora de casa.
não transmissíveis associadas.
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003: análise da disponibilidade domiciliar
de alimentos e de estado nutricional no Brasil, Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Relatório Final.
4
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
133
DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo
GESTÃO DE COMPETÊNCIAS:
RESPONSABILIDADES COMPARTILHADAS PARA
A GARANTIA DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
mentos; a garantia da segurança e
apóiem as pessoas em todas as fa-
da qualidade dos alimentos e da
ses do curso da vida, desde o início
prestação de serviços neste contex-
da formação do hábito alimentar,
to; o monitoramento da situação ali-
isto é, do nascimento à velhice. É
A Política Nacional de Alimen-
mentar e nutricional; a promoção de
importante favorecer o deslocamen-
tação e Nutrição (PNAN) (BRASIL ,
práticas alimentares e estilos de vida
to do consumo de alimentos pouco
1999) é um instrumento político de
saudáveis; a prevenção e controle
saudáveis para alimentos mais sau-
respaldo à implementação das
dos distúrbios nutricionais e de do-
dáveis, respeitando as identidades
abordagens apresentadas, propõe
enças associadas à alimentação e
socioantropológicas e culturais da
uma estratégia de inserção das
nutrição; a promoção do desenvol-
alimentação dos grupos sociais.
práticas alimentares como compo-
vimento de linhas de investigação;
O Guia Alimentar para a Popula-
nente da Política Nacional de Saú-
e o desenvolvimento e capacitação
ção Brasileira é um instrumento
de e se integra também na pers-
de recursos humanos.
para disseminação de informação e
pectiva de políticas públicas que
fomento ao processo de educação
requerem ações intersetoriais para
em saúde junto aos profissionais de
a promoção da saúde.
saúde, no contexto da PNAN. Este
Esta política, homologada em
1999, foi elaborada na perspectiva
de contribuir concretamente com o
conjunto de políticas de governo
voltadas para a concretização do
A PROMOÇÃO DE UMA ALIMENTAÇÃO
SAUDÁVEL, DE MODO GERAL,
DEVE PREVER UM ESCOPO AMPLO
material informativo contém as diretrizes brasileiras sobre o que é
uma alimentação saudável, detalhando a partir dos grupos alimentares seu papel na prevenção de do-
direito humano universal à alimen-
DE AÇÕES QUE APÓIEM AS PESSOAS
enças e promoção da saúde. Possui
tação e nutrição adequadas e para
EM TODAS AS FASES DO CURSO DA VIDA
um elenco de mensagens para apoi-
a garantia da Segurança Alimentar
arem os profissionais de saúde na
e Nutricional de nossa população,
abordagem nutricional junto à po-
assumindo-os junto com a interse-
pulação em geral. As necessárias
torialidade enquanto fundamentos.
contribuições do setor produtivo –
A PNAN tem como propósito a
O conceito de alimentação sau-
indústria de alimentos e governo –
promoção de práticas alimentares
dável permeia todas as diretrizes e
para a promoção da alimentação
saudáveis e a prevenção e o contro-
ações propostas na PNAN. Entende-
saudável também são integrantes
le dos distúrbios nutricionais, a ga-
se que seu desafio principal é exa-
desta proposta.
rantia da qualidade dos alimentos
tamente a garantia de acesso de to-
O Guia Alimentar (BRASIL , 2005b)
colocados para consumo no país,
dos os brasileiros a uma alimenta-
assumiu como meta nacional au-
bem como o estímulo às ações in-
ção saudável enquanto direito hu-
mentar o consumo de frutas, legu-
tersetoriais que propiciem o acesso
mano e medida de promoção da saú-
mes e verduras no país. Juntamente
universal aos alimentos.
de no contexto da segurança alimen-
com o C ONSEA, o Ministério da Saúde
tar e nutricional.
vem estruturando a Iniciativa de
Para o alcance deste propósito foram definidas como diretrizes: o es-
A promoção de uma alimentação
Incentivo ao Consumo de frutas, le-
tímulo às ações intersetoriais com
saudável, de modo geral, deve pre-
gumes e verduras. O mote de pro-
vistas ao acesso universal aos ali-
ver um escopo amplo de ações que
mover saúde contemplando as di-
134 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional
mensões necessárias para o apoio
saúde. É importante ter clareza de
escolha saudável dos indivíduos e
à Segurança Alimentar e Nutricio-
que a educação em saúde (sem fa-
coletividades. Portanto, a promoção
nal pode qualificar a proposição
zer confusão com instrumentos de
da saúde exige a ação intersetorial,
do Fome Zero na perspectiva de
informação em saúde) procura de-
na qual o setor sanitário e seus pro-
ações de combate à fome que abor-
sencadear mudanças de compor-
fissionais atuem como publicizado-
dem todas as dimensões necessá-
tamento individual, enquanto que
res do fato de que as políticas for-
rias, incluindo o aspecto qualita-
a promoção da saúde (embora sem-
muladas pelos demais setores da
tivo: garantia de acesso e consu-
pre tenha a educação com aliada)
sociedade têm conseqüências para
mo a alimentos saudáveis com
tem o propósito maior de provo-
a saúde da população. Por isso, só
geração de emprego, renda e cida-
car mudanças de comportamento
uma ação integrada e intersetorial
dania. Esta iniciativa intersetorial
organizacional, capazes de esti-
responderá, na sua totalidade, à
mular melhorias à saúde da po-
demanda pela melhoria da qualida-
pulação (CANDEIAS , 2001).
de de vida (BRASIL, 2001).
tem como objetivo principal aumentar o consumo, a produção e
As evidências apresentadas
a comercialização de alimentos
quanto ao padrão alimentar atual
saudáveis como frutas, legumes e
verduras (na perspectiva de promo-
da população têm ocorrido em to-
NA ATUAL PERSPECTIVA, GLOBALIZADA E
NEOLIBERAL, FAZ-SE ESTRATÉGICO O
dos os grupos econômicos estuda-
RESGATE E A VALORIZAÇÃO DA NOSSA
pulação. Na atual perspectiva, glo-
cultura familiar, desenvolvimento
CULTURA ALIMENTAR, O INCENTIVO
balizada e neoliberal, faz-se estra-
sustentável e garantia da SAN. Para
À PRODUÇÃO E AO CONSUMO DE
ção da saúde, do respeito e valorização aos hábitos alimentares culturalmente referenciados), de maneira articulada e integrada à agri-
tal deve propor ações concretas que
abordem todas as dimensões envol-
ALIMENTOS MAIS SAUDÁVEIS
cação em saúde pode contribuir
tégico o resgate e a valorização da
nossa cultura alimentar, o incentivo à produção e ao consumo de
ferência minimamente processados
Integrado ao escopo de ação e
entende-se que na prática a edu-
do que benefícios para a nossa po-
alimentos mais saudáveis, de pre-
vidas na referida construção.
amplitude da promoção da saúde,
dos e trouxeram mais problemas
e culturalmente referenciados (ce-
ANÁLISES: ENTRE AS MUITAS INTERFACES
CONCEITUAIS O QUE PODE SER FEITO?
reais, leguminosas, frutas verduras e legumes). O fomento à formação de hábitos alimentares sau-
com parte das atividades técnicas
A promoção da saúde pressupõe
voltadas para a saúde. Este pro-
dáveis deve ser explicitado em
investimentos consistentes em edu-
políticas públicas de todos os se-
cesso reflete, especificamente, a ca-
cação e informação. O elemento di-
tores que têm interface com esta
pacidade de apoiar a organização
ferenciador, no entanto, diz respeito
questão – agricultura, desenvolvi-
lógica do componente educativo de
ao pressuposto de que as ações em
mento agrário e educação. Esta
programas, contudo representa a
educação e informação atingem seus
perspectiva pode representar a to-
possibilidade de diferentes combi-
objetivos quando sustentadas por
mada de decisão do Estado no sen-
nações de experiências de ensino
um ambiente social no qual as polí-
tido de conquista da SAN e da so-
– aprendizagem as quais facilitam
ticas públicas e as ações de regula-
berania alimentar e para tal urge
ações voluntárias conducentes à
mentação promovem e apóiam a
elaborar ações concretas com re-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
135
DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo
cursos orçamentários e financeiros
da no SUS, reflete as demandas da
tação’ e ‘nutrição’, pois em várias
que garantam sua implementação.
sociedade exercendo um papel de
citações estes são considerados
O atual cenário epidemiológico
pressão perante o Estado para a for-
como sinônimos e com objetivos
e nutricional demanda das políticas
mulação de programas, projetos e
semelhantes que se sobrepõem (BRA-
públicas (especialmente de promo-
políticas. Ambos os documentos fo-
SIL,
ção da saúde e de segurança alimen-
ram aprovados pelo Conselho Naci-
de (BRASIL, 2004a) reconhece as ações
tar e nutricional) o desafio de conci-
onal de Saúde e trazem as questões
de alimentação e nutrição vincula-
liar essas duas faces da inseguran-
de alimentação e nutrição de forma
das ao combate à fome, enquanto
ça alimentar e nutricional. Isso im-
fragmentada e pontual, revelando a
apoio ao Programa Fome Zero, con-
plica a responsabilidade do Estado,
desarticulação e a pouca força polí-
tudo não a referencia como uma
e da sociedade como um todo, de
tica desta discussão na sociedade
prática de promoção e atenção à
fomentar ambientes saudáveis, pro-
civil e junto aos profissionais de
saúde no cotidiano dos serviços de
movendo a boa alimentação e a ati-
saúde. No relatório da XII CNS (BRA-
saúde do SUS. As ações ainda refe-
2003). O Plano Nacional de Saú-
vidade física – elementos indissoci-
ridas são as relacionadas à assis-
áveis para a manutenção da saúde,
tência junto ao pré-natal e cresci-
e, portanto, de modos de vida sau-
mento e desenvolvimento de crian-
dáveis em todas as fases da vida. O
ças com a suplementação medica-
O ATUAL CENÁRIO EPISTEMOLÓGICO E
acesso a uma alimentação saudável deve ser promovido também no
âmbito de programas de transferên-
NUTRICIONAL DEMANDA DAS POLÍTICAS
mentosa de micronutrientes como
ferro e Vitamina A.
Do ponto de vista político, estu-
cia de renda (Programa Bolsa Famí-
PÚBLICAS (...) O DESAFIO DE CONCILIAR
diosos em análises sobre a gestão
lia, por exemplo), associando, aos
ESSAS DUAS FACES DA INSEGURANÇA
do atual Governo Federal (2003-06),
recursos transferidos para as famí-
ALIMENTAR E NUTRICIONAL
lias ações de saúde e de educação
fazem algumas críticas frente ao
modelo de desenvolvimento adota-
nutricional de forma a conciliar o
do, o qual tem sacrificado políticas
acesso a alimentos e a informações
sociais importantes em detrimento
que possibilitem às famílias a esco-
da “estabilidade do mercado” e eco-
lha e aquisição de alimentos mais
SIL,
2003), as questões temáticas
nomia nacional. De acordo com o
saudáveis – direito este que lhes
elencadas são de caráter assistenci-
sociólogo Chico de Oliveira (2005),
assiste enquanto seres humanos.
alista como a “distribuição de mul-
“a política brasileira foi colonizada
No setor saúde, no qual reside o
timistura nos postos de saúde da
pela economia”. Na tentativa de
modus operandi da PNAN, se anali-
atenção básica” e a “reedição do
‘descolonizar’ a pauta política, a
sarmos o relatório da 12ª Conferên-
programa do leite”. Na parte de edu-
adoção e a efetivação de mecanis-
cia Nacional de Saúde (BRASIL, 2003)
cação em saúde foi destacada, ain-
mos institucionais (com destinação
e do Plano Nacional de Saúde (B RA-
da, a necessidade da inclusão do
orçamentária condizente com a pri-
SIL,
tema ‘alimentação saudável’ nos
orização do tema) que garantam a
currículos do ensino básico.
inclusão permanente da SAN na
2004a) que são instrumentos
recentes e chaves do processo político de formação da agenda do se-
Também é nítida a confusão que
agenda pública pode tornar-se um
tor saúde, alguns aspectos são evi-
existe entre o conceito ‘segurança
proveitoso caminho para que este
denciados. A Conferência, legitima-
alimentar e nutricional’ e ‘alimen-
governo, historicamente comprometi-
136 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
A alimentação saudável e a promoção da saúde no contexto da segurança alimentar e nutricional
do com as causas sociais, estimule a
tratégicas da promoção da saúde.
lo adequado de desenvolvimento hu-
implementação de ações aliadas à
Nesta análise, os fatores determi-
mano e social (e não só econômico)
retomada do debate de cunho político
nantes da saúde também vão influ-
para a nação brasileira.
junto aos movimentos populares e à
enciar na condição de segurança
O setor público precisa assumir
sociedade civil como um todo.
alimentar e nutricional dos indiví-
a responsabilidade de implementar
duos e grupos sociais. E assim, este
políticas públicas que tenham a pro-
conceito abrangente de saúde, que
moção da saúde como um eixo arti-
se apóia nos recursos sociais e co-
culador, para criar condições de de-
O papel do setor saúde precisa
letivos, e não somente na capacida-
legar aos sujeitos possibilidades de
ser mais bem esclarecido frente às
de física ou condição biológica dos
escolhas saudáveis. É pressuposto
demandas da temática Segurança
sujeitos, individualmente, se concre-
da promoção da alimentação sau-
Alimentar e Nutricional. Mesmo os
tiza mediante a garantia da segu-
dável o fomento ao processo de edu-
profissionais de saúde precisam ter
rança alimentar e nutricional.
cação em saúde junto à sociedade,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
uma compreensão mais qualificada
que, aliado à ampliação da dispo-
da proposta, pois cada setor preci-
nibilização e acesso da informação,
sa assumir seu papel neste campo
é uma das principais ferramentas
de atuação. A SAN não pode ficar
restrita a uma política de governo
...OS FATORES DETERMINANTES
porque precisa ter mecanismos ins-
DA SAÚDE TAMBÉM VÃO INFLUENCIAR
titucionais que garantam a articulação necessária à sua instituição
de maneira permanente como política pública, de Estado.
Se entendermos o conceito de
NA CONDIÇÃO DE SEGURANÇA ALIMENTAR
para ampliar a autonomia decisória dos sujeitos na escolha e adoção
de práticas (de vida) alimentares
saudáveis. As escolhas alimentares,
independentemente da classe social,
E NUTRICIONAL DOS INDIVÍDUOS
demandam medidas e/ou estratégi-
E GRUPOS SOCIAIS
as capazes de favorecer o empoderamento dos sujeitos para a seleção
‘promoção da saúde’ (que assume
de um padrão alimentar. O conheci-
a alimentação saudável como um
mento é elemento-chave para toma-
dos fatores determinantes da saúde),
da de decisão neste processo de es-
e de ‘saúde’ (enquanto um conceito
Se a intersetorialidade é um com-
colha/mudança. Por fim, estudos
positivo, determinado pela interação
ponente estratégico para tornar pos-
comprovam que o aumento da ren-
de fatores diversos, como sociais,
sível a promoção da saúde no con-
da não garante por si só um padrão
culturais, ecológicos, psicológicos,
texto da segurança alimentar e nu-
alimentar saudável (BRASIL, 2004b),
econômicos e religiosos) fica claras
tricional, a alimentação saudável é
a coexistência de um processo edu-
as interfaces entre os conceitos ana-
uma “zona de intersecção” oportuna
cativo permanente é imprescindível
lisados: promoção da saúde e segu-
para aproximar e subsidiar este diá-
para se potencializar este processo.
rança alimentar e nutricional. A ali-
logo. A PNAN tem ações e diretrizes,
O compromisso de construção de
mentação saudável aproxima o di-
legítimas e consistentes, que podem,
um projeto de nação que vise o de-
álogo entre os dois conceitos, pois
efetivamente, impulsionar a inclusão
senvolvimento social (com ênfase
além de ser o objeto principal da
das abordagens aqui debatidas nas
na garantia da eqüidade e diminui-
Segurança Alimentar e Nutricional,
políticas públicas setoriais, na pers-
ção das desigualdades sociais) deve
compõe-se com uma das ações es-
pectiva da construção de um mode-
ser resgatado no plano das políti-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 125-139, maio/ago. 2005
137
DE OLIVEIRA, Anelise Rizzolo
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139
RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de
Saúde no Brasil nos anos 19901
Proposals of the World Bank for Health Sector Reforms in Brazil in the 90s
Maria Lucia Frizon Rizzotto1
Recebido: 08/03/03
Modificado: 10/08/04
Aprovado: 14/09/04
RESUMO
Analisam-se as propostas do Banco Mundial para a reforma do setor de
saúde brasileiro, explicitando-se aspectos dessas propostas que em nossa
perspectiva foram assimiladas pelo governo brasileiro no processo de
implementação do SUS (Sistema Único de Saúde), nos anos 1990. Parte-se
do pressuposto de que determinados projetos e programas da área da saúde,
financiados por este organismo internacional, não teriam como objetivo
contribuir para o desenvolvimento econômico e/ou social, conforme postulam
seus discursos, mas sim, por meio dos acordos de empréstimo e das
condicionalidades que os acompanham, visavam interferir nos rumos das
políticas nacionais desse setor, provocando uma contra-reforma não
anunciada, que busca restringir e/ou anular direitos constitucionais.
PALAVRAS-CHAVE: Política de Saúde; BIRF – Banco Mundial; Reforma Setor Saúde.
ABSTRACT
Este texto foi extraído, com
modificações, de tese de doutorado
defendida no Departamento de Saúde
Coletiva da FCM-Unicamp, em 2000, com
o título: “O Banco Mundial e as políticas
de saúde no Brasil nos anos 90: um
projeto de desmonte do SUS”.
1
Professora Adjunta, Doutora em Saúde
Coletiva pela Unicamp. Pesquisadora do
GPPS (Grupo de Pesquisa em Políticas
Sociais), Curso de Enfermagem,
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil.
2
e-mail: [email protected]
This paper analyzes proposals of the World Bank for the Brazilian health
sector reform in the 90s, highlighting aspects assimilated by the Brazilian
government in the process of implementation of the Brazilian Unified Health
System (SUS). We assumed that certain projects and programs in the
healthcare sector, financed by this international institution, would not
aim to contribute to the economic and/or social development, as stated in
their speech, but instead, due to the loan agreements and associated
conditions, to intervene in the path taken by the national politics in this
sector, causing an unannounced counter-reform bound for restricting and/
or nullifying constitutional rights.
KEYWORDS: Health Politcy; BIRF – World Bank; Health Sector Reform
140 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990
INTRODUÇÃO
‘humanização’ do Banco, articu-
discurso, há quem diga que o Ban-
lam-se com ‘questões estratégicas’
co, de fato, tem oferecido em abun-
Os direitos sociais, entre eles os
voltadas para a segurança interna
dância, mais do que recursos, suas
direitos à saúde, expressos na Cons-
e externa dos países centrais e para
próprias idéias, com o intuito de tra-
tituição Federal de 1988, resultaram
a organização do mundo capitalis-
duzi-las em políticas internas nos
de um processo multifacetário, tra-
ta. O crescente problema da misé-
países ‘em desenvolvimento’.
dução das contradições existentes no
ria, no nível mundial, se insere
interior da sociedade brasileira, que
neste contexto; segundo Wol-
desde o início dos anos 1980 vivia
fenshon (1995), presidente do Ban-
uma crise econômica e política.
co Mundial, ‘aliviar’ a pobreza e
Durante e após a elaboração da
mantê-la em níveis suportáveis
Constituição vozes descontentes na-
seria condição necessária para o
cionais e internacionais se mani-
futuro crescimento de todos.
festaram, pois parecia claro para a
elite econômica, e parte da classe política do país, que se os direitos cons-
“Si lo que el Banco Mundial ofrece
son principalmente ideas, y esas ideas
ayudarán a dar forma a políticas
claves, que preparan nuestras
sociedades para un futuro sobre el cual
hay solamente conjeturas, cómo se
producen y qué validez tienen dichas
ideas debe ser analizado con tanto
detenimiento como las condiciones y
consecuencias de sus créditos.”
(CORAGGIO , 1995, p.1).
titucionais fossem colocados em prá-
HÁ QUEM DIGA QUE
Neste final de século, mais do
tica representariam um entrave para
O B ANCO, DE FATO,
que em qualquer outro momento de
porem uma proposta que se situava
TEM OFERECIDO EM
mostrado uma capacidade de “im-
na contramão do movimento ‘neoli-
ABUNDÂNCIA, MAIS DO
poner su visión de la realidad como
os interesses do capital, além de com-
beral’ em curso há mais de duas décadas em países centrais.
O desagrado do Banco Mundial
sua história, o Banco Mundial tem
la que necesariamente deberían com-
QUE RECURSOS,
partir todo hombre y mujer sensatos”, reivindicando para si o mono-
SUAS PRÓPRIAS IDÉIAS
com os avanços dos direitos consti-
pólio da verdade e tornando-se im-
tucionais, no campo da saúde, no
permeável a qualquer crítica (GEOR-
Brasil, está expresso em dois docu-
GE;
S ABELLI, 1994, p.10). Os que sus-
mentos produzidos e divulgados por
Certa insistência com a questão
tentam opiniões contrárias são tidos
aquela instituição: ‘Brasil: novo
da satisfação das necessidades hu-
como mal informados e, na maioria
desafio à saúde do adulto’ (1991) e
manas básicas e uma crítica aos
das vezes, são desconsiderados.
‘A organização, prestação e financi-
países com muita disparidade na
amento da saúde no Brasil: uma
distribuição de renda e extrema di-
agenda para os anos 90’ (1995).
ferenciação social têm, de certa for-
AS PROPOSTAS DO BANCO MUNDIAL PARA
O SETOR DE SAÚDE NO BRASIL
Em âmbito geral, as propostas
ma, caracterizado o discurso desta
do Banco Mundial para o setor de
instituição nas últimas décadas, a
O interesse do Banco Mundial no
saúde de países periféricos como o
qual acena com financiamento para
setor de saúde brasileiro acompa-
Brasil, além de pretenderem ‘ajudar’
programas e projetos que visam o
nhou a retomada do discurso do
no processo de estabilização políti-
combate à pobreza e a centralidade
combate à pobreza, da última déca-
ca e econômica desses países e de
na educação básica e na atenção
da, e a emergência deste setor como
servirem como instrumento para a
primária em saúde. Apesar desse
um importante mercado para o in-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
141
RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon
vestimento privado. A ‘atenção’ dis-
Os estudos citados antes teri-
pensada para este setor nacional
am como objetivos, segundo o pró-
pode ser comprovada pela quanti-
prio Banco, contribuir para apro-
De acordo com dados divulgados
dade de estudos e relatórios produ-
fundar o conhecimento sobre esse
pelo próprio Banco, é possível afir-
zidos e divulgados pelo Banco, e
setor nacional e apresentar suges-
mar que a participação desta insti-
pelo aumento dos projetos financia-
tões para o “enfrentamento dos
tuição, no setor de saúde brasilei-
dos por este organismo internacio-
desafios do sistema de saúde bra-
ro, tem se traduzido mais na apre-
nal no Brasil. A título de ilustração,
sileiro nas próximas décadas”.
sentação de diretrizes e orientações
eis alguns desses estudos publica-
Esses desafios incluiriam a des-
para as políticas nacionais, com o
dos na forma de documentos ofici-
centralização e democratização, e
objetivo de promover importantes
ais do Banco: Brazil: Northeast En-
a redução dos déficits fiscais, so-
reformas do setor, do que, efetiva-
bretudo mediante a redução dos
mente, no aporte substancial de re-
gastos do governo, pois segundo
cursos por meio do financiamento
demic Disease Control Project (1988),
Policies for Reform of Health Care,
sam ampliar de modo significativo
Brazil (1988), Women’s ReproductiHealth in Brazil: Adjusting to new
Challenges (1989), Issues in Federal
Health Policy in Brazil, (1991) e The
Organization, Delivery and Financing of Health Care in Brazil: Agenda for the 90s (1993).
Quanto aos acordos de empréstimos para o Brasil, na última déca-
a oferta de serviços de saúde em
NO DOCUMENTO ‘BRASIL: NOVO DESAFIO
À SAÚDE DO ADULTO’, ESTÁ EXPRESSO QUE
“ OS EMPRÉSTIMOS DO B ANCO M UNDIAL
PARA O SETOR DE SAÚDE NO BRASIL
EQUIVALEM A MENOS DE 1% DA
DESPESA NACIONAL TOTAL EM SAÚDE”
da, destacam-se três projetos que
to de Vigilância e Controle de Doen-
nível nacional. No documento ‘Brasil: novo desafio à saúde do adulto’, está expresso que “os empréstimos do Banco Mundial para o setor
de saúde no Brasil equivalem a
menos de 1% da despesa nacional
total em saúde”, contudo, este quantitativo não poderia impedir ao Banco de pensar formas de aplicação do
outro montante, afirmando que “é
tiveram a participação financeira do
Banco Mundial, sendo eles o Proje-
os anos 90’ (1995).
de projetos ou programas que pos-
Nutrition, and Social Security in
ve Health in Brazil (1989), Adult
saúde no Brasil: uma agenda para
imperativo que o Banco Mundial
o Banco, “as realidades fiscais
também apóie os esforços brasilei-
colidem com os sonhos de despe-
ros no sentido de que os outros 99%
ças (VIGISUS), o segundo Projeto de
sa alimentados pelo processo de
da despesa sejam aplicados com
Controle e Prevenção de DST/A IDS e
democratização e pela Constitui-
mais eficiência” (idem, 1991, p.1).
o REFORSUS (Reforço à Reorganização
ção de 1988” (idem, 1991, p.1-20).
O núcleo temático dos dois do-
do Sistema Único de Saúde), ou,
Para efeitos deste estudo, toma-
cumentos do Banco, analisados neste
como o Banco prefere denominar no
mos os dois documentos antes cita-
trabalho, constitui-se em uma ava-
acordo de empréstimo assinado com
dos como base, que em seu conjun-
liação genérica do Sistema Único de
o Brasil, de ‘Projeto de Reforma do
to sintetizam as propostas do Ban-
Saúde brasileiro, com ênfase nos
Setor de Saúde’. Para o Banco, este
co Mundial para o setor de saúde
aspectos da relação custo-benefício
projeto destinava-se, efetivamente, a
brasileiro: ‘Brasil: novo desafio à
dos serviços e na defesa da necessi-
promover reformas no SUS (Sistema
saúde do adulto’ (1991) e ‘A organi-
dade de reformas constitucionais e
Único de Saúde) brasileiro.
zação, prestação e financiamento da
institucionais vinculadas a este se-
142 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990
tor. As propostas de reformas apre-
• Fortalecimento do papel e da
Essas reformas, segundo o Ban-
sentadas como fundamentais para
responsabilização dos estados em
co, teriam implicações imediatas no
ampliar a assistência à saúde dos
relação ao financiamento e à pres-
campo institucional, sendo as prin-
mais pobres, em realidade contribui
tação de assistência médica;
cipais: 1) A definição de quais po-
com a tendência de anular ou reduzir
os direitos de saúde conquistados pela
sociedade brasileira e consagrados na
Constituição Federal de 1988.
Se no documento do Banco Mundial de 1991 transparece certo otimismo em relação às reformas sofridas pelo setor de saúde brasileiro, durante a década de 1980, refe-
• Estabelecimento de um sistema
deres o governo estadual deve trans-
transparente e consistente, com força
ferir para as municipalidades e
legal, de transferências da esfera fe-
quais devem manter para si; 2) O
deral para as estaduais e municipais;
estabelecimento de políticas de con-
• Mudança no papel do governo
federal para a regulamentação, assistência técnica, pesquisa, elaboração de padrões e de incentivos para
rindo-se particularmente à questão
restrição do acesso; 3) Descentralizar a responsabilidade pela prestação de serviços clínicos para os ese da inexperiência e corrupção das
sibilidade de retirar do governo fe-
secretarias municipais de saúde; 4)
as responsabilidades com os gover-
O B ANCO FAZ UMA DEFESA
nos estaduais, municipais, entida-
DA PARTICIPAÇÃO DA REDE
des sociais não governamentais e
os valores dos serviços, através da
tados, saindo da ingerência federal
da descentralização, vista como posderal o poder decisório e partilhar
tenção de custos, mantendo baixos
Retomar as experiências das AIS
(Ações Integradas de Saúde) e do
SUDS para as reformas futuras e, 5)
PRIVADA NA PRESTAÇÃO
Examinar com mais cuidado os pa-
1995, partindo de uma análise in-
DOS SERVIÇOS DE
péis dos setores público e privado
terna do sistema econômico e polí-
SAÚDE NO BRASIL
ações e políticas específicas (idem,
comunidades, no documento de
tico nacional e do próprio processo
de saúde no Brasil, para definir
1995, p. x-xi).
de implantação do SUS, aquele oti-
Em ambos os documentos, o
mismo se transforma numa crítica
Banco faz uma defesa da partici-
por um suposto equívoco nas reformas implementadas, uma vez que
a descentralização não se processou
da forma como era esperada e a defesa da eqüidade, assim como a tendência de universalização do aces-
pação da rede privada na prestamelhoria da qualidade, regulamen-
ção dos serviços de saúde no Bra-
tação e contenção de custos, libe-
sil, com duras críticas à preferên-
rando-o da responsabilidade pela
cia dada, pela Constituição Brasi-
prestação e controle dos serviços;
leira, às instituições filantrópicas
so, teria representado uma enorme
• Promoção da pesquisa e do de-
sobrecarga, muito além da capaci-
bate sobre políticas de saúde atra-
dade dos recursos governamentais.
vés de financiamento público e vi-
Partindo dessas avaliações, o
gorosa associação com outros ór-
Banco propõe a ‘consolidação das
gãos responsáveis pela definição de
reformas institucionais’, por meio de
políticas nos níveis municipal, es-
uma revisão constitucional, que
tadual e federal (BANCO MUNDIAL, 1995,
deveria compreender:
p. xxviii/xxix).
e sem fins lucrativos.
“Se o objetivo consiste em prestar
serviços de quantidade e qualidade
máxima com os recursos existentes,
então as políticas públicas atuais são
inapropriadas. As fontes filantrópicas
e as fontes ‘com finalidade de lucro’
devem competir em terreno igual”
(idem, 1991, p.120).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
143
RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon
Pensando na limitação da atua-
leiro, recém modificado e incluído
gestões para o ‘racionamento da
ção do setor público e na ampliação
na Constituição Federal, um conjun-
atenção médica e o controle de cus-
do setor privado na prestação de ser-
to de propostas que pode ser sinteti-
tos da assistência no Brasil’, tais
viços de saúde brasileiro, o Banco
zado em seis pontos: 1) redução dos
como: médicos generalistas, co-pa-
propõe uma distinção inicial sobre
investimentos públicos no campo da
gamento feito pelo paciente, listas
as tarefas do setor público e do setor
assistência médica; 2) focalização
de espera, incentivos fiscais para
privado, caracterizando os espaços
dos serviços públicos às populações
seguro privado, opções de trata-
de cada um da seguinte forma:
pobres; 3) ênfase nas ações preven-
mento ambulatorial e assistência
tivas, especialmente a redução dos
domiciliar, transferência de um vo-
fatores de risco; 4) utilização dos
lume maior da assistência para o
recursos públicos em programas
setor privado, redução do número
que representem, basicamente, bens
de leitos hospitalares e do tempo
públicos; 5) estabelecimento de pri-
de permanência, limite no paga-
“O setor público é o responsável
quase exclusivo pelas tarefas essenciais de regulamentação, promoção e
educação, e tem importante papel a
cumprir em matéria de financiamento.
A prestação de serviços deve ser feita
por toda e qualquer entidade capaz de
prestá-los mais eficientemente dentro
da política geral estabelecida pelo setor
público.” (idem,1991, p.117)
mento por serviço, criação de mercados internos nos sistemas públicos, limite na aquisição e uso de
PARA ESSA INSTITUIÇÃO PARECE
As razões explicitadas para a
EXISTIR UMA INCAPACIDADE
defesa da participação da rede privada, especialmente as EMS (Enti-
NACIONAL DE FORMULAR POLÍTICAS
dades de Manutenção de Saúde) es-
SOCIAIS ADEQUADAS E DE
taria na sua maior criatividade,
ALOCAR EFICIENTEMENTE
maior eficiência e melhor qualida-
OS RECURSOS PÚBLICOS
de dos serviços prestados, “... os
tecnologia e, limite na cobertura em
termos de população ou de diagnósticos tratados (idem, 1995).
Chama a atenção, na leitura dos
documentos, o ponto de vista do
Banco sobre a administração pública no Brasil. Para essa instituição
parece existir uma incapacidade
serviços prestados pelas EMS são
nacional de formular políticas soci-
comprovadamente superiores aos
ais adequadas e de alocar eficiente-
serviços públicos disponíveis...”
(idem, 1991, p.119).
oridades a partir de uma análise da
A partir da análise de que no Bra-
relação custo/benefício; 6) introdu-
sil prestam-se demasiados serviços
ção de reformas institucionais e no
de base hospitalar; que há uma es-
sistema de financiamento do setor
pecialização exagerada no atendi-
de saúde, que incluiria a descentra-
mento ambulatorial; que cresce ra-
lização com dotação de recursos,
pidamente o uso de procedimentos
prioritariamente para os pobres,
de alta tecnologia; e, se gasta mui-
mobilização de recursos privados,
to pouco em promoção e prevenção
racionamento da atenção médica e
da saúde, os autores dos documen-
o uso de incentivos e técnicas de
tos do Banco Mundial apresentam
gestão moderna.
como grandes diretrizes para as re-
No conjunto das propostas,
formas do sistema de saúde brasi-
apresenta-se ainda um rol de su-
144 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
mente os recursos públicos.
“O problema principal do setor
saúde no Brasil não é, porém, a falta
de dinheiro, e sim a aplicação iníqua,
ineficiente e ineficaz dos adequados
recursos disponíveis. É iníqua porque
a proporção dos recursos públicos destinados aos abastados é demasiada.
É ineficiente, por se gastar demais em
`bens privados´ (...) e por não se gastar o suficiente com os `bens públicos´ (...) é ineficaz no sentido de que,
virtualmente em todos os níveis, os
sistemas de administração e recursos
humanos são antiquados e improdutivos.” (idem,1991, p.8-9).
As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990
O mesmo documento traz ainda
rar de um país com o seu nível de
a seguinte avaliação sobre o setor
renda per capita” (idem, 1991, p.101).
de saúde brasileiro:
“Atualmente o setor público no
Brasil está mal orientado e é ineficiente. O setor dedica atenção e recursos
relativamente pequenos à sua função
central de regulador, promotor e educador. Por outro lado, na área à qual
dedica a maior parte de sua atenção a prestação de serviços - o seu desempenho é insatisfatório e ineficiente.”
(idem, 1991, p.117).
Os problemas políticos e admi-
para a proteção dos mais pobres.”
(idem, 1995, p. xxiii)
Como as políticas de ajuste do
Sobre esta questão, embora ile-
Banco Mundial e do FMI às quais o
gal, sabe-se da existência de cobran-
Brasil está submetido, não admitem
ça de taxas complementares, que
aumentar os gastos públicos, a ques-
ocorre tanto na rede pública de saú-
tão central parece ser o controle dos
de, como em hospitais conveniados
custos. Para o Banco Mundial,
ao SUS. Segundo Vianna, Piola &
“o conceito de controle de custos deve
ser entendido como um conjunto de
atividades destinadas a: 1) monitorar
os custos incorridos; 2) obter o maior
volume de produção possível para um
Reis, pesquisadores do I PEA , esta
conduta é “uma prática que prospera sem aparente reação objetiva das
autoridades do setor e dos órgãos
profissionais responsáveis pela vi-
nistrativos que subsistem nas nos-
gilância do comportamento ético de
sas instituições públicas não são
seus filiados” (1998, p.25).
novidade para a maioria dos brasi-
Para estes autores, da parte dos
usuários também não se tem obser-
tões assinaladas pelo Banco ser, no
C OMO AS POLÍTICAS DE AJUSTE
DO BANCO MUNDIAL E DO FMI ÀS
QUAIS O B RASIL ESTÁ SUBMETIDO,
mínimo, um demonstrativo de des-
NÃO ADMITEM AUMENTAR OS GASTOS
Vale ressaltar que isso ocorre apesar
leiros. Daí a uma generalização da
situação e uma redução da problemática do setor de saúde às ques-
conhecimento de parte da realidade
brasileira. Nada garante que as pro-
PÚBLICOS , A QUESTÃO CENTRAL PARECE
postas formuladas por instituições
SER O CONTROLE DOS CUSTOS
A perspectiva que predomina, nos
dois textos analisados, é a da manutenção ou redução dos recursos destinados à saúde, com conseqüente
diminuição da oferta e da ampliação
dos serviços. “Se é que exista algo a
destacar, o Brasil já parece gastar,
dado volume de recursos; 3) eliminar
desperdícios. Contenção de custos, por
sua vez, enfatiza a eliminação dos desperdícios e a limitação no aumento dos
custos.” (idem, 1995, p. viii)
Aparece ainda como sugestão,
no documento de 1995, que o Brasil deveria
deral assegurarem a gratuidade no
acesso aos serviços públicos e pri-
brasileiro deveria “em conjunto com
organizações profissionais, estabelecer diretrizes de garantia de qualidade, com suficiente flexibilidade
para permitir adaptações por parte
dos diferentes prestadores de serviço” (BANCO MUNDIAL , 1995).
