15 Maio de 2012 NEUROTOLOGIA ALTERAÇÕES OTOLÓGICAS E AUDIOLÓGICAS NO COMPLEXO DE GOLDENHAR - ESTUDO DE 60 CASOS OTOLOGICAL AND AUDIOLOGICAL ANOMALIES IN GOLDENHAR COMPLEX - STUDY OF 60 CASES Autores: Miguel Bebiano Coutinho1; Carla Matos2 1 Unidade de Otorrinolaringologia Pediátrica do CHP, E.P.E. 2 Audiologista da Unidade de Otorrinolaringologia Pediátrica Correspondência: Miguel B. Coutinho | Unidade de ORL Pediátrica | Hospital Maria Pia | Rua da Boavista, 827 | 4050 - 111 Porto [email protected] RESUMO ABSTRACT Objetivo: Este estudo pretende avaliar as principais alterações otológicas e audiológicas presentes no Complexo de Goldenhar (Espectro óculo-aurículo-vertebral). Objective: This study described the occurrence and expression of otological and audiological anomalies in a population of patients with Goldenhar complex (oculo-auriculo-vertebral spectrum). Material e métodos: Avaliação clínica e audiológica de 60 crianças com o diagnóstico de Complexo de Goldenhar, seguidas na Consulta de Otorrinolaringologia do Hospital Maria Pia, com idades compreendidas entre os 0,2 e os 18 anos. Resultados: Na população estudada, a distribuição por sexos era semelhante, com ligeiro predomínio do sexo masculino (5/4); a malformação era unilateral em 87% dos casos, e quando bilateral era sempre mais evidente de um dos lados. As principais alterações otológicas encontradas foram a microtia (85%), agenesia ou estenose do conduto auditivo externo (75%), pavilhão auricular baixamente implantado (70%), apêndices pré-auriculares (45%) e otite média com efusão (55%). Quanto às alterações audiológicas, encontramos hipoacusia em 81% dos casos (8% de tipo sensorioneural e os restantes casos de transmissão, uni ou bilateral). Conclusões: As alterações auriculares são característica essencial no diagnóstico do Complexo de Goldenhar. A observação, pelo Otorrinolaringologista, é fundamental para caracterizar estas alterações e principalmente para o despiste da surdez que está presente em mais de metade dos casos (82% neste estudo). Depois do diagnóstico é aconselhável um acompanhamento regular pelo Otorrinolaringologista com vista à promoção atempada dos necessários tratamentos médicos e/ou cirúrgicos que muitas destas crianças vão beneficiar com vista ao seu harmónico desenvolvimento, sempre no âmbito duma equipa multidisciplinar que o estudo desta patologia impõe. PALAVRAS-CHAVE: Complexo de Goldenhar, Espectro óculo-aurículo-vertebral, Alterações otológicas, Alterações audiológicas. Patients and methods: Clinical and audiological evaluation of 60 children with a diagnosis of Goldenhar complex, ranging in age from 0,2 months to 18 years. Results: The study showed a high occurrence of otological abnormalities such as microtia (85 percent), preauricular skin tags or pits (62 percent) and otitis media with effusion (55 percent). Hearing loss was found in 81 percent, 8 percent being of sensorineural kind. Conclusions: Auricular abnormalities have been suggested by several authors as a mandatory feature in the diagnosis of Goldenhar complex. The otolaryngologist has an important role in the characterisation of those anomalies and in the assessment of hearing impairment that afflicts 81 percent of this population. KEY-WORDS: Goldenhar complex, Oculo-auriculo-vertebral spectrum, Otological abnormalities, Audiological abnormalities 2 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO QUA 2 :: INTRODUÇÃO O nome de Goldenhar aparece ligado a esta entidade pela sua descrição em 1952 de três doentes, sendo dois deles gémeos monozigóticos, apresentando malformação do ouvido externo, dermoides epibulbares, apêndices auriculares e microssomia hemifacial(1). Contudo, o primeiro caso referido na literatura