Embora o Brasil seja um país que
“experimentar mecanismos de co-pagamento, com base nos resultados
de como no total, proporção do PIB
do levantamento sobre demanda, e
em experiências em estados e municípios, cobrando apenas de pacien-
algo maior do que se deveria espe-
tes com renda acima de certo valor,
tanto nos serviços públicos de saú-
de a Lei 8080/90 e a Constituição Fe-
do Banco Mundial de que o governo
aqui enfrentamos e/ou serem mais
debate interno.
de, que possa impedir essa prática.
Destaca-se, também, a sugestão
possam resolver os problemas que
nais do que aquelas emanadas do
representações, nos conselhos de saú-
vados que integram o SUS.
externas, supostamente neutras,
adequadas às necessidades nacio-
vado mobilização suficiente das suas
compõe o rol das nações ditas democráticas, com um sistema constitucional-legal, que organiza o funcionamento dos poderes executivo,
legislativo e judiciário, regula a vida
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
145
RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon
da sociedade e estabelece os direi-
cais, é um elemento essencial para a
cura e o custo dos serviços médicos
tos e deveres da população, têm sido
fixação de prioridades”; 2) a suges-
públicos” (idem, 1991, p.5-82).
comuns o desrespeito e o descaso
tão da discriminação do acesso que
A preocupação inicial com os di-
para com a Constituição brasileira.
fere o princípio da universalidade, “os
reitos constitucionais, que segun-
Apesar da prática ‘descuidada’ para
programas devem orientar-se especi-
do os autores do documento de
com a Lei Maior, o fato de constar
ficamente para os pobres e conside-
1991 era conseqüência de “propos-
da Carta Constitucional que a saú-
rar explicitamente a sua situação”; e
tas idealistas que visam a uma rá-
de é direito de todos e dever do Es-
3) a restrição do acesso à atenção
pida passagem para um sistema de
tado, devendo este fornecê-la gratui-
médica curativa que contradiz os
prestação de serviços de alta qua-
tamente a todos, tem provocado um
princípios da integralidade e eqüida-
lidade para todos, de acordo com
inequívoco incômodo, tanto no go-
de (BANCO MUNDIAL, 1991, p.122-7)
suas necessidades” (idem,1991,
verno quanto em organismos inter-
No primeiro documento sobre o
nacionais, que têm pressionado pela
setor de saúde brasileiro, o Banco
redução desse direito, assim como
Constituição Federal, conforme se
Em 1996, o poder executivo fe-
observa nas citações a seguir:
deral elaborou e submeteu ao Congresso Nacional proposta de Emen-
O B ANCO APRESENTA
da Constitucional, acrescentando a
expressão ‘nos termos da lei’ ao ar-
UMA SÉRIE DE SUGESTÕES
tigo 196 da Constituição Federal, que
QUE COLIDEM COM
ção de medidas de ajuste no interior
documento, em recomendação implícita ao não-cumprimento da
a sua retirada da Constituição.
abriria brecha jurídica para a ado-
p.3), transformou-se, no segundo
A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
do SUS, entre as quais a revogação
dos princípios da integralidade, da
gratuidade e da universalidade (Vi-
“A crescente expectativa da população em relação a um compromisso
público aberto e descentralizado de
oferecer assistência médica a todos os
cidadãos, (...) deverá forçar uma retração ou diluição do compromisso
assumido pelo governo, a menos que
surjam alguns controles para tornar
compatíveis orçamentos e objetivos.”
(idem,1995, p.x, grifo nosso)
“A firme tendência para a universa-
anna, Piola & Reis, 1998, p.8).
lização de cobertura, a menos que seja
revertida por medidas eficazes de contenção de custos trará, por si só, um
No documento do Banco Mundial
Mundial ao mesmo tempo em que
de 1991, não obstante a promulga-
manifesta certa concordância com as
ção recente da Constituição Federal e
reformas em curso, demonstra pre-
a manifestação expressa de conheci-
ocupação com os possíveis desdo-
mento dos princípios e diretrizes do
bramentos do cumprimento da Cons-
SUS, o Banco apresenta uma série
tituição Federal, recém aprovada. “O
de sugestões que colidem com a
prognóstico para o sistema de saú-
Constituição brasileira. Citamos
de no Brasil não é bom (...). A Cons-
Analisando as ações do Ministé-
como exemplo: 1) a proposta de co-
tituição de 1988 estabelece como di-
rio da Saúde, ao longo dos anos
brança por serviços de saúde que é
reito constitucional o acesso univer-
1990, não se pode negar que deter-
contrária ao princípio da gratuida-
sal aos serviços públicos de saúde.
minadas políticas implementadas
de, “a cobrança aos usuários, tanto
A implementação deste direito exer-
nesse período se aproximam das
direta como através de impostos lo-
ceria significativo efeito sobre a pro-
orientações do Banco Mundial e se-
146 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
aumento significativo nas despesas se
as promessas públicas forem mantidas.”
(idem,1995, p.xi, grifo nosso).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As propostas do Banco Mundial para as reformas do setor de Saúde no Brasil nos anos 1990
guem a lógica da proposta de refor-
guiu acabar com os problemas do
G EORGE, Susan; SABELLI, Fabrízio. La
ma do Estado brasileiro, colocada
setor. Dados do IDEC (Instituto de De-
Religión del Crédito: El Banco Mun-
em prática a partir das diretrizes
senvolvimento Econômico), em 2000,
dial y su Imperio Secular. Barcelo-
expressas no documento denomina-
apontam várias irregularidades fei-
na: Colección Intermon, 1994.
do ‘Plano Diretor da Reforma do
tas por 13 operadoras do ramo, com
Aparelho do Estado’, de 1995.
graves prejuízos aos usuários.
VIANNA , Sólon Magalhães; P IOLA, Sérgio Francisco; REIS, Carlos Octávio
Pode-se citar como exemplo, den-
Além disso, observou-se, nos
tre outros, a criação de subsistemas
anos 1990, a tentativa de reabilita-
de saúde dentro do SUS; o incentivo
ção de um modelo de atenção à saú-
por meio de diversas ações à ampli-
de centrado na atenção primária em
ação da iniciativa privada na pres-
saúde, com o argumento de que o
tação de serviços de saúde; a trans-
modelo médico hegemônico estaria
WOLFENSOHN, James. Novos direciona-
ferência de funções do Ministério da
favorecendo as classes média e alta,
mentos e novas parcerias. Washing-
Saúde para agências reguladoras e
enquanto a população pobre esta-
ton, D.C.: [s.n.], 1995.
organizações não estatais; a redefi-
ria sem atendimento em suas ‘ne-
nição da própria estrutura do Mi-
cessidades básicas’ de saúde. Pro-
nistério da Saúde. Ou ainda, a criação de programas como o PACS (Programa dos Agentes Comunitários de
Saúde) e o PSF (Programa Saúde da
Família), dirigidos para a população mais pobre.
Observou-se também, na década
de 1990, a adoção de medidas ou a
ausência delas, que permitiram a
precarização, sem precedentes na
história, do emprego público na área
da saúde e a transformação paula-
sília (DF): IPEA , 1998. (Texto para
discussão, 587).
utilizando como estratégias, ações
centradas na prevenção, na família
e na comunidade, por meio de programas seletivos e focalizados.
REFERÊNCIAS
BANCO MUNDIAL. Brasil Novo Desafio à
Saúde do Adulto. Washington, D.C.:
Banco Mundial, 1991. (Série de Estudos do Banco Mundial Sobre Países).
. A Organização, Presta-
ços em regulador do setor. No cam-
ção e Financiamento da Saúde no
po da saúde, destaca-se a criação
Brasil: uma agenda para os anos 90.
de duas agências reguladoras com
Washington, D.C.: Banco Mundial,
tais fins: a A NVISA (Agência Nacional
1995. (Relatório N.º 12655 - BR).
de Vigilância Sanitária), criada em
C ORAGGIO, José Luiz. Las Propuestas
26 de janeiro de 1999, pela Lei Fede-
del Banco Mundial para la Educa-
ral 9728 e a ANS (Agência Nacional
ción: sentido oculto o problema de
de Saúde Suplementar), criada em
concepción? Trabalho apresentado...
28 de janeiro de 2000.
Seminário ‘O Banco Mundial e as
saúde, por meio da ANS, não conse-
sia em torno do co-pagamento. Bra-
pôs-se, então, ‘inverter o modelo’,
tina do Estado de produtor de servi-
A regulamentação dos planos de
Oché. Gratuidade no SUS: controvér-
políticas de Educação no Brasil’.
São Paulo, jun. 1995 (mimeo).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 140-147, maio/ago. 2005
147
COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais
de Saúde
Health Promotion: the Perception of Municipal Health Secretaries
Silvano da Silva Coutinho1
Maria José Bistafa Pereira2
Anderson Vulczak3
RESUMO
Pretende-se analisar a percepção dos secretários municipais de Saúde sobre
o conceito de promoção da saúde. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de
Recebido: 29/07/05
Modificado: 08/09/05
Aprovado: 09/01/06
abordagem qualitativa. Os referenciais foram as Conferências Internacionais
de Promoção da Saúde e as discussões de autores tendo por base estas
conferências. A amostra foi constituída de 11 secretários municipais de Saúde
da 5ª Regional de Saúde do estado do Paraná, os quais responderam a uma
entrevista semi-estruturada. Os dados foram ordenados utilizando-se a
metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A análise dos discursos
possibilitou-nos visualizar que as percepções dos gestores transitam entre
uma visão focada na prevenção de doenças, e por outro lado, uma visão que
ressalta um enfoque ampliado do processo saúde-doença.
PALAVRAS-CHAVE: Promoção da Saúde; Prevenção Primária; Programa Saúde
da Família.
Mestre em Enfermagem em Saúde Pública,
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da
USP (Eerp-USP). Docente do Departamento
de Educação Física, Universidade Estadual
do Centro-Oeste do Paraná, Guarapuava,
Paraná, Brasil.
1
Endereço: Rua Rubem Siqueira Ribas 377,
casa 3 – Bairro Trianon
CEP: 85015-080 – Guarapuava/PR
e-mail: [email protected]
Professora Doutora, Departamento de
Enfermagem Materno-infantil e Saúde
Pública, Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto, Universidade de São
Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.
2
Graduado em Educação Física,
Universidade Estadual do Centro-Oeste
do Paraná, Guarapuava, Paraná, Brasil.
3
ABSTRACT
This paper intends to analyse the perception of municipal health
secretaries concerning the concept of health promotion. It is an exploratory
research with a qualitative approach. Its references were the International
Conferences on Health Promotion and the discussions of authors based on
these conferences. The sample consisted of eleven municipal health
secretaries of the 5th Health Region in Paraná state, which answered a
semi-structured interview. Data were ordered using the Collective Subject
Discourse (CSD) methodology. The analysis of these speeches made it possible
to visualize that the managers’ perception transits between a vision focused
on the prevention of illnesses and, on the other hand, a vision that emphasizes
an extended approach of the health-illness process.
KEYWORDS: Health Promotion; Primary Prevention; Family Health Program.
148 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde
INTRODUÇÃO
participação no controle deste pro-
dade, democracia, cidadania, desen-
cesso (BRASIL , 2001).
volvimento, participação e parceria,
As discussões sobre promoção da
A Carta de Otawa propõe cinco
entre outros (BUSS, 2000). Tem-se um
saúde têm sido mais intensas nos
campos centrais de ação: a constru-
entendimento de uma responsabili-
últimos 30 anos, em função das
ção de políticas saudáveis, a cria-
zação múltipla através de uma com-
Conferências Internacionais de Pro-
ção de ambientes favoráveis à saú-
binação de estratégias: ações do
moção da Saúde. Nosso principal
de, o desenvolvimento de habilida-
Estado, da comunidade, de indiví-
objetivo é analisar a percepção de
des pessoais, o reforço da ação co-
duos, do sistema de saúde e de par-
um grupo de secretários municipais
munitária e a reorientação dos ser-
cerias intersetoriais.
de Saúde sobre o conceito de pro-
viços de saúde. Estas ações são in-
Apesar do título de internacio-
moção da saúde.
terdependentes, mas somente com a
nais, as demais conferências têm a
A ênfase de que o padrão de as-
construção de políticas públicas
característica de olhar para as rea-
sistência tradicional não tem muito
voltadas para a saúde se estabele-
lidades regionais, buscando ampli-
efeito na promoção de uma saúde
ar a visão sobre a importância da
melhor está descrito no Relatório
promoção da saúde.
Lalonde, datado de 1974. Neste do-
Na declaração de Adelaide (Aus-
cumento foi dada maior importância
trália), realizada em 1988, a saúde
a quatro componentes intitulados
O TERMO
é considerada, ao mesmo tempo,
‘determinantes de saúde’: a biologia
‘PROMOÇÃO DA SAÚDE’
como um direito humano fundamen-
vida e a organização da assistência
TEM SIDO ASSOCIADO
social. Os governos são conclama-
à saúde. Este documento canadense
A UM CONJUNTO
humana, o ambiente, os estilos de
conclui que quase todos os esforços
e os gastos em Saúde concentravam-
tal e como um sólido investimento
dos a investir recursos em políticas
públicas saudáveis.
DE VALORES
Em 1991, na conferência de Sun-
se na organização da assistência
dsvall, identificaram-se vários
médica, no entanto, as principais
exemplos e abordagens para se cri-
causas de mortes e enfermidades ti-
ar ambientes favoráveis e promoto-
nham suas origens nos outros três
cerá o ambiente favorável para que
res de saúde. Estes ambientes não
componentes (BUSS, 2000).
as outras quatro ações sejam possí-
se referem apenas a aspectos físi-
A 1ª Conferência Internacional
veis (BRASIL, 2001). Este documento
cos, mas a uma compreensão que
sobre Promoção da Saúde foi reali-
destaca que a promoção da saúde
engloba outras dimensões, como o
zada em 1986, em Otawa (Canadá)
não é uma preocupação exclusiva
ambiente sociocultural, o político e
e teve suas discussões baseadas nos
do setor Saúde, mas, ao contrário,
o econômico, que são imprescindí-
progressos da Declaração de Alma-
se constitui numa atividade eminen-
veis para a compreensão das ques-
Ata (antiga URSS, 1978). Nesta con-
temente intersetorial.
tões de saúde, ou seja, a saúde é
ferência, a promoção da saúde fi-
Após a divulgação da Carta de
vista na sua inseparabilidade e in-
cou entendida como o processo de
Otawa, em 1986, o termo ‘promo-
terdependência com o meio ambien-
capacitação da comunidade para
ção da saúde’ tem sido associado a
te (PALHA, 2001).
atuar na melhoria de sua qualidade
um conjunto de valores: qualidade
Durante a Conferência Internaci-
de vida e saúde, incluindo a maior
de vida, saúde, solidariedade, eqüi-
onal de Promoção da Saúde, em
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
149
COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson
Santa Fé de Bogotá, em 1992, enfa-
des educativas, relacionadas com
tos. Isto significa continuar desen-
tizou-se que a promoção da saúde
riscos comportamentais passíveis de
volvendo ações preventivas e de con-
na América Latina deve buscar a
serem mudados e que dependem do
trole de saúde, abrindo espaços,
criação de condições para garantir
controle dos próprios indivíduos.
concomitantemente, para novas in-
o bem-estar geral como propósito
Como exemplo podemos citar a ali-
tervenções de efetiva promoção da
fundamental do desenvolvimento,
mentação, o hábito de fumar e be-
saúde (FERRAZ , 1998).
ou seja, saúde e desenvolvimento
ber, as atividades físicas etc.
devem andar juntos.
Como relata Pereira (2001), mui-
A segunda conceituação e a que
tos foram os avanços do setor bra-
Na 4ª Conferência Internacio-
mais se aproxima da “nova promo-
sileiro de saúde, contudo, ainda te-
nal, em Jacarta (Indonésia), no ano
ção da saúde” aclamada na Carta
mos grandes desafios a enfrentar no
de 1997, foram referendados os
de Ottawa, define a promoção da
modo de se ‘fazer saúde’, sobretudo
conceitos citados antes, porém,
saúde como “a constatação de que
no que diz respeito a um modelo
também entendendo a saúde como
a saúde é produto de um amplo es-
assistencial que privilegie a integra-
um direito humano fundamental e
lidade da assistência.
essencial para o desenvolvimento
Em 1994, o Ministério da Saúde
social e econômico.
apresentou a proposta do Programa
Como recomendação da 5ª Confe-
Saúde da Família, entendendo esta
rência Internacional sobre Promoção
da Saúde, realizada na Cidade do
A SAÚDE É PRODUTO
México, no ano 2000, foi reforçada a
DE UM AMPLO ESPECTRO
importância das ações de promoção
DE FATORES RELACIONADOS
da saúde nos programas e políticas
COM A QUALIDADE DE VIDA
governamentais, nos níveis local,
regional, nacional e internacional.
como uma “estratégia para a reorganização da prática assistencial em
novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de
doenças e no hospital” (MERHY, 2002,
p.118), sendo que esta última toma
Segundo Buss (2002), as diversas
o processo saúde-doença como um
conceituações disponíveis, bem como
fenômeno individual, centrado no
a prática de promoção da saúde po-
corpo do indivíduo e fundamentado
dem ser reunidas em dois grandes
pectro de fatores relacionados com
no saber biomédico. Faz-se necessá-
grupos. A primeira, mais focada no
a qualidade de vida” (idem, p.52).
rio então, considerar, a família, nas
indivíduo, enfatiza que a promoção
Como exemplo, podemos citar a ha-
suas relações intra e extrafamilia-
da saúde consiste em “atividades di-
bitação e saneamento, condições
res, na luta para a sobrevivência,
rigidas centralmente na transforma-
adequadas de trabalho e renda,
ampliando o conceito do processo
ção dos comportamentos dos indiví-
oportunidades de educação ao lon-
saúde-doença, promovendo interven-
duos, focando nos seus estilos de
go de toda a vida, estilo de vida res-
ções para além do corpo biológico.
vida e localizando-os no seio de suas
ponsável etc. Neste caso, as ativi-
famílias, e no máximo, no ambiente
dades de promoção estão mais vol-
das culturas da comunidade em que
tadas para o coletivo de pessoas e
se encontram” (idem, p.51). Um pro-
para o ambiente.
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa explo-
grama que se baliza por este concei-
Estamos convivendo ao mesmo
ratória, de abordagem qualitativa,
to tende a concentrar-se em ativida-
tempo com novos e antigos concei-
ou seja, trabalha com o universo de
150 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde
significados, motivos, aspirações,
um termo de concordância devida-
conteúdo de um dado fragmento que
crenças, valores e atitudes, o que
mente assinado.
compõe o discurso ou a teoria sub-
corresponde a um espaço mais pro-
• Devolução de documento assi-
jacente; as idéias centrais (IC), ex-
fundo das relações, dos processos e
nado pelo Prefeito do município,
pressões lingüísticas que revelam ou
dos fenômenos que não podem ser
autorizando o secretário de Saúde a
descrevem de maneira mais sintéti-
reduzidos apenas à operacionaliza-
conceder a entrevista.
ca e precisa possível o sentido, ou o
ção de variáveis (MINAYO, 1994).
Como sujeitos desta pesquisa
elencamos os secretários municipais de Saúde, acreditando que os
mesmos sejam importantes para
pensarmos na implementação de
práticas de saúde que reorientem o
modelo assistencial vigente. A pre-
Como instrumento para coleta
de dados, tivemos a entrevista
semi-estruturada. O tempo médio
de duração das entrevistas foi de
24 minutos.
Para ordenação e organização
do material empírico produzido
sentido e o tema de cada conjunto
homogêneo de ECH; a ancoragem,
ou seja, a expressão de uma teoria,
ideologia ou crença religiosa que o
autor do discurso adota e que está
embutida no discurso como se fosse uma afirmação qualquer; e o discurso do sujeito coletivo, que é uma
sente pesquisa foi realizada na 5ª
agregação ou soma não matemáti-
Regional de Saúde do estado do
ca de pedaços isolados de depoimen-
Paraná, composta por 20 municípi-
tos, de modo a formar um todo dis-
os. A população total desta regio-
COMO SUJEITOS
nal é de 441.837 pessoas, segundo
DESTA PESQUISA
dados do IBGE do ano de 2002.
Onze municípios participaram da
cursivo coerente, em que cada uma
das partes se reconheça enquanto
constituinte deste todo e este como
ELENCAMOS OS
constituído por estas partes, expres-
pesquisa. Com relação às Equipes
SECRETÁRIOS MUNICIPAIS
sando um posicionamento próprio,
de Saúde da Família já implantadas
DE SAÚDE
distinto, original, específico frente
nestes municípios até o momento da
ao tema proposto.
coleta de dados, constatamos que
Estas figuras devem ser obser-
das 70 equipes já existentes, 58 fa-
vadas cuidadosamente para se ob-
zem parte dos 11 municípios inte-
ter um resultado que expresse uma
grantes da pesquisa, ou seja, 82%
pelas entrevistas nos apoiamos no
representação fidedigna daquilo que
do total de Equipes de Saúde da Fa-
processo metodológico do Discur-
foi pesquisado.
mília desta Regional de Saúde es-
so do Sujeito Coletivo – DSC, pro-
Após esta organização dos dados,
tão incluídas no estudo.
posto por Lefèvre et al. (2000), que
que resultou na confecção dos DSC
A amostra foi selecionada res-
possibilita organizar o conjunto de
possíveis, procedemos à análise dos
peitando aos seguintes critérios
discursos verbais emitidos por um
mesmos, tendo como pano de fundo
de inclusão:
dado conjunto de sujeitos sobre de-
as discussões das Conferências Inter-
terminado tema.
nacionais de Promoção da Saúde.
• Municípios que possuíam o PSF
já implantado.
Utilizamos para esta organização, quatro figuras metodológicas:
RESULTADOS E DISCUSSÃO
• Aceitação do secretário muni-
as expressões chaves (ECH), que são
cipal de Saúde em participar da pes-
pedaços contínuos ou descontínuos
Como um dos objetivos do Pro-
quisa, devolvendo ao pesquisador
da fala que revelam a essência do
grama Saúde da Família (PSF) é a
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
151
COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson
reorganização do modelo de assis-
de adoecer. Este entendimento de
Fica evidente nestes discursos a
tência no sistema de saúde com base
epidemiologia deve levar em con-
preocupação dos gestores para com
na promoção da saúde, entendemos
sideração o conceito de campo de
o pronto atendimento, com as deman-
ser importante conhecer a concep-
saúde, o qual admite que a saúde
das de alta e média complexidades e
ção dos secretários sobre este tema.
é determinada por quatro conjun-
com o oferecimento de medicamentos
Lembramos que os dados aqui
tos de fatores: biologia humana,
aos usuários, demonstrando que o
discutidos fazem parte de uma dis-
estilo de vida, ambiente e organi-
entendimento de promoção da saúde
sertação de mestrado que versa so-
zação do sistema de atenção à saú-
se aproxima das definições de Leave-
bre a atividade física no Programa
de(VILELA & MENDES, 2000).
ll & Clark (1976), que relaciona a pro-
Saúde da Família.
Promoção da saúde com o enfoque
na prevenção de doença
Nos fragmentos de DSC a seguir,
moção da saúde aos níveis de pre-
os secretários destacaram aspectos
venção de doenças pautados no con-
do que eles entendem ser o conceito
ceito de história natural da doença.
de promoção da saúde:
fendemos não é sinônimo de pre-
Um dos aspectos mais presentes
venção de doenças e se diferencia
no discurso dos secretários foi o
desta quando se caracteriza por
enfoque mais acentuado na preven-
ser uma intervenção ou conjunto
ção de doença, destacando-se, por
exemplo, a importância da epidemiologia nas ações de promoção:
“Promoção da saúde é não ter doença, evitando que a pessoa fique doente. É trabalhar em cima da prevenção para cuidar para que tenham saúde, é você prevenir, evitar a doença, é
fazer a Epidemiologia do município trabalhar os exames preventivos, essas
taxas de leishmaniose, de HIV, pois a
epidemiologia, ela envolve muita prevenção.” (DSC 1)
A epidemiologia, além da prevenção de doenças, pode também
auxiliar na promoção da saúde a
partir do momento em que consegue demonstrar a necessidade de
estender serviços à comunidade,
não apenas para as pessoas doentes que procuram esses serviços,
mas também, para alcançar aquelas que ainda não adoeceram, mas
se encontram expostas aos riscos
A promoção da saúde que de-
A PROMOÇÃO DA SAÚDE
de intervenções que tem como ho-
QUE DEFENDEMOS
permanente, ou pelo menos dura-
NÃO É SINÔNIMO DE
doura da doença, porque objetiva
PREVENÇÃO DE DOENÇAS
rizonte ou meta ideal a eliminação
atingir suas causas mais básicas,
e não apenas evitar que as doenças se manifestem nos indivíduos
(LEFEVRE & LEFEVRE, 2004).
Também foi possível identificar
“Quando o paciente precisa realmente de um atendimento, ele não pode
esperar; aquela pessoa que não tem
condições de poder pagar o médico particular, ele vem e nos procura, porque
na hora que você precisa de uma vaga
no hospital, não existe a vaga, ele precisa ser atendido.” (DSC 2)
“Uma caixa cheia de remédio, de
medicamentos.” (DSC 3)
“É o atendimento de média e de
alta complexidade, porque há uma demanda grande, a espera do serviço, a
espera de especialidade de média e de
alta complexidade.” (DSC 4)
152 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
nos discursos uma preocupação
com a universalidade da atenção
ou o direito universal à saúde, inclusive pautado no aspecto humano do atendimento.
“Dar ao paciente a condição de
vir às unidades de saúde e ser atendido humanamente; promover para que
todo mundo tenha uma assistência à
saúde digna, para que tenha um atendimento digno.” (DSC 5)
Esta visão de promoção, pautada na prevenção, traz consigo uma
ideologia (capitalista) racionaliza-
Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde
dora de melhorar a assistência, com
te a uma secretaria municipal. As
o olhar no que estas ações podem
ações realizadas em conjunto tendem
trazer de benefícios aos cofres pú-
a obter maior êxito, alcançando re-
blicos, diminuindo os gastos com
sultados mais duradouros. É neces-
os serviços de saúde.
sário estabelecer uma política de go-
“Eu acho que tudo caminha para
que se faça uma prevenção bem feita
para evitar o acúmulo de atendimento
nas áreas emergenciais de saúde. Se
fizermos prevenção na saúde, se economiza; tem que fazer a administração pública entender que é fazendo prevenção que se vai economizar futuramente na saúde pública.” (DSC 6)
verno para que se possa obter mais
potência nos resultados de qualidade
de vida das pessoas.
tratada na residência. O modo de relacionamento com a sociedade, com a
família consigo mesmo também entra
nisso. É a parte social da saúde, são
ações intersetoriais.” (DSC 7)
Quando pensamos em promoção
da saúde, todos estes aspectos citados pelos secretários têm que estar presentes. Proporcionar melho-
Promoção da saúde numa concepção
ampliada do processo saúde-doença
res condições de vida para as pessoas, fazendo com que elas adquiram hábitos que as levem a ter
Na seqüência, temos discursos
maior disposição para viver, tam-
que expressam passos em direção a
bém deve ser objetivo de todo ges-
Atuar em ações preventivas
tor. Enxergar os problemas com
pode, sem dúvida, promover eco-
uma visão de promoção de saúde
nomia de gastos no setor saúde,
exige não olhar somente o proble-
uma vez que, primeiramente, atu-
ma, mas tentar deslocar nosso olhar
ar com a perspectiva de evitar a
MEDIDAS PROMOCIONAIS
doença nos seres humanos é um
TENDEM A ATINGIR QUESTÕES
ganho social sem precedentes.
Lembramos, ainda, que agra-
para ações básicas que norteiam e
BÁSICAS DE PLANEJAMENTO
vos à saúde também trazem cus-
MUNICIPAL, QUE, NA SUA MAIORIA,
tos sociais muitas vezes impossí-
DEPENDEM DE AÇÕES INTERSETORIAIS
veis de se calcular. É importante
frisar que muitas das doenças não
transmissíveis podem ser tratadas
com intervenções de custo relativamente baixo, através de ações
preventivas e promocionais.
As medidas de prevenção são em
si um grande caminho para melhorar
a saúde das pessoas, mas medidas
promocionais tendem a atingir questões básicas de planejamento municipal, que, na sua maioria, dependem
de ações intersetoriais, como implantação de redes de saneamento, construção de escolas, incentivo à prática
de atividades físicas e de lazer, ou seja,
não deve se restringir exclusivamen-
uma concepção do processo saúdedoença de forma mais ampliada,
fugindo da saúde entendida somente como a ausência de doenças.
Nesta linha de raciocínio, os gestores expressaram uma preocupação com os aspectos sociais que
envolvem o processo saúde-doença.
“É o indivíduo ter boa renda, boa
escolaridade, ter lazer, ter um bom relacionamento familiar, ser feliz nessa casa,
ter realização profissional, cultura, ter
uma residência adequada, banheiro
que tenha rede de esgoto, tenha água
influenciam esta situação problema. As pessoas precisam sentir que
são importantes através de:
“[...] ações benfazejas que produzem
o bem para o indivíduo, no sentido de
manutenção do estado de saúde. O
ambiente, a situação do ambiente, a
situação dos hábitos de vida entram
nisso também... é procurar o bem-estar pessoal, físico da pessoa, contribuindo para que o indivíduo mantenha ou até alcance saúde num estado mais continuado; é o paciente se
sentir bem, é estar integrado na sociedade, é ele ser alguém.” (DSC 8)
As ações em saúde devem atender aos princípios gerais do SUS com
relação à universalidade, eqüidade
e integralidade (S ANTINI, 1991) e, neste sentido, verificamos a incorporação destes princípios pelos gestores
em seus discursos, ao declararem
que a promoção da saúde é:
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
153
COUTINHO, Silvano da Silva; PEREIRA, Maria José Bistafa & VULCZAK, Anderson
“Um direito de todos. Não distinguimos nenhuma classe, nem o pobre
nem o rico: quem procura a saúde é
atendido igualmente. E fazer um trabalho para a coletividade, pensando
na população.” (DSC 9)
Para tentarmos ampliar o conceito sobre promoção da saúde, temos
que direcionar as ações do PSF dentro de um conceito de universalidade, entendendo que toda pessoa tem
direito ao atendimento e que a saúde é um direito de cidadania e dever
do governo, na sua esfera munici-
blemas. Pacientes vindo à procura de
um trabalho da saúde, porque foi alertado de alguma coisa, porque existe
um trabalho, ou de repente você vai
de encontro ele com a equipe do médico, enfermeiro, do auxiliar que vai fazer esse trabalho na saúde, ver os efeitos que vem causando para a família
do nosso município.” (DSC 10)
o enfrentamento das doenças crôni-
promoção da saúde:
cas e causas externas (BRASIL , 2001).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
PARTES E SOLTO NO MUNDO, PORTANTO,
(P INHEIRO, 2003, p.11). O indivíduo
O ATENDIMENTO DEVE SER FEITO PARA
não deve ser visto como um amon-
A SUA SAÚDE E NÃO SOMENTE PARA
toado de partes e solto no mundo,
AS SUAS DOENÇAS
portanto, o atendimento deve ser fei-
acontecem, ou seja, ir à comunidade para identificar, conhecer e ana-
dos secretários municipais de Saúde transitam em meio a referenciais de prevenção de doença e de
promoção da saúde. Atualmente, já
se entende que a promoção da saúde é imprescindível na implementação de políticas públicas visanpessoas e diminuir a quantidade e
para as suas doenças.
so ir atrás dos problemas onde eles
Ficou evidente que o discurso
do melhorar a qualidade de vida das
to para a sua saúde e não somente
própria Unidade de Saúde, é preci-
saúde, pois é essencial capacitar as
sas fases da existência, o que inclui
e coletivos, em cada caso, nos ní-
através de demanda espontânea na
aprendizado para os assuntos de
forma mais ativa no processo de
VISTO COMO UM AMONTOADO DE
blemas da comunidade venham
formação e às oportunidades de
a vida, preparando-as para as diver-
preventivos e curativos, individuais
não deve esperar que todos os pro-
a ela total e contínuo acesso à in-
população para que ela participe de
O INDIVÍDUO NÃO DEVE SER
mover a saúde, a Equipe de Saúde
comunidade, é preciso proporcionar
pessoas para aprender durante toda
do de ações e serviços de saúde,
Pactuando com a idéia de pro-
Para aumentar a participação da
preocupação na conscientização da
Entendemos também que a inte-
veis de complexidade do sistema”
te processo” (BRASIL, 2001).
Os gestores demonstraram uma
pal, estadual ou federal.
gralidade é “um conjunto articula-
maior participação no controle des-
a gravidade das doenças.
“A população deve fazer a parte
dela também: ela ainda não se conscientizou da importância que realmente tem em fazer a parte dela também.
Quando depende um pouco do lado
da população mesmo, falta muito ainda, deixa muito a desejar, então é uma
questão de cultura.” (DSC 11)
Um conceito de promoção da saúde pautado apenas em se prevenir
doenças é válido, porém, insuficiente. Temos que procurar expandir
nosso olhar sobre a promoção de
saúde para além dos aspectos da
doença. Uma política de saúde ca-
A Carta de Ottawa dá destaque a
paz de promover a saúde deve levar
esta preocupação, conceituando pro-
em consideração aspectos importan-
lisar a realidade local, e propor
moção da saúde como “o processo
tes relacionados a ações intersetori-
ações capazes de nela interferir.
de capacitação da comunidade para
ais e ao suporte social.
“Não só resolver os problemas,
atuar na melhoria de sua qualidade
Numa visão intersetorial, enten-
mas diminuir, ir à tona de alguns pro-
de vida e saúde, incluindo uma
de-se que a saúde não deva ser vis-
154 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
Promoção da Saúde: a percepção dos secretários municipais de Saúde
ta como uma conquista ou uma res-
o exercício de participar, elaborar e
. Promoção da saúde da
ponsabilidade exclusiva do setor
fiscalizar diretrizes de políticas so-
família. Revista Programa Saúde da
saúde; ela é produto de uma inte-
ciais, entre elas as da saúde, nos
Família, Brasília, 2002, p. 50-63.
gração de esforços, visando alcan-
espaços coletivos instituídos de
çar mais e melhores resultados e
CARVALHO, Yara Maria de. Atividade
participação e controle social e jun-
racionalizar recursos.
física e saúde: onde está e quem é o
to aos dirigentes e governantes de
“sujeito” da relação? Revista Brasi-
nossos municípios.
leira de Ciências do Esporte, v. 22,
Por sua vez, o suporte social
em promoção da saúde representa
um conjunto de ações que podem
ser realizadas por diferentes tipos
de pessoas: os membros da equipe de saúde da família, parentes,
amigos, voluntários, sociedade civil organizada ou governantes. O
suporte social acontece quando se
fornece informação, quando se disponibiliza um apoio emocional ou
quando se fornecem recursos técnicos e/ou materiais para ajudar
Por meio desta pesquisa tivemos
a intenção de diminuir os obstáculos que possam nos tornar defensores de uma utopia, pois, para que a
promoção da saúde realmente aconteça é necessário um entendimento
e um envolvimento maior de todos
que participam da construção do
sistema de saúde.
FERR AZ , Sônia Terra. Promoção da
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mais habilidades possa proteger
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rez Vieira O discurso do sujeito co-
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(SUS). São Paulo: Serviço Gráfico
letivo: uma nova abordagem meto-
do D.A.S., 2003.
dológica em pesquisa qualitativa.
uma pessoa que tenha mais conhe-
Ao finalizar, deixamos as lacunas para futuros aprofundamentos,
entendendo que se faz necessário
investir num conceito teórico-prático sobre o tema promoção de saúde, que possibilite um olhar ampliado do processo saúde-doença, pois,
como gestores, eles têm, em tese,
condições de buscar as articulações
com outros setores (ações intersetoriais) na busca de proporcionar à
NAKA, Oswaldo Yoshimi;
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155
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156 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 148-156, maio/ago. 2005
Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde
Study on the Management of Residues of Healthcare Services
Roberto Naime1
Ivone Sartor2
Ana Cristina Garcia3
Recebido: 17/10/03
Modificado: 15/06/04
Aprovado: 31/08/04
RESUMO
Discute-se a questão dos resíduos dos serviços de saúde, na dimensão
da construção de modelos de desenvolvimento sustentável. São divulgados
os conceitos de redução, reutilização e reciclagem dentro dos serviços de
saúde. Uma revisão bibliográfica do estado-da-arte do tema é apresentada,
visando a obtenção de informações para a elaboração de parâmetros de
adequada gestão destes materiais. É proposta uma nova atitude pró-ativa
Geólogo. Doutor em Geologia Ambiental,
Docente do Departamento de Engenharia
Civil, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Curso Engenharia
Industrial (Icet / Feevale,), Porto Alegre,
Rio Grande do Sul, Brasil.
1
Departamento de Engenharia Civil
FENG-PUC-RS
Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 30
CEP: 90619-900 – Porto Alegre, RS
Fone: (51) 3320-3553 - Fax: (51) 3320-3824
e-mail: [email protected]
Farmacêutica. Doutora em Ciências.
Docente, Faculdade de Farmácia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande
do Sul, Brasil.
e-mail: [email protected]
2
Bióloga. Mestre em Engenharia
ambiental, Docente do Curso de
Engenharia Industrial, Centro
Universitário Feevale, Novo Hamburgo,
Rio Grande do Sul, Brasil.
e-mail: [email protected]
3
para o setor de saúde, sendo diagnosticado um grande potencial para o
desenvolvimento de técnicas que minimizem os impactos ambientais
causados por este setor no meio ambiente.
PALAVRAS-CHAVE: Serviços de Saúde; Resíduos dos Serviços de Saúde; Gestão de
Qualidade; Desenvolvimento Sustentável.
ABSTRACT
This paper discusses the issue of healthcare services’ residues, through
the perspective of constructing sustainable development models. This work
discloses the concepts of reducing, reusing and recycling in the healthcare
services. It accomplishes a bibliographic review of the theme’s state-of-theart, in order to obtain information for the elaboration of parameters for
managing these materials. It proposes a new proactive approach for
healthcare services, with the perception of a significant potential for the
development of techniques capable of reducing environmental impacts
caused by these services.
KEY-WORDS: Healthcare Services; Medical Waste; Quality Management;
Sustainable Development.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
157
157
NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina
INTRODUÇÃO
As estratégias de sustentabilidade ambiental buscam compatibilizar
de lixo” (CEMPRE, 1998). Então a reci-
Este artigo pretende contribuir
clagem de lixo surge como uma
para que o Estado e as organizações
opção importante no gerenciamento
tenham subsídios adequados para
dos resíduos sólidos.
assumirem suas responsabilidades.
as intervenções antrópicas com as
O maior desafio para a recicla-
características dos meios físico, bi-
gem é a separação dos resíduos. A
ológico e socioeconômico, minimi-
falta de informações sobre o assun-
zando os impactos ambientais atra-
to é um dos principais motivos para
Um programa eficiente de geren-
vés da menor geração de resíduos
a ausência de projetos bem susten-
ciamento dos resíduos infecto-con-
sólidos e pelo adequado manejo dos
tados que determinem melhorias no
tagiosos gerados nos estabelecimen-
resíduos produzidos.
setor. Particularmente os resíduos
tos de saúde objetiva promover a
Quando a população humana era
dos serviços de saúde merecem aten-
melhoria das condições de saúde
pequena e a natureza tinha como
ção especial em suas fases de sepa-
pública, através da proteção do
compensar os impactos a que era
CONCEITUAÇÃO
meio ambiente.
submetida, não ocorriam desequilí-
Com um efetivo gerenciamento,
brios. No entanto, quando a popu-
é possível estabelecer em cada eta-
lação começa a crescer, os efeitos
pa do sistema a geração, segrega-
dos impactos começam a surgir.
PARTICULARMENTE OS
No século XVIII, com a revolução industrial, passa a ser intensa
RESÍDUOS DOS SERVIÇOS
a exploração dos recursos naturais.
DE SAÚDE MERECEM
No entanto, já a partir da metade do
ATENÇÃO ESPECIAL
século XX, o modelo de desenvolvi-
ção, acondicionamento, coleta,
transporte, armazenamento, tratamento e disposição final dos resíduos, com manejo seguro dos mesmos e equipamentos adequados aos
profissionais envolvidos, inclusive
mento passa a ser questionado, con-
quanto ao uso de Equipamentos de
siderando que os recursos naturais
Proteção Individual (EPIs), que são
são finitos.
indispensáveis no caso.
Em um país tão cheio de proble-
A adoção de mecanismos prévi-
mas sociais e econômicos, pode pa-
ração, acondicionamento, armazena-
os de separação e desinfecção per-
recer secundária a preocupação com
mento, coleta, transporte, tratamen-
mite a reciclagem do vidro, dos
os resíduos. Mas ao contrário do que
to e disposição final, em decorrên-
metais, do alumínio, dos plásticos
possa parecer, essa motivação é vi-
cia dos riscos graves e imediatos que
e do papel.
tal para nossa saúde e para a quali-
podem oferecer, particularmente na
dade de vida das gerações futuras.
questão infecto-contagiosa.
As principais causas do crescimento progressivo da taxa de gera-
“Lixo é basicamente todo e qual-
É lícito dizer que a própria Cons-
ção dos resíduos sólidos dos servi-
quer resíduo sólido proveniente das
tituição Federal, em seu artigo 174,
ços de saúde (RSSS) é o contínuo in-
atividades humanas. No entanto o
prevê que o Estado seja o regulador
cremento da complexidade da aten-
conceito mais atual é de que lixo é
das atividades econômicas, promo-
ção medida e o uso crescente de ma-
aquilo que ninguém quer ou não tem
vendo o desenvolvimento equilibra-
teriais descartáveis (SANCHES, 1995).
valor comercial. Nesse caso, pouca
do entre produção e conservação
coisa descartada pode ser chamada
ambiental (BRASIL , 1988).
158 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
A população brasileira está cada
vez mais concentrada em áreas ur-
Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde
banizadas e a expectativa média de
to do uso de descartáveis, que so-
viço de saúde esteja contaminado,
vida do brasileiro vem crescendo de
freu ampliação de 5% para 8% ao ano.
levando a um preconceito que induz
forma consistente. Estes fatores
Em geral, os resíduos dos servi-
a uma negligência para com as po-
também se somam aos anteriores
ços de saúde ainda não recebem o
(FORMAGGIA, 1995).
devido tratamento diferenciado, ten-
Moreal (1993) assevera, em con-
A quantidade e a natureza dos
do muitas vezes como destino final
firmação a todas as observações
resíduos depende do tipo de hospi-
o mesmo local utilizado para des-
anteriores, que a quantidade de re-
tal, dos procedimentos adotados, de
carte dos demais resíduos urbanos
síduos sólidos gerados no estabele-
fatores sazonais e até do tipo de ali-
(BRILHANTE & CALDAS, 1999).
cimento de serviço de saúde é fun-
líticas de gestão.
mentação adotado (F ORMAGGIA, 1995).
Destaque-se que, na maioria des-
ção das diferentes atividades que
Assim sendo, é necessário um es-
tes locais, o acesso é livre aos cata-
nele se desenvolvem, dependendo,
tudo de caracterização, como a pesa-
dores, que praticam a reciclagem
portanto, da quantidade de serviços
gem e a análise dos resíduos em cada
informal, tornando elevadas as pos-
médicos, do grau de complexidade
estabelecimento e em cada período do
sibilidades de assimilação de doen-
da atenção prestada, do tamanho do
ano, para se determinar a correta na-
ças infecto-contagiosas pelas pesso-
estabelecimento, da proporção entre
tureza dos resíduos dos serviços de
as expostas a manipulação de áreas
pacientes externos e internos, e do
saúde em cada estabelecimento.
contaminadas por estes resíduos.
número de profissionais envolvidos,
Segundo Petranovich (1991), o
Joffre et al. (1993) apresentam es-
não sendo fácil, portanto, estabele-
volume de resíduos dos serviços de
tudo comparativo entre a gestão clás-
cer relações simples que permitam
saúde tem crescido 3% ao ano, num
sica e a gestão avançada dos resídu-
estimar a quantidade de resíduos
fenômeno alimentado pelo crescimen-
os dos serviços de saúde (Tabela 1).
sólidos gerados.
Por simplificação, na maioria dos
TABELA 1 – Gestão de resíduos de serviços de saúde
Tipo
Gestão Clássica
Gestão Avançada
casos, é realizada uma relação en-
Descrição básica
Kg/leito/dia
gerados, em função do número de
A totalidade do RSSS é considerada especial (resíduos
de pacientes com infecções virulentas, de pacientes com
infecção de transmissão oral-fecal, de pacientes com
infecções de transmissões por aerossóis, de resíduos
perfurantes ou cortantes, cultivo e reservas de agentes
infecciosos, sangue humano e resíduos anatômicos
humanos).
1,5 - 2,0
A totalidade do RSSS é considerada como infectante
(classe A) e como especial (classe B).
1,2 - 3,8
Brasil
0,005 – 0,4
Alemanha
Holanda
Canadá
Áustria
Suécia
Somente uma pequena percentagem dos RSSS é
considerada infectante e/ou especial.
tre a quantidade média de resíduos
Países
leitos do estabelecimento, obtendo-
Reino Unido
França
Bélgica
se assim números que podem estar
sujeitos a certo grau de imprecisão,
mas que permitem facilidades de
manejo e aplicação.
Esta situação não pode ser aplicada a farmácias, ambulatórios,
postos de saúde, consultórios e clínicas para os quais são necessários
estudos específicos.
Risso (1993) destaca vários ca-
No caso brasileiro, embora algumas ações estejam sendo desenvol-
resíduos ainda é considerada peri-
sos de acidentes com resíduos de
gosa (infectante ou especial).
serviços de saúde, existentes na li-
vidas para alterar a gestão atual, o
Esta visão tem como premissa
que se observa é que a maioria dos
que todo resíduo originado de ser-
teratura, incluindo o acidente com
o Césio 137, em Goiânia.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
159
159
NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina
OBJETIVOS
Apresentar e discutir os principais procedimentos de manejo dos
resíduos de saúde (com exemplos),
bem como apresentar uma síntese
das propostas contidas nos documentos normativos (Normas Brasi-
das para a proteção ambiental “Uni-
os recursos hídricos, a vegetação,
ted Nations Environmental Protecti-
os solos e a saúde.
on” (UNEP ) como:
• Risco agudo: decorrente de
• Risco direto: probabilidade de
emissões de matéria ou energia em
que um determinado evento ocorra,
grandes concentrações, em curto
multiplicado pelos danos causados
espaço de tempo.
por seus efeitos.
• Riscos tecnológicos ambientais:
leiras, NBR) que disciplinam o tema.
• Risco de acidentes de grande
são riscos vinculados a contaminan-
Abordar ainda a normatização
porte: caso especial de risco direto
tes ambientais, resultantes da ação
(acondicionamento, coleta, armazena-
em que a probabilidade de ocorrên-
antrópica (tecnológicos) ou naturais.
mento, tratamento, disposição final
cia do evento é baixa, mas suas con-
dos resíduos de serviços de saúde),
seqüências são muito prejudiciais.
Os riscos de caráter tecnológico podem ser controlados tanto na
programas de gerenciamento, legis-
probabilidade de ocorrência quan-
lação e licenciamento ambiental.
to em suas conseqüências, enquanto os de caráter natural so-
PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS DE
MANEJO DOS RESÍDUOS DE SAÚDE
mente podem ser controlados
O MAIOR PROBLEMA DOS
quanto às suas conseqüências.
A avaliação do risco é um pro-
O maior problema dos resíduos
RESÍDUOS SÓLIDOS DOS
cesso analítico muito útil, que gera
sólidos dos serviços de saúde é seu
SERVIÇOS DE SAÚDE É
valiosas contribuições para a ges-
potencial de risco. E o risco é defi-
SEU POTENCIAL DE RISCO
nido como a medida da probabili-
tão do risco, da saúde pública e para
a tomada de decisões de política
dade e da severidade de ocorrerem
ambiental. Administrar de forma efi-
efeitos adversos de uma ação parti-
caz os riscos à saúde, associados
cular. O risco ambiental pode ser
ao vasto espectro da poluição gera-
classificado de acordo com o tipo
de atividade, englobando as dimensões de exposição instantânea, crônica, probabilidade de ocorrência,
severidade, reversibilidade, visibilidade, duração e ubiqüidade de seus
efeitos. No contexto governamental,
o risco ambiental pode ser classificado nas áreas de saúde pública,
recursos naturais, desastres naturais
e introdução de novos produtos.
• Risco percebido pelo público: a percepção social do risco depende de sua aceitação. A facilidade de compreensão e da aceitação do risco depende das informações fornecidas, dos dispositivos
de segurança existentes, do retrospecto da atividade e dos meios de informação.
da pelas atividades antrópicas, é um
dos grandes desafios a serem enfrentados pelas políticas públicas.
A United States Enviromental
Protection Agency ( USEPA , 1986) define os resíduos perigosos como “o
resíduo sólido ou combinação de
resíduos sólidos, que devido a sua
quantidade, concentração, características físicas, químicas ou infec-
• Risco com características crô-
ciosas, pode causar ou contribuir
Brilhante e Caldas (1999) sinteti-
nicas: aqueles que apresentam uma
significativamente para o aumento
zam a classificação de risco, segun-
ação contínua por longo período,
da mortalidade ou aumento das do-
do a Organização das Nações Uni-
como, por exemplo, os efeitos sobre
enças graves irreversíveis ou de
160 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde
incapacitação temporária, represen-
resíduos foram realizados por Ma-
1995), podem atingir o homem por
tando um risco real e potencial à
chado Jr. et al. (1978). Estes estu-
inalação, ingestão e injeção.
saúde humana e ao meio ambien-
dos identificaram uma série de mi-
Para avaliar o potencial de ris-
te, quando inadequadamente trata-
crorganismos presentes na massa
co da transmissão, deve ser levada
do, armazenado, transportado e dis-
de resíduos, indicando o potencial de
em conta a dose infectante neces-
posto ou manejado”.
risco dos mesmos. Foram indicados
sária para o desenvolvimento de de-
Os resíduos dos serviços de saú-
microrganismos como coliformes,
terminada doença (infecções bacte-
de são considerados perigosos tan-
Salmonella thyphi, Pseudonomas
rianas, por exemplo, necessitam de
to pela legislação americana quan-
sp., Streptococcus aureus e Cândi-
maior dose infecciosa para se ins-
to pela normatização brasileira. A
da albicans. A possibilidade de so-
talarem, do que infecções virais);
periculosidade é atribuída tanto à
brevivência do vírus na massa foi
o agente infeccioso considerado; a
toxicidade quanto à patogenicidade.
comprovada pelo poli tipo I, hepa-
resistência do hospedeiro e a porta
Dentre os resíduos gerados nos
tites A e B, influenza e vírus entéri-
serviços de saúde, os classificados
senvolverá se penetrar no organis-
apresentam riscos mais evidentes,
gênicos) como por substâncias quí-
N A MEDIDA QUE OS R ESÍDUOS SÓLIDOS
DE SERVIÇOS DE SAÚDE SÃO DISPOSTOS
micas (fármacos carcinogênicos, te-
SEM CUIDADO EM DEPÓSITOS A CÉU
ratogênicos e materiais radioativos).
ABERTO , OU EM CURSOS DE ÁGUA ,
ção biológica (microrganismos pato-
O risco de contaminação biológica por vírus, bactérias, fungos etc.,
POSSIBILITAM A CONTAMINAÇÃO DE
favorecidos pela ação seletiva de an-
MANANCIAIS DE ÁGUA POTÁVEL
tibióticos e quimioterápicos, apre-
netração do patógeno. O vibrião da
cólera, por exemplo, somente se de-
como infectantes são aqueles que
podendo apresentar tanto contamina-
de entrada, ou seja, a forma de pe-
mo por via digestiva.
A Associação Paulista de Controle de Infecção Hospitalar realizou estudos, indicando que as causas determinantes de patologias em usuários dos serviços médicos são: a)
50% devido ao desequilíbrio da flora bacteriana do corpo do paciente já
debilitado; b) 30% devido ao despreparo dos profissionais que prestam
sentando comportamento peculiar de
assistência médica; c) 10% devido a
multirresistência ao ambiente hospitalar, podem provocar infecções de
cos. Estudos realizados pelo mes-
difícil tratamento.
mo autor revelaram patógenos em
instalações físicas inadequadas, que
proporcionam a ligação entre áreas
consideradas sépticas e não sépticas,
Os pacientes e os profissionais
condições de viabilidade por até 21
das áreas, médica e para-médica,
semanas durante o processo de de-
biental; e d) 10% devido ao mau ge-
bem como os funcionários que ma-
composição de material orgânico.
renciamento dos resíduos sólidos dos
nuseiam os resíduos, são os poten-
Durante estes estudos, foi verificado
serviços de saúde.
ciais alvos das infecções.
o desenvolvimento de bactérias me-
Na medida que os Resíduos Só-
Por isso a solução é uma rigoro-
sófilas (65.450.000/kg de resíduos),
lidos de Serviços de Saúde são dis-
sa normatização de conduta para o
esporuladas (2.211.000/kg), termófi-
postos sem cuidado em depósitos
gerenciamento dos resíduos sólidos
las (8.427.000/kg), fungos (500.000/
a céu aberto, ou em cursos de água,
dos serviços de saúde.
kg) e helmintos (428 ovos/kg).
possibilitam a contaminação de
possibilitando a contaminação am-
Os primeiros estudos feitos com
Os microrganismos presentes
mananciais de água potável, sejam
o objetivo de caracterização destes
nos resíduos infecciosos (FORMAGGIA,
superficiais ou subterrâneos, dis-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
161
161
NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina
seminando as doenças por meio de
considerado dentro do conceito de
dução na geração de resíduos peri-
vetores que se multiplicam nestes
prevenção à ocorrência dos impac-
gosos, antes das fases de tratamen-
locais ou que fazem dos resíduos
tos ambientais. É possível minimi-
to, armazenamento ou disposição,
fonte de alimentação.
zar a geração de resíduos em certo
incluindo qualquer redução de resí-
nível, e traz grandes benefícios eco-
duos na fonte geradora, e inclui a
nômicos e ambientais.
diminuição do volume total e a re-
Minimização
Segundo a Agência de Proteção
dução da toxicidade do resíduo.
A minimização, antes de se cons-
Ambiental Americana (Enviromental
A Tabela 2 apresenta vários mé-
tituir em uma etapa de gerencia-
Protection Agency / EPA, 1988), “Mi-
todos para a minimização de alguns
mento, é o primeiro aspecto a ser
nimização de resíduos” significa re-
resíduos perigosos.
TABELA 2 – Métodos para minimização de alguns resíduos perigosos
Tipo de resíduo
Solvente
Mercúrio
Formaldeído
Quimioterápicos antineoplásicos
Fonte de geração
Patologia
Histologia
Engenharia
Embalsamento
Laboratórios
Equipamento obsoleto e/ou quebrado
Patologia
Necropsia
Diálises
Embalsamento
Berçário
Soluções de quimioterápicos
Clínica geral
Farmácia
Pesquisa
Materiais pontiagudos
Bandagem
Químicos fotográficos
Radiologia
Raios X
Radioativos
Medicina Nuclear
Laboratório
Testes clínicos
Tóxicos
Corrosivos
Miscelâneas químicas
Teste clínico
Manutenção
Esterilização
Soluções para limpeza
Resíduos de
utilidades
162 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
Método recomendado
Substituir solventes de limpeza por solventes menos perigosos
Segregar resíduos de solventes
Recuperar e reutilizar solventes por meio de destilação
Usar calibradores de solventes para testes rotineiros
Substituir instrumentos contendo mercúrio por eletrônicos
Reciclar o mercúrio contido em resíduos de equipamento
Fornecer kits individuais para limpeza de derramamento de mercúrio
Diminuir a extensão de formaldeído
Minimizar os resíduos da limpeza dos equipamentos de diálise
Utilizar osmose reversa para tratamento de água
Recuperar o resíduo de formaldeído
Investigar a reutilização na doença, nos laboratórios de necropsia
Reduzir os volumes utilizados
Otimizar o tamanho do recipiente da droga quando da compra
Retornar drogas com prazos de validade vencidos
Centralizar o local dos compostos quimioterápicos
Fornecer kits de limpeza para derramamentos
Segregar resíduos
Devolver o revelador fora da especificação para o fabricante
Cobrir os tanques do fixador e do revelador para reduzir a evaporação
Recuperar a prata
Reciclar o resíduo do filme e papel
Usar equipamento para reduzir perdas do liquido revelador
Utilizar banho em contracorrente
Usar menos isótopos perigosos quando possível
Segregar e rotular apropriadamente os resíduos radioativos
Inspeção e manutenção permanentes nos equipamentos para esterilização de óxido de etileno
Substituir os agentes de limpeza por produtos menos tóxicos
Reduzir volumes utilizados em experimentos
Retomar os recipientes para reutilização
Neutralizar os resíduos ácidos com resíduos básicos
Usar manuseio mecânico para tambores para evitar derramamentos
Usar métodos físicos em lugar de químicos para limpeza.
Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde
No gerenciamento de resíduos,
lizados para diagnóstico e tratamen-
sos, todos se tornam perigosos. A
a redução na fonte facilita a defini-
to de doenças, destacando-se solven-
NBR 12807/93 define a segregação
ção de modelos de gerenciamento.
tes, produtos químicos fotográficos,
como “operação de separação de re-
As tendências internacionais atuais
quimioterápicos e antineoplásticos,
síduos no momento da geração, em
estão referenciadas com a segrega-
formaldeídos, radionucleídeos, gases
função de uma classificação previa-
ção e a minimização, bem como a
anestésicos, mercúrio e outros resí-
mente adotada para estes resíduos”.
redução de distância entre os pon-
duos tóxicos e corrosivos. Alguns
A escassez de recursos humanos
tos de geração de resíduos e de tra-
destes materiais perigosos se tornam
capacitados para gerenciar proble-
tamento, objetivando diminuir as
parte integrante de seus resíduos.
mas ambientais decorrentes de pro-
distâncias de transporte.
A minimização deve focar prioritariamente os produtos perigosos uti-
As ações de minimização podem
gramas inadequados ou até mesmo
ser esquematizadas por meio do flu-
inexistentes quanto ao manejo de
xograma da Figura 1.
resíduos sólidos, é uma realidade
nos serviços de saúde. Formaggia
(1995) sugere que os profissionais
FIGURA 1 – Fluxograma das ações de minimização
deveriam se preocupar com os resíduos gerados por suas atividades,
objetivando minimizar riscos ao
meio ambiente e à saúde das populações que eventualmente possam
ter contato com os resíduos.
Para que a segregação dos resíduos seja eficiente, é necessária uma
classificação prévia dos resíduos a
serem separados. Deve ser estabelecida uma hierarquia em função das
características dos materiais, considerando-se as questões operacionais, ambientais e sanitárias. A se-
A racionalização de outras atividades desenvolvidas pelo estabelecimento, com a ordenação dos estoques por data de vencimento dos
produtos; a centralização das compras e estoques de fármacos, dro-
Segregação
gregação em várias categorias é re-
O fenômeno da descartabilidade
é o responsável pelo aumento cada
vez maior do volume de resíduos em
estabelecimentos de saúde, determi-
comendada como meio de assegurar que cada um receba apropriado
e seguro manejo, tratamento e disposição final.
A Resolução de maio de 1993
gas e outros materiais perigosos e
nando que as ações sejam implemen-
do Conselho Nacional do Meio Am-
o treinamento dos profissionais para
tadas no sentido de haver uma se-
biente ( CONAMA ) já assinala que
o manejo de materiais tóxicos e para
gregação na origem da geração.
quando a segregação não ocorre,
o uso de técnicas de minimização
Quando ocorre a mistura de re-
os resíduos comuns (grupo D) que
de resíduos também incrementa a
síduos, quando materiais perigosos
poderiam ser tratados como resí-
minimização da geração.
se mesclam a materiais não perigo-
duos domiciliares, serão contami-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
163
163
NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina
nados pelos resíduos infectantes
que podem ser empregadas para uso
(grupo A), merecendo o mesmo ge-
como recipientes de descarte de ma-
renciamento destes resíduos.
teriais perfurocortantes.
NORMATIZAÇÃO DOS RESÍDUOS
SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE
Acondicionamento
Takayanagui (1993) e Descarpack
(1997) destacam que os principais
Recuperação
objetivos da realização da segregação são: 1) minimização dos re-
A recuperação de Resíduos Sóli-
síduos gerados; 2) permitir o ma-
dos dos Serviços de Saúde é entendi-
nuseio, tratamento e disposição fi-
da como o processo por meio do qual
nal adequados para cada catego-
um resíduo se torna um produto útil
ria de resíduos; 3) minimizar os
e regenerado. Pode ser exemplificado
custos empregados no tratamento
pela recuperação da prata dos produ-
dos resíduos; 4) evitar a contami-
O acondicionamento deve ser executado no momento de sua geração,
no seu local de origem, ou próximo, para reduzir as possibilidades
de contaminação (R ISSO, 1993).
O uso de sacos plásticos, exceto
para perfurocortantes, oferece muitas vantagens sobre outros tipos de
recipientes, tais como eficiência,
nação de uma grande massa de re-
praticidade, redução da exposição
síduos por uma pequena quantida-
do manipulador ao contato direto
de perigosa; 5) priorizar medidas
com os resíduos e melhoria nas con-
de segurança quando são realmente urgentes e necessárias; 6) separar os resíduos perfurocortantes,
evitando acidentes em seu manejo,
A RECUPERAÇÃO DE RESÍDUOS
SÓLIDOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
e 7) comercializar os resíduos reci-
É ENTENDIDA COMO O PROCESSO POR MEIO
cláveis. Estes autores destacam
DO QUAL UM RESÍDUO SE TORNA UM
ainda que, para serem eficientes, os
métodos adotados pelo estabeleci-
PRODUTO ÚTIL E REGENERADO
dições higiênicas.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) dispõe de várias normas relacionadas aos sacos plásticos. Devem ser consultadas: NBR 9191/93; NBR 9195/93;
NBR 9196/93; NBR 9197/93; NBR
13055/93 e NBR 13056/93.
mento, com padrões de cores e si-
Martinez (1993) relata uma sis-
nais, devem ser de conhecimento
temática de identificação de sacos
geral de todos os envolvidos.
por cor, utilizada em muitos hospitais norte-americanos, que toma por
Reuso
tos químicos fotográficos; recupera-
base as normas e recomendações da
Organização Mundial da Saúde:
O reuso é entendido como a reuti-
ção de solventes por destilação, reci-
lização de um material sem que ele
clagem de filme e papel fotográfico,
• Resíduos comuns: sacos verdes.
tenha de passar por um processo de
reciclagem do vidro e papelão descar-
• Resíduos infectantes: sacos
tratamento. Um bom exemplo de reu-
tados e reaproveitamento de resíduos
so é fornecido por algumas embala-
de alimentos para uso em alimenta-
gens de agrotóxicos – os fornecedo-
ção animal, desde que não tenha en-
res as reutilizam. O mesmo método
trado em contato com os pacientes.
pode ser empregado na reutilização
Nestes casos, recomenda-se cuidado
das embalagens do formaldeído de
com o armazenamento, recomendan-
necropsias, na utilização de latas de
do-se que sejam submetidos a proces-
• Vidros: sacos brancos.
leite vazias do setor de maternidade,
sos de cocção prévia.
• Papel e papelão: sacos cinzas.
164 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
vermelhos.
• Resíduos anatomopatológicos:
sacos pretos.
• Resíduos plásticos: sacos
laranja.
Estudo de revisão sobre a gestão de resíduos de serviços de saúde
Coleta
Segundo a NBR 12807/93,
“coleta interna de resíduos é a operação de transferência dos recipientes,
do local de geração, para o local de
armazenamento interno, normalmente localizado na mesma unidade de
geração, no mesmo piso ou próximo,
ou deste para o abrigo de resíduos ou
armazenamento externo, geralmente
fora do estabelecimento, ou ainda diretamente para o local de tratamento.
Em pequenas instalações ou determinados casos, essas etapas reduzem-se
a uma única.”
destinada à limpeza, desinfecção e
da uma nova filosofia na gestão de
guarda de utensílios utilizados na
tratamento dos resíduos, na qual
assistência ao paciente.
foram determinadas e consagradas
Os edifícios comerciais que pos-
regras que consideram que somen-
suem estabelecimentos de saúde
te uma pequena quantidade de resí-
devem prover abrigos de resíduos
duos hospitalares deve receber tra-
domiciliares e comuns, separados
tamento específico.
do abrigo de resíduos infectantes e
O objetivo de tratar resíduos in-
especiais para facilitar a coleta in-
fecciosos é reduzir os riscos associ-
terna; todos atendendo às disposi-
ados com a presença de agentes pa-
ções normativas da ABNT.
togênicos. Vários métodos são conhecidos, como tratamento por luz
ultravioleta, tratamento com peróxido de oxigênio e outros.
A coleta interna é aquela reali-
Não há consenso sobre os méto-
zada dentro da unidade, e consiste
dos, e a melhor solução deverá ser
no recolhimento dos resíduos das
resultante da combinação entre va-
lixeiras, fechamento do saco e seu
NÃO HÁ CONSENSO SOBRE OS MÉTODOS,
transporte até a sala de resíduos ou
E A MELHOR SOLUÇÃO DEVERÁ SER
gráficas e infra-estrutura, combina-
RESULTANTE DA COMBINAÇÃO ENTRE
das com a disponibilidade de recur-
expurgo (DESCARPACK, 1997).
A coleta externa consiste no recolhimento dos resíduos de servi-
VARIÁVEIS LOCAIS COMO CONDIÇÕES
ços de saúde armazenados nas uni-
GEOGRÁFICAS E INFRA-ESTRUTURA
sos e quantidade de resíduos.
Disposição final
dades a serem transportados para
A Resolução CONAMA 05/93 define
o tratamento ou disposição final.
os sistemas de disposição final de
A NBR 12810/93 especifica as con-
resíduos sólidos, como o conjunto de
dições do veículo. A Portaria 291
unidades, processos e procedimentos
do Ministério da Saúde, de 31 de
março de 1988, relaciona as substâncias infectantes.
Armazenamento
riáveis locais como condições geo-
que visam o lançamento do resíduo
Tratamento
no solo, garantindo-se a proteção da
Na década de 1980, com o advento da Síndrome de Deficiência
saúde pública e conduzindo à minimização do risco ambiental.
Imunitária Adquirida (AIDS ), ocorre
É a última etapa no gerenciamento
A Portaria 282, de 17 de novem-
uma grande comoção pública em
dos RSSS. No Brasil são dispostos:
bro de 1982, do Ministério da Saú-
relação às condutas de higiene hos-
1) a céu aberto; 2) em vazadouros;
de prevê a instalação de sala ou ser-
pitalar, e todos os resíduos que ti-
3) alimentação de animais; 4) ater-
viço destinada ao preparo da medi-
vessem contato com pacientes eram
ros sanitários; e 5) valas sépticas.
cação e do material usado na assis-
considerados infectantes e passa-
É recomendável que se tomem
tência ao paciente e prevê também
vam a merecer tratamento específi-
medidas para isolar e tornar inde-
a sala de utilidades ou expurgo,
co. A partir de 1989, foi estabeleci-
vassável o aterro e proteger águas
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
165
165
NAIME, Roberto; SARTOR , Ivone & GARCIA, Ana Cristina
superficiais e subterrâneas, bem
A NBR 12810/1993 fixa os proce-
menor impacto ambiental sobre os
como o controle de gases e líquidos,
dimentos exigíveis para as coletas
meios físico, biótico e socioeconô-
e a drenagem das águas pluviais.
interna e externa. A NBR 9191/02 fixa
mico que constituem o meio ambi-
especificações para os sacos plásti-
ente é uma necessidade urgente
cos a serem utilizados e a NBR 11175/
para a melhoria de qualidade de
PROGRAMA DE GERENCIAMENTO
90 estabelece padrões de desempenho
O plano de gerenciamento de re-
para os processos de incineração.
síduos é composto de etapas, ela-
A Resolução CONAMA 05/1993 es-
boradas pelos geradores de resídu-
tabelece as competências sobre o
os, de acordo com suas caracterís-
gerenciamento dos resíduos gerados
ticas diagnosticadas. Considera uma
em estabelecimentos de saúde.
fase intra-estabelecimento e outra
extra. A etapa primordial é na fase
infra-estabelecimento.
Envolve as fases: 1) Diagnóstico
Inicial; 2) Conteúdo básico do Plano
de Gerenciamento; e 3) Complementações de procedimentos previstos.
O conteúdo básico do plano deve
conter a classificação: (A1) Material biológico; (A2) Sangue e Hemoderivados; (A3) Cirúrgico, Anatomopatológico e Exsudato; (A4) Material perfuro cortante; (A5) Animais
Contaminados e (A6) Assistência ao
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Várias normas brasileiras já citadas tratam do assunto, destacan-
de qualidade de vida no atendimento prestado pelos serviços de saúde às populações.
O presente trabalho se insere neste contexto, buscando trazer alternativas viáveis para a gestão dos
resíduos dos serviços de saúde.
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O licenciamento ambiental é regido pela Resolução 237 de 19 de
BRASIL. Associação Brasileira de Nor-
dezembro de 1997 do CONAMA e con-
mas Técnicas. NBR 7500. Símbolos
sidera a utilização do licenciamen-
de Riscos Manuseio para o Trans-
to, instituído pela Política Nacional
porte e Armazenamento de Materi-
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tra ainda a necessidade de incorpo-
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cos para Acondicionamento de Lixo:
meta de desenvolvimento sustentá-
Requisitos e métodos de ensaio. Rio
vel e contínua melhoria.
de Janeiro: ABNT,, 2002.
paciente e sobras de alimentos.
LEGISLAÇÃO
vida das populações, sem a perda
CONCLUSÕES
. NBR 9195. Sacos Plásticos para Acondicionamento de Lixo:
Determinação da Resistência à Que-
As atividades ligadas ao setor de
saúde são fundamentais no contexto
de todos os aglomerados humanos
organizados. No entanto, o compro-
da Livre. Rio de Janeiro: ABNT, 1993.
. NBR 9196. Determinação de Resistência à Pressão do Ar.
Rio de Janeiro: ABNT, 1993.
do-se ainda as NBR 9191/02, NBR
metimento ambiental gerado pela
7500/94 (trata da simbologia), NBR
gestão inadequada de resíduos sóli-
. NBR 9197. Sacos Plásti-
12809/93 e NBR 13853/97.
dos dos serviços de saúde é reconhe-
cos para Acondicionamento de Lixo:
A NBR 12807/83 estabelece a
cido tanto pela comunidade científi-
terminologia a ser utilizada, en-
ca como pelas autoridades sanitári-
quanto a NBR 12808/93 classifica
as e pela população em geral.
os grupos e a NBR 12809/93 fixa
os procedimentos.
Logo, a contribuição de alternativas tecnológicas que viabilizem
166 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
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168 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 157-168, maio/ago. 2005
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias
O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes
vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias
The Support Program for Substitute Families of Child and Adolescent Victims of
Domestic Violence, From the Perspective of These Families
Aline Paiva Bertolucci 1
Camilla Soccio Martins2
Caroline Paula Ribeiro Silvestre 3
Maria das Graças C. Ferriani4
RESUMO
Pretende-se conhecer o Programa de Auxílio à Família Substituta (PAFS)
na ótica das famílias, as quais possuem a guarda de crianças/adolescentes
vítimas da violência intrafamiliar, abrigadas no Centro de Atendimento à
Criança e Adolescente Vitimizados (C ACAV) no ano de 2002. Utilizou-se a
Recebido: 03/05/04
Modificado: 04/06/04
Aprovado: 22/11/04
abordagem qualitativa fundamentada em Minayo (1994). A análise dos
dados consiste em descobrir núcleos temáticos contidos nas falas das famílias.
Identificamos dois núcleos: “Andamento do PAFS” e “Relacionamento da
Família com a Criança/Adolescente”. Concluímos que o PAFS não está
cumprindo seus objetivos, havendo incoerência entre teoria e prática;
notamos que o relacionamento com a criança/adolescente é satisfatório,
mas as condições materiais comprometem os cuidados a eles prestados.
Bolsista de Iniciação Científica do CNPq,
Graduanda em Enfermagem, Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão
Preto, São Paulo.
1
Enfermeira. Mestranda em Enfermagem
Saúde Pública pela Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, Brasil.
Av. Bandeirantes, 3.900
Campus Universitário Monte Alegre
Ribeirão Preto – CEP:14040-902
e-mail: [email protected]
Portanto, questionamos se é conveniente retirar as vítimas do abrigo para
encaminhá-las a uma família que não está apta para criá-las.
PALAVRAS-CHAVE: Violência Doméstica; Família Substituta; Desenvolvimento
de Programas.
2
Graduanda em Enfermagem pela Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão
Preto, São Paulo, Brasil
3
Orientadora, Profa. Titular do
Departamento de Enfermagem MaternoInfantil e Saúde Pública, Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão
Preto, São Paulo, Brasil.