é atribuído a Von Arlt, em 1845(2). Gorlin(3), em 1963 introduziu o termo de displasia óculo-aurículo-vertebral e no ano seguinte o mesmo autor refere-se a microssomia hemifacial(4) para acentuar o carácter unilateral das lesões; no entanto, Converse(5) em 1977 propôs o termo microssomia craniofacial para exprimir o envolvimento do crânio e o atingimento bilateral das alterações. QUA 1 Têm sido propostas numerosas terminologias para este complexo malformativo, o qual inclui alterações otológicas, oculares, faciais e vertebrais, por vezes associadas a anomalias de outros órgãos, tais como o coração, rins e sistema nervoso central (Quadro 1). NOMENCLATURA APLICADA AO COMPEXO DE GOLDENHAR NOME AUTOR Síndroma do 1º arco branquial Mckenzie, 1958 Microssomia hemifacial Gorlin et al., 1960 Displasia óculo-aurículo-vertebral Gorlin, 1963 Síndroma do 1º e 2º arco vertebral Grabb, 1965 Síndroma de Goldenhar Sugar, 1966 Síndroma de Goldenhar-Gorlin Aleksic et al., 1975 Displasia facial lateral Ross, 1975 Microssomia craniofacial Converse et al., 1977 Complexo de Goldenhar Boles et al., 1987 Espectro óculo-aurículo-vertebral Cohen et al., 1989 Não é correto classificar esta malformação como síndroma, pois não existe um conjunto de sintomas que associados definam o quadro. Existe, sim, um espectro contínuo de alterações entre microssomia hemifacial e síndroma de Goldenhar, a que Cohen(6), em 1989 denominou espectro óculo-aurículo-vertebral, o qual pode ser uni ou bilateral. A designação de complexo malformativo de Goldenhar, ou apenas complexo de Goldenhar (CG), justifica-se a fim de não limitar as alterações ao ouvido, olhos e coluna vertebral, e foi utilizado pela primeira vez por Boles(7) em 1987, terminologia esta que nós também adoptamos neste trabalho (Quadro 2). Apesar de não existirem critérios mínimos de diagnóstico, podemos considerar como característica essencial a presença de microtia ou outra malformação auricular ou pré-auricular, associada a uma assimetria facial(6,8,9). A incidência do CG calcula-se entre 1/3.000 e 1/5.000 nados-vivos com uma ligeira predominância no sexo masculino (3:2), sendo também de 3:2 a relação lado direito/lado esquerdo quando a malformação é unilateral, o que se verifica em 70% dos casos(6,8). NOMENCLATURA APLICADA AO COMPEXO DE GOLDENHAR A. MICROSSOMIA HEMIFACIAL - malformação auricular - malformação boca - malformação mandíbula C. ESPECTRO ÓCULO-AURÍCULO-VERTEBRAL - Espectro contínuo de alterações entre A. e B., cujos critérios mínimos são: - malformações auriculares ou pré-auriculares - assimetria facial B. SÍNDROMA DE GOLDENHAR - microssomia hemifacial - dermoides epibulbares - alterações vertebrais D. COMPLEXO DE GOLDENHAR - como em C., mas sem limitar as alterações aos ouvidos, olhos e coluna vertebral Existe grande heterogeneidade no que diz respeito à etiologia e patogenia, o que pode representar apenas uma gradação na severidade de um erro similar na morfogénese. Alguns agentes teratogénicos (ácido retinoico, primidona, talidomida, tamoxifeno) estão associados ao CG, devendo ocorrer as alterações que interferem com o desenvolvimento do aparelho branquial, entre a 3ª e a 5ª semanas de vida intrauterina(8,9,10). A maioria dos casos são esporádicos, embora estejam descritos casos familiares com tipos de transmissão variáveis, tanto autossómica dominante como autossómica recessiva(8,9,11,12,13). Gorlin(3) realçou o significado potencialmente patogénico de alterações envolvendo a vascularização da mesoderme cefálica do embrião em desenvolvimento, o que foi comprovado em modelo animal por Poswillo(14,15), e, mais tarde, reforçado por outros autores(16,17). "Overripness ovopathy" foi sugerido por Jongbloet(18,19) como uma tentativa para explicar