4
ABSTRACT
This study aims to get to know the Substitute Family Support Program
(PAFS) from the perspective of families with the custody of child/adolescent
victims of intrafamily violence, who found shelter at the Support Center for
Child and Adolescent Victims (CACAV) in 2002. We used a qualitative approach
based on Minayo (1994). Data analysis consisted of the discovery of thematic
groups contained in these families’ discourse. We identified two groups: “Course
of the PAFS” and “Relation Between the Family and the Child/Adolescent”. We
concluded that the PAFS is not reaching its objectives and that theory is not
coherent with practice; we observed that the relation with the child/adolescent
is satisfactory, but that material conditions jeopardize the care delivered to
them. Hence, we question whether it is useful to remove the victims from the
shelter and send them to a family that is not apt to raise them.
KEYWORDS: Domestic Violence; Substitute Family; Program Development.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
169
BERTOLUCCI, Aline Paiva et al
INTRODUÇÃO
tigos corporais ou negligência em termos de cuidados básicos.
A violência doméstica tem afetado crianças e adolescentes em todo o
mundo. É tratada, muitas vezes, como
um assunto proibido, o qual deve
permanecer oculto para não trazer à
tona a desestruturação familiar.
Em geral, é caracterizada por um
abuso do poder disciplinador e coercivo dos pais ou responsáveis, em
que a vítima é completamente objetalizada e seus direitos fundamentais, como a vida, a liberdade e a
• Violência sexual: Refere-se a
todo ato ou jogo sexual, relação
hetero ou homossexual, cujo agressor esteja em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado
que a criança ou adolescente. As
• Negligência: Refere-se à irresponsabilidade dos pais quanto ao
suprimento das necessidades básicas da criança ou adolescente, como
alimentação, educação, higiene e
afeto, os quais são essenciais ao seu
desenvolvimento. A forma mais grave de negligência é o abandono.
práticas são impostas pela violên-
• Abandono: Afastamento do gru-
cia física, ameaças ou indução de
po familiar, crianças sem habitação,
vontade, podendo variar entre atos
desamparadas e sujeitas a perigos.
com ou sem contato sexual, além
de explorações que visem lucro.
Podemos, ainda, definir o conceito de conflito familiar. Segundo
segurança, são desrespeitados. Esta
Brider (2003), o conflito é um fator
subordinação de crianças e adoles-
inerente às relações humanas. A cri-
centes a diversas formas de maus-
ança, por possuir papel secundá-
tratos no ambiente familiar pode ter
duração indefinida graças à sacralidade dessa instituição e à autoridade que os pais exercem sobre os
filhos, impondo-lhes um pacto de
silêncio e, por vezes, de cumplici-
AS CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLÊNCIA
INCIDEM SOBRE A CRIANÇA E/OU
ADOLESCENTE , SOBRE O AGRESSOR,
SOBRE A FAMÍLIA E NO FINAL
SOBRE A SOCIEDADE
dade (GUERRA & AZEVEDO , 1992).
rio nas relações sociais (incluindo
a relação familiar) e ser submissa
à autoridade dos adultos, acaba por
se tornar a maior vítima destes conflitos. As mães descontam em seus
filhos as frustrações em função da
posição de inferioridade e subordi-
Muitos estudiosos têm buscado
nação que ocupam na escala soci-
estabelecer e definir a origem da vi-
al; os pais usam as crianças para
olência doméstica. Através de uma
demonstrar seu poder e autorida-
revisão histórica, notamos que ela
sempre existiu, mas de formas distintas, de acordo com a época e a
• Violência psicológica: Inclui a
interferência negativa do adulto ou
de, já que estas devem obediência
ao “chefe da família”.
pessoas mais velhas sobre a compe-
As conseqüências da violência
tência social da criança, conforman-
incidem sobre a criança e/ou ado-
do um padrão de comportamento des-
lescente, sobre o agressor, sobre a
trutivo. O agressor prejudica o desen-
família e no final sobre a sociedade,
• Violência física: É definida como
volvimento social e mental da crian-
uma vez que a violência é reprodu-
qualquer ação, única ou repetida, não
ça, pois esta é depreciada, podendo
zida ideologicamente pelo núcleo fa-
acidental (ou intencional), perpetra-
apresentar dificuldades de relaciona-
miliar, que, através de gerações, lega
da por um agente agressor adulto ou
mento. Pode-se apresentar das seguin-
aos seus descendentes o que apren-
mais velho que a vítima, que provo-
tes formas: ameaças, humilhações, pri-
deu e vivenciou. Este processo é de-
que danos físicos à criança e ado-
vações emocionais, rejeição, aterrori-
nominado multigeracionalidade, sen-
lescente. Processa-se através de cas-
zamento, cobrança e corrupção.
do definido por Caminha (2000) como
sociedade. Segundo Assis (1994), a
violência pode ser dividida em diferentes modalidades:
170 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias
o fenômeno pelo qual crianças e ado-
são encaminhados formalmente,
mos direitos e deveres que a famí-
lescentes expostos à violência domés-
através do Conselho Tutelar e Juiza-
lia natural possui.
tica, de modo repetitivo e intencio-
do da Infância e da Juventude, às
A família substituta e guardiã é
nal, tornam-se adultos que subme-
instituições que abrigam crianças e
regida pelo Estatuto da Criança e do
terão crianças às mesmas experiên-
adolescente em situação de risco,
Adolescente (ECA), sob a Lei 8069 de
cias pelas quais passaram.
onde permanecem em caráter provi-
13.07.1990 e pelo Código Civil, no
Apesar da mudança verificada no
sório, sendo garantido atendimento
caso de jovens com idade entre 18 e
âmbito legal com a promulgação do
integral à saúde e estímulo à parti-
21 anos. De acordo com Diniz (2002),
Estatuto da Criança e do Adolescen-
cipação em atividades da vida diá-
esta família tem necessariamente que
te em 1990 (BRASIL, 1997) e o reco-
ria e prática. Com a resolução do
possuir a guarda da criança ou ado-
nhecimento dos direitos sociais desta
caso na Vara da Infância e Juventu-
lescente. Pela Lei 8069/90, Art. 28 do
parcela da população, as institui-
de, a criança e/ou adolescente volta
Código Civil, constitui ‘guarda’ um
ções de atendimento à criança e ao
para sua família biológica, pode ser
meio de colocar menor em família
adolescente vêm constantemente sen-
substituta ou em associação, inde-
do chamadas a um reordenamento
pendentemente de sua situação jurí-
para a sua adequação à nova pro-
dica, até que se resolva, em definiti-
posta de atenção integral a estes,
como sujeitos de direitos.
A possibilidade de identificação
de casos de violência muitas vezes
se dá por profissionais que atuam
A VANTAGEM DA FAMÍLIA SUBSTITUTA SOBRE
Esta família pode, ainda, depois
O ABRIGO É QUE ELA TEORICAMENTE OFERECE
da decisão judicial da criança no caso
UM LAR CONVENCIONAL RESGATANDO
requerer a tutela ou adoção deixan-
diretamente junto à criança e ao
REFERENCIAIS A VALORES FAMILIARES ,
adolescente, sobretudo por aqueles
A FIGURA DO PAI, DA MÃE E DOS IRMÃOS
vinculados à Educação e à Saúde.
vo, o destino do menor.
de ela ser retirada do poder familiar,
do de ser família substituta.
• Tutela: é um complexo de direitos e obrigações conferidos pela lei a
Atualmente, as denúncias po-
um terceiro, para que proteja um
dem ser feitas por meio do Disque
menor que não se acha sob o poder
Criança, quando se faz uma liga-
familiar, e administre os seus bens.
ção telefônica gratuita, sem necessi-
encaminhada para uma família
dade de identificação de quem aces-
substituta guardiã e ainda pode ser
sou o serviço. Após a realização da
adotada, sendo prioridade sua vol-
denúncia, as assistentes sociais da
ta ao convívio familiar de origem.
Secretaria Municipal do Bem-Estar
Entende-se como família substi-
Social são designadas para averi-
tuta e guardiã aquela que se pro-
guar e analisar o caso. Caso seja con-
põe a trazer para dentro de sua pró-
firmada a violação dos direitos da
pria casa uma criança ou adoles-
criança ou adolescente, o Conselho
cente que, por qualquer circunstân-
Tutelar é acionado.
cia, foi desprovido da convivência
• Adoção: A adoção vem a ser o
ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém
estabelece, independentemente de
qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua
família, na condição de filho, pessoa que em geral lhe é estranha.
Constatada a necessidade de se
com a família natural, para que seja
A vantagem da família substitu-
retirar a criança e/ou adolescente da
parte integrante dela, e nela se de-
ta sobre o abrigo é que ela teorica-
responsabilidade da família, estes
senvolva, estando sujeita aos mes-
mente oferece um lar convencional,
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
171
BERTOLUCCI, Aline Paiva et al
resgatando referências a valores fa-
co de ações de acordo com nível de
cuidados; negligenciadas; sofrendo
miliares, a figura do pai, da mãe
assistência: primário (equipe básica),
abuso de autoridade e violência se-
e dos irmãos.
secundário (equipe secundária) e o
xual e/ou doméstica por denúncia –
De acordo com a realidade fami-
nível terciário (equipe terciária). In-
situação em que se aciona o Conse-
liar da violência e a complexidade
teressa-nos para a presente pesquisa
lho Titular e a criança é encaminha-
deste fenômeno, é preciso sensibili-
o nível terciário, incluindo o Centro
da para o abrigo. Não há tempo
zar e conscientizar os profissionais
de Atendimento à Criança e Adoles-
mínimo nem máximo de permanên-
de saúde, fornecendo mais conheci-
cente Vitimizados (CACAV) onde reali-
cia dessas crianças no abrigo, tudo
mentos, disponibilizando informa-
zamos nossa pesquisa.
depende do andamento do processo.
ções e capacitando-os para o diag-
O CACAV está localizado na re-
nóstico e intervenção nos casos de
gião sul do município de Ribeirão
violência doméstica contra crianças
Preto, interior do estado de São
e adolescentes – não esquecendo
Paulo, e compartilha área física
da necessidade da formação de
O presente estudo é de cunho qualitativo, fundamentado na proposta de
Minayo & Sanches (1993) que define
essa abordagem como “aquela capaz
de aprofundar a complexidade de fe-
equipes interdisciplinares em pro-
nômenos, fatos, processos, particula-
gramas de prevenção, detecção e
res e específicos, de grupos mais ou
acompanhamento das vítimas. Para
isso, definimos como objeto de estudo famílias substitutas guardiãs
de crianças e adolescentes vítimas
de violência doméstica.
A CIDADE DE RIBERÃO PRETO ,
AO LONGO DOS ANOS, VEM
INTENSIFICANDO O ATENDIMENTO
À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
OBJETIVO
Conhecer, na ótica das famílias,
ATRAVÉS DA ELABORAÇÃO
DE PROGRAMAS PREVENTIVOS
Campo de estudo
mente”. A análise qualitativa, segundo os autores, trabalha com significados, motivações, crenças, valores
e atitudes num espaço mais profundo da realidade social (p.23-24).
Minayo (1996) argumenta que os
sujeitos sociais que detêm os atriperderiam muito do seu significa-
Substituta (PAFS) do município de
METODOLOGIA
pazes de serem abrangidos intensa-
butos que pretendemos conhecer
o Programa de Auxílio à Família
Ribeirão Preto, em São Paulo.
menos delimitados em extensão e ca-
do se fossem abordados quantitaticom a Vara da Infância e da Ju-
vamente. Assim, a pesquisa quali-
ventude desta comarca. A área fí-
tativa nos permitiu identificar a per-
sica disponível está dividida em
cepção que as famílias substitutas
área de atendimento, sendo que as
possuem com relação a um progra-
crianças e adolescentes têm aces-
ma de auxílio a elas.
A cidade de Ribeirão Preto, ao lon-
so livre a estes locais. Todas as
A amostra constitui-se de quatro
go dos anos, vem intensificando o
crianças e adolescentes têm uma
famílias substitutas que possuem a
atendimento à criança e ao adoles-
ficha arquivada contendo carteira
guarda de crianças e adolescentes
cente através da elaboração de pro-
de vacinação e receitas médicas.
vitimizados pela família biológica
gramas preventivos e, hoje, estrutu-
A clientela atendida na institui-
e que foram abrigados no CACAV no
ra-se uma Rede de Atendimento Inte-
ção caracteriza-se por crianças de 2
ano de 2002. Estas famílias estão
gral à Criança e ao Adolescente (RAI -
a 17 anos e são encaminhadas em
inscritas no Programa de Auxílio à
CA), baseada
condições de abandono; carentes de
Família Substituta.
num sistema hierárqui-
172 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias
Os dados foram coletados atra-
ria que serve de guia à leitura. Com
adolescentes preconizados na ECA
vés da análise documental, inclu-
o tema, descobrimos os núcleos de
(Estatuto da Criança e do Adolescen-
indo documentos do próprio CACAV
sentido, ou seja, um agrupamento
te): o direito de viver em família,
e relatórios das famílias e das cri-
das respostas classificadas que per-
mesmo que em família substituta.
anças e adolescentes, elaborados
mitiram detectar divergências, con-
As famílias incluídas no progra-
pela assistente social responsável
flitos, vazios e pontos coincidentes
ma são aquelas que possuem renda
no abrigo. Utilizamos, também,
que se acham nas afirmações dos
per capta igual ou inferior a 80 reais.
como instrumento de coleta de da-
correspondentes. A partir dos nú-
O programa repassa um benefí-
dos, a entrevista semi-estruturada.
cleos, interpretamos as mensagens
cio financeiro, tendo em vista que a
contidas nas falas.
família, ao acolher uma criança sob
Esta última, é aquela que parte de certos questionamentos bá-
guarda, terá um gasto maior. Esse
sicos, apoiados em teorias e hipó-
benefício advém do Fundo Munici-
teses que interessam à pesquisa e
pal dos Direitos da Criança e do Ado-
que, em seguida, oferecem amplo
lescente. Consiste em 80 reais men-
campo de interrogações, fruto de
sais para uma criança; 120 reais
novas hipóteses que vão emergin-
mensais, no caso de a família ter sob
O PROGRAMA REPASSA UM
BENEFÍCIO FINANCEIRO,
guarda duas crianças; e 200 reais
tificar os entrevistados, numera-
TENDO EM VISTA QUE
por seis meses, mas há indicações
mos as entrevistas de 1 a 4, op-
A FAMÍLIA, AO ACOLHER
período, que parece não ser suficien-
do à medida que recebem as respo stas do inf or mante (T R I V INOS ,1992).
Com o objetivo de iden-
tando pela letra E de entrevistado.
A investigação ocorreu no período de junho a julho, no ambiente das
UMA CRIANÇA SOBRE GUARDIÃ ,
mas apresenta características comuns a todas as famílias incluídas.
Sendo assim, a família precisa bus-
aprovada pelo Comitê de Ética se-
car um referencial de autonomia
gundo o protocolo 0120/200.
para que, futuramente, as dificulda-
Os dados serão analisados com
des financeiras não sejam motivo de
base na proposta de Bardim (1979).
uma comunicação cuja presença
signifique alguma coisa para o objeto analítico visado (MINAYO , 1996),
te para a família se organizar.
Esse projeto é individualizado,
TERÁ GASTO MAIOR
mas da resolução 196/96-CNS,
os núcleos de sentido que compõem
início, a família permanece no PAFS
técnicas para a prorrogação desse
famílias. A pesquisa segue as nor-
Essa técnica consiste em descobrir
para quatro ou mais crianças. De
dispensa da guarda. Na prática, essa
ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
autonomia se dá através da otimização dos recursos oferecidos pela co-
Caracterização do Programa de Auxílio
à Família Substituta (PAFS)
munidade, como centros de formação, cursos de iniciação profissional,
indicações profissionais, etc.
ou seja, a partir de um tema consi-
A prefeitura do município de Ri-
derado como uma unidade de sig-
beirão Preto implantou, em 1994, o
nificação, que se liberta natural-
Programa de Auxílio à Família Subs-
mente de um texto analisado segun-
tituta (PAFS), com o objetivo de aten-
Para a caracterização de nossa
do certos critérios relativos à teo-
der ao direito das crianças e dos
amostra, optamos por descrever o
Caracterização das vítimas
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
173
BERTOLUCCI, Aline Paiva et al
perfil das crianças abrigadas no
família de origem, com o objetivo
os pré-requisitos já citados para a
CACAV no ano de 2002, localizando-
de não privá-la do direito de convi-
inclusão no Programa, sendo esta a
as nesse contexto.
vência no local onde primariamente
nossa amostra.
Constatamos que no ano de 2002,
estabeleceu vínculos afetivos. Nes-
224 crianças e adolescentes foram
tes casos, opta-se por um acompa-
abrigadas no CACAV em decorrência das
nhamento ou tratamento terapêuti-
modalidades de violência doméstica.
co com os pais agressores, no senti-
Houve predomínio da negligência so-
do de auxiliá-los numa mudança de
bre as demais formas de violência,
conduta quanto à educação dos fi-
sendo que, das 224 crianças, 90 fo-
lhos. Contudo, não há garantia de
ram abrigadas devido a negligência.
que esse fato será consumado, pois
Segundo Minayo (2002), os ca-
muitos pais não respondem de modo
sos de negligência são responsáveis
positivo ao tratamento, ou não par-
pela maioria das notificações for-
ção de pobreza da família, mas são
questões completamente distintas
e separadas. O que acontece é que
lise de conteúdo, foram definidas
as temáticas que servem para classificar e compreender os depoimentos em geral. Essas temáticas são:
Andamento do Programa de Auxílio à Família Substituta (PAFS) e Relacionamento das famílias com a
Na primeira temática, observa-
de 50%. Ocorre, predominantemendendo ser confundida com a situa-
De acordo com a técnica de aná-
criança/adolescente.
mais de violência doméstica – mais
te, nas famílias de baixa renda, po-
Núcleos temáticos
mos que para três das famílias o
... QUANTO À RESOLUTIVIDADE
DOS CASOS , A MAIORIA DAS
CRIANÇAS/ ADOLESCENTES
as dificuldades presentes nas vi-
ABRIGADOS RETORNOU PARA
das destas pessoas podem favore-
A FAMÍLIA BIOLÓGICA
cer ou estimular a ocorrência desse tipo de violência. Das quatro
crianças e adolescentes incluídos
no estudo, duas foram vítimas de
negligência, uma de abandono e
ticipam dele. Quanto a essa situa-
uma de conflito familiar.
ção, observamos que, com base em
tempo de permanência no PAFS e o
benefício recebido não estão sendo
suficientes, considerando que o dinheiro é utilizado para cobrir despesas como alimentação, aluguel e
energia elétrica, como podemos
identificar nas falas abaixo:
“Ah, tinha que aumentar, viu? Porque só aqui ó, eu devo quatro mês de
aluguel já, entendeu? (...). Porque
vamo supor, a gente ganha 20, 30
conto por dia catando papel, não tem
condições.” (E1)
Ainda podemos dizer que, quan-
dados colhidos ao longo da histó-
to à resolutividade dos casos, a
ria, é possível presumir que se as
maioria das crianças/adolescentes
crianças e adolescentes agredidos
abrigados retornou para a família
voltarem a conviver com os agres-
biológica; seguidas por aquelas que
sores, 5% deles serão mortos e 35%
Para a quarta família, receber
permanecem abrigadas. As crian-
serão feridos de novo (Kempe, 1975
ou não o benefício do PAFS é indife-
ças/adolescentes encaminhados a
apud Azevedo & Guerra, 1989).
rente. Contudo, notamos um tom ar-
uma família substituta correspon-
“Que nem, 80 real, cê tira 35
(casa), depois cê tira 56…energia…
né? Não tem, não dá. Acho pouco,
ajuda, mas tá pouco.” (E1)
Das 25 crianças encaminhadas a
rogante e frustrado em sua fala, con-
famílias substitutas, quatro foram
siderando que, dentre todas as fa-
Este fato deve-se à prioridade
incluídas no Programa de Auxilio à
mílias, é a que apresenta condições
dada ao retorno da criança à sua
Família Substituta, por possuírem
mais precárias:
dem a 11% do total.
174 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias
“Independente disso ou não, eu
sempre dei conta de sustentar minha casa, nunca recebi isso daí na
minha vida.” (E4)
fício, notamos que o Programa tem
receberam o benefício em dinheiro e
se mostrado omisso, pois as visitas
a cesta básica, concomitantemente.
são feitas apenas no início do recebi-
Já nas outras duas, as cestas bási-
mento do benefício, e após esse perí-
cas foram doadas até a inclusão no
“Independente disso ou não, sempre criei meus filho sozinha, nunca
passei necessidade, nunca faltou roupa ou calçado pra eles, entendeu?” (E4)
odo nenhum acompanhamento é re-
Programa; quando começaram a
alizado, distanciando-se do objetivo
receber o benefício, deixaram de re-
inicialmente proposto. Isso foi rela-
ceber ajuda em alimentação.
Percebemos, assim, que o tempo de permanência no PAFS e o benefício recebido são, de modo geral, insuficientes em função das dificuldades que estas famílias en-
tado por todas as famílias, como
observamos nas falas abaixo:
“Ah, só veio no começo… depois
não veio mais, agora quem vai lá assim todo mês fui eu, né?” (E2)
frentam, as quais se agravam com
“Ela falou assim pra mim que ia
me dar os 80 e uma cesta básica (...).
Depois que começou a vir ao 80, aí
ela cortou a cesta básica.” (E3)
a inclusão de um novo membro. O
dinheiro que deveria ser utilizado
em benefício da criança, muitas
vezes não serve nem para suprir as
necessidades básicas das famílias,
como alimentação e moradia.
Diante da situação descrita, questionamos se é conveniente retirar
uma criança ou adolescente do abrigo para encaminhá-los a uma famí-
“Não recebi mais nada, foi só o
dinheiro, até quando ela tava lá que
ela vinha passar o final de semana em
casa aí eles trazia umas coisinha (...).
Aí depois que eu peguei ela mesmo já
não deram mais nada.” (E2)
... QUESTIONAMOS SE É CONVENIENTE
RETIRAR UMA CRIANÇA DO ABRIGO
PARA ENCAMINHÁ -LOS A UMA FAMÍLIA
QUE NÃO LHES DÊ O MÍNIMO DE
CUIDADOS NECESSÁRIOS
Concluímos, assim, que por um
lado o Programa mostrou-se coerente, pois as famílias que receberam
as cestas básicas eram, de fato, as
que possuíam as condições mais precárias. Por outro lado, notamos que
ele foi falho, pois se limitou a forne-
lia que não lhes dê o mínimo de
cer ajuda em alimentação, conside-
cuidados necessários. O abrigo pode
rando isto suficiente para auxiliar
não ser o destino mais indicado para
famílias que, além das dificuldades
uma criança vitimizada, já que provoca a privação desta do ambiente
familiar e comunitário. Contudo, tão
importante como o direito à convi-
“Eles vinha, não era sempre não,
mas de vez em quando eles vinha (...).
Se vieram umas duas vez aqui foi
muito.” (E4)
vência em família destacamos o di-
Com relação a outras formas de
reito à alimentação, moradia e edu-
auxílio, constatamos que a única
cação adequadas, itens ausentes em
ajuda que as famílias receberam
algumas das famílias estudadas.
além do dinheiro foi a entrega de ces-
No que se refere ao acompanha-
tas básicas. Não foram citados en-
mento das famílias por parte dos res-
caminhamentos a cursos ou empre-
ponsáveis pelo PAFS, no sentido de
gos, no sentido de proporcionar à
identificar suas necessidades e ori-
família autonomia financeira, como
entá-las quanto à aplicação do bene-
propõe o Programa. Duas famílias
financeiras que já apresentavam,
assumiram a responsabilidade pelos
cuidados de uma outra criança, o que
acaba por aumentar as despesas.
Quanto às perspectivas gerais em
relação ao PAFS e a expectativa após
o término do auxílio financeiro, três
famílias mostraram-se preocupadas,
reconhecendo que o dinheiro é de
grande utilidade e que as dificuldades serão maiores sem ele.
“Ah, eu acho que as coisa vai ficar
difícil, viu? Vou ter que trabalhar mais
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
175
BERTOLUCCI, Aline Paiva et al
né? Trabalhar dobrado pra dar conta
das coisa.” (E1)
Em outra família ouvimos críticas
ao Programa, tanto quanto à sua ineficácia como ao tratamento recebido
por parte das assistentes sociais:
“Nunca tive antes também esse
poblema com assistente social, de vim
ficar na minha porta (...), porque tem
hora que eu vou falar pra você, enche
o saco...” (E4)
“Vim aqui, vê a sua situação, trazer uma cesta, falá assim: vou te arrumar um emprego, ninguém te arruma (...). Neguinho só sabe falar assim: vou te denunciar, vou tirar seu
filho (...), cê fuma maconha, ai, cê tá
drogada.” (E4)
das como os filhos biológicos, como
respeito. Este é um fator relevante,
podemos notar na fala abaixo:
já que estas crianças e adolescentes
“Ela me chama de mãezona, eu
sou a mãezona. Onde nóis vai ela fica
abraçando, beijando, agarrando (...).
Eu falei pra ela: eu gosto de você como
se fosse uma filha minha.” (E2)
provêm de lares que lhes negaram
estes cuidados, sendo importante
que eles os recebam na nova família, para um desenvolvimento social e emocional saudável.
Na outra família, o vínculo com
Segundo Daher (2003), requerer
o adolescente mostrou-se prejudi-
a guarda de uma criança violenta-
cado, pois a responsável relata ter
da é um ato de grandeza imensurá-
sido induzida a ser guardiã, ou seja,
vel, é uma demonstração de despren-
acolheu a criança contra sua von-
dimento, capacidade de repartir e de
tade. Menciona estar desapontada,
se doar. Trata-se de um sacrifício por
tantos ignorado e por quem poderia
amenizar, considerado indiferente.
Estas famílias estão dispostas a ofe-
Assim, para a maioria das famílias, receber o benefício em di-
DE MODO GERAL,
recer às crianças amor, respeito e
NOTAMOS QUE A
lutar por muito tempo para alcan-
dignidade. São capazes de esperar e
FAMÍLIA SUBSTITUTA
çar legalmente seus objetivos. No
tiva de reorganização de sua situa-
DISPENSA CUIDADOS COMO:
ção financeira e, ao saírem do Pro-
ATENÇÃO, AMOR, CARINHO
de sobrevivência destas famílias,
nheiro foi importante para a tenta-
grama, as dificuldades serão mai-
E RESPEITO
ores. Contudo, verificamos que para
nenhuma delas estas dificuldades
adolescente, pois estas famílias
pois apesar de seu esforço para
têm consciência dos possíveis pro-
cuidar do menino, ele fugiu e vol-
blemas que podem enfrentar, mas
tou para o abrigo:
mento das famílias com a criança/
adolescente, identificamos que o vínculo com as crianças e adolescentes
são satisfatórios em três das famílias substitutas. Estas se dispuseram
rem famílias substitutas pode estar
relacionado com o interesse e necesro. Sendo assim, há maior compro-
cerem com a guarda da criança ou
Na segunda temática, Relaciona-
percebemos que o fato de se torna-
sidade de receber auxílio financei-
serão um obstáculo para permane-
estão dispostas a superá-los.
entanto, devido às reais condições
“Não fui eu que fui tirar ele de lá
(...), eu não tô acostumada a cuidar
duma criança da idade dele, então eu
acho que quem tem que ficar com ele
mesmo é meu pai, nem aqui nem no
C ACAV não é o lugar dele, tinha que ser
do lado do meu pai.” (E4)
espontaneamente a receber as víti-
De modo geral, notamos que a
mas, e possuem com elas um bom
família substituta dispensa cuida-
relacionamento afetivo, sendo trata-
dos como: atenção, amor, carinho e
176 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
metimento com os cuidados dispensados à criança/adolescente, considerando que este é um requisito para
a permanência no Programa.
Identificamos, ainda, que na percepção de três famílias as crianças e
adolescentes apresentam bom comportamento, sendo este representado
pela obediência às normas impostas
e pelo fato de não saírem à rua. Podemos evidenciar isso na fala abaixo:
“Ela morava com a mulher ali, só
que com a mulher ela dava trabalho.
O programa de auxílio às famílias guardiãs de crianças e adolescentes vítimas da violência doméstica, na ótica destas famílias
Aqui comigo ela não dá, eu tenho que
brigar com ela para ela sair e dar uma
voltinha.” (E3)
cia no PAFS, como também quanto
Diante desta situação, não pode-
ao incentivo à autonomia financei-
mos nos esquecer de que todas as
ra. O tempo de permanência no Pro-
medidas e decisões devem ser toma-
Por outro lado, percebemos que
grama e o auxílio recebido são
das visando ao bem-estar das cri-
para uma família o mau comporta-
considerados insuficientes, já que
anças e adolescentes, pois estes, que
mento do adolescente é reconhecido,
o benefício é utilizado como uma
já sofreram com a violência intrafa-
na ótica do responsável, através da
fonte de renda para cobrir despe-
miliar, não podem ter mais uma vez
desobediência às normas impostas:
sas básicas, e não para o investi-
seus direitos violados.
“Ele quer ser dono do nariz dele
(...). O dia que ele pediu pra ir na
festinha junina aqui, eu falei: ‘Até dez
e meia’. Ele chegou era meia-noite.
Eu não posso ficar atrás dele pra lá e
pra cá...” (E4)
mento direto na criança ou adolescente. Detectamos, assim, uma in-
REFERÊNCIAS
coerência entre teoria – objetivos
formais do PAFS – e prática – aquilo que se concretiza, de fato, nas
famílias substitutas.
A SSIS, Simone Gonçalves. Violência
Doméstica Contra Crianças e Adolescentes. Petrópolis, RJ: Vozes,
O fato de o comportamento das
Em relação à segunda temática,
crianças e adolescentes constituir
observamos que a maioria das fa-
um dos núcleos de referência está
mílias possui um relacionamento
A ZEVEDO , Maria Amélia; GUERRA, Vi-
diretamente relacionado à importân-
afetivo positivo com as vítimas, ofe-
viane Nogueira de Azevedo. Vio-
cia atribuída pela família a este as-
recendo-lhes tudo, ou quase tudo,
lência doméstica na infância e na
pecto. A forma como a criança e o
que lhe foi negado emocionalmen-
adolescência. São Paulo: Robe Edi-
adolescente manifestam seu com-
te. Contudo, subentendemos que o
torial, 1995.
portamento, no entanto, está
auxílio financeiro pode induzir as
relacionada à forma como eles são
. Crianças vitimizadas: a sín-
famílias a se tornarem guardiãs de
educados. Assim, apesar da violên-
drome do pequeno poder. São Pau-
crianças e adolescentes vitimizados.
cia de que foram vítimas em suas
lo: Iglu, 1989.
Além da questão afetiva, deve-
famílias biológicas e conseqüente
mos considerar a questão materi-
prejuízo em sua educação, estas cri-
al, pois estas crianças e adolescen-
anças e adolescentes apresentam, na
tes têm direito à alimentação, saú-
visão das famílias guardiãs, um
de e moradia adequadas. Se as fa-
BARDIN, Laurence. Análise de conteú-
bom comportamento.
mílias inscritas no PAFS não podem
do. Lisboa (PT): Edições 70, 1979.
oferecer estas condições, o Progra-
CONCLUSÃO
ma deve cumprir seu papel de maneira adequada e rever suas dire-
1994. 72 p.
. et al. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3
ed. São Paulo: Cortez, 1998.
BRIDER , Inah. Direito e Família, 2003.
Disponível em: http//www.direito
ejustiça.com/direito_de_familia/
Concluímos que, de acordo com
trizes, para que as famílias pos-
a primeira temática, o andamento
sam, no mínimo, suprir suas ne-
do Programa, na ótica das famílias
cessidades básicas. Se isso não
C AMINHA, Renato Maiato. A violên-
substitutas, não está cumprindo
ocorrer, questionamos se é conve-
cia e seus danos à criança e ao ado-
seus objetivos iniciais no que diz
niente retirar as vítimas do abrigo
lescente. In: UNICEF. Violência do-
respeito ao acompanhamento da fa-
e encaminhá-las a uma família que
méstica. Brasília, DF: Unicef, 2000.
mília durante o tempo de permanên-
não está apta para criá-las.
p. 43-60.
index4.htm. Acesso em: 10 jul 2003.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 169-178, maio/ago. 2005
177
BERTOLUCCI, Aline Paiva et al
DINIZ , Maria Helena. Código Civil
Brasileiro: Direito de Família. São
Paulo: Saraiva, 2002. v.5.
. Estatuto da Criança e do
Adolescente. Lei nº 8069 de 13 de
julho de 1988. São Paulo, 1988.
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O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o
aspecto da reabilitação psicossocial1
The Citizenship Rescue: the Therapeutic Attendance and the Psychosocial
Rehabilitation Aspect
Ana Celeste de Araújo Pitiá2
Recebido: 27/02/04
Modificado: 24/10/04
Aprovado: 09/11/04
RESUMO
Discute-se o que é a clínica do Acompanhamento Terapêutico (AT) como
dispositivo clínico na ressocialização do cliente em dificuldades
psicossociais. A Psiquiatria Democrática é relacionada à originalidade dessa
clínica. Pretende-se apresentar essa modalidade de atendimento como um
campo de ação para os profissionais de saúde e a importância da formação
como acompanhantes terapêuticos. O texto ilumina a prática clínica do AT
com o referencial teórico da psicoterapia corporal, exemplifica uma situação
de atendimento, incluindo-a no processo da reabilitação psicossocial, suas
mudanças e transformações imiscuídas nas diferenças sociais do processo
humano-sociocultural.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Psiquiatria; Reabilitação; Terapêutica.
ABSTRACT
This paper discusses what is the Therapeutic Attendance (AT) clinic, as
Doutora pelo Programa Interunidades
de Doutoramento na Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto.
Professora da PUC-Campinas,
Faculdade de Enfermagem, Ribeirão
Preto,
São Paulo, Brasil.
2
e-mail: [email protected]
Pesquisa subvencionada pelo Programa
Capes/PICDT.
1
a clinical instrument for the re-socialization of clients with psychosocial
difficulties. The democratic psychiatric model and its ideas are related to
the originality of this type of clinic. The present study introduces this new
model of attendance as a field for health professionals, highlighting the
importance of the therapeutic attendant graduation. The AT clinic practices
are seen as the theoretical reference for the body psychotherapy, with the
social differences, conflicts and contradictions inherent to the process of
human relations.
KEYWORDS: Mental Health; Psychiatry; Rehabilitation; Therapeutics
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005
179
PITIÁ, Ana Celeste de Araújo
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CLÍNICA DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
O termo ‘acompanhante terapêutico (AT)’ designa o profissional
nicação com o aspecto vital da existência humana (idem).
terapeuta que, em seu trabalho te-
O objetivo terapêutico da clínica
O Acompanhamento Terapêutico
rapêutico, abriga a função de
AT converge com os aspectos da res-
(AT) é uma função específica que
acompanhar o cliente no local de
socialização, dentro do processo de
surgiu na Argentina, em meados da
sua dificuldade, recolocando-o em
Reforma Psiquiátrica, e busca au-
década de 1970, a partir da experi-
contato com a realidade social. A
xiliar o sujeito a reinserir-se em seu
ência de tratamento de clientes psi-
clínica de Acompanhamento Tera-
cotidiano, apesar de suas dificulda-
cóticos em terapias de abordagem
pêutico (AT) se constitui a ativida-
des. Aponta Duarte Junior (1987) que
múltipla. O acompanhante terapêu-
de clínica que objetiva romper com
o cliente precisará, durante sua ‘vi-
tico (at) era integrante de uma equi-
as barreiras que dificultam a rela-
agem’ de alguém que o acompanhe
pe multidisciplinar que se compu-
ção com o ambiente social em que
– mas que não o force a retornar a
nha de psicoterapeuta, psiquiatra,
uma realidade pré-editada. É neces-
terapeuta familiar e acompanhantes
sário alguém que o acompanhe du-
terapêuticos. Partia-se do princípio
rante o percurso; em quem ele pos-
terapêutico segundo o qual é neces-
sa confiar e que o auxilie em coisas
sário abordar esses clientes em to-
que ele possa precisar ao longo de
dos os aspectos de sua vida diária,
A PROPOSTA E UTILIDADE
tentando criar-lhes um meio ambi-
TERAPÊUTICA SEGUEM
ente favorável ao seu restabeleci-
NA DIREÇÃO DO RESGATE
mento (MAUER & RESNIZKY, 1987).