determinados casos esporádicos, a ocorrência de gémeos monozigóticos, a relação com a FIV e a associação com todo o espectro de alterações que pode existir no CG; estudos recentes apontam também nesta direção(20,21). Como vimos, é característica desta malformação uma grande variabilidade da expressão clínica(6,8,9). A nível da face, é frequente uma assimetria mais ou menos acentuada, relacionada com hipoplasia da mandíbula e do malar; pode também existir macrostomia, vários tipos de alterações do palato primário e secundário e, frequentemente, maloclusão dentária. A assimetria mandibular, na microssomia hemifacial, não é progressiva, sendo o desenvolvimento do lado afetado paralelo ao do lado "normal"(22). Conforme referimos atrás, é característica essencial do diagnóstico a presença de microtia ou alterações pré-auriculares, nomeadamente apêndices pré-auriculares, únicos ou múltiplos, e que se localizam logo adiante do pavilhão ou ao longo de uma linha imaginária traçada entre o tragus e a comissura labial. Podemos também encontrar fistulae auris e estenose ou agenesia do conduto auditivo externo (CAE); as alterações podem não se limitar ao ouvido externo, estando descritas também alterações no ouvido médio e/ou ouvido interno, o que pode ser confirmado por tomografia axial computorizada (TAC)(23,24,25). Estas alterações estão ligadas à surdez de transmissão que muitos destes doentes apresentam, a que por vezes se pode associar uma surdez sensorioneural. Trata-se de Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 3 A informação relativa a outros órgãos e sistemas foi recolhida na consulta dos processos clínicos das crianças. uma população em que o risco de ocorrência de otite média com efusão está aumentado, atendendo à anatomia alterada do crânio e da face, que por afetar um ouvido, na prática único, pode assumir uma importância particular. Uma história familiar de microtia, apêndices pré-auriculares e surdez, estava presente em seis casos, mas nenhum dos membros destas famílias foi incluído na amostra. Nas alterações oculares é característica do CG, a presença de formações dermoides epibulbares, podendo também existir colobomas da pálpebra superior, blefaroptose e estreitamento da fenda palpebral(6,8,9). :: RESULTADOS O envolvimento da coluna vertebral é frequente(6,8,9), estando descritas alterações da charneira occipitovertebral, fusão de vértebras, hemivértebras, escoliose ou outras anomalias mais complexas(26,27). Dos 60 casos que compõem este estudo, 33 eram do sexo masculino e 27 do sexo feminino. A malformação era unilateral em 52 (87%), e quando bilateral, 8 casos (13%), era sempre mais manifesta de um dos lados. Nos casos unilaterais, a relação lado direito, lado esquerdo era de 7/3. Uma das crianças era gémeo dizigótico, discordante para o CG. Embora mais raras, estão referidas alterações noutros órgãos como, coração(28), rins(29) ou sistema nervoso central. No diagnóstico diferencial desta situação, devemos ter presentes os síndromas de Treacher-Collins, Moebius, Wildervanck, Towne-Brocks, brânquio-oto-renal, a displasia frontonasal e a sequência de Robin(6,8,9). QUA 3 Em relação ao prognóstico e tratamento, no CG, a esperança de vida e o nível intelectual estão dentro dos padrões normais; a audição deve ser testada em todos os casos devendo ser corrigida precocemente qualquer alteração detetada(6,8). A correção da maloclusão dentária é frequentemente necessária, assim como a cirurgia plástica para a remoção dos apêndices pré-auriculares e dos grandes dermoides epibulbares e também para correção das fendas palatinas e alguns casos de microssomia hemifacial(8,3). A idade da primeira observação das crianças encontra-se registada em gráfico no Quadro 