DA IDENTIDADE SOCIAL DE
Na história do Acompanhamento Terapêutico, identificamos seus
PESSOAS EM CRISE
primórdios nos anos 1960, com a
seu trajeto mental – uma espécie de
confidente, que partilhe com ele suas
experiências e que as reconheça como
válidas e não como expressões ‘sem
sentido’ de um doente. Sua experiência é real e, pelo vínculo que se estabelece com a figura do acompanhan-
movimentação político-ideológica
te terapêutico é possível o contato
das reformas psiquiátricas e a ten-
com sua própria individualidade, na
tativa de supressão dos manicômi-
realidade de suas experiências.
os na Europa Ocidental e Estados
Unidos. Na América do Sul, esse tipo
se encontram pessoas portadoras
de atendimento teve sua origem, na
de dificuldades psicossociais.
REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL E AT: UMA
COMBINAÇÃO ANTI-SEGREGACIONISTA
década de 1970, vindo da Argenti-
A referência teórica que susten-
na, chegando pouco depois ao Bra-
ta a prática do AT está intimamente
O início dessa combinação anti-
sil – onde se estende ao longo do
relacionada com a dinâmica pró-
segregacionista pode ter como ponto
eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Apre-
pria dessa clínica. A proposta e uti-
de partida o modelo de atendimento
senta duas trajetórias: uma que pas-
lidade terapêutica seguem na dire-
da antipsiquiatria, que emerge na
sa por Porto Alegre e chega ao Rio
ção do resgate da identidade social
década de 1960, na Inglaterra, em meio
de Janeiro, e outra que chega dire-
de pessoas em crise, refletida por
aos movimentos underground da con-
tamente a São Paulo, vinculada ao
suas atitudes psíquicas e psicoló-
tracultura, a partir do trabalho de
que antes era chamado ‘amigo qua-
gicas impressas no corpo e que de-
um grupo de psiquiatras – entre
lificado’ argentino (PITIÁ , 2002).
notam isolamento e perda de comu-
eles, Ronald Laing, David Cooper e
180 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005
O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial
Aaron Esterson –, muitos com ex-
do louco, que não deve ser podada
péis sociais, promovendo ativamen-
periência em psiquiatria clínica e
(AMARANTE, 1995).
te amplas possibilidades de ação te-
psicanálise. Laing e Cooper passa-
Está assim desencadeado o pro-
rapêutica (ROTELLI, 1990).
ram a questionar os métodos de es-
cesso de resgate da cidadania das
Nos projetos de ‘invenção’ na
tudo e de ação da psiquiatria e da
pessoas em sofrimento psíquico e o
saúde, a clínica AT se expressa com
psicologia “tradicionais”. As críticas
processo de supressão de manicô-
uma dinâmica de inclusão do dife-
fundamentais desses autores referi-
mios da psiquiatria democrática de
rente, ao mesmo tempo que reabi-
ram-se à maneira tradicionalmente
Franco Basaglia, na Itália, encontra
lita esta pessoa psicossocialmente
utilizada por psiquiatras e psicólo-
respaldo nesse modelo para sua pro-
em seu próprio contexto de vida.
gos para compreender a conduta,
posta. A ênfase se dá sobre o respei-
Daí a concepção de que a reabilita-
que fornece uma visão fragmenta-
to às diferenças e o comportamento
ção psicossocial implica numa éti-
da do que seja a mente humana e os
do ‘louco’ e todo seu jeito peculiar
ca de solidariedade que facilite os
seus desvios. A antipsiquiatria vem
de se comunicar (P ITIÁ, 1997).
sujeitos com limitações a realizar
se contrapor a essa idéia de frag-
os afazeres cotidianos, aumentan-
mentação, partindo para o conheci-
do seu poder de contratualidade
mento do ser humano, em seu dis-
afetiva, social e econômica que vi-
túrbio mental, através de todos os
sentidos possíveis (DUARTE JR ., 1987).
O discurso da antipsiquiatria procura romper, no âmbito teórico, com
o modelo assistencial vigente, buscando destituir, definitivamente, o
NOS PROJETOS DE ‘INVENÇÃO ’ NA SAÚDE ,
A CLÍNICA AT SE EXPRESSA COM UMA
DINÂMICA DE INCLUSÃO DO DIFERENTE,
AO MESMO TEMPO QUE REABILITA ESTA
abilize sua autonomia para a vida
na comunidade (P ITTA, 2001).
O profissional de saúde, enquanto acompanhante terapêutico, acolhe
o material psíquico do paciente a
partir de um lugar singular, onde a
valor do saber médico da explica-
PESSOA PSICOSSOCIALMENTE EM SEU
relação terapêutica se dá sem a ‘pri-
ção-compreensão e tratamento das
PRÓPRIO CONTEXTO DE VIDA
vacidade’ das paredes institucionais,
doenças mentais. Surge, então, um
possibilitando o projeto de ‘invenção’
novo projeto – o da comunidade te-
de saúde e a reprodução social do
rapêutica, e um lugar onde o saber
paciente. A proposta deve ser tera-
psiquiátrico possa ser interrogado.
Nesse sentido, as experiências de
pêutica no ato e no movimento de
A realidade é aqui investigada pela
Reforma Psiquiátrica em Trieste, Itá-
interagir no âmbito social, procuran-
técnica de interação afetiva entre
lia, preocuparam-se com a desinsti-
do desinstalar o indivíduo de sua si-
observador/observado – uma racio-
tucionalização da doença mental,
tuação de dificuldade e poder recriar
nalização dialética não exterior à
voltando-se para a existência com-
algo de novo na sua condição. Esse
realidade humana e que se movi-
plexa da pessoa em sofrimento psí-
movimento configura-se pela presen-
menta em uma autodefinição sinté-
quico, considerando a relação do seu
ça de um ‘guia’, de uma proposta
tica progressiva.
sofrimento com o contexto social em
terapêutica, que procura articular o
Assim, o método terapêutico da
que ela vive. A ênfase é colocada não
paciente em seu espaço social. A rein-
antipsiquiatria não prevê tratamen-
no sintoma, mas sobre projetos de
venção se faz presente a partir da
to químico ou físico, e sim valori-
‘invenção’ na saúde e reprodução
própria condição do ‘louco’.
za a análise do discurso por meio
social do cliente, ou seja, preconiza-
O importante é aquilo que possa
da metanóia, da viagem ao delírio
se utilizar a riqueza infinita de pa-
ser alcançado pelo cliente, em vista
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005
181
PITIÁ, Ana Celeste de Araújo
do que é definido como construtivo e
práticas alternativas ao atendimen-
manicômios, a eliminação de mei-
positivo para si. A ‘reinvenção’ irá
to da psiquiatria tradicional.
os de contenção física e portões
remetê-lo a meios de se re-fazer, re-
A clínica AT como prática e dispo-
abertos modificam as relações de
construir e re-elaborar seu cotidiano,
sitivo terapêutico anti-segregação ten-
poder entre os trabalhadores (e en-
apesar da crise, com tudo o que lhe
ta minimizar os efeitos da estigmati-
tre estes e os clientes). É na medida
pertença como características e limi-
zação das pessoas em dificuldade
que se restabelece a relação do pa-
tações pessoais – uma possibilidade
pela própria forma de intervenção,
ciente com seu corpo e com a pala-
do resgate do cliente como sujeito ci-
buscando propiciar maior autonomia
vra, produzem-se novas relações e
dadão – de volta ao seu contexto, res-
para que os clientes possam conviver
interlocuções possíveis. As mudan-
ponsabilizando-se por seus atos e re-
e se desenvolver como sujeitos criati-
ças instauradas procuram restituir
conhecendo-se de novo capaz de exer-
vos em seu próprio meio social e ur-
os direitos civis, reativando uma
cer, da forma mais consciente possí-
bano, apesar dos limites e dificulda-
base de crédito para que o paciente
vel, ações subjetivas sobre o seu es-
des individuais – isto é, uma repre-
possa aceder ao intercâmbio social
paço e lugar na sociedade.
(R OTELLI, 1990).
AT: UMA PROPOSTA DE AÇÃO TERAPÊUTICA
NO ESPAÇO DA REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL
A CONVIVÊNCIA COM O MEIO SOCIAL E O
NÚCLEO DELIRÓIDE DE HERMES:1 CENA DE AT
Amarante (1995), quando reconstitui o processo histórico da trajetória da Reforma Psiquiátrica, configura todo o contexto das práticas
ESSA CLÍNICA ESTÁ CONFIGURADA
COMO UM DISPOSITIVO ESTRUTURAL
EXTERNO AO MANICÔMIO, ASSINALANDO
A POSSIBILIDADE DE O DOENTE PODER
Hermes, 48 anos, casado, pai de
dois filhos, eletricista de manutenção de uma fábrica, foi acompanhado durante quase um ano e tinha
transformadoras no âmbito da saú-
SER ACOMPANHADO EM SUA NOVA
psicose depressiva como diagnósti-
de mental. A luta pela extinção dos
RELAÇÃO COM O SOCIAL
co médico-psiquiátrico. Apresenta-
manicômios, originária da psiquia-
va como conteúdos prevalecentes o
tria democrática italiana, encontra
sentimento de insuficiência e o pen-
eco no Brasil na I Conferência Naci-
samento deliróide de não ter saldo
onal de Saúde Mental, em 1987,
sentação do resgate de sua ‘auto-re-
em sua conta bancária. Essa idéia
evento que marca o momento de dis-
gulação’ no social (PITIÁ, 2002).
era contrariada, no real, todas as
cussões sobre propostas alternativas
Essa clínica está configurada
vezes que, pela atividade clínica AT
de atendimento em Saúde Mental.
como um dispositivo estrutural ex-
(ato interpretativo), ele ia ao caixa
Este passo vem somar-se ao Proje-
terno ao manicômio, assinalando a
eletrônico, juntamente com a acom-
to de Lei 3657/89, do deputado Pau-
possibilidade de o doente poder ser
panhante terapêutica, retirava seu
lo Delgado, que assinala a redução
acompanhado em sua nova relação
extrato bancário, confrontando-se
do número de leitos manicomiais,
com o social, convergente com o
com o registro de obter saldo ban-
bem como a diminuição das inter-
processo da Reforma da Psiquiatria
cário suficiente para a lida de sua
nações psiquiátricas, aumento de
e suas bases históricas e democrá-
vida cotidiana. Nesse momento,
serviços ambulatoriais entre outras
ticas originais. A desmontagem de
acompanhante e cliente, dentro da
1
Foi dado o nome de Hermes ao paciente, respeitando-lhe o anonimato.
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O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial
cabine do caixa e na rua, convivi-
aspectos saudáveis existentes no
que os ‘desviados’ são banidos do
am com elementos do meio social.
indivíduo, apesar das limitações de
convívio social, caracterizados como
O cliente se manifestava aflito, suor
seu estado de dificuldade.
indivíduos que não estavam apro-
no rosto, corpo trêmulo, olhava para
Dessa maneira, o movimento é
priadamente preparados para a
o extrato e para a acompanhante ao
de inclusão – na situação aqui abor-
nova ordem social que começava a
mesmo tempo com olhos assusta-
dada, a acompanhante, dentro da
se instaurar no processo da indus-
dos, caía sentado, pedindo socorro.
relação terapêutica com o cliente,
trialização. As diretrizes da prática
Nesse instante, a fila crescia para
pôde contribuir para a promoção de
AT, contrapondo este modelo, apon-
fora da cabine e o convívio de Her-
movimentos ‘inclusivos’ dentro da
tam para a prevenção da cronifica-
mes, seu delírio e o meio social se
realidade circunstancial do indiví-
ção e institucionalização, buscando
relacionavam e era intermediado
duo em dificuldade e buscou o es-
o resgate da cidadania e a não-alie-
pela figura da acompanhante tera-
paço que possibilitou o convívio /
nação social, de modo a permitir a
pêutica. Esta, valendo-se do seu re-
articulação do delírio de Hermes
reinserção do sujeito na coletivida-
ferencial psicoterapêutico corporal,
de, preservando suas diferenças in-
colocava o seu corpo como instru-
dividuais e potencialidades e propi-
mento de intervenção clínica, no ins-
ciando momentos e espaços nos
AS DIRETRIZES DA PRÁTICA AT,
CONTRAPONDO ESTE MODELO,
quais ele possa realizar-se como
dificuldade real do seu delírio) e o
APONTAM PARA A PREVENÇÃO DA
seria ‘fazer-se cargo’, segundo Ro-
olhava nos olhos, estabelecendo um
CRONIFICAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO ,
telli (1990), de uma pessoa num es-
tante em que segurava Hermes pelos braços, solicitava que ele firmasse os pés no chão (contato com a
momento terapêutico de apoio à sua
dificuldade, incluída no meio social e no ambiente das ruas.
BUSCANDO O RESGATE DA CIDADANIA
E A NÃO-ALIENAÇÃO SOCIAL
sujeito ativo em seu meio social.
O terapêutico, neste contexto,
paço novo de vida, sem, no entanto, submeter o paciente a objetivos
preestabelecidos. A ênfase é posta
A prática do AT, na medida que
na pessoa com suas idéias, valo-
transcorre exteriormente ao consul-
res e no seu direito de resgate à au-
tório / instituição e pode ser reali-
tonomia de cidadão.
zado seja na cabine de um caixa ele-
com o meio social. O dispositivo te-
trônico, seja na casa, na rua, no ci-
rapêutico da clínica AT então, ga-
nema, no shopping, na escola, no
nha espaço no projeto da reabilita-
trabalho, ou outro local disposto na
ção psicossocial - processo na Re-
comunidade, tem nesses locais ins-
forma Psiquiátrica atual.
A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO
ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
Em Manson et al. (2002), são
trumentos fundamentais para serem
No modelo assistencial hospita-
destacados alguns dos principais
manejados pelo profissional e a pos-
locêntrico (desde século XVII), o sa-
aspectos da formação do acompa-
sibilidade de uma conexão com o
ber médico exerce poder de controle
nhante terapêutico: conhecimento
âmbito social, com os aspectos cul-
sobre a doença mental, configuran-
científico, supervisão e práticas de
turais e simbólicos nos quais o cli-
do o enclausuramento nos hospitais,
acompanhamento, como estágios
ente se insere ou convive todo o dia,
enquanto estabelecimentos passíveis
para os que se preparam para exer-
procurando resgatá-lo em sua intei-
de ‘cura’ (FOUC AULT, 1993). É o ‘mun-
cer esta função. E isso implica em
reza humana, desenvolvendo seus
do da exclusão’ e da loucura, em
preparo teórico e prático por parte
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PITIÁ, Ana Celeste de Araújo
do profissional de saúde que se iden-
próprio corpo do cliente/terapeuta,
é um veículo de comunicação soci-
tifique com essa prática.
impressos na marca dos movimen-
al e diz respeito à nossa relação
É necessário que o terapeuta de
tos do próprio ato de acompanhar.
com o mundo. A compreensão des-
acompanhamento conheça o voca-
Acompanhamento Terapêutico impli-
sa interação deve levar em conta,
bulário sobre os distúrbios psicos-
ca, então, estar ao lado de um cor-
continuamente, aspectos simbólicos
sociais e psiquiátricos, para que isto
po/pessoa com dificuldades inscri-
e corporais, visto que estes são in-
lhes permita o intercâmbio de infor-
tas e repercutidas no social de modo
dissociáveis. A expansão e o con-
mações com os demais profissionais
a comprometer capacidade espontâ-
tato para fora (contato social) e
de saúde envolvidos. Assim, há a
nea de se relacionar (PITIÁ , 2002).
contração, o momento de interiori-
necessidade de uma visão mais
Pelo conceito da auto-regulação
dade consigo mesmo (o olhar para
aprofundada sobre os diferentes
social de Reich (1981), o importan-
si) pode ser visto no AT como pro-
quadros clínicos e o suporte teórico
te é estar junto, buscando materia-
cesso de retomada da vida. É im-
da linha de trabalho do profissional,
lizar a busca pelo processo vital
prescindível por parte do acompa-
que o auxilie a trabalhar sobre o
nhante terapêutico a escuta da an-
vínculo terapêutico – fator decisivo
gústia do cliente no seu contato
para a intervenção clínica.
com a realidade circundante e na
A prática AT é clínica e pode ser
vista por diversas abordagens que
dêem sustentação à intervenção utilizada pelo profissional. Os enfoques
podem ser os mais variados, seja
NO VÍNCULO QUE SE ESTABELECE NA
RELAÇÃO ACOMPANHANTE/ACOMPANHADO,
AS ATIVIDADES DEVEM SER PROPOSTAS A
busca do retorno de seu movimento espontâneo, ou seja, auto-expressivo – pulsatório (LOWEN, 1982).
No vínculo que se estabelece na
relação acompanhante/acompanha-
pela psicanálise freudiana, lacania-
PARTIR DO OLHAR DO TERAPEUTA PARA O
do, as atividades devem ser propos-
na, winnicottiana ou por linhas tera-
MOVIMENTO ESPONTÂNEO DO ACOMPANHADO
tas a partir do olhar do terapeuta
pêuticas de base analítica como cor-
para o movimento espontâneo do
porais reichianas e neo-reichianas,
acompanhado, dentro das especifi-
ou pelas abordagens cognitiva, soci-
cidades de cada caso, possibilitan-
al, entre outras. O que importará é o
do, dessa maneira, o resgate de sua
aprofundamento desse suporte teóri-
que possibilita a autonomia indi-
porção saudável e vital do sujeito,
co de intervenção, acompanhado pela
vidual na interação com os outros
no seu contato com o social, procu-
supervisão do trabalho do profissio-
indivíduos na sociedade, de manei-
rando conhecer e respeitar as neces-
nal, acrescida de seu próprio traba-
ra ‘natural’ e histórica.
sidades do acompanhado, objetivan-
lho pessoal psicoterapêutico, em que
A expressão da angústia prove-
se possa trabalhar seus conteúdos
niente do corpo do paciente – sua
internos mobilizados pela relação
linguagem não verbal – relaciona-
terapêutica que se efetiva na clínica
da ao conteúdo de sua linguagem
de atendimento terapêutico.
verbal captada pela escuta durante
do resgatá-lo de dentro da doença e
do enclausuramento psíquico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aqui o trabalho clínico do AT re-
o AT, conflui para a noção de uma
Neste texto foi possível tecer algu-
ferenciado com elementos da inter-
unidade funcional mente-corpo,
mas considerações acerca da clínica
venção corporal, olha-a e maneja-a
dentro da proposta terapêutica de
do AT e seus critérios de atuação pro-
com instrumentos constituídos no
acompanhar. O corpo, além de tudo,
fissional, tecendo considerações his-
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O resgate da cidadania: o acompanhamento terapêutico e o aspecto da reabilitação psicossocial
tóricas e teóricas que ofereceu anco-
so da Reforma Psiquiátrica. Fica aber-
(Doutorado) – Escola de Enferma-
ragem a todo conteúdo exposto.
to o caminho para o diálogo e expan-
gem, Universidade de São Paulo,
Pretendeu-se deixar clara a utili-
são interdisplinar na área de saúde
Ribeirão Preto.
dade dessa clínica em meio a todo
como um todo, mediante uma práti-
processo de Reforma Psiquiátrica,
ca ainda recente no Brasil, especial-
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 179-185, maio/ago. 2005
185
DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre
enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia)
Information on Children and Adolescent Abuse Gathered from Nurses of a Public
Hospital Located in Feira de Santana City, Bahia State
Emanuela Cardoso da Silva1
Judith Sena da Silva Santana2
Recebido: 29/09/03
Modificado: 26/08/04
Aprovado: 09/11/04
RESUMO
Este artigo trata do resultado de uma investigação que objetivou
identificar e analisar as informações sobre maus-tratos na infância e
adolescência entre enfermeiros (as) do Hospital Geral Clériston de Andrade
(HGCA), situado na cidade de Feira de Santana (Bahia), no ano de 2000,
tendo em vista a freqüência de crianças vitimizadas que dão entrada nos
serviços de saúde e que dependem de tratamento especializado. Estudo do
tipo qualitativo descritivo. Utilizou a entrevista semi-estruturada na coleta
de dados e análise de conteúdo para sua análise e interpretação. Os sujeitos
do estudo informam que conseguem identificar ou suspeitar de parte dos
casos de violência apenas do tipo físico, passando despercebidos os demais,
por ausência de conhecimento, o que sugere a necessidade de treinamento
com relação ao tema.
PALAVRAS-CHAVE: Maus-tratos Infantis; Enfermagem; Violência.
ABSTRACT
This paper presents the results of a study which attempted to identify
and analyze information on child and adolescent abuse gathered from nurses
of the Cleriston Andrade Hospital (HGCA), located in Feira de Santana city,
Bahia state, during the year 2000, in order to discover the frequency of
entrance of victimized children, depending on specialized care, in the health
services. This qualitative and descriptive study used semi-structured
interviews for the collection of data, the content analysis and interpretation.
Enfermeira, Programa Saúde da
Família, Alagoinhas, Bahia, Brasil.
1
Doutora em Enfermagem, Universidade
Estadual de Feira de Santana, Feira de
Santana, Bahia, Brasil.
2
The subjects of the study informed that they can identify and suspect of
part of the cases of violence, generally the physical ones, but other types of
violence remain unnoticed due to lack of knowledge. This perception has
showed the need for training related to this theme.
KEYWORDS: Child Abuse; Nursing; Violence
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Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia)
INTRODUÇÃO
atribuído, principalmente, à criação
implique, concretamente, no supri-
do Estatuto da Criança e do Adoles-
mento de suas necessidades básicas,
O tema da violência tem desper-
cente (ECA) e à atuação de institui-
incluindo o fortalecimento do núcleo
tado em todos os setores da socie-
ções na aplicação das medidas so-
familiar, ambas as ações se consti-
dade uma crescente preocupação,
cioeducativas previstas na lei.
tuem em elementos indispensáveis
devido, principalmente, às suas con-
Várias pesquisas têm subsidiado
à existência de um estado pleno de
seqüências mais visíveis, seja a per-
o estudo deste fenômeno. Investiga-
direito da criança e do adolescente.
da de um ente querido por ato vio-
ção realizada por Oliveira (1989), ci-
O(a) enfermeiro(a) pode tornar-se,
lento (assassinato) ou casos divul-
tado em publicação do Ministério da
a partir do atendimento à criança e
gados nos meios de comunicação de
Saúde (BRASIL,1993), denuncia que
ao adolescente vítimas de maus-tra-
crianças abusadas sexualmente pe-
47,1% dos “meninos de rua” que fi-
tos, a primeira instância na criação
los próprios pais.
zeram parte do estudo, abandonaram
e manutenção de uma rede de apoio
seus lares devido à violência domés-
que favoreça o desenvolvimento bi-
O mundo convive, historicamente, com o problema da violência,
opsicossocial da criança, atuando na
mesmo nos países desenvolvidos.
busca da saúde em seu conceito
Nos subdesenvolvidos e nos em de-
ampliado. Entendemos a necessida-
senvolvimento, a exemplo do Brasil,
de urgente de aliar o conhecimento
há um elemento complicador que é
O ÍNDICE DE DENÚNCIAS
a subnotificação, que mascara a si-
DE MAUS-TRATOS CONTRA
tuação real. Isto se dá por duas questões relativamente imbricadas: a) a
científico sobre violência à prática da
CRIANÇAS TEM AUMENTADO
enfermagem, inclusive, pelas próprias características da profissão, que,
ao incorporar o conceito ampliado de
falta de conhecimento dos profissio-
POUCO A POUCO
saúde, se coloca como responsável
nais que atendem as vítimas e, b)
NOS ÚLTIMOS ANOS
em considerar questões que transcen-
inexistência de redes de apoio às ví-
dem o biológico a fim de contribuir
timas nos municípios.
para o estado de saúde dos diversos
O Centro Regional de Atenção aos
grupos populacionais.
Maus-tratos à Infância e Adolescên-
A violência doméstica não é um
cia (CRAMI), de Campinas, recebeu,
tica que enfrentavam no dia-a-dia.
fato novo para os profissionais de
no período de março de 1988 a mar-
Também Ferriani (1979), citada por
saúde. Os casos que envolvem víti-
ço de 1992, 1.220 casos, dentre os
Martins e Ferriani (2003), identificou
mas de maus-tratos são recebidos
quais, apenas 15% e 4% referem-se
em seu estudo que das internações e
diariamente nos serviços, porém,
à notificações feitas por profissio-
atendimentos de emergência de cri-
muitas vezes, o profissional não
nais da saúde e educação, respecti-
anças e adolescentes, 37% apresen-
consegue identificá-los, ou, quando
vamente (BRASIL, 1993).
taram lesões genitais e anais, carac-
o faz, não encontra uma rede de
terizando abuso sexual.
apoio que garanta o atendimento
Apesar disso, o índice de denúncias de maus-tratos contra crianças
É verdade que o ECA, de modo
especializado necessário.
tem aumentado pouco a pouco nos
isolado, não pode resolver a ques-
O Estatuto da Criança e do Ado-
últimos anos, conforme se pode
tão dos maus-tratos na infância e
lescente prevê a denúncia obrigató-
constatar pelas informações da im-
adolescência, mas aliado a uma
ria dos casos de maus-tratos por
prensa em geral, e este fato pode ser
política de proteção a esse grupo que
parte do profissional que os atenda,
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DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva
segundo o exposto em seu artigo
245 (BRASIL, 1991, p.90):
“deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimentos de
saúde e de ensino fundamental, préescola ou creche, de comunicar à
autoridade competente os casos de
que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maustratos contra criança ou adolescente. Pena de multa de três a vinte salários referência, aplicando-se o dobro
no caso de reincidência.”
Todavia, na prática, existem en-
TENTANDO CONSTRUIR UM
CONCEITO DE VIOLÊNCIA
esquecer da violência oculta, sofrida, principalmente pelas mulheres,
crianças e escravos através dos tem-
A violência sempre esteve ligada,
pos. De acordo com Souza (2000),
desde os tempos primitivos, à luta
as antigas civilizações não reconhe-
pela sobrevivência. O homem luta
ciam as mulheres e crianças como
contra seus inimigos naturais, os
cidadãos. Estas sofriam as mais di-
animais, ou contra o próprio homem.
versas formas de violência, sem que
A Bíblia, conjunto de relatos dos
isso fosse considerado um agravo.
mais antigos da humanidade, traz
Tal situação perpetuou-se por mui-
vários registros de atos violentos
to tempo, e ainda hoje estas parce-
(por exemplo, o assassinato de Je-
las da população, apesar de todo o
sus Cristo). Na era cristã, a paixão
avanço alcançado na luta pelo cum-
traves que dificultam a ação dos
primento dos direitos de cidadania,
profissionais de saúde, como a fal-
ainda sejam subjugadas.
ta de conhecimento apropriado para
Conceituar a violência é, ainda
reconhecer os sinais de maus-tra-
hoje, uma tarefa difícil, tendo em
de violência intrafamiliar, quando
CONCEITUAR A VIOLÊNCIA É,
AINDA HOJE ,
UMA TAREFA DIFÍCIL,
se considera privativo o espaço do-
TENDO EM VISTA A
tos, a ausência de um atendimento
integral à criança e, ainda, questões éticas que envolvem os casos
méstico. O conjunto desses fatores
nos faz questionar até que ponto
COMPLEXIDADE DO FENÔMENO
procede a responsabilização previs-
vista a complexidade do fenômeno.
Comumente, a violência é reconhecida por atos violentos, como assassinatos, brigas, entre outros, o
que demonstra limitações para compreender que a violência não representa apenas uma ação que provoca um dano visível.
ta pelo ECA, indistintamente, para
Nessa trajetória, necessário se faz
os profissionais de saúde que não
recorrer a vários autores, a fim de
denunciam os maus-tratos dada a
e morte de Jesus evidenciam as di-
que se possa construir um conceito
atual conjuntura, já que esta atitu-
versas faces da violência humana,
de violência que dê conta de sua
de depende, diretamente, das infor-
que vão desde a discriminação à
amplitude. Segundo Koller (2003,
mações de que dispõem sobre o
delinqüência (SOUZA, 2000). As guer-
p.33), violência pode ser definida
tema, e o mesmo, apenas recente-
ras também são exemplos históri-
como “ações, e/ou omissões que
mente, foi incluído em alguns pro-
cos da violência humana, como evi-
podem cessar, impedir, deter ou re-
gramas de cursos de graduação.
denciado nas Cruzadas, na Santa
tardar o desenvolvimento pleno dos
Fazemos eco ao que diz Deslandes
Inquisição ou ainda na Segunda
seres humanos.”
(1994, p.35): “a violência invadiu
Guerra Mundial, quando o nazismo
Nesse contexto, também é im-
de tal maneira os serviços, que é
foi responsável pela morte de mais
prescindível acrescentar que o fenô-
urgente discuti-la, sobretudo acer-
de seis milhões de judeus.
meno da violência sofre interferên-
ca dos possíveis caminhos de prevenção e tratamento”.
Os exemplos citados são fatos
cias relativas ao tempo, espaço e
conhecidos, porém, não podemos
cultura de cada população. Assim,
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Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia)
de acordo com a afirmação de Bar-
da por mau-trato ou cerceamento da
ros Filho et al. (1997, p.65), a vio-
liberdade ou imposição da força”.
lência é um ato que, consciente ou
inconscientemente, ignora, impede
Minayo e Assis, citadas na publicação do Ministério da Saúde
(BRASIL, 1993), classificam a violên-
CLASSIFICANDO A VIOLÊNCIA
ou atenta contra os direitos humanos e de cidadania; constrange uma
Como vimos, a violência nem sem-
pessoa a fazer o que não deseja ou
pre está ligada a atos criminosos,
que não é aceito, dentro dos padrões
como assaltos e homicídios. Ela pode
sociais, seja por uma questão de
estar implícita de maneira sutil, sem
sobrevivência, seja para atender aos
que conscientemente nos demos conta
fortes apelos sociais.
da sua existência, pois pode existir
Podemos observar que todos os
violência expressa, ou não, através
autores até aqui citados relacionam
de palavras, de gestos e imposições.
cia em quatro grupos:
• Violência estrutural: decorrente do sistema político-ideológico vigente, que define as regras socioeconômicas que, por sua vez, determinam as desigualdades sociais,
expressas no desemprego, miséria
e exclusão social.
• Violência cultural: oriunda da
a violência à força e submissão. De
violência estrutural, ela se manifes-
fato, os atos violentos, sejam eles
ta através de formas de dominação
visíveis ou não, estão ligados à re-
racial, de gênero e étnica, dos gru-
lação de poder, em que o ‘forte’ sub-
pos etários e familiares. Isto pode ser
juga o mais ‘fraco’, utilizando-se das
“ VIOLÊNCIA É TODA AÇÃO
mais variadas estratégias para ga-
DANOSA À VIDA E À SAÚDE
rantir a manutenção deste poder,
DO INDIVÍDUO, CARACTERIZADA
seja pelo emprego de recursos físicos ou psicológicos.
As crianças e os adolescentes,
pelas características próprias de seu
evidenciado quando, por exemplo, é
POR MAU-TRATO OU CERCEAMENTO DA
LIBERDADE OU IMPOSIÇÃO DA FORÇA”
atribuída à raça negra atividades
menos prestigiadas ou mal remuneradas, ou, ainda, quando em algumas comunidades o homem se considera mais importante que a mulher.
• Violência da delinqüência: é a
estágio de desenvolvimento, são as
mais conhecida e se toma a forma
principais vítimas desta relação de
do que é considerado, por lei, como
poder imposta pela violência. No
crime: roubo, assassinato, seqües-
caso dos maus-tratos, o agressor se
Podemos, ainda, classificar a vi-
tro, entre outros. É a mais visível
vale da violência para impedir, for-
olência segundo Aranha (1997), em
das violências e está presente diari-
çar ou constranger a criança ou ado-
‘vermelha’ e ‘branca’, sendo a pri-
amente nos noticiários.
lescente a sofrer, praticar ou permi-
meira assim denominada por estar
tir que pratique atos que fogem à
mais relacionada a homicídios, es-
sua compreensão ou que provocam
tupros, entre outras formas que atin-
danos físicos e/ou psicológicos.
gem o físico. A segunda está relaci-
Nesta perspectiva, entendemos
onada à maneira sutil como se apre-
que Einsenstein e Souza (1993, p.95)
senta, a exemplo da ‘fome oculta’
trazem o conceito de violência que
resultante da má alimentação a que
mais se adapta ao seu conteúdo:
está exposta a maioria da popula-
“violência é toda ação danosa à vida
ção brasileira de baixa renda, ou
e à saúde do indivíduo, caracteriza-
ainda, na violência intrafamiliar.
• Violência de resistência: é exercida por determinados grupos, historicamente discriminados, como os
negros, os homossexuais, mulheres
e índios, que lutam para ter os mesmos direitos dos demais indivíduos
da sociedade.
No caso específico das crianças
e adolescentes, devemos levar em
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DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva
consideração que embora a maio-
• Abuso físico: caracteriza-se
dades esportivas, música, língua
ria dos casos notificados de maus-
quando um indivíduo de mais ida-
estrangeira, a um só tempo, além
tratos seja oriunda das classes po-
de que a criança ou o adolescente
das atividades escolares, não restan-
pulares, estes estão presentes em
causa-lhe um dano físico, com con-
do tempo para as brincadeiras, in-
todas as classes sociais, sendo re-
seqüências leves ou extremas.
dispensáveis para o desenvolvimen-
flexo, principalmente, das violências estrutural e cultural.
MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA
Foi a medicina quem primeiro
identificou e esclareceu os sinais e
seqüelas dos maus-tratos à crian-
• Abuso sexual: quando um indivíduo em posição de ‘superiorida-
Faz parte deste elenco: o aban-
de’ usa sexualmente a criança ou
dono, que expõe a criança a situa-
adolescente para obter prazer sexu-
ções de risco; e a negligência, que
al. Tal ação pode ser de cunho hete-
implica privar-lhe daquilo que pre-
ro ou homossexual, variando do
cisa para crescer e se desenvolver
jogo sexual à penetração.
(alimentos, vestimenta, habitação,
medicamentos, escola, lazer, segu-
ça. Outras ciências, a partir daí,
rança, afeto, entre outros).
contribuíram para a explicação e a
formação de estratégias de combate
aos maus-tratos na infância, como
as ciências sociais, o serviço social, a psicologia, a criminologia.
to nesta faixa etária.
METODOLOGIA
F AZ PARTE DESTE ELENCO : O ABANDONO,
Em nosso estudo, o modelo de
QUE EXPÕE A CRIANÇA A SITUAÇÕES DE
abordagem foi o qualitativo do tipo
do termo ‘violência’, esta, quando
RISCO; E A NEGLIGÊNCIA, QUE IMPLICA
descritivo, já que foram tratados
praticada contra crianças e adoles-
PRIVAR-LHE DAQUILO QUE PRECISA PARA
violência. Para a coleta dos dados,
Apesar do emprego generalizado
centes, por indivíduo em condição de
superioridade – seja de idade e/ou
CRESCER E SE DESENVOLVER
desenvolvimento – ela ganha cono-
aspectos subjetivos do fenômeno
utilizou-se a entrevista semi-estruturada, cujos resultados foram analisados a partir da técnica da Análi-
tação de abuso ou maus-tratos, não
se de Conteúdo, de Bardin (1977).
deixando de ser, entretanto, conside-
De acordo com Minayo (1996), a
rada como violência. Desse modo,
entrevista semi-estruturada é aque-
• Abuso psicológico: decorre de
la que combina questões abertas e
uma ação negativa do adulto em
fechadas, facultando ao entrevista-
relação à criança que pode levá-la
do discorrer sobre o assunto em
a um comportamento destrutivo.
foco. As perguntas norteadoras da
Suas formas mais praticadas são:
entrevista foram: O que é violência?
rejeitar, isolar, aterrorizar, corrom-
Quais são os tipos de violência e
per e produzir expectativas irreais
maus-tratos que atingem crianças e
ou extremas exigências. Esse mau-
adolescentes? Quais os efeitos que
trato é mais freqüente nas classes
os maus-tratos podem provocar no
Segundo a autora, dentre os
sociais economicamente privilegia-
crescimento e desenvolvimento da
maus-tratos contra a criança e o
das, em que se impõe às crianças
criança e do adolescente? Quais as
adolescente, destacam-se:
excesso de atividades como, ativi-
formas de controle da violência?
“define-se abuso ou mau-trato pela
existência de um sujeito agressor em
condições superiores (idade, força,
posição social ou econômica, inteligência, autoridade) que comete um
dano físico, psicológico ou sexual,
contrariamente à vontade da vítima
ou por consentimento obtido a partir
de indução ou sedução enganosa.”