3. IDADE DAS CRIANÇAS À DATA DA PRIMEIRA OBSERVAÇÃO :: MATERIAL E MÉTODOS No presente estudo são avaliadas 60 crianças afetadas de CG, observadas na consulta de ORL do Hospital Maria Pia, no período compreendido entre Outubro de 1996 e Março de 2008. As idades variaram entre os 0,2 e os 18 anos, com uma idade média da primeira observação de 1,4 anos. Na consulta de ORL, foi colhida, em todos os doentes, uma história clínica detalhada e um exame clínico completo, procurando-se caracterizar individualmente as alterações associadas à malformação em estudo. A avaliação audiológica realizada teve em conta a idade de observação das várias crianças, tendo sido efetuado consoante os casos, audiometria tonal simples, audiometria em campo livre ou testes de rastreio com jogos sonoros. Em todos os casos foi realizada impedanciometria, incluindo a timpanometria e pesquisa dos reflexos estapédicos ipsi e contralaterais e o estudo dos potenciais evocados auditivos do tronco cerebral (PEATC). O estudo por TAC, realizado em 32 doentes, permitiu ajudar a caracterizar as alterações do ouvido externo e ouvido médio e despistar a coexistência de malformações do ouvido interno (nos restantes 28 casos, a TAC não foi realizada por não existir surdez ou porque a idade das crianças, à data da observação, era de poucos meses, sendo nesses casos a TAC reservada para uma fase posterior do desenvolvimento); o estudo por TAC serviu também, em 4 casos, para programação de cirurgia para colocação de Prótese Auditiva Osteoancorada (BAHA®). Em 6 casos (10%) havia uma história familiar de microtia, apêndices pré-auriculares e surdez de características autossómica dominante, e noutro caso uma história familiar de fenda labiopalatina. As principais manifestações clínicas encontram-se descritas no Quadro 4. Em relação às alterações otológicas, salientamos a presença de microtia em 85% dos casos, sendo que, e de acordo com a classificação de Marx, 26 (43%) são do tipo I, 22 (37%) do tipo II e 12 (20%) do tipo III. Lembramos que, de acordo com esta classificação, já antiga, mas ainda universalmente aceite, na microtia tipo I, as diferentes partes do pavilhão rudimentar estão presentes e identificáveis; no tipo II, o pavilhão auricular está representado por uma estrutura longitudinal, em alguns casos encurvada, que inclui esboços de cartilagem assemelhando-se a um helix primitivo, e finalmente o tipo III é representado por um rudimento de tecidos moles já sem alguma semelhança com qualquer porção do pavilhão auricular. Cinco casos correspondiam ao síndroma de Goldenhar (Figura 1), associando-se em todos eles microtia e apêndices pré-auriculares, microssomia hemifacial, dermoides epibulbares e alterações vertebrais, correspondendo estas últimas a occipitalização do atlas em dois casos, bloco vertebral C2-C3 noutro e hemivértebras noutros dois. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS OTOLÓGICAS Nºcasos Percentagem % Pavilhão baixamente implantado 42 70 Microtia 51 85 Agenesia/Estenose CAE 45 75 Apêndices pré-auriculares 27 45 Fístula auris 10 17 Otite média com efusão 33 55 Paresia facial periférica 11 18 Hipoacusia transmissão unilateral 21 35 Hipoacusia transmissão bilateral 23 38 Da análise do resultado dos exames complementares em audiologia e eletrofisiologia da audição, verificou-se a existência de surdez de transmissão em 44 casos (73%), sendo unilateral (do lado da malformação) em 21 casos (35%) e bilateral nos outros 23 (38%). Cinco casos (8%) apresentavam uma surdez sensorioneural unilateral, havendo em três deles uma surdez de transmissão no ouvido contralateral; nos cinco casos referidos, em quatro estava presente uma malformação do ouvido interno, documentada por TAC. AUDIOLÓGICAS Hipoacusia