(DESLANDES, 1994, p.13)
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Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia)
Os sujeitos do estudo foram
a exploração do material, o trata-
ou da vítima. Se nos colocamos sob
enfermeiros(as), em número de 12,
mento dos resultados, a inferência
o ponto de vista da vítima, em geral
do Hospital Geral Clériston de Andra-
e a interpretação. Destacaram-se as
o que importa é o dano causado.
de (HGCA), em Feira de Santana, na
unidades de registro, agrupando-
Porém, se nos colocamos sob o pon-
Bahia. Todos atuavam no atendimen-
as por similaridade para a cons-
to de vista do agressor, levamos em
to às crianças e adolescentes admiti-
trução das categorias representa-
consideração o motivo e o objetivo
dos na emergência ou internados na
tivas do conteúdo.
do comportamento agressivo.
pediatria ou clínica médica. Os entrevistados compunham um grupo
Não diferente do senso comum,
RESULTADOS E DISCUSSÃO
majoritariamente feminino, com ape-
os entrevistados, aqui, associam a
violência ao ato de agredir, coisa que,
nas um do sexo masculino; idades
Ao conceituar a violência, a mai-
entre 24 e 51 anos; 70% com estado
oria dos entrevistados (55,5%) vale-
civil casado(a) e uma média de nove
se do termo ‘agressão’ em suas con-
de maneira geral, é traduzida pela
manifestação física, intencional.
Acompanhando este raciocínio,
anos de serviço na profissão. A cole-
observamos que a agressão física
ta de dados ocorreu no ano 2000.
foi citada por todos os entrevista-
O HGCA é um hospital regional,
dos, quando questionados sobre os
público (estadual), que serve à po-
tipos de violência: “os tipos de vio-
pulação da microrregião de Feira de
Santana. É uma instituição de grande porte, que deve atender a clientela de acordo com os princípios do
Sistema Único de Saúde (SUS): universalidade, gratuidade e integralidade, nos níveis primário e secun-
NÃO DIFERENTE DO SENSO COMUM ,
OS ENTREVISTADOS , AQUI, ASSOCIAM A
VIOLÊNCIA AO ATO DE AGREDIR, COISA QUE ,
DE MANEIRA GERAL, É TRADUZIDA PELA
MANIFESTAÇÃO FÍSICA, INTENCIONAL
dário de atenção à saúde.
lência que eu conheço são a violência física (E12).
O abuso físico é “toda e qualquer
lesão intencional infligida a uma pessoa, conscientemente ou não, produto da força física, única ou repetida,
cuja magnitude e características são
variáveis” (EINSENSTEIN & SOUZA , 1993,
Obedecendo-se a Resolução 196/
p.96). Ainda quando citam outros ti-
96 do Conselho Nacional de Saúde
pos de violência, a física é a primei-
(BRASIL, 1998), obteve-se a autoriza-
siderações, como observaremos a
ra a ser lembrada, conforme menci-
ção dos informantes para o uso de
seguir: a violência “é aquilo que
onado: “física, psicológica, emocio-
suas informações, garantindo-lhes o
agride o ser humano”(E3); “é qual-
nal, moral e social” (E6).
anonimato e o direito de afastar-se
quer agressão que possa fazer a
Estudo realizado pelo Centro La-
do estudo quando julgassem neces-
outra pessoa, seja adulto, criança
tino-americano de Estudos de Vio-
sário, sem que isto implicasse em
ou adolescente”(E6); “é o ato come-
lência e Saúde (CL AVES) nos Centros
prejuízo para os mesmos. Nos re-
tido de agressão”(E9).
Regionais de Atenção aos Maus-Tra-
sultados, os fragmentos de falas dos
Segundo Gomes (1997), vio-
tos na Infância (CRAMIs), envolven-
entrevistados estarão acompanha-
lência e agressão estão associadas
do as cidades de Campinas, Piraci-
dos de um código de seqüência das
quando a agressividade é usada com
caba, Botucatu, Bauru entre outras
entrevistas (E1, E2,...).
fins destrutivos. Entretanto, o termo
do interior de São Paulo, evidenciou
A análise dos dados foi realiza-
agressão vai depender do ponto de
que nestes locais, no período de
da em cinco etapas: a pré-análise,
vista que elegemos: o do agressor
1988 a 1992, o abuso mais cometi-
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DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva
do, também, foi a agressão física
te vê muito isso, a questão da super-
se a partir da existência de alguém
(D ESLANDES, 1994).
lotação das unidades de saúde”(E10).
que possui como característica a
O maior reconhecimento do abu-
Temos então, a violência institucio-
superioridade (idade, força física,
so físico como tipo de violência pela
nal, que “ocorre nas instituições pú-
poder econômico, entre outros) fren-
população, possivelmente, deva-se
blicas e privadas, na escola, nos lo-
te à sua vítima (D ESLANDES, 1994).
à maior visibilidade dos sinais (he-
cais de trabalho, nas ruas...” ( EIN -
matomas, ferimentos, contusões)
SENSTEIN & SOUZA, 1993, p.98).
Parte considerável dos(as)
enfermeiros(as) (33,3%) conseguiu
apresentados na vítima; à sua mai-
O HGCA, pelo fato de ser uma ins-
conceituar os maus-tratos em sua
or divulgação pela mídia; e por este
tituição pública em que há um défi-
amplitude, ao afirmar que violen-
ser o tipo de violência mais sofrido
cit de recursos materiais, físicos e
tar é: “fazer mal à criança, causar
e temido pela sociedade em geral.
humanos, possibilita uma maior
mal à criança, fazer algo que não é
Depois da física, as violências
ocorrência desse tipo de violência.
de sua natureza; maltratar(E7);
mais referidas neste estudo foram
Porém, somente 22,2% dos entrevis-
“qualquer tipo de dano, qualquer
a psicológica e a de negligência. Na
tipo de ação que possa ser feita com
prática, entre os casos suspeitos de
a criança e adolescente que venha a
maus-tratos, alguns mencionavam
lesá-lo fisicamente ou a causar trau-
que “vinham de maus-tratos, não
mas psicológicos” (E4).
VIOLENTAR É:
da violência, do espancamento, mas
Observamos, então, que os(as)
enfermeiros(as) conseguem perceber
re-se ao ato de privar a criança do
“ FAZER MAL À CRIANÇA,
CAUSAR MAL À CRIANÇA,
que é necessário ao seu pleno de-
FAZER ALGO QUE NÃO
‘força’ contra a criança, de forma que
senvolvimento biopsicossocial,
É DE SUA NATUREZA; MALTRATAR
isso implica danos para a mesma.
do desleixo da mãe” (E12). Ao citar
a negligência, o entrevistado refe-
como por exemplo: afeto, proteção,
a presença de um agressor em posição de superioridade, que utiliza sua
Isto é demonstrado nas falas a se-
medicamento, alimentação, mora-
guir: “vai desde a agressão física, até
dia, vestimentas adequadas ao cli-
com palavras, nas atitudes dos pais
ma, entre outras.
ou de quem esteja cuidando da
Segundo estudo realizado por
tados citaram a violência do tipo ins-
criança”(E6); (...) ”maus-tratos dos
Deslandes (1994, p.17), “entre as
titucional nas suas falas: “uma su-
pais, professores, de vizinhos” (E3).
notificações dos serviços brasileiros
perlotação onde o calor impera, é o
Os que não conceituaram os
especializados no atendimento dos
barulho, não tem uma cama ou um
maus-tratos citaram alguns dos seus
casos de maus-tratos, a negligência
berço adequado; ela (a criança) não
tipos, exemplificando: “são crianças
aparece como o segundo abuso
come o que ela gosta, ela come o que
que chegam com maus-tratos em ní-
mais cometido”.
o hospital oferece...., então, tudo isso
vel de cuidado domiciliar, crianças
é uma forma de violência”(E1).
que não são bem alimentadas” (E10);
Os(as) enfermeiros(as) deste estudo percebem outras expressões da
Os maus-tratos podem ser enten-
“pais que trabalham e deixam crian-
violência no seu cotidiano profissio-
didos como ações de um agressor
ças pequenas presas dentro de casa.
nal, os quais incluem o modo como
que ocasionam um dano físico, se-
Isso é um tipo de violência” (E3).
são tratadas as pessoas que procu-
xual ou psicológico à criança ou
Nestas falas, além da negligência,
ram atendimento nos serviços: “a gen-
adolescente. Tal relação concretiza-
também aparece o abandono, que
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Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia)
pode ser estimulado pela situação
lentam não é porque eles querem, é
sido exposto continuamente a algu-
socioeconômica da família que, não
a própria situação que exige, e tam-
ma forma de agressão, embora isso
dispondo de um local para deixar seus
bém a situação que eles vivem: a
não seja condição determinante. Tam-
filhos (creche, escola) quando saem
fome, a miséria, a falta de condi-
bém Einsenstein e Souza (1993) afir-
para trabalhar ou procurar emprego,
ções financeiras... muitas vezes isso
mam que freqüentemente, crianças
são obrigados a deixá-los sozinhos em
leva até à violência com o próprio
maltratadas, quando maiores ou
casa. Para o Ministério da Saúde (BRA-
filho” (E3); “grande parte da violên-
quando adultos, irão maltratar ou-
SIL , 1993,
cia que vejo contra a criança parte
tras crianças ou pessoas mais frá-
das condições sociais”(E5).
geis. Assim também Levinsky et al.
p.9), “o tipo mais freqüente
de violência a que estão sujeitos crianças e adolescentes é aquele deno-
Um número considerável de en-
(1997, p.27), sugerem que “a delin-
trevistados (22,2%), citou como ori-
qüência pode ser resultante de uma
Na realidade, “a sociedade se en-
gem da violência a história de vida
construção social cuja raiz está na
contra mergulhada em um estado de
de cada indivíduo, relacionando-a às
própria violência familiar e social”.
minado ‘estrutural’”.
violência, toda vez que as exigênci-
Exemplo dessa assertiva está no
as mínimas que garantem o viver
estudo realizado por Figueiredo e
com dignidade deixam de ser atendi-
Alves (1999) com um grupo de ido-
das” (BARROS FILHO et al., 1997, p.29).
sas sobre o tema ‘abuso na infân-
São as camadas populares, nas quais
identifica-se o maior número de casos de maus-tratos, as maiores vítimas da violência estrutural.
Assis (1992), citada na publicação do Ministério da Saúde (BRASIL ,1993,
p.16), encontrou em inves-
TODOS OS ENTREVISTADOS
APONTARAM A FOME , A MISÉRIA,
O DESEMPREGO E AS MÁS CONDIÇÕES
SOCIOECONÔMICAS COMO CAUSAS
cia’. As pesquisadoras encontraram
que, para as idosas, o modo antigo
de disciplinar as crianças utilizando instrumentos como chicote, vara
ou similares, foi considerado natural. Essa ‘naturalização’ da violên-
DA VIOLÊNCIA
cia torna-a muito mais comum do
tigação realizada no município de
que se pode imaginar.
Duque de Caxias em que pais e mães
Com relação aos efeitos que os
de alunos das escolas públicas pra-
maus-tratos podem provocar no
ticaram mais atos violentos contra
experiências de maus-tratos na in-
crescimento e desenvolvimento da
seus filhos do que os de escolas par-
fância e adolescência. “A gente não
criança e do adolescente, verifica-
ticulares, num percentual que variou
sabe o que aconteceu na vida en-
mos que todos os entrevistados con-
entre 4 e 6%; e o tipo mais comum
quanto criança, dessa pessoa que
cordam que podem trazer reflexos
foi a agressão física. Segundo a mes-
hoje tem a índole violenta; quais
negativos: “acho que todo tipo de
ma fonte, este último dado também
foram os maus-tratos que tenham
violência tem uma repercussão no
aparece em estudos realizados no Rio
interferido de tal forma que tenha
futuro” (E8); “isso irá, com certeza,
de Janeiro e em Campinas.
quebrado algo dentro dele, que te-
refletir na vida da pessoa”(E12);
nha desenvolvido esse processo de
“causam traumas terríveis. Ela pode
ele ser violento...” (E7).
se tornar violenta, uma pessoa
Todos os entrevistados apontaram a fome, a miséria, o desemprego e as más condições socioeconô-
A literatura sobre o assunto insi-
amarga, sem acreditar em ninguém,
micas como causas da violência:
nua que o ato violento tende a ser
uma pessoa que tenha desconfian-
“eu acho que os pais às vezes vio-
repetido por um indivíduo que tenha
ça de todo mundo... achar que o
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005
193
DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva
amor não existe, que carinho é se-
jovens a desenvolver suas capacida-
cial para os devidos encaminha-
gundo plano” (E3); “(...) ela pode se
des morais e cognitivas (...)”.
mentos e orientações” (E2).
tornar uma criança introvertida, ela
Se considerarmos os pais como
Verificamos que os(as) enfermei-
pode se tornar uma criança agressi-
semeadores de conceitos, valores,
ros(as) do HGCA apenas identificam
va em decorrência dos maus-
hábitos e costumes, entenderemos a
e encaminham os casos de maus-
tratos”(E8). Azevedo (1995) confirma
questão da base familiar como um
tratos, sem participar do processo
essa assertiva ao relatar que a viti-
fator que pode interferir no controle
de acompanhamento destes. Isto
mização física de crianças e adoles-
da violência. Entretanto, se por al-
ocorre por desinformação ou por-
centes tem conseqüências deletérias
gum motivo, de origem externa (si-
que não há uma sistematização do
para o seu desenvolvimento físico,
tuação econômica do país) ou inter-
atendimento que os envolva: “eu
neurológico, intelectual e emocional.
na (mau relacionamento entre os
não sei como se procede, porque na
São marcas que poderão acompanhar
membros da família), há desequilí-
verdade a gente identifica e entre-
o indivíduo para o resto da vida.
brio no fornecimento dessas condi-
ga ao serviço social” (E2).
Segundo os entrevistados, a prin-
O fato de todos os entrevistados
cipal forma de controle da violência
terem se graduado na Universidade
é através da educação. Alguns apon-
Estadual de Feira de Santana (UEFS),
taram-na como meio de promover
mudança, porque “através da educação, a gente pode mudar o com-
AS INFORMAÇÕES DE QUE
DISPÕEM SOBRE O TEMA FORAM
portamento” (E8). De fato, a edu-
ADQUIRIDAS, PRINCIPALMENTE,
cação é uma das formas de comba-
POR MEIO DA PRÁTICA COTIDIANA,
te à violência, porém, esta medida
deve ser tomada em conjunto com
NO ATENDIMENTO A CRIANÇAS
outras, como a melhoria das condi-
E ADOLESCENTES
há nove anos, em média, permitenos afirmar que estes não tiveram
acesso ao conhecimento científico
relacionado ao tema da violência,
incluindo os maus-tratos na infância, quando de sua graduação, tendo em vista que somente a partir da
mudança de currículo do curso de
ções de vida da população: “prover
enfermagem na UEFS, em 1998, é
o ser humano de boas condições de
que tais conteúdos passaram a fa-
vida, seria uma forma de prevenir”
zer parte da formação do profissio-
(E7); “é educação, é trabalho, e ali-
ções, o desenvolvimento desses indi-
mentação” (E12).
víduos estará comprometido, princi-
Segundo os entrevistados, as in-
Para o Ministério da Saúde (BRA -
palmente porque ela própria pode se
formações de que dispõem sobre o
1993, p.9), “essa situação de po-
tornar um “componente deste intrin-
tema foram adquiridas, principal-
breza (...) decorre em grande parte
cado complexo gerador de violência”
mente, por meio da prática cotidia-
da total ausência de suporte social
(L EVINSKY et al., 1997, p.25).
na, no atendimento a crianças e ado-
SIL,
nal enfermeiro.
direcionado às famílias”. A impor-
De acordo com todos os entre-
lescentes. Outras referências foram
tância dessa questão é confirmada
vistados, os casos de suspeita ou
os meios de comunicação, com des-
por Giannetti, citado por Levinsky
comprovação de maus-tratos aten-
taque para a televisão. Segundo
(1997, p.25), quando esta afirma que
didos no hospital são encaminha-
eles, o hospital ainda não ofereceu
“a família é o principal responsável
dos ao Serviço Social daquela ins-
treinamento sobre como identificar
pela transmissão social de um senti-
tituição: “os casos que chegaram,
e qual a conduta a ser tomada nos
do de valores que induza os mais
foram comunicados ao serviço so-
casos de maus-tratos.
194 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005
Informações sobre maus-tratos na infância e adolescência entre enfermeiros (as) de um hospital público de Feira de Santana (Bahia)
Apesar disto, todos os entrevista-
Conforme vimos antes, o Estatu-
car o conhecimento pertinente ao
dos concordam que deva ser obriga-
to da Criança e do Adolescente pre-
assunto: “o enfermeiro, a cada dia,
tória a denúncia de casos, o que de-
vê punição para o profissional de
a cada ano que passa é um traba-
monstra sensibilidade para com a si-
saúde que não notifica os casos de
lhador de saúde envolvido psico-
tuação e seus efeitos sobre a criança:
maus-tratos atendidos. Todos os
logicamente, politicamente e soci-
“a gente, enquanto profissional de
enfermeiros e enfermeiras estão in-
almente com o paciente. Eu acho
saúde, não deve se omitir de forma
formados sobre os aspectos legais
que isso é fazer saúde” (E7).
alguma, mesmo com a suspeita...”
envolvidos na questão dos maus-tra-
Apenas um deles destacou que o
(E7); “se no caso, onde a gente tiver,
tos. Inclusive, um deles destacou
envolvimento com os maus-tratos,
trabalhar como assistente social, po-
que a criação do ECA contribuiu para
“é uma questão, digamos, delica-
deria fazer a denúncia à parte”(E8).
despertar o interesse dos profissio-
da... você se envolver de frente...
Para um dos entrevistados, “o trata-
nais de saúde: “eu acho que o inte-
mesmo porque você lida com uma
mento deve ser multidisciplinar”
resse é a partir do Estatuto. O ECA
demanda enorme de gente” (E5).
(E12), mas deve envolver, também, a
Nesse aspecto podemos afirmar que
vítima, a família e recursos da comu-
o posicionamento do(a) enfermeiro(a) diante de uma vítima de maus-
nidade a fim de evitar recidivas. Segundo o Ministério da Saúde,
“os profissionais que atuam no serviço de saúde têm como dever diagnosticar e atender os casos de crianças e
adolescentes vítimas de violência,
além de encaminhá-los e acompanhálos objetivando um atendimento integrado.” (BRASIL, 1993, p.20)
tratos requer um conhecimento pré-
“ A GENTE , ENQUANTO
vio acerca do assunto, além de uma
PROFISSIONAL DE SAÚDE,
rede de apoio, envolvendo a institui-
NÃO DEVE SE OMITIR
fissionais como médicos, fisiotera-
ção, o Conselho Tutelar e outros pro-
DE FORMA ALGUMA ,
peutas, psicólogos, entre outros, que
MESMO COM A SUSPEITA...”
forneçam subsídios concretos e confiáveis que permitam a prevenção, o
combate efetivo e o tratamento ade-
Um dos entrevistados afirma
quado da vítima de maus-tratos.
que, “se houvesse um procedimen-
“Esse assunto deve ser mais di-
to já rotineiro, eu acho que isso traria mais segurança para os profis-
tem chamado a atenção da gente que
vulgado, sobretudo no ambiente
sionais atuarem nessa área” (E11).
é profissional de saúde”(E4).
hospitalar onde estas crianças rece-
Este fato chama a atenção para a
Apesar da baixa notificação de
bem atendimento”(E2); “o enfermei-
necessidade de se propor uma for-
casos, no Serviço de Advocacia da
ro deve ser capacitado para lidar
ma sistematizada de atuar frente
Criança, em São Paulo, de fevereiro
com a questão da violência. Quan-
aos maus-tratos identificados nas
de 1988 a março de 1990, foram re-
do ele não é capacitado, ele não tem
instituições de atendimento. “Nesta
gistrados 1.072 casos de violência
condição (...)”(E12).
questão os profissionais de saúde
física e 203 de sexual, entre os quais,
Investigação semelhante foi rea-
têm fundamental importância, reco-
os maiores notificantes foram profis-
lizada com os operadores do Direito
nhecida e esperada pela sociedade e
sionais e familiares (BRASIL, 1993).
na Comarca de Jardinópolis, interi-
pelo Estatuto da Criança e do Ado-
Entre os entrevistados, obser-
or de São Paulo, a qual detectou,
lescente (ECA), vigente no Brasil des-
vamos essa preocupação com o
entre os entrevistados “uma visão
de 1990” (D ESLANDES, 1994, p.5).
atendimento, e o interesse em bus-
limitada quanto à violência domés-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005
195
DA SILVA, Emanuela Cardoso & SANTANA, Judith Sena da Silva
tica e à violência na sociedade, não
apesar de todos os avanços, princi-
cesso sistematizado de prevenção,
citando, por exemplo, os aspectos
palmente a criação do Estatuto da
identificação e apoio às vítimas de
psicossociais, éticos, morais, etc.”
Criança e do Adolescente, muitos
maus-tratos. Sugerimos, então, a
(R OQUE, FERRIANI, 2002, p.343).
profissionais enfermeiros ainda não
criação de um protocolo de atendi-
Como vimos, o papel do(a)
dispõem de conhecimento científico
mento que contemple os diversos
enfermeiro(a) não se resume a iden-
sobre o tema e em conseqüência dis-
momentos do processo, desde a sus-
tificar e encaminhar os casos, cabe
so, sentem-se impotentes para atu-
peita do caso, até seu tratamento,
à enfermagem participar do proces-
ar além do atendimento biológico.
acompanhamento e prevenção de
so de combate aos maus-tratos, li-
Os(as) enfermeiros(as) do HGCA
recidivas, a ser elaborado pelos pro-
dando com as vítimas e também
lidam diariamente com a questão
fissionais envolvidos. Assim, os pro-
com os agressores, de modo a ten-
dos maus-tratos contra crianças e
fissionais teriam um instrumento
tar identificar as causas e, juntamen-
adolescentes, identificando, princi-
para guiar as ações a serem reali-
te com os responsáveis legais – Con-
palmente, a forma física, havendo
zadas frente a cada caso, além de
selho Tutelar, Juizado de Menores e
ambigüidades quanto aos conteú-
possibilitar a interdisciplinaridade,
outros profissionais (psicólogos,
dos conceituais.
congregando as diversas categorias
pedagogos, entre outros), buscar a
De maneira geral, os entrevista-
profissionais em busca de um só
melhor solução para cada caso, in-
dos apontam a causa social como o
objetivo: a redução dos maus-tratos
cluindo o agressor como alvo de sua
maior precipitante da violência intra-
contra crianças e adolescentes.
atenção e como alguém capaz de
familiar e compreendem que os
O desconhecimento e a omissão
mudar o comportamento. Conhecer
maus-tratos na infância e adolescên-
são terreno fértil para a manuten-
mais sobre os maus-tratos, também,
cia trazem conseqüências desastro-
ção dos episódios de maus-tratos,
possibilita ao profissional repensar
sas para o desenvolvimento integral
além de expor a criança vitimizada
o comportamento e atitudes huma-
do indivíduo. E que o(a) enfermei-
a mais um tipo de violência: a ne-
nas, seu papel enquanto cidadão e
ro(a) tem um papel importante na
gligência profissional.
a maneira como o ser humano se
interrupção desse processo de violên-
posiciona frente aos problemas de
cia, independentemente da exigência
seu cotidiano. “É interessante por-
e das penalidades legais.
REFERÊNCIAS
que você pára para pensar o ser
Apesar do interesse demonstra-
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Vi-
humano” (E7), garantindo um aten-
do sobre o assunto, reconhecem que
olência e cidadania. In: B ARROS F ILHO
dimento de saúde mais abrangente.
agem como meros encaminhadores
et al. Violência em debate. São Pau-
de casos suspeitos ou identificados,
lo: Moderna, 1997. 160 p.
CONCLUSÕES
justificando-se com o fato de não
estarem capacitados para o ade-
A realização deste estudo per-
quado atendimento.
AZEVEDO, Mª Amélia. Violência doméstica na infância e na adolescência. São Paulo: Robe, 1995. 126 p.
mitiu a análise do fenômeno da vi-
Salientamos a preocupação de-
olência em uma de suas nuanças,
monstrada pelos entrevistados, no
os maus-tratos na infância e ado-
que tange à participação de uma
lescência, conforme compreendidos
equipe multiprofissional, de modo
BARROS FILHO , Clóvis et al. Violência
pelos(as) enfermeiros(as) de um hos-
que haja uma concentração de es-
em debate. São Paulo: Moderna,
pital público. Constatando-se que,
forços a fim de estabelecer um pro-
1997. 260p.
196 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 186-197, maio/ago. 2005
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197
DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais
de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
Home-Based Care: a Response to the Health Needs of People with
Disabilities and Dependency
Maria de Fátima Faria Duayer1
Maria Amélia de Campos Oliveira2
Recebido: 29/09/03
Modificado: 13/05/04
Aprovado: 01/07/04
RESUMO
Mudanças no perfil demográfico da população brasileira e nas condições
de vida demandam a reorganização dos serviços de saúde de modo a
responder às necessidades de saúde de pessoas com perdas funcionais e
dependência. Este trabalho tem como objeto os cuidados domiciliares no
Sistema Único de Saúde, como uma resposta às necessidades de saúde de
pessoas com perdas funcionais e dependência. Pretende-se discutir a
inserção desses cuidados nos vários níveis de complexidade do Sistema,
propor um critério de elegibilidade para o recebimento desses cuidados,
definir e hierarquizar as atividades necessárias para o provimento dos
mesmos e oferecer subsídios para a compreensão das especificidades do
processo de trabalho das equipes, de forma a contribuir para a formulação
de diretrizes para o provimento desses cuidados.
PALAVRAS-CHAVE: Cuidados Domiciliares de Saúde; Determinação de Necessidades
de Cuidados de Saúde.
ABSTRACT
Changes in Brazilian demographic and social trends demand for the
reorganization of healthcare services, in order to respond to the health
Médica sanitarista. Membro do Grupo de
Assessoria da Coordenadoria da Atenção
Básica da Secretaria Municipal de Saúde
de São Paulo, São Paulo, Brasil.
e-mail: [email protected]
1
Enfermeira. Professora doutora,
Departamento de Enfermagem em
Saúde Coletiva, Escola de Enfermagem,
Universidade de São Paulo,
São Paulo, Brasil.
e-mail: [email protected]
2
needs of disabled and dependent people. This study focuses on home-based
care in the Brazilian Unified Health System (SUS) and its potential as a
response to the health needs of these social groups. It intends to discuss
the insertion of this type of care into various levels of the health system; to
propose eligibility criteria to qualify for this type of care; to define and
create hierarchies for the related activities; and to discuss the specific aspects
of home-based healthcare teams work processes, contributing to the creation
of guidelines for providing these services.
KEYWORDS: Home Care Services; Needs Assessment
198 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
INTRODUÇÃO
do idoso em seu domicílio, em con-
na sociedade brasileira, viver mais
dições adequadas, está associada a
não quer dizer necessariamente vi-
As necessidades de saúde da po-
uma melhor qualidade de vida do que
ver melhor, e o aumento da expecta-
pulação mundial vêm sofrendo gran-
quando ele é institucionalizado; que
tiva de vida não está sendo acompa-
des mudanças. No século XX, a ex-
o envelhecimento da população pro-
nhado por melhor qualidade de vida,
pectativa de vida aumentou de uma
duz alterações na demanda dos ser-
o que repercute nas condições de
média de 47,3 anos em 1900, para
viços de saúde, que se expressam
saúde dos idosos, que envelhecem
75,4 anos em 1990, com as mulhe-
pelo aumento de casos de doenças
com maior grau de dependência, cri-
res vivendo cerca de sete anos mais
crônico-degenerativas e risco de in-
ando novas necessidades que vêm
do que os homens (SMELTZER ; BARE,
capacidades, e que a elevação dos
desafiar os serviços de saúde. Ao
2002). Nos próximos 20 anos, as
custos dos sistemas de saúde decor-
mesmo tempo, as condições violen-
doenças crônico-degenerativas serão
re principalmente do consumo eleva-
tas de vida provocam maior número
as principais causas de incapacida-
do de serviços hospitalares ou insti-
de seqüelas de traumatismos crâni-
des, enquanto a AIDS , a tuberculose
oencefálicos e raquimedulares por
e a malária continuarão sendo im-
acidentes ou armas de fogo que atin-
portantes causas de morbidade e
gem populações mais jovens.
morte. As estimativas de crescimen-
O AUMENTO DA EXPECTATIVA DE VIDA NÃO
to de até 300% da população idosa
ESTÁ SENDO ACOMPANHADO POR MELHOR
gráfico e nas condições de vida da
de muitos países em desenvolvimen-
QUALIDADE DE VIDA, O QUE REPERCUTE
população brasileira demandam a
to e o não menos importante aumen-
Essas mudanças no perfil demo-
reorganização dos serviços de saú-
to do número de idosos nos países
NAS CONDIÇÕES DE SAÚDE DOS IDOSOS,
desenvolvidos resultarão em uma
QUE ENVELHECEM COM MAIOR
dades dos indivíduos com perdas
ampliação da demanda por cuidados
GRAU DE DEPENDÊNCIA
funcionais e dependência, e de suas
domiciliares no mundo (WHO, 2000).
de de modo a responder às necessi-
famílias, o que inclui a prestação
No Brasil, segundo dados do cen-
de cuidados de saúde no domicílio.
so demográfico de 2000, a esperan-
A necessidade de utilização mais
ça de vida ao nascimento é de 68,6
tucionais por idosos mais vulnerá-
eficiente dos recursos de saúde esti-
anos (64,8 anos para o sexo mascu-
veis (ESPINOSA ALMENDRO et al., 2000).
mulou a criação de Programas e
lino e 72,6 anos para o feminino) e
As mudanças demográficas que
Serviços para o provimento de cui-
a esperança de vida livre de incapa-
vêm sendo observadas há algumas
dados domiciliares nos setores pú-
cidade, de 54 anos (IBGE, 2000).
décadas no Brasil demonstram um
blico e privado. No setor público,
Os cuidados domiciliários de saú-
crescimento da população idosa, o
muitas experiências ligadas a hos-
de estão em rápida expansão em vá-
que acarreta um aumento das doen-
pitais (D UARTE; DIOGO , 2000) origina-
rios países. Isto se deve basicamente
ças crônico-degenerativas, freqüen-
ram-se de tentativas de racionaliza-
à interação, em diferentes medidas,
temente presentes nesse grupo popu-
ção do uso dos leitos e tiveram o
do entendimento que a permanência
lacional (Q UEIROZ, 2000). No entanto,
mérito de demonstrar que é possí-
1
1
A esperança de vida livre de incapacidade possibilita distinguir entre o número de anos vividos livres de qualquer tipo de deficiência e o
número de anos vividos com pelo menos uma deficiência ou incapacidade.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
199
DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos
vel prover, no domicílio, com me-
da Secretaria de Saúde do Município
pacientes e familiares no processo
lhoria da qualidade de vida do pa-
de São Paulo (DUAYER et al., 2002) e de
de cuidar, fundamentada em Leo-
ciente, cuidados até então restritos
uma revisão da literatura, à luz dos
nardo Boff, para quem
ao ambiente hospitalar.
princípios da universalidade, da eqüi-
Essas iniciativas em geral foram
dade e da integralidade do SUS.
constituídas a partir das necessida-
CONSIDERAÇÕES SOBRE
O CUIDADO NO DOMICÍLIO
des dos serviços desse nível de atenção à saúde. Em que pese sua contribuição, não foram suficientes
“cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um
momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com
o outro.” (BOFF , 1999)
para permitir a formulação de dire-
Por serem múltiplas as necessi-
trizes para a reorganização dos equi-
dades das pessoas com perdas fun-
Os sentimentos experimentados
pamentos públicos de saúde, de for-
cionais e dependência, é necessário
no cuidado criam vínculos entre
ma a responder pela prestação de
partir de uma concepção ou de um
pacientes, equipe de saúde e famili-
cuidados no domicílio, em conso-
ares, laços de confiança geradores de
nância com os princípios da Refor-
solidariedade, que podem proporci-
ma Sanitária, a reorganização da
onar melhor qualidade de vida para
prática assistencial proposta pelo
os pacientes e seus cuidadores.
Programa Saúde da Família (PSF),
a Política Nacional do Idoso Brasile
de Pessoas Portadoras de Deficiências (BRASIL, 1994, 1996, 2002).
Este trabalho tem como objeto os
OS SENTIMENTOS EXPERIMENTADOS
NO CUIDADO CRIAM VÍNCULOS ENTRE
PACIENTES, EQUIPE DE SAÚDE E FAMILIARES,
LAÇOS DE CONFIANÇA GERADORES
cuidados domiciliários no Sistema
DE SOLIDARIEDADE
Único de Saúde (SUS), como uma
Esta concepção está de acordo
com a reorganização da prática assistencial proposta pelo PSF, que
busca substituir o atual modelo de
assistência por novas práticas estruturadas na lógica da atenção à saúde, “afirmando a indissociabilidade
resposta às necessidades sociais de
entre os trabalhos clínicos e a pro-
saúde de pessoas com perdas funci-
moção da saúde”, concebendo os
onais e dependência e de suas famí-
usuários dos serviços como sujei-
lias. Pretende-se discutir a inserção
conjunto de idéias que promova uma
tos do seu processo saúde-doença
destes cuidados nos vários níveis de
ampliação do objeto de intervenção
(BRASIL , 1997).
complexidade do Sistema, propor
dos profissionais de saúde para
“O enfoque assistencialista e de-
um critério de elegibilidade para o
além da dimensão biológica e indi-
sarticulador [que caracteriza a atu-
recebimento desses cuidados, defi-
vidual da assistência e em conso-
ação tradicional do setor saúde] vem
nir e hierarquizar as atividades ne-
nância com a reorganização da prá-
gerando dependentes sociais, tratan-
cessárias para o provimento dos
tica assistencial proposta pelo Pro-
do os indivíduos como permanen-
mesmos e oferecer subsídios para a
grama Saúde da Família (PSF).
tes receptores de benefícios externos
compreensão das especificidades do
Propõe-se, aqui, uma concep-
e não como cidadãos com direitos
ção abrangente de cuidado que
resguardados constitucionalmente.”
Esta discussão e proposições se-
contemple a riqueza dos sentimen-
O PSF propõe “... o exercício de uma
rão construídas a partir da análise dos
tos e das relações humanas viven-
nova prática, com base em outra ra-
serviços de Assistência Domiciliária
ciadas por profissionais de saúde,
cionalidade, partindo de uma pre-
processo de trabalho das equipes.
200 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
missa solidária e construída de for-
vida, a preservação ou a recupera-
res de doenças crônicas, transmissí-
ma democrática e participativa, ca-
ção da saúde por meio da instru-
veis ou não, como tuberculose, cân-
paz de transformar os indivíduos em
mentalização do paciente e/ou seu
cer e moléstias cardiovasculares;
verdadeiros atores sociais e sujei-
cuidador e da disponibilização di-
portadores de deficiências físicas ou
tos do próprio processo de desenvol-
reta ou referenciada dos recursos
sensoriais, independente da etiologia
vimento” (BRASIL , 1997), com direi-
materiais e humanos necessários à
destas; pessoas HIV positivas ou com
tos assegurados pela Lei dos Direi-
realização das ações pertinentes à
AIDS ; pessoas incapacitadas definiti-
tos dos Usuários (BRASIL, 2000).
sua condição de saúde.
va ou temporariamente devido a aci-
As definições e experiências de
A finalidade do provimento des-
dentes por causas externas ou ou-
Assistência Domiciliária no Brasil
ses cuidados é ampliar o acesso de
tros; portadores de doenças mentais
(PAPALÉO NETTO , 1999; DUARTE; D IOGO ,
pessoas funcionalmente incapacita-
e principalmente os cuidadores das
2000; B RASIL, 2002) estão centradas
das e com dependência aos serviços
na realização no domicílio de pro-
e cuidados de saúde, mediante a
cedimentos por profissionais de saú-
esta afirmação, que as pessoas com
res como sujeitos e co-partícipes de
incapacidades funcionais e depen-
projetos terapêuticos. Como tomam
víduo com dependência e não as
É aceito, embora não haja estudos que confirmem de modo claro
de, envolvendo pacientes e familia-
como objeto da intervenção o indi-
pessoas acima identificadas.
PESSOAS COM INCAPACIDADES FUNCIONAIS
dência que são cuidadas no domicílio alcançam melhor qualidade de
E DEPENDÊNCIA QUE SÃO CUIDADAS NO
vida do que aquelas mantidas em
grupos aos quais pertencem, tais
DOMICÍLIO ALCANÇAM MELHOR QUALIDADE
hospitais ou institucionalizadas (ES-
definições não ultrapassam a dimen-
DE VIDA DO QUE AQUELAS MANTIDAS EM
necessidades sociais de saúde dos
são individual da assistência.
Assim sendo, em substituição ao
HOSPITAIS OU INSTITUCIONALIZADAS
PINOSA
ALMENDRO et al., 2000). São
beneficiadas ao terem garantido o
acesso aos serviços e à assistência
mais humanizada, o que favorece o
à denominação ‘assistência domi-
exercício da autonomia e da respon-
ciliária’, propõe-se aqui a designa-
sabilidade pela própria saúde.