sensorioneural Total 5 8 49 82 Em todos os outros casos em que foi realizada TAC, não havia alterações do ouvido interno, nem alterações do ouvido contralateral quando a malformação era unilateral. FACIAIS Microssomia hemifacial 45 75 6 10 Macrostomia 28 47 Bossa frontal 15 25 Oftalmológicas 24 40 Ortopédicas 12 20 Cardiovasculares 4 7 Urológicas 6 10 Neurológicas 4 7 Dermatológicas 3 5 Fenda labiopalatina Onze crianças (18%) foram submetidas a cirurgia por ORL (miringotomia com colocação de tubos transtimpânicos, associada em cinco casos a adenoidectomia; em dois casos associou-se também amigdalectomia pela existência de importantes sintomas obstrutivos das vias aéreas superiores). OUTRAS ALTERAÇÕES Seis crianças com CG bilateral (10%) foram adaptadas com Prótese Auditiva Osteoancorada (BAHA®), quatro delas através de cirurgia e nas outras duas através de Softband® (Figura 2), estas devido à idade não permitir ainda a cirurgia, que foi diferida para a idade de cinco anos; outras duas crianças com patologia bilateral, utilizam prótese auditiva de condução óssea, aguardando uma delas cirurgia BAHA®, que é recusada pelos pais da segunda. ♀, 14 anos de idade, apresentando microssomia hemifacial e microtia à esquerda e sequela de fenda labiopalatina ♂, 4 meses de idade, com CG bilateral, adaptado com BAHA®, através de softband® FIG 2 Em apenas uma criança (2%), que apresentava surdez sensorioneural num ouvido e surdez de transmissão de causa malformativa no ouvido contralateral, foi prescrita prótese auditiva bilateral, com excelentes resultados. FIG 1 QUA 4 4 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 5 estudado, conforme ressalta da análise dos Quadros 4 e 5, a sua percentagem era de 82% e, apesar da malformação ser unilateral em 87% dos casos, cerca de metade apresentava uma hipoacusia bilateral relacionada com uma prevalência aumentada de otite média com efusão no ouvido contralateral ao da malformação, tendo onze crianças (18%) sido submetidas a cirurgia para correção dessa patologia. :: DISCUSSÃO O CG tem sido abordado na literatura sob os mais variados aspectos, tendo os autores pretendido, neste trabalho, dar uma visão integrada das principais alterações otológicas e audiológicas presentes nesta entidade, salientando a importância da intervenção precoce do Otorrinolaringologista em todos os casos. A avaliação da estrutura e função da faringe e laringe, também muitas vezes alteradas e causadoras de uma morbilidade acrescida(31), sai do âmbito do presente estudo, mas devem ser também uma preocupação do especialista que observa estas crianças. QUA 5 Quanto às malformações auriculares, os casos de microtia distribuíram-se de forma uniforme pelos três tipos da classificação de Marx(33), o que também está de acordo com os autores referenciados no Quadro 5. Estabelecer o tipo e o grau de surdez em cada caso deve fazer parte integrante do acompanhamento de crianças com CG. Um certo número de ideias emergem deste estudo, que de forma muito genérica sumarizamos no Quadro 6. QUA 6 Apesar de existir uma predominância do sexo masculino descrita na literatura(6,8) e confirmada nos trabalhos referenciados no Quadro 4(24,31,32), encontramos no nosso estudo apenas um ligeiro aumento de incidência (5/4); quanto à lateralidade, os nossos números são concordantes com os da literatura, sendo a malformação unilateral em 87% dos casos, encontrando-se nestes um predomínio importante do lado direito sobre o lado esquerdo (70%). Apenas em cinco casos foi diagnosticada uma surdez sensorioneural, relacionada com malformações do ouvido interno, confirmada por TAC em quatro casos; este é um exame importante no CG, pois permite-nos melhor caracterizar as alterações do ouvido externo e ouvido médio e despistar uma malformação associada do ouvido interno, contribuindo de forma decisiva para o tratamento e reabilitação das crianças afetadas de CG que apresentam surdez. COMPLEXO DE GOLDENHAR - Malformação facial com incidência unilateral - Malformações auriculares - Patologia do ouvido contralateral - Intervenção precoce do Otorrinolaringologista - Abordagem multidisciplinar MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS n-% Bassila 1989 Coutinho 1992 D’ António 1998 Coutinho 2008 Casos 50-100% 13-100% 41-100% 60-100% Sexo M 27-54% 9-69% 27-66% 33-55% Sexo F 23-46% 4-31% 14-34% 27-45% Unilateral 38-76% 11-85% 38-93% 52-87% Lado Direito 24-63% 9-82% 25-66% 42-70% Lado Esquerdo 14-37% 2-18% 13-34% 18-30% Bilateral 12-24% 2-15% 3-7% 8-13% Microtia 33-66% 10-77% 29-71% 51-85% Apêndices Pré-Auriculares 21-42% 12-92% 22-54% 27-45% Paresia Facial Periférica 11-22% 2-15% 14-34% 11-18% 10-77% 32-78% 49-82% 9-69% 27-66% 44-73% 1-8% 5-12% 5-8% Hipoacusia Transmissão Sensorioneural 8-16% A prevalência da paresia ou paralisia facial periférica, varia na literatura entre 10 e 34%(5,8,24,31), sendo de 18% neste estudo; não foi encontrada uma relação direta entre a gravidade da malformação auricular e as alterações do nervo facial, sendo que, dos onze casos afetados, um deles não apresentava microtia ou agenesia do CAE, cinco tinham uma microtia tipo II e outros cinco apresentavam uma microtia tipo III. Também não encontramos neste estudo a associação referida na literatura(24) entre microtia, paresia facial e surdez sensorioneural, pois nenhum dos nossos casos com surdez sensorioneural apresentava paresia facial. Alterações audiológicas estão presentes num número significativo de crianças afetadas de CG (4,6,24,31,32,34,35). No grupo por nós O diagnóstico precoce desta entidade, permite ao pediatra (neonatologista), em estreita colaboração com outras especialidades - Genética, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Ortopedia, Cirurgia Plástica, Estomatologia - detetar as várias alterações presentes em cada criança atingida. Microtia, apêndices pré-auriculares e assimetria facial, são estigmas demasiado evidentes, para passarem despercebidos na primeira observação de um recém-nascido. A observação pelo Otorrinolaringologista é fundamental para caracterizar as alterações otológicas e principalmente para o despiste da surdez, que está presente em mais de metade dos casos (82% no presente estudo). Na maioria dos casos com surdez, ela é de transmissão (73% dos casos apresentados) e relacionada com a malformação do ouvido externo ou malformação da cadeia ossicular. Quando a malformação é unilateral (87%), muitas vezes a surdez de transmissão é bilateral (73%), devido à prevalência aumentada de otite média com efusão no ouvido contralateral por alteração da nasofaringe, que muitas dessas crianças apresentam(31,35). Quanto ao grau da surdez, é, na maior parte dos casos, moderado, podendo não ser detetado num exame pouco rigoroso. Concluímos, assim, que todas as crianças atingidas pelo CG, devem ser submetidas a um exame completo por Otorrinolaringologista e realizar o mais precocemente possível uma avaliação audiológica rigorosa. 6 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO É hoje um facto universalmente aceite que o diagnóstico precoce de uma perda auditiva, mesmo de transmissão, melhora as nossas possibilidades de reabilitação da audição e da linguagem, assumindo neste contexto, os PEATC, um papel insubstituível. A deteção precoce de uma surdez, de transmissão ou sensorioneural (8% nos nossos casos), permite ao Otorrinolaringologista, em articulação com o pediatra, o médico de família, os pais e a escola, minimizar eventuais problemas relacionados