ção ‘cuidados domiciliários’ para
Para os serviços de saúde, a re-
designar o conjunto articulado de
ação conjunta e integrada da famí-
ações que operacionalizam políti-
lia, da sociedade organizada e do
cas públicas de saúde que visam
Estado, de forma a viabilizar a es-
as diminui o risco de iatrogenias e
responder a necessidades sociais de
ses indivíduos a melhor qualidade
aumenta a rotatividade dos leitos
saúde de pessoas com perdas fun-
de vida e o maior grau de indepen-
hospitalares. A continuidade e a ar-
cionais e dependência.
dência possíveis, incentivando a
ticulação das ações desenvolvidas
Os cuidados domiciliários de saú-
autonomia, a participação social, a
pela Atenção Básica e Unidades Hos-
de compreendem o conjunto de atos
dignidade e solidariedade humanas
pitalares e de Emergência aumenta
e relações que acontecem no domi-
(WHO, 2000).
a resolubilidade das mesmas e pro-
dução das internações desnecessári-
cílio, envolvendo paciente, familia-
Segundo a Organização Mundi-
move o compartilhamento de respon-
res e equipe de saúde, com a finali-
al da Saúde (WHO, 2000), a popula-
sabilidades entre os níveis do siste-
dade de promover a inclusão soci-
ção que necessita de cuidados do-
ma de saúde, aumentando assim sua
al, a melhoria da qualidade de
miciliários de saúde inclui portado-
eficiência, eficácia e efetividade.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
201
DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos
A INSERÇÃO DOS CUIDADOS DOMICILIÁRIOS
NO SUS E A ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL
atendimento de outros profissionais
não necessitam obrigatoriamente da
de saúde, a exemplo de nutricionis-
infra-estrutura hospitalar. Tais pa-
tas, fisioterapeutas, entre outros,
cientes devem ser assistidos por ser-
O Grupo de Estudos sobre Cui-
que nem sempre compõem o qua-
viços de Internação Domiciliária – ID
dados Domiciliários constituído pela
dro das UBS. Mesmo assim, deve-
(C OTTA et al.,2001), que devem con-
OMS recomenda que esses cuidados
se evitar a organização de serviços
tar com equipes multiprofissionais
integrem a Atenção Primária nos
paralelos para o atendimento de ne-
próprias, constituídas para esses
países em desenvolvimento (WHO,
cessidades específicas de alguns
atendimentos, e com a retaguarda
2000). São características dessa
grupos de pacientes.
de uma unidade hospitalar.
modalidade de assistência o segui-
A OMS não recomenda a consti-
A ID é caracterizada pela transito-
mento, a atenção longitudinal e con-
tuição de serviços específicos para
riedade, freqüência e complexidade da
tínua dos pacientes acamados e a
determinados grupos de indivíduos
assistência (idem). Ao contrário dos
vigilância à saúde no domicílio, sen-
ou patologias porque se tornam frag-
cuidados domiciliários prestados pela
do que a Atenção Básica é a principal
Atenção Básica, a ID deve ter uma
responsável por essas ações (ESPINOSA
duração limitada (idem) e a alta po-
ALMENDRO, 2000; COTTA et al., 2001).
derá acontecer por cura, óbito, rein-
Assim sendo, os cuidados domiciliários devem integrar o nível de
OS CUIDADOS DOMICILIÁRIOS
Atenção Básica do SUS, ampliando
DEVEM INTEGRAR O NÍVEL DE
o acesso da população aos serviços.
ATENÇÃO B ÁSICA DO SUS,
Cabe salientar que ações de inclu-
ternação hospitalar ou estabilização
do quadro clínico, com referência do
paciente para a Atenção Básica.
A ID pode ser uma alternativa à
internação hospitalar prolongada ou
são social e promoção da saúde, fi-
AMPLIANDO O ACESSO DA
à institucionalização, desde que os
nalidades desses cuidados, reque-
POPULAÇÃO AOS SERVIÇOS
problemas de saúde dos pacientes
rem o compartilhamento de respon-
exijam cuidados de complexidade
sabilidades entre o setor saúde e
compatível com o ambiente do do-
outros setores governamentais, bem
micílio e o suporte familiar permita
como a participação de segmentos
o provimento de cuidados de quali-
organizados da sociedade.
mentados, desarticulados, medica-
dade. Para isto, é necessário que a
As Unidades Básicas de Saúde
lizados e muito onerosos, portanto
oferta desses cuidados seja feita de
(UBS) devem realizar, na própria
menos custo-efetivos (ESPINOSA ALMEN-
forma contínua, independentemente
Unidade ou no domicílio, o acom-
DRO
et al., 2000; WHO, 2000). É ne-
das patologias causadoras das in-
panhamento ambulatorial dos paci-
cessário estabelecer uma articula-
capacidades, da idade e do tempo
entes com dependência, de acordo
ção em rede entre os diferentes ser-
de sobrevida dos pacientes, incluin-
com suas condições clínicas. Mui-
viços dos vários níveis do Sistema,
do assim desde jovens com incapa-
tas vezes as condições clínicas e/ou
de forma a integrar e apoiar as UBS.
cidades, até idosos e pacientes com
psicossociais das pessoas com de-
Alguns pacientes com quadros
doenças em fase terminal (ESPINOSA
pendência, principalmente dos paci-
clínicos mais graves exigem cuida-
entes terminais, são bastante com-
dos de maior complexidade que su-
Um trabalho realizado com a fi-
plexas e requerem a intervenção de
peram aqueles que podem ser ofe-
nalidade de caracterizar os serviços
outros especialistas médicos ou o
recidos pela Atenção Básica, mas
de Assistência Domiciliária da Se-
202 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
ALMENDRO et al., 2000).
Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
cretaria de Saúde do Município de
de do quadro clínico, a presença de
grau de incapacidade funcional dos
São Paulo (DUAYER et al., 2002) ilus-
um cuidador no domicílio e a com-
pacientes e não na patologia que cau-
tra a importância de discutir a in-
plexidade dos cuidados, que deve
sou a dependência, ou mesmo em
serção dos cuidados domiciliários
ser compatível com as condições do
grupos etários. Deve permitir acesso
no sistema de saúde. O estudo reve-
domicílio e possibilidades do servi-
equânime dos pacientes a serem be-
lou uma superposição de atividades
ço. Esses critérios respondem à fi-
neficiados, de forma que todos aque-
realizadas por serviços de níveis
nalidade de prover no domicílio, com
les que apresentarem a mesma con-
hierárquicos diferentes, já que tan-
a participação do cuidador famili-
dição tenham a possibilidade de re-
to os Hospitais como as Unidades
ar, cuidados que até então eram re-
ceber os mesmos cuidados.
de Saúde responsabilizavam-se por
alizados nos hospitais.
Muitas pessoas não têm acesso
pacientes que demandavam cuida-
Ao pensar a inserção dos cuida-
aos serviços de saúde por estarem
dos de complexidade semelhante,
dos domiciliários no SUS, respeitan-
incapazes de utilizar o transporte
sugerindo pouca racionalidade na
do os princípios de universalidade,
público e a solução para este pro-
utilização dos recursos existentes
blema não pode ser simplesmente
nos equipamentos hospitalares. A
o atendimento no domicílio, o que
inexistência de serviços de ID não
ampliaria muito a clientela, ao in-
permitia aos Hospitais Municipais
vés de reconhecer a necessidade de
e, conseqüentemente, ao Sistema
Municipal de Saúde, aumentar a
rotatividade e otimizar o uso dos
leitos hospitalares.
Esses achados reafirmam a necessidade de definição das competências dos diversos serviços envol-
POBREZA EXTREMA E RESIDÊNCIA
NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA, APESAR
DE NÃO CONSTITUÍREM CRITÉRIOS DE
ELEGIBILIDADE, DEVEM SER CONSIDERADOS
NA INCLUSÃO DO PACIENTE
adequar o espaço urbano às mudanças ocorridas na população,
por meio de políticas públicas e
ações intersetoriais.
Pobreza extrema e residência na
área de abrangência, apesar de
não constituírem critérios de ele-
vidos e o compartilhamento de res-
gibilidade, devem ser considera-
ponsabilidades entre os vários níveis
dos na inclusão do paciente por-
do Sistema, além da formulação de
que irão influenciar a operaciona-
um critério de elegibilidade para o
integralidade e eqüidade, o importan-
recebimento desses cuidados e a
te é responder quem, dentre todas as
A ausência de tais critérios tem
definição e hierarquização das ati-
pessoas com dependência, deve re-
implicações éticas, pois remete ao
vidades necessárias em cada nível.
ceber cuidados de saúde no domicí-
profissional que atua nos serviços
lio. Assim, a definição de um crité-
a decisão sobre quem terá acesso
rio de elegibilidade é de fundamen-
aos cuidados, com base em suas
tal importância quando se pensa o
experiências individuais. Isto impli-
provimento desses cuidados como
ca o risco de ampliação dos poten-
resposta a necessidades sempre cres-
ciais usuários do serviço sem uma
centes, frente a recursos limitados.
compatibilização dos recursos dis-
CRITÉRIO DE ELEGIBILIDADE E
HIERARQUIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
Dentre os critérios de elegibilidade adotados pelos serviços de As-
lização do serviço.
sistência Domiciliária de Hospitais
O critério de elegibilidade para o
poníveis, o que poderá ferir o prin-
Públicos de São Paulo (D UARTE; DIO -
recebimento de cuidados domiciliá-
cípio da eqüidade e gerar conflitos
GO,
rios de saúde deve estar baseado no
para o profissional que terá que ne-
2000) predominam a estabilida-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
203
DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos
gar o atendimento a um paciente por
insuficiência de recursos.
Critério de elegibilidade
Com base em Pitelli da Guia, Duayer & Mishima (2000), propõe-se
como critério de elegibilidade para o
recebimento de cuidados de saúde no
domicílio o grau de Incapacidade
Funcional para as Atividades da Vida
Diária,2 definido com base na Escala
de Avaliação da Incapacidade Funcional da Cruz Vermelha Espanhola
• Grau 5 – Imobilizado na cama
• Prestação eventual de cuidados
ou sofá, necessitando de cuidados
de enfermagem, no âmbito do do-
contínuos.
micílio, para os pacientes classifi-
Atividades desenvolvidas para
provimento dos cuidados de saúde
Os cuidados domiciliários de
saúde incluem a execução das seguintes atividades:
• Avaliação do grau de incapacidade funcional do paciente e do
grau de dependência para as atividades da vida diária (por meio da
cados como demandando cuidados
domiciliários de segundo nível.
• Prestação rotineira de cuidados médicos, de enfermagem e outros, no âmbito do domicílio, para
os pacientes classificados como demandando cuidados domiciliários
de terceiro nível.
• Transporte para a Unidade
Hospitalar referenciada ou Ambulatório de Especialidades, quando
(PAPALÉO NETTO, 1999).
necessário, para os pacientes que
• Grau 0 – Vale-se totalmente por
si mesmo. Caminha normalmente.
• Grau 1 – Realiza suficientemen-
demandam cuidados domiciliários
PROPÕE- SE COMO CRITÉRIO DE ELEGIBILIDADE
de terceiro nível.
De acordo com atividades a se-
te as Atividades da Vida Diária
PARA O RECEBIMENTO DE CUIDADOS DE
rem desenvolvidas na prestação dos
(AVD). Apresenta algumas dificulda-
SAÚDE NO DOMICÍLIO O GRAU DE
cuidados, estes podem ser hierarqui-
des para locomoções complicadas.
INCAPACIDADE FUNCIONAL PARA AS
ATIVIDADES DA VIDA D IÁRIA
zados em três níveis: cuidados de
• Grau 2 – Apresenta algumas
dificuldades nas AVD, necessitando
Hierarquização dos cuidados
apoio ocasional. Caminha com aju-
Cuidados domiciliários de pri-
da de bengala ou similar.
• Grau 3 – Apresenta graves dificuldades nas AVD, necessitando de
apoio em quase todas. Caminha com
muita dificuldade, ajudado por pelo
menos uma pessoa.
• Grau 4 – Impossível realizar,
primeiro, segundo e terceiro nível.
meiro nível
Escala de Avaliação da Incapacida-
São elegíveis para este nível de
de Funcional da Cruz Vermelha Es-
cuidados pacientes com graus 1 ou
panhola), das condições de salubri-
2 de incapacidade funcional, vin-
dade de seu domicílio e da disponi-
culados a uma unidade ambulato-
bilidade de cuidador.
rial, que pode ser uma UBS ou um
Ambulatório de Especialidades.
sem ajuda, qualquer das AVD. Ca-
• Apoio e capacitação do cuidador.
paz de caminhar com extraordiná-
• Oferta dos materiais e medica-
de cuidador no domicílio. Um
ria dificuldade, ajudado por pelo
mentos imprescindíveis ao provi-
exemplo são os portadores de do-
menos duas pessoas.
mento dos cuidados.
ença pulmonar obstrutiva crônica
Não é obrigatório que disponham
As atividades da vida diária podem ser discriminadas como: 1)Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD): alimentação, banho, higiene,
vestuário, transferência e continência; e 2) Atividades Instrumentais da Vida Diária: lavar, cozinhar, trabalhos domésticos, telefonar,
comprar, utilizar meios de transporte e cuidar dos medicamentos e das finanças.
2
204 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
que necessitam de oxigenioterapia
• Monitoramento domiciliar do
to à necessidade de receber cuida-
no domicílio, sem outras compli-
paciente, com periodicidade mínima
dos domiciliários de terceiro nível.
cações clínicas geradoras de perdas
de 6 meses, com o objetivo de avali-
funcionais mais graves.
ar riscos ambientais e prevenir que-
Neste nível, os cuidados domiciliários abrangem as seguintes atividades:
• Avaliação das condições do domicílio com o objetivo de identificar
riscos ambientais e prevenir quedas
e acidentes domésticos.
• Educação para o autocuidado,
que deverá ser realizada na Unida-
das e acidentes domésticos.
ceiro nível
• Educação para o autocuidado.
São elegíveis para os cuidados
• Oferta de materiais e medica-
domiciliários de terceiro nível pa-
mentos imprescindíveis ao provi-
cientes que apresentam graus 4 ou
mento dos cuidados.
5 de incapacidade e que dispõem
• Apoio e treinamento do cuidador para o desempenho de suas atividades junto ao paciente.
São elegíveis para este nível de
cuidados pacientes com grau 3 de
incapacidade funcional, vinculados
ma ininterrupta.
de cuidado, deve-se considerar, além
da incapacidade funcional, a gravi-
mentos imprescindíveis ao provi-
gundo nível
isto é, durante dia e noite de for-
a serem desenvolvidas neste nível
• Oferta de materiais e medica-
Cuidados domiciliários de se-
de um cuidador em tempo integral,
Para a definição das atividades
de de Saúde à qual está vinculado.
mento dos cuidados.
Cuidados domiciliários de ter-
SÃO ELEGÍVEIS PARA OS CUIDADOS
dade do quadro clínico apresentado
DOMICILIÁRIOS DE TERCEIRO NÍVEL
A gravidade do quadro clínico
PACIENTES QUE APRESENTAM GRAUS
4 OU 5 DE INCAPACIDADE E QUE DISPÕEM
DE UM CUIDADOR EM TEMPO INTEGRAL
pelo paciente.
determinará a periodicidade das
visitas médicas necessárias para
o acompanhamento do paciente e
também a necessidade de atendimento pelos diversos profissionais
a uma Unidade de Saúde. Devem
da área de saúde como nutricio-
dispor obrigatoriamente de um
nistas, fisioterapeutas, fonoaudi-
cuidador no domicílio, mas não ne-
ólogos e outros. Portanto, a gravi-
cessariamente durante as 24 horas.
Estes pacientes necessitam da ajuda
de um cuidador para executar apenas algumas das atividades da vida
diária, em intervalos regulares, de
forma que o cuidador não necessita
• Prestação de cuidados de enfermagem eventuais no âmbito domiciliar, como coleta de exames laboratoriais, controle de dados vitais,
troca de cateteres ou outros.
dade do quadro determinará se
este paciente estará vinculado a
uma Unidade Básica ou a um serviço de Internação Domiciliária.
Quando a gravidade apresentada pelo paciente for compatível com
ficar permanentemente à sua dispo-
A assistência médica para esses
o atendimento ambulatorial e a pe-
sição. São exemplos pacientes com
pacientes deverá ser realizada no
riodicidade de visitas médicas ne-
limitação motora importante devido
serviço de saúde. Quando houver
cessárias ao tratamento puder ser
a seqüelas de AVC ou osteoartrose.
necessidade de avaliação médica
mensal, apesar do paciente ser res-
Os cuidados domiciliários de se-
com intervalos menores que uma
trito ao leito, ele deverá estar vin-
gundo nível abrangem as seguintes
consulta de rotina a cada 30 dias, o
culado a uma unidade ambulatori-
atividades:
paciente deverá ser reavaliado quan-
al e receber os cuidados de saúde,
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
205
DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos
inclusive a consulta médica, no do-
O cuidado de maior complexi-
vierem a falecer no domicílio. Para
micílio. Este é o caso, por exemplo,
dade e freqüência, prestado a esse
isto, poderá contar com a retaguar-
de paciente portador de seqüela de
pequeno contingente de pacientes
da de uma Unidade Hospitalar pre-
AVC, que não deambula, restrito ao
mais graves, durante determinado
viamente integrada ao serviço, que
leito e que utiliza ou não sonda para
período de sua história clínica,
se responsabilizará pelo atendimen-
alimentação; ou de um indivíduo
constitui a ID. Na ID, o médico de-
to a intercorrências e óbitos que
portador de paraplegia com ou sem
verá realizar a visita acompanha-
acontecerem no período noturno,
úlceras de pressão, com quadros
do por uma auxiliar de enfermagem
feriados e finais de semana. O aten-
clinicamente estáveis.
para viabilizar a realização de pro-
dimento a intercorrências, o preen-
A UBS deverá contar com a reta-
cedimentos como hidratação veno-
chimento do atestado de óbito e o
guarda de um Ambulatório de Es-
sa ou administração de medica-
apoio ao cuidador criarão as con-
pecialidades e/ou uma Unidade de
mentos injetáveis. Este caráter da
Reabilitação, através do sistema de
visita médica aumenta sua resolu-
referência e contra-referência, para o
por de um prontuário médico no
fisioterapeutas, nutricionistas e as-
domicílio para que possam dispo-
litar o atendimento às demandas es-
A EQUIPE RESPONSÁVEL PELA
pecíficas dos pacientes, qualifican-
PRESTAÇÃO DOS CUIDADOS
do assim o cuidado no domicílio.
Os pacientes com quadros clínicos mais graves, a exemplo de pessoas com Doença de Alzheimer em
estágio avançado, em fase terminal
lização” da morte.
Os pacientes em ID deverão dis-
apoio de outros profissionais como
sistentes sociais, de forma a possibi-
dições objetivas para a “desospita-
CARACTERIZADOS COMO ID DEVE
SE ORGANIZAR PARA O ATENDIMENTO
DAS INTERCORRÊNCIAS CLÍNICAS
nibilizá-lo aos médicos da Unidade
Hospitalar que os atenderão nas
eventualidades acima.
As atividades que compõem os
cuidados de terceiro nível são:
• Prestação de cuidados médicos,
de enfermagem e outros necessári-
de doenças degenerativas, ou com
os à recuperação e preservação da
rebaixamento do nível de consciên-
saúde do paciente no domicílio.
cia, entre outros, devem estar vinculados a uma equipe multidisciplinar
bilidade, evita deslocamentos e pe-
própria, composta minimamente pe-
ríodos de observação desnecessá-
los profissionais – médico, enfermei-
rios nos Pronto-Atendimentos e
ra, fisioterapeuta, nutricionista e as-
Pronto-Socorros.
• Capacitação e apoio do cuidador familiar.
• Garantia de transporte até o serviço hospitalar referenciado, quan-
sistente social – a fim de permitir a
A equipe responsável pela pres-
periodicidade de visitas com interva-
tação dos cuidados caracterizados
los menores e a complexidade de
como ID deve se organizar para o
cuidados que o quadro do paciente
atendimento das intercorrências clí-
exige. Esta equipe deverá se respon-
nicas apresentadas pelos pacientes
• Garantia para os pacientes com
sabilizar pelo atendimento das inter-
assistidos, freqüentes pela vulne-
maior gravidade de quadro clínico
corrências clínicas que surgirão e o
rabilidade e gravidade do quadro
do atendimento às intercorrências
fornecimento do atestado para o óbi-
clínico, e para o fornecimento do
clínicas e fornecimento do atestado
to que ocorrer no domicílio.
atestado de óbito aos pacientes que
para o óbito ocorrido no domicílio.
206 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
do necessário.
• Oferta dos insumos imprescindíveis ao provimento dos cuidados.
Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
ESPECIFICIDADES DO
PROCESSO DE TRABALHO
ção da alimentação, no comporta-
podem culminar em isolamento so-
mento, no padrão do sono.
cial, ansiedade, depressão e mes-
No cuidado do paciente terminal,
mo doenças orgânicas (Karsch,
O cuidado no domicílio envolve
muitas vezes a equipe de saúde deve
1998). Com vistas a minimizar a
a participação do paciente, da famí-
tomar decisões que envolvem posi-
ocorrência de tais distúrbios, pro-
lia e da equipe de saúde. Aos fami-
cionamentos éticos, como a pertinên-
põe-se que a atividade de cuidador
liares cabe zelar para que o ambi-
cia de procedimentos mais ou me-
seja desenvolvida de forma solidá-
ente do domicílio seja próprio para
nos intervencionistas e o transporte
ria, isto é, que cada paciente possa
o cuidado e assumir a responsabili-
para o hospital do paciente na pro-
dispor de mais de um cuidador, de
dade pela alimentação, cuidados de
ximidade da morte, decisões essas
forma a viabilizar o usufruto de
higiene, administração de medica-
que devem ser tomadas junto com o
períodos de descanso.
mentos orais para o paciente, quan-
paciente ou com seus familiares,
A solidariedade precisa ser exer-
do este é dependente. Os profissio-
respeitando suas crenças e valores.
cida não apenas em relação ao pa-
nais de saúde devem se responsabi-
ciente, mas também em relação ao
lizar pelas orientações e execução
cuidador, num movimento que in-
dos procedimentos técnicos cabíveis
centive a valorização e o reconheci-
no provimento do cuidado. A todos
mento do seu papel social.
cabe o empenho no desenvolvimento de um relacionamento com base
O PACIENTE E SEUS FAMILIARES
no respeito, no diálogo e no afeto
DEVEM SER INFORMADOS SOBRE
para viabilizar a recuperação do
SEU ESTADO DE SAÚDE E PARTICIPAR
paciente e, quando ela não é mais
possível, uma atitude positiva fren-
DOS PROJETOS TERAPÊUTICOS
te à doença e à morte.
Ao posicionar o cuidador como
elemento nuclear e viabilizador deste
modelo de assistência, entende-se
que os serviços de cuidados domiciliários devem se organizar para
lhes oferecer o apoio psíquico e
emocional imprescindível ao desen-
O paciente e seus familiares de-
volvimento de suas atividades.
vem ser informados sobre seu es-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tado de saúde e participar dos projetos terapêuticos, atuando como
sujeitos no processo saúde-doen-
A atividade do cuidador informal
Os serviços de saúde ainda não
ça e no cuidado. É importante que
A atividade de cuidador informal
estão devidamente estruturados para
estejam cientes das rotinas do ser-
pode ser executada por qualquer pes-
o provimento de cuidados de saúde
viço, a exemplo dos parâmetros
soa adulta e capaz, que seja membro
no domicílio, principalmente para
para o estabelecimento da perio-
da família ou da comunidade. Consti-
pacientes restritos ao leito, que aca-
dicidade das visitas ou do proce-
tui-se em atividade essencialmente
bam por recorrer ao atendimento nos
dimento em caso de intercorrênci-
voluntária e não profissionalizante.
serviços hospitalares e de emergên-
as clínicas. Os familiares devem
As atividades pertinentes ao cui-
cia, que não assumem o seu acom-
ser orientados sobre como proce-
dador implicam profundas mudan-
der a vigilância do estado de saú-
ças no seu cotidiano, as quais fre-
Até o momento, sequer é possí-
de do paciente, ou seja, estar aten-
qüentemente incorrem em processos
vel a caracterização dessas pessoas
tos para as mudanças na aceita-
de desgaste físico e emocional que
e permanecem desconhecidos faixa
panhamento sistemático e regular.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
207
DUAYER, Maria de Fátima Faria & OLIVEIRA, Maria Amélia de Campos
etária, sexo, causas da incapaci-
cais e regionais; dimensionar os re-
as. Normas Jurídicas do Senado Fe-
dade, grau de dependência, perfil
cursos materiais necessários à im-
deral. 1994. Brasília (DF). Disponível
do cuidador. Tampouco há parâ-
plantação e operacionalização da
em: http://www.senado.gov.br. Aces-
metros para o dimensionamento do
proposta; definir conteúdos para
so em: 29 ago. 2002.
cuidado e dos recursos necessários
qualificação da força de trabalho em
à sua consecução.
saúde; criar um sistema de informa-
BRASIL. Decreto n. 1.948, de 3 de julho de 1996. Regulamenta a Lei n.
A Estratégia Saúde da Família e
ção e definir indicadores que permi-
hospitais públicos vêm responden-
tam o conhecimento e avaliação dos
do pelo provimento de cuidados do-
serviços prestados; propor estraté-
miciliares nos seus respectivos ní-
gias de financiamento para o provi-
veis de atenção, responsabilizando-
mento destes cuidados para legiti-
se pelos cuidados domiciliares dos
má-los enquanto política pública na
usuários de seus respectivos servi-
esfera do SUS e oferecer subsídios
ços. Carecem, entretanto, de maior
para a organização de ações para
sistematização, possivelmente por
promover o envelhecimento ativo e
BRASIL. Ministério da Saúde. Secre-
ausência de uma política que nor-
a inclusão social dos indivíduos
taria de Assistência à Saúde. Coor-
teie essas ações.
com dependência e seus cuidadores.
denação de Saúde da Comunidade.
É necessário partir dessas expe-
A reflexão sobre os serviços de
Saúde da família: uma estratégia
riências pioneiras, inovadoras, e
cuidados domiciliários de saúde
para a reorientação do modelo as-
superar seus limites na formulação
existentes – fundamentada nos prin-
sistêncial. Brasília (DF): Ministério
de diretrizes que possam permitir
cípios da Reforma Sanitária e da
da Saúde, 1997.
a reorganização dos serviços de
reorganização da prática assisten-
saúde para o provimento desses cui-
cial proposta pelo PSF, na Política
dados para toda a população que
Nacional do Idoso e de Pessoas Por-
deles necessita.
tadoras de Deficiências – evidenciou
A formulação destas diretrizes
a necessidade de superar tais expe-
deve contemplar parâmetros e crité-
riências rumo a uma resposta orga-
8.842, de 4 de janeiro, que dispõe
sobre a Política Nacional do Idoso e
dá outras providências. Normas Jurídicas do Senado Federal. 1996.
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secreta-
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ria de Assistência à Saúde. Portaria
mentação de cuidados domiciliári-
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Dispõe sobre a Política Nacional de
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BRASIL. Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de
taria de Assistência à Saúde. Porta-
especificidades do processo de tra-
1994. Dispõe sobre a Política Nacio-
ria SAS/ n.249, de 16 de abril de 2002.
balho das equipes; estabelecer com-
nal do Idoso, cria o Conselho Nacio-
Dispõe sobre Normas para Cadastra-
petências e integrar os serviços lo-
nal do Idoso e dá outras providênci-
mento de Centros de Referência em
de no domicílio; identificar e hierar-
208 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
Cuidados domiciliários no SUS: uma resposta às necessidades sociais de saúde de pessoas com perdas funcionais e dependência
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 198-209, maio/ago. 2005
209
CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres:
estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará
Reasons and Influences of the Use of Benzodiazepines in Women: a Study Carried
Out at a Psychosocial Attention Center in a City in Ceará State
Maria da Glória Oliveira Carneiro1
Maria Veraci Oliveira Queiroz2
Maria Salete Bessa Jorge3
RESUMO
Procura-se caracterizar os aspectos socioculturais das mulheres que
consomem benzodiazepínicos e apreender motivos e influências do uso dos
Recebido: 19/02/03
Modificado: 05/07/04
Aprovado: 09/11/04
mesmos. Realizado no CAPS, os dados foram coletados através de entrevista
semi-estruturada durante junho a dezembro de 2002. Constatou-se
predominância na faixa etária de 41 e 50 anos, baixa escolaridade, estado
civil casada, residentes no município, não apresentando nenhum tipo de
doença orgânica e sem diagnóstico psiquiátrico. Cinco mulheres
participaram das entrevistas originando as temáticas: tempo de uso dos
benzodiazepínicos; motivos que levaram ao uso dos benzodiazepínicos;
benefícios dos benzodiazepínicos e narrando o estado de saúde. É necessária
a implementação de políticas públicas de atenção psicossocial à mulher,
incluindo ações profissionais que reforcem atitudes de enfrentamento.
Psicóloga, Especialista em Saúde
Mental, Centro de Atenção Psicossocial
em Itapipoca (Ceará) e em atividades
clínicas no sistema particular, Itapipoca,
Ceará, Brasil.
1
PALAVRAS-CHAVE: Ansiolíticos; Saúde da Mulher; Saúde Mental.
ABSTRACT
e-mail: [email protected]
This paper aims at distinguishing the sociocultural aspects of women
Enfermeira, Docente, Doutora em
Enfermagem, Hospital Geral de Fortaleza,
Universidade Estadual do Ceará. Membro
do grupo de Pesquisa Saúde Mental
Família e Práticas de Saúde, Fortaleza,
Ceará, Brasil.
2
e-mail: [email protected]
using benzodiazepines and at learning the reasons and influences of these
drugs. It was carried out at a Psychosocial Attention Center (CAPS) and
data were collected through semi-structured interviews from June to
December 2002. The study has shown that the predominant age group is 41
to 50 years, with low scholarship, civil state married, living in the municipal
district, lack of organic disease and no psychiatric diagnosis. Five women
Enfermeira. Doutorado em Enfermagem,
Docente, Universidade Estadual do Ceará.
Líder do grupo de Pesquisa Saúde Mental,
Família e Práticas de Saúde da UECE.
Vice-coordenadora do Curso de Mestrado
Acadêmico em Saúde Pública, Fortaleza,
Ceará, Brasil.
participated in the interviews, originating these themes: time of
e-mail: [email protected]
KEYWORDS: Benzodiazepine Anxiolytic; Woman’s Health; Mental Health
3
benzodiazepine use, reasons that made them use it; the drug’s benefits and
a description of their current health state. It is necessary to implement
public politics of psychosocial attention to women, including professional
actions strengthening defiance attitudes.
210 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará
INTRODUÇÃO
mais se usadas por períodos supe-
vida reprodutora (da menarca à
riores a seis meses e subitamente
menopausa). Este é um fato que
Percebemos, no cotidiano, que
interrompidas, o que pode causar
pode ilustrar o uso de benzodiaze-
o consumo de benzodiazepínicos
efeitos de abstinência, tais como
pínico, visto que essa medicação,
entre mulheres é comum, tornan-
irritabilidade, insônia excessiva,
muitas vezes, é utilizada em situa-
do-se um problema de saúde pú-
sudorese, dor pelo corpo todo,
ções em que o paciente não está re-
blica e uma preocupação no cam-
podendo, nos casos extremos, cau-
cebendo atendimento por um espe-
po da saúde mental. Os benzodia-
sar convulsões. Se a dose é grande
cialista, ou quando o mesmo é uti-
zepínicos são drogas ansiolíticas
desde o início, a dependência ocor-
lizado como um coadjuvante do tra-
utilizadas no mundo todo, inclusi-
re com mais rapidez. Há também
tamento antidepressivo.
ve no Brasil. No âmbito geral, estas
desenvolvimento de tolerância,
Varela (1998) ressalta que há um
drogas são de uso principalmente
embora esta não seja muito acen-
bilhão de mulheres no mundo viven-
nas diversas formas de ansiedade.
tuada, isto é, o usuário acostumado
do sob o efeito de hipnóticos ou se-
Seu principal efeito é tranqüilizar a
dativos. As mulheres ocupam uma
pessoa estressada, tensa e ansiosa,
posição de destaque em relação ao
ou seja, “diminuir ou abolir a ansi-
consumo de benzodiazepínicos.
edade das pessoas sem afetar em
demasia as funções psíquicas e
motoras” (C EBRID, 2002, p.1).
Para Range e Dale (1993), os
Em nosso cotidiano, observamos
A FARMACODEPENDÊNCIA É
o uso incorreto e abusivo desta dro-
UM PROBLEMA PREOCUPANTE,
ga, pois ela é ingerida para todos
os tipos de ansiedade, inclusive
benzodiazepínicos agem sobretudo
POIS, MESMO DOSES TERAPÊUTICAS
no sistema nervoso central e seus
PODEM LEVAR A UM
é, causadas pelas tensões do dia-a-
efeitos farmacológicos consistem
ESTADO DE DEPENDÊNCIA
dia, e o mais grave, sem indicação
na redução da ansiedade e agres-
aquelas consideradas normais, isto
e/ou acompanhamento médico. E,
são, na sedação e indução do sono,
ainda, são prescritos indevidamen-
na redução do tônus muscular e
te pelo médico, consoante revela o
coordenação, além de ter um efei-
estudo de Oliveira e Fraga (2002)
to anticonvulsivante.
Entretanto, esse grupo de substâncias causa também efeitos in-
à droga não precisa aumentar a dose
para obter o efeito inicial (RAN GE &
realizado em Sobral (Ceará).
Dessa maneira, percebemos a
necessidade da informação adequa-
D ALE, 1993; ADAM, 2000).
desejados, como a toxicidade agu-
Segundo Yonkers e Steiner
da, do controle e do acompanhamen-
da, apesar de que, administrados
(1999), estudos epidemiológicos re-
to da pessoa em uso dessa substân-
em superdosagem, os benzodiaze-
alizados em diversas partes do mun-
cia. Conforme Morais et al. (2002),
pínicos são considerados menos
do demonstram, de forma convin-
é necessário que sejam discutidos
perigosos do que outras drogas an-
cente, que a prevalência de trans-
com a sociedade os aspectos refe-
siolíticas/hipnóticas.
tornos de humor em adultos, ao lon-
rentes à legislação e a banalização
A farmacodependência é um pro-
go da vida, é significativamente
do uso desse medicamento e male-
blema preocupante, pois, mesmo
maior entre as mulheres do que en-
fícios causados à saúde.
doses terapêuticas podem levar a
tre os homens. Esta incidência é ex-
Diante da realidade vivenciada
um estado de dependência, ainda
pressiva durante o período de sua
em um CAPS, surgiu o interesse por
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
211
CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa
este tema, pois constatamos a pro-
mos compreender os principais mo-
tratégico fundamental, uma vez que
cura freqüente de mulheres usuári-
tivos e influências que levam as
a internação era a alternativa dis-
as de benzodiazepínico neste servi-
mulheres (participantes do estudo) a
ponível para a família e para a co-
ço, e, em muitos casos, vimos que
consumir os benzodiazepínicos.
munidade, aumentando ainda mais
elas utilizam esse medicamento por
O estudo foi realizado no Centro
o ciclo de re-internamentos. Funcio-
tempo indeterminado e sem um
de Atenção Psicossocial (CAPS) de um
na em prédio próprio da Prefeitura
acompanhamento adequado. Consi-
município do interior do Ceará. Este
e conta com uma equipe de nove
deramos assunto relevante no sen-
serviço foi implantado em 5 de ju-
técnicos de nível superior (um psi-
tido de despertar nos profissionais
nho de 1999, com o apoio da Prefei-
quiatra, uma enfermeira, duas psi-
a necessidade de estabelecer maior
tura Municipal, através de sua Se-
cólogas, duas assistentes sociais e
controle dessa situação junto aos
cretaria de Saúde. Conta também com
três terapeutas ocupacionais), além
usuários e provocar reflexões que
o apoio da Secretaria de Saúde do
de outros seis técnicos de nível mé-
venham contribuir para a interven-
Estado, desta recebendo uma verba
dio. Todas as funções têm carga
ção nessa problemática.
horária de 40 horas semanais com
Na presente pesquisa, nos empe-
supervisão técnica. O serviço dispõe
nhamos em estudar o uso desse fár-
de transporte contratado para loco-
maco na população de mulheres,
moção da equipe em visitas domi-
independentemente da idade, tendo
como objetivos caracterizar os aspectos socioculturais das mulheres
que consomem benzodiazepínicos e
apreender os motivos e as influências do uso de benzodiazepínicos na
O ESTUDO FOI REALIZADO
NO C ENTRO DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL (CAPS) DE UM
MUNICÍPIO DO INTERIOR DO CEARÁ
população estudada.
ciliares e outros atendimentos na
sede e na zona rural.
A partir do levantamento nos
prontuários, no período de junho a
dezembro de 2002, a população foi
inicialmente constituída de 183 sujeitos, mulheres atendidas no CAPS.
Ao final do levantamento, identifi-
CAMINHO METODOLÓGICO
camos os participantes que durante
a triagem já usavam benzodiazepí-
Trata-se de um estudo descritivo,
mensal destinada ao pagamento de
nicos. Das 183 mulheres, 115
modalidade de análise que, no en-
funcionários e manutenção do servi-
(62,84%) não foram incluídas na
tendimento de Leopardi (2002), per-
ço. Os custos financeiros com medi-
pesquisa por não fazerem uso des-
mite demonstrar com exatidão os
camentos são mantidos pelo Minis-
se medicamento. Assim, a amostra
fatos ou fenômenos da realidade, por
tério da Saúde, o qual dispõe de uma
ficou constituída de 68 (37,16%)
meio de um levantamento das suas
verba anual específica para a com-
mulheres que faziam o uso de ben-
características ou dos componentes.
pra de medicamentos entregues tri-
zodiazepínicos, constatado durante
A investigação foi realizada em duas
mestralmente pelo Município.
a triagem realizada no CAPS.
etapas. A princípio, foi feito levanta-
É um serviço de referência em
Para a coleta de dados, elabora-
mento retrospectivo nos prontuários
saúde mental, atendendo prioritari-
mos um formulário, o qual orientou
com a finalidade de caracterizar os
amente pessoas com transtornos
a busca de informações no prontuá-
aspectos socioculturais da população
mentais agudos e crônicos. A oferta
rio, contemplando as seguintes vari-
estudada. Na segunda fase, busca-
desse serviço assume um lugar es-
áveis: idade, estado civil, escolarida-
212 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará
de, profissão, doença orgânica e di-
quisadoras, fazendo a sua leitura.
em seguida aparece a faixa etária
agnóstico psiquiátrico. Cinco mulhe-
Todas as pessoas aceitaram partici-
de 21 a 30 anos, com 11 mulheres
res foram escolhidas intencionalmen-
par voluntariamente da pesquisa,
(16%). O intervalo entre 81 e 90 anos
te no contato durante o retorno ao
cientes de que sua identificação se-
não apresentou nenhum caso e a
serviço pois elas participaram da en-
ria mantida em sigilo e autorizaram
idade compreendida entre 91 e 93
trevista semi-estruturada para com-
a divulgação dos dados coletados
anos revelou um caso, ou seja, 1%.
plemento das informações, utilizan-
por meio do termo de consentimen-
Por conseguinte, os resultados
do as questões norteadoras: que mo-
to, o qual foi assinado por todos os
mostram que a mulher adulta jo-
tivos lhe levaram a fazer uso desse
participantes. Enfim, a pesquisa se
vem, na faixa etária de 11 a 20 anos
remédio? Como iniciou o seu uso? O
desenvolveu com base na Resolução
faz pouco uso de benzodiazepínicos
que lhe traz de benefício esse remé-
196/96 do CNS-MS, que regulamen-
(seis casos, ou 9%) e entre 21 a 30
dio? Fale um pouco de sua saúde.
ta as pesquisas envolvendo seres
anos percebemos um aumento de 11
humanos (BRASIL , 1996).
casos (16%). É na fase de 40 a 50
De posse do levantamento de dados da primeira fase da pesquisa,
anos que acontece a maior ocorrên-
agrupamos esses indicadores – os
cia do consumo de benzodiazepíni-
quais estão descritos com a freqüên-
cos. Estudo recente realizado por
cia e o percentual simples. As infor-
Oliveira e Fraga (2002) com mulhe-
mações obtidas nas entrevistas fo-
É NA FASE DE 40 A 50
res mostram resultados semelhan-
ginadas dos questionamentos feitos,
ANOS QUE ACONTECE A
consumo desta droga compreende a
cumprindo o critério de similarida-
MAIOR OCORRÊNCIA DO
ram organizadas por temáticas ori-
des e diferenças dos discursos. Ao
final, obtivemos as seguintes cate-
tes, pois evidenciaram que o maior
faixa etária entre 45 e 60 anos. En-
CONSUMO DE BENZODIAZEPÍNICOS
tretanto, encontram-se numa idade
mais elevada, em relação ao nosso
gorias: motivos que levaram ao uso
estudo, considerando que a maior
de benzodiazepínicos; benefícios e/
ocorrência se deu no intervalo etá-
ou dependência aos benzodiazepíni-
rio de 30 a 50 anos.
cos; narrando o estado de saúde.
Quanto aos aspectos éticos, por
não existir comitê de ética em pesquisa na Instituição nem no Município, solicitamos da Secretaria de
Saúde autorização para realizar a
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO
DOS RESULTADOS
Indicadores do perfil sociocultural das
mulheres que consomem benzodiazepínicos
Essa evidência pode ser entendida por diversos fatores, desde os fisiológicos aos psicossociais e culturais. Como revela Marraccini
(2001), durante este ciclo vital ocorre um período de transição e, nesse
pesquisa, obtendo o aceite. Em se-
Das 68 mulheres usuárias de
processo, os sistemas físicos acen-
guida, comunicamos à coordenado-
benzodiazepínico pesquisadas no
tuam-se, acontecem alterações hor-
ra do CAPS a realização da pesqui-
CAPS, no período de junho a dezem-
monais, naturais do climatério e da
sa, informando detalhes sobre a for-
bro de 2002, houve maior incidên-
menopausa. O anúncio do envelhe-
ma de coleta de dados e o envolvi-
cia na faixa etária de 41 a 50 anos,
cimento abate a auto-estima, neste
mento dos sujeitos. Quanto a estes,
correspondendo a 17 (26%). A faixa
período de 30 a 50 anos ocorre a
apresentamos o consentimento livre
etária de 31 a 40 anos veio depois,
independência dos filhos, o que para
e esclarecido, elaborado pelas pes-
com um total de 15 casos (22%), e
muitas mães pode causar angústia.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
213
CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa
Em geral, com o alcance dessa ma-
Em nossa pesquisa, a maioria
der que contêm no fator hierarqui-
turidade cronológica surgem ques-
das mulheres usuárias de benzodi-
zante a sujeição e a desigualdade.
tões que causam ansiedade e se tor-
azepínicos é casada, corresponden-
Odália (1983) refere que é preciso
nam obstáculos ao relacionamento
do a 42 (62%). Constatamos que em
considerar essa violência, além da
amoroso e sexual, há uma reflexão
seguida aparecem as solteiras com
agressão, mas sob a forma de pri-
quanto à atividade, ou mesmo a che-
16 casos. A menor ocorrência foi nas
vação. ‘Privar’ significa ‘tirar’ ,
gada da aposentadoria. As respon-
separadas (três casos, ou 4%).
‘despregar’, ‘desapossar’ alguém
sabilidades, a rotina doméstica e o
Ao observarmos a realidade vi-
de alguma coisa. E essas mulhe-
trabalho minam o lazer e afastam os
venciada nesse CAPS, percebemos
res, com efeito, estão sendo priva-
amigos. Enfim, há um balanço das
que quase sempre essas mulheres
das dos seus direitos de igualdade,
vivências pessoais e os significados
casadas sofrem algum tipo de vio-
liberdade e dignidade no momento
a elas associados, atrelados à meno-
lência de seus companheiros. Foi
em que são violentadas.
pausa, às alterações psicológicas e
constatado na pesquisa de Oliveira
sociais específicas dessa fase.
Quanto à profissão/ocupação,
encontramos, entre as 22 mulheres
Verificamos que o maior índice
usuárias de benzodiazepínicos, agri-
de consumo de benzodiazepínicos
cultoras (33%), seguidas de 17 (25%)
O ALTO CONSUMO DE
ocorreu no em pessoas com o ensino fundamental incompleto, apresentando 22 mulheres (33%), segui-
BENZODIAZEPÍNICOS NAS
do de analfabeta e alfabetizada, res-
MULHERES CASADAS PODE ACONTECER
pectivamente, 19 (28%) e 14 casos
(20%). As menores freqüências ocor-
EM VIRTUDE DO ALTO ÍNDICE
reram nos níveis subseqüentes no
DE VIOLÊNCIA CONJUGAL A
ensino fundamental completo, ensi-
QUE SÃO SUBMETIDAS
que desenvolvem somente ‘prendas
do lar’. Esta variável está relacionada à condição econômica. Entretanto, não foi possível identificar,
por meio dos prontuários, o valor
da renda individual e/ou familiar.
Como se pode observar, a maior representatividade da ocupação é re-
no médio incompleto e completo e
ferente à agricultora, seguida de
nível superior, todos apresentando
prendas do lar, atividades que se
duas mulheres (3%).
incluem num nível socioeconômi-
Esses dados corroboram os es-
e Fraga (2002) o fato de que a vio-
co de baixo poder aquisitivo.
tudos de Oliveira e Fraga (2002), em
lência doméstica, especificamente
Muitas são as queixas, percebi-
que os graus de instrução predomi-
física e sexual, faz parte do cotidia-
das nos discursos das mulheres nes-
nantes foram o ensino fundamental
no dessas mulheres.
se CAPS, com relação à ocupação de
incompleto e o analfabetismo. Me-
O alto consumo de benzodiaze-
agricultora. Segundo elas, as condi-
diante esses resultados, é provável
pínicos nas mulheres casadas pode
ções de trabalho são precárias. Elas
que a baixa escolaridade influencie
acontecer em virtude do alto índice
trabalham horas seguidas, no sol ou
no maior consumo de benzodiaze-
de violência conjugal a que são sub-
na chuva, sem alimentação adequa-
pínicos. Possivelmente, essa inferên-
metidas. Falar de violência contra a
da nem renda justa, sendo, ainda,
cia esteja associada a outras situa-
mulher significa mencionar um tipo
responsáveis pelas tarefas do lar e
ções carenciais que atingem a po-
de conflito que permeia as relações
pela educação dos filhos. Além da
pulação de baixa renda, na qual a
interpessoais cotidianas e implica
ocupação na agricultora, também
mulher está inserida.
considerá-las como relações de po-
desempenham os trabalhos domésti-
214 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará
cos, isto é, as mulheres empregadas
cia foi nos transtornos neuróticos,
ou profissionais autônomas têm uma
relacionados ao estresse e somato-
sobrecarga de tarefas.
formes, 21 casos (31%).
Motivos e influências do uso de
benzodiazepínicos por mulheres assistidas
no CAPS de Itapipoca-Ceará
É importante ressaltar que, para
Diante dos dados apresentados,
Para a apreensão dos motivos que
se fazer uma análise da saúde da
verificamos que a metade das pes-
levaram as mulheres ao consumo de
mulher e sua relação com o uso de
soas do grupo estudado não apre-
benzodiazepínicos, bem como outras
benzodiazepínicos é necessário levar
senta diagnóstico psiquiátrico. Al-
informações subjetivas relacionadas
em consideração as suas condições
guns casos se justificam pelo fato
a saúde e ao bem-estar, apresenta-
sociais, trabalho, relações familiares,
de ainda não terem sido consulta-
mos as categorias apreendidas da
enfim, suas condições de vida e so-
dos pelo médico e outros, apesar de
análise/interpretação dos achados.
brevivência. Portanto, consideramos
já terem se submetido a consultas,
que as condições de trabalho na agri-
sem, no entanto, constar um diag-
cultura e no lar, a que essas mulhe-
nóstico. Em relação aos prontuári-
res se submetem, podem influenciar
ficado na construção do estudo, pois
No que concerne à distribuição
51 mulheres (76%) não apresentarem
nenhum tipo de patologia. Das mu-
benzodiazepínicos
Esta categoria tem grande signi-
o uso dos benzodiazepínicos.
por doença, foi detectado o fato de
Motivos que levaram ao uso dos
está relacionada a um dos seus ob-
E NTRE AS MULHERES USUÁRIAS
jetivos. Dessa forma, procuramos
perceber, nos discursos, as manifes-
DE BENZODIAZEPÍNICO ATENDIDAS
tações dessas mulheres, retratando
NO CAPS, 34 (51%)
nas entrelinhas situações diversas
maior registro foi a hipertensão arterial, com dez casos (15%). Vale res-
NÃO APRESENTAM
mas entrevistadas revelam ter inici-
DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO
ado o uso por apresentarem quadros
lheres com algum tipo de doença, o
saltar que, em relação a cardiopatia
e epilepsia, foram dois casos (3%).
que mostram o seu cotidiano. Algu-
Observamos que a maioria (76%)
ansiosos e insônia. Ao buscarem
atendimento médico, a terapêutica
do grupo estudado não traz doença
prescrita foi o benzodiazepínico.
orgânica constatada. Os 15% de mu-
Corroboramos a idéia de Olivei-
lheres com hipertensão arterial fazem
os com diagnóstico, notou-se evi-
ra e Fraga (2002), quando estas cri-
uso de benzodiazepínico, percenta-
dência quanto aos transtornos neu-
ticam a forma de atendimento e
gem clinicamente justificada pelo fato
róticos, relacionados ao estresse e
acompanhamento médico a estas
de, em geral, esses medicamentos
distúrbios somatoformes. Esse fato
mulheres. Segundo as autoras, a
serem associados a outros, específi-
é justificável, visto que essa me-
lógica da produtividade rege os ser-
cos para esta doença, em razão do
dicação é indicada, segundo o Di-
viços de saúde, e, conseqüentemen-
seu efeito tranqüilizante.
cionário de Especialidades Farma-
te, o atendimento médico é determi-
Entre as mulheres usuárias de
cêuticas (2000-01), para o alívio
nado pela ordem quantitativa, de-
benzodiazepínico atendidas no CAPS,
sintomático da ansiedade e para os
vendo atender vários pacientes du-
34 (51%) não apresentam diagnósti-
problemas funcionais e manifesta-
rante o dia, o que implica uma re-
co psiquiátrico registrado nos pron-
ções somáticas associadas à ansi-
dução de tempo na consulta, o que
tuários. Das mulheres com diagnós-
edade, ou seja, é indicada para
faz cair, portanto a qualidade do
tico psiquiátrico, a maior incidên-
esse tipo de transtorno.
atendimento. O acompanhamento
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
215
CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa
destas mulheres, em razão deste fato,
médios que suprimem a sua capaci-
se restringe a entrar no consultório,
dade de reagir e enfrentar os sofrimen-
dizer ao médico por qual motivo está
tos e os problemas, além de dar a sen-
ali e sair com a receita na mão.
sação de uma falsa felicidade.
Observamos nos depoimentos
Estamos vivendo uma cultura na
dessas mulheres que o uso do me-
qual é proibido sofrer; somos víti-
dicamento ultrapassa os seis meses,
mas de uma euforia dissimulada e
o que demonstra a prática médica
qualquer tristeza é logo considerada
de renovação da receita, sem acom-
depressão. Segundo Bezerra (2003),
panhamento e avaliação adequados.
essa cadeia de distorções tem início
Desse modo, entendemos ser neces-
com a publicidade da indústria far-
sária uma consciência profissional,
macêutica, quando as propagandas
no sentido de se considerar e tratar
prometem retirar o mal-estar e as
adequadamente a saúde mental, isto
E STAMOS VIVENDO UMA
cia seja amenizada.
CULTURA NA QUAL É PROIBIDO SOFRER;
SOMOS VÍTIMAS DE UMA EUFORIA
DISSIMULADA E QUALQUER TRISTEZA
É LOGO CONSIDERADA DEPRESSÃO
angústias; passa pelos discursos e
práticas de muitos profissionais de
saúde, que incorporam esse paradigusuários que, desejando sair do so-
memória de cada entrevistada. Para
frimento e diante de sua fragilidade,
Varela (1998), essas reações, comu-
aceitam essa via medicamentosa
mente conhecidas por ataque de ner-
como a única saída.
sufocado com a administração de re-
ções cotidianas, por meio da utilização desses medicamentos, negando a condição de seres humanos
dotados de sentimentos, tanto posi-
necem um comprimido por considerarem que esta é a forma de colaborar com o outro. Acontece também
quando, por conta própria, adquirem esses medicamentos com familiares ou na farmácia, o que denota
a falta de acompanhamento médico
ências deste fato, essas pessoas aca-
do tratamento, histórias trazidas na
que sofrem. No entanto, esse grito é
ocupações, e até mesmo das priva-
tos farmacológicos. Como conseqü-
ma; e termina com a ignorância dos
satisfação, a frustração e a opressão
de dor, de perda, de raiva e das pre-
e controle sanitário de tais produ-
Esses discursos retratam o início
dessas mulheres, demonstrando a in-
procuram fugir de seus sentimentos
de vizinhos, que os receitam e for-
que essa problemática da dependên-
vos ou ataques histéricos, são gritos
lheres nos fazem perceber que elas
vante é que iniciam seu uso pela via
angústias dessas mulheres, para
“Eu iniciei a tomar o diazepam porque eu perdia sono. Passei um ano e
três meses sem dormir. Fui a um hospital, passaram um remédio mas ele
não serviu, aí depois outro médico
passou o diazepam e consegui dormir.”
(ENT.03)
Estes e outros relatos das mu-
tivos quanto negativos. Outro agra-
é, a subjetividade, o sofrimento e as
“Eu tive uns desmaios, aí fiquei
doente, aí o médico passou um bocado de exames, depois passou um bocado de medicamentos, aí comecei a
tomar o diazepam e não desmaiei
mais.” (ENT. 01)
é só assim que o homem poderá recuperar o pleno esforço da sua liberdade
na gestão responsável de sua própria
vida. Caso contrário [...] provocará
iatrogênese clínica.” (2000, p.441)
Nesta direção, compartilhamos a
idéia de Bresciani:
“Não existe vivência positiva enquanto não se conseguir dar sentido
ao sofrimento, ao limite e à morte [...]
216 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
bam aprisionadas aos benzodiazepínicos, e assim se expressam:
“Comecei a tomar depois que minha filha morreu. Eu não dormia à
noite, fiquei perturbadinha (...) a primeira vez que eu tomei foram uns vizinhos amigos que me deram (...) Aí
comecei a comprar (...) Era assim: comprava uma cartela e ficava tomando
quando estava nervosa. Era o lexotam, o lorax ...” (ENT 04)
“Minha filha faz dez anos que
toma diazepam. Um dia tava nervosa
aí tomei uma banda desse comprimido e saí pra casa de uma cunhada
Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará
minha, comecei a conversar (...) o remédio começou a fazer efeito e fiquei
boazinha. Aí o doutor passou o medicamento pra mim, e fiquei tomando.”
(ENT 05)
Os discursos evidenciam uma realidade diferente da que é preconizada pelos órgãos de competência em
relação ao controle dos medicamentos, bem como a dos serviços que
têm responsabilidade não apenas pelo
tratamento das doenças, mas também
pela promoção da saúde, isto é, têm
demonstram a dependência, quando
citam que, com a falta do remédio,
certos sintomas aparecem... elas não
conseguem ficar sem ele. Tais sintomas são a chamada ‘síndrome de
abstinência’, que, segundo Cavalcante (2002), é uma das características
da dependência, o que podemos perceber no seguinte depoimento:
“Vou lhe dizer uma coisa: esse remédio a gente toma porque é o jeito. Por
exemplo: faz três dias que me faltou e
faz três dias que não durmo. Tem horas
como meta desenvolver um compor-
sas mulheres, destacamos um dos
depoimentos que evidencia o quan-
tra que os benefícios advindos do
uso dos benzodiazepínicos são o
efeito tranqüilizador temporário e a
falsa idéia de que estão ajudando a
enfrentar os problemas. Neste caso,
estão sendo enfrentados? Em vez de
criar este círculo de dependência,
Benefícios e/ou dependência
Na apreensão das histórias des-
A análise desses discursos mos-
será que realmente os problemas
tamento positivo para a saúde.
aos benzodiazepínicos
“Depois que comecei a tomar esse
remédio, fiquei mais forte. Tomava vitamina, mas tenho certeza que foi esse
remédio. Ele me dá mais coragem pra
lutar com minha filha que é doente.
Se eu não tomasse remédio controlado, já tinha ficado perturbada, de olho
branco.” (ENT. 05)
não seria mais prático e menos cus-
AS ENTREVISTADAS
toso praticar políticas de atenção à
CONSIDERAM QUE O
saúde da mulher que abrangessem,
além dos parâmetros biológicos,
REFERIDO MEDICAMENTO
também aqueles que viessem aten-
to o medicamento traz calma mas
AJUDA A ENFRENTAR
der as dimensões psicossociais? Será
não acabam com os problemas nem
PREOCUPAÇÕES DO DIA-A-DIA
que promovendo uma qualidade de
alcançam a ‘cura’:
“Tomando o remédio ele me acalma um pouquinho. (...) Se eu não tomar fico com vontade de chorar... fico
com medo, fico muito nervosa. Ele me
acalma assim, mas de dizer que serve
mesmo de remédio, não serve não, que
eu tomo e fico doente ainda, eu fico
com falta de ar. (...) Quando sinto raiva de alguma coisa, assim um vexame, aí eu fico muito doente, aí ele acalma um pouquinho, mas eu não fico
boa, eu passo o dia caída.” (ENT. 01)
As percepções acerca dos benefícios dos benzodiazepínicos estão
associadas ao seu efeito tranqüilizador, favorecendo também o sono.
Ao mesmo tempo, as entrevistadas
vida que permita amenizar a desigualdade social, a violência, a pobreza e possibilite uma vida digna,
não se estaria contribuindo para
que fico tonta, tonta, bebinha... É depressão, né? Com a falta desse remédio
me sinto longe também.” (ENT. 03)
Além disso, as entrevistadas
consideram que o referido medicamento ajuda a enfrentar preocupações do dia-a-dia:
aumentar a saúde e o desenvolvimento dessas mulheres?
A Carta de Ottawa, redigida na
Primeira Conferência Internacional
de Promoção da Saúde, reforça a
idéia de saúde associada a diversos
fatores: “a saúde é o maior recurso
para o desenvolvimento social, eco-
“É bom porque a gente fica mais
calma, porque a gente que é mãe de
família... acontece tanta coisa... os filhos bebem, são caminhoneiros, aí a
gente toma os comprimidos e fica mais
calma e dorme bem.” (ENT. 04)
nômico e pessoal”. Para que ocorra, porém, esta saúde, é necessária
que haja elaboração e implementação de políticas públicas de apoio à
saúde da mulher, tal como preconi-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
217
CARNEIRO, Maria da Glória Oliveira; QUEIROZ, Maria Veraci Oliveira & JORGE, Maria Salete Bessa
za esse documento: criação de ambientes favoráveis à saúde, reforço
de ação comunitária, desenvolvimento de habilidades pessoais e reorientação dos sistemas e serviços
ruim, bebedor de cachaça, apontava
cada faca pra mim, batia na minha
cara. Agora eu não vivo mais com ele.
Eu, grávida, tinha que ir dormir na
casa da minha mãe, pois ele queria
me bater.” (ENT. 02)
de saúde (BRASIL, 2001). Se houves-
Bresciani (2000) comenta que a
saúde-doença vai além do caráter
biológico, pois inclui a experiência
emocional do sujeito, a sua capacidade e qualidade relacional, as
condições de trabalho, moradia e
se investimentos e ações de fato nes-
“Eu não tenho nenhum pouco de
sas dimensões, certamente os cus-
saúde. Tudo que eu como me faz mal,
eu acho que é gastrite, ainda não fiz o
exame (...) Depois que perdi minha fi-
trício (1996) diz que saúde-doença
lha, minha vida não é mais a mesma.
A partir daí, sobrou pra mim: o marido
a momentos de limitações e supera-
tos referentes a esta questão na saúde diminuiriam.
Narrando o estado de saúde
Para se entender a saúde da mu-
me largou por uma mulher mais nova...
tudo é problema [choro]... o filho bebe,
A SAÚDE- DOENÇA VAI ALÉM DO CARÁTER
periências, imposições, tradições e
BIOLÓGICO , POIS INCLUI A EXPERIÊNCIA
limitações”. Foi o que aconteceu, ao
EMOCIONAL DO SUJEITO, A SUA CAPACIDADE E
dessas mulheres. Deixamos que elas
se manifestassem e percebemos que
QUALIDADE RELACIONAL , AS CONDIÇÕES DE
TRABALHO, MORADIA E DE ALIMENTAÇÃO
se colocaram como mães, esposas
“Minha saúde é muito pouca, porque dias eu tô melhor e dias eu tô pior.
Só vivo doente. Do tempo que morreu
uma menina minha, nunca mais eu
tive saúde. Aí nesse tempo eu tive uns
desmaios e desse tempo pra cá eu fiquei doente.” (ENT.01)
“Eu só vivo em médico, todos os
meses. Eu sinto dor de cabeça muita,
eu posso até tomar remédio mas a dor
de cabeça não passa e quando tô menstruada fico pior. Meu problema começou com meu marido... ele era muito
o ambiente. Também considera que,
ao trabalharmos com saúde, devemos ter tanto uma visão micro, isto
é, detendo-nos no indivíduo, nas
suas interações, no seu contexto
sociocultural, na sua afetividade e
no seu cotidiano, como também
uma visão macro, compreendendo
das pelas interações com contextos
ocupacional e social, correlacionanseu estado de saúde.
ses momentos, segundo a autora,
as situações de saúde-doença gera-
e pessoas diante de um contexto
do esses papéis desempenhados com
ção das condições de mal viver. Es-
po, nas atitudes interacionais com
mulher que é mãe, filha, esposa e,
interrogarmos a condição de saúde
para o ser humano está relacionada
através de queixas e sinais no cor-
et al. (1996, p.56), “deixar falar a
contexto social que é de muitas ex-
Complementando essa idéia, Pa-
são expressos verbalmente ou não,
lher, é necessário, conforme Alves
antes de tudo, gente situada em um
de alimentação.
sociais mais complexos.
a velhice chegou, vivo doente. Eu não
saio de casa, o passeio que faço é pra
igreja e pro médico.” (ENT. 04)
Somente à luz desta visão será
possível perceber que essas mulheres utilizam os benzodiazepínicos
Estes discursos constroem uma
mais como uma forma de ameni-
rede de significados a respeito do
zar seus sofrimentos – e que estes
processo saúde-doença. Na constru-
têm dimensões físicas, psíquicas
ção de sentidos, os episódios de do-
e socioculturais.
ença são refletidos quanto às posições que estas mulheres ocupam na
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sua rotina, relacionada a um conjunto complexo de fatos e eventos
O presente estudo permitiu-nos
imbuídos de aflição, dor, limitação,
uma aproximação com a realidade
privação e perda de dignidade.
das mulheres usuárias de benzodi-
218 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
Motivos e influências do uso de benzodiazepínicos em mulheres: estudo realizado em um CAPS no interior do Ceará
azepínicos, destacando os aspectos
intervir nessa realidade. Outro agra-
et al. Saúde e doença: abordagem
socioculturais dessa população, in-
vante é a falta de controle sanitário
cultural da enfermagem. Florianó-
dicando, portanto, a relação entre
destes medicamentos na farmácia, tor-
polis: Papa Livro, 1996.
as diversas variáveis no contexto
nando-se uma rotina a ilegalidade das
da saúde. Constatamos que essas
vendas deste fármaco.
ALVES, Elioenai Dorneles; ARRATIA, Alejandrina; SILVA, Denise M. Perspecti-
mulheres vêm de uma classe soci-
Ao pensarmos na atuação do pro-
al desfavorecida, com baixo nível
fissional, consideramos relevante
de escolaridade, e trazem consigo
reforçar as competências e habilida-
a dor de conviver com a pobreza,
des positivas de enfrentamento por
com a falta de solidariedade e com
meio de uma escuta respeitosa, in-
BEZERRA , Rose. Mary. Indústria da
tudo o que ela traz de ruim, como
dividual e de grupos, que promova
angústia. Diário do Nordeste, For-
a fome, o desemprego, o subempre-
o fortalecimento da identidade pes-
taleza, Ceará, 30 de março de 2003.
go e as péssimas condições de so-
soal, da auto-ajuda, potencialize a
Caderno Viva.
brevivência. Além disso, ainda en-
criatividade, as expressões sadias de
BRASIL. Ministério da Saúde. Carta
frentam questões culturais advin-
contato interpessoal e reforce a
de Ottawa, Declaração de Adelaide,
das de uma sociedade machista e
apropriação da cidadania.
Declaração de Sundsvall, Declara-
vas histórica e conceitual da promoção da saúde. Cogitare Enferm., Curitiba, v.1, n.2, jul./dez.1996. p.2-7.
patriarcal, deparando-se com as de-
O estudo apresenta alguns indi-
ção de Bogotá. Tradução: Luís
sigualdades de gênero, as traições
cadores das condições de vida e saú-
Eduardo Fonseca. Brasília (DF): Mi-
conjugais e a violência, sem contar
de dessas mulheres e pode agregar
nistério da Saúde, 2001.
com outros sofrimentos diante das
contribuições para a equipe que
limitações humanas.
atende esta clientela. Assim, podem
A compreensão acerca dos moti-
emergir novos elementos da reali-
vos e influências que levaram as
dade, possibilitando referenciais
mulheres ao uso de benzodiazepíni-
capazes de subsidiar políticas soci-
cos traz histórias de sofrimento e dor.
Os motivos não se restringem apenas a situações de ansiedade e/ou
insônia, mas, além disso, decorrem
de um conjunto de fatores relacionados ao contexto sociocultural,
econômico, político atingindo as dimensões psíquicas.
O sofrimento e a impotência são
reprimidos por essas mulheres com a
administração dos benzodiazepínicos,
ato este reforçado por profissionais
que se limitam a prescrever tais me-
. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP. Resolução 196/96 sobre pesqui-
ais mais efetivas e culturalmente
sa envolvendo seres humanos. Bra-
adequadas. Outros estudos podem
sília (DF): Ministério da Saúde, 1996.
aprofundar tal temática com nuan-
BRESCIANI , Claudio. Saúde: abordagem
ças diferentes, pois sabemos que
histórico-cultural. O Mundo da Saú-
cada pesquisador e cada realidade
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220 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 210-220, maio/ago. 2005
DOCUMENTOS / DOCUMENTS
VIII Simpósio sobre Política Nacional de Saúde
28 a 30 de junho de 2005
CARTA DE BRASÍLIA
O Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, com a temática “SUS – o presente e o futuro: avaliação do seu
processo de construção” é uma grande oportunidade de reflexão e mobilização acerca dos rumos do Estado e da
sociedade brasileira, e das estratégias adotadas no âmbito do setor da saúde para a garantia do direito universal e
integral à saúde.
Em que pesem as mudanças positivas ocorridas na saúde com a instituição e implementação do SUS, persistem,
de forma preocupante, baixos níveis de saúde e elevadas desigualdades sociais e regionais. Assim como permanecem o subfinanciamento e as distorções na estrutura dos gastos públicos, influenciados pela lógica do mercado,
lógica esta que não atende às expectativas de grandes contingentes da população brasileira.
O desenho das políticas públicas deve orientar-se pelas suas conseqüências sobre a vida das pessoas e da
coletividade. A simples lógica macroeconômica de valorização do capital – através da ‘financeirização’ do orçamento público, desvinculação de receitas das contribuições sociais e crescente superávit fiscal, sem consideração de seu
impacto sobre as condições sociais, culturais e ambientais – não permitirá que construamos uma nação justa,
equânime e saudável.
A defesa da Seguridade Social como política de proteção social universal, equânime, democrática e participativa
no Brasil deve ser intransigente frente à visão predominante da política econômica, em que os cidadãos são transformados em acessórios de um estrondoso processo de acumulação e concentração de renda.
As políticas substitutivas de caráter focal e compensatório desconhecem a condição social do cidadão como
resultante de um processo econômico e social que afirma a pobreza como um risco individual. É coerente com o
Estado mínimo, comprometido com o mercado e descomprometido com políticas solidárias.
Noutro aspecto, o desenvolvimento humano está condicionado a uma assimilação de uma política de bem-estar
social ampla, com ações intersetoriais que envolvam todas as áreas do Estado – sociais e econômicas. Defendemos
um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, integrador e distributivo com justiça social.
O processo da reforma sanitária brasileira é um projeto civilizatório, ou seja, pretende produzir mudanças dos
valores prevalentes na sociedade brasileira, tendo a saúde como eixo de transformação e a solidariedade como valor
estruturante.
O projeto do SUS é uma política de construção da democracia que visa a ampliação da esfera pública, a inclusão
social e a redução das desigualdades.
Todas as propostas devem ter como objetivo principal a melhora das condições de saúde da população brasileira,
a garantia dos direitos do cidadão, o respeito aos pacientes e a humanização da prestação de serviços.
O Sistema Único de Saúde, integrante da Seguridade Social, é uma política estruturante de Estado, formulado e
implementado por comando único nos âmbitos do Governo Federal, dos estados e municípios, com ações destinadas
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, 221-223, maio/ago. 2005
221
DOCUMENTOS / DOCUMENTS
a todas as pessoas, classes e grupos sociais. O conceito de integralidade compreende a articulação operacional de
ações de promoção e cuidados de saúde, inclusive aqueles agravos resultantes dos processos de trabalho, da previdência e da assistência social. Envolve a participação e a responsabilização de instituições públicas e privadas
orientadas por diretrizes de eqüidade e continuidade de ações reguladas pelo Estado.
Os participantes do Simpósio entendem como pontos relevantes:
1.
Definição de uma política nacional de desenvolvimento socioeconômico que garanta uma redistribuição de renda de cunho social, que recupere os níveis de emprego, com a revisão da política monetária,
no sentido de promover decréscimos das taxas de juros e superávit fiscal e redirecionamento do financiamento público para as políticas sociais públicas.
2.
Reafirmação da Seguridade Social, definida na Constituição Federal de 1988 como a política de Estado
brasileira de proteção social, possibilitando a construção efetiva de políticas sociais e ações integradas
que assegurem os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
3.
Defesa, intransigente, dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – a universalidade, a
eqüidade, a integralidade, a participação social e a descentralização.
4.
Retomada dos princípios que regem o Orçamento da Seguridade Social e, enquanto não for possível
reconstituir o financiamento integrado, regulamentação com a urgência requerida, da Emenda Constitucional 29, que estabelece critérios para financiamento das ações e serviços de saúde.
5.
Avançar na substituição progressiva do sistema de pagamento de serviços por um sistema de orçamento global integrado, alocando recursos com base nas necessidades de saúde da população estabelecidas nos Planos de Saúde nacional, estaduais e municipais, com metas que garantam o aumento de
cobertura e melhoria da qualidade de atenção à saúde, com a participação do controle social.
6.
Revisão da lógica de subsídios e isenções fiscais para operadores e prestadores privados de planos e
seguros privados de saúde, redirecionando esses recursos para o sistema público de saúde.
7.
Avançar no debate dos projetos de Lei que tratam da responsabilidade sanitária no sentido de se retomar o cerne da discussão para a garantia do direito à saúde e a garantia dos direitos dos usuários.
8.
Reafirmação da descentralização, mantida a responsabilidade dos três níveis de governo, garantindo
auditoria ampla e permanente como instrumento de fiscalização e acompanhamento do cumprimento
das metas, alocação de recursos e combate à corrupção.
9.
Avançar no desenvolvimento dos recursos humanos em saúde, especialmente em três dimensões: a)
remuneração, vínculos e incentivos; b) organização dos processos de trabalho; c) formação profissional e educação permanente.
10.
Estabelecimento de Plano de Carreira, Cargos e Salários para o SUS de maneira descentralizada, sem a
incidência dos atuais limites de gastos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a contratação de pessoal para os serviços e ações públicas de saúde, com a eliminação de vínculos precários, hoje existentes,
pela realização de concursos públicos.
222 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 221-223, maio/ago. 2005
DOCUMENTOS / DOCUMENTS
11.
Cumprimento da deliberação do Conselho Nacional de Saúde “contrária à terceirização da gerência e
gestão de serviços e de pessoal do setor saúde, assim como da administração gerenciada de ações e
serviços, a exemplo das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (O SCIP) ou outros mecanismos com objetivos idênticos”.
12.
Garantir a democratização do SUS, com o fortalecimento do controle social e regulamentação, em lei,
de elementos contidos na resolução do Conselho Nacional de Saúde n. 333, de 4 de novembro de 2003,
que define diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamentos dos conselhos de
saúde.
13.
Definição de uma política industrial, tecnológica e de inovação em saúde, articulada às demais iniciativas governamentais da política industrial do país, como elemento estruturante do SUS. Garantir
assistência farmacêutica integral.
14.
Desenvolvimento de ações articuladas entre os Poderes (executivo, legislativo e judiciário) para a construção de soluções relativas aos impasses na implementação do SUS.
15.
Recriação do Conselho Nacional de Seguridade Social.
Finalmente, propõe-se a mobilização da sociedade para a realização de uma Conferência Nacional de Seguridade
Social que retome o debate nacional acerca da política de proteção social definida na Carta Constitucional de 1988 e
que freie os interesses contrários ao Sistema Único de Saúde.
Brasília, 30 de junho de 2005
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, 221-223, maio/ago. 2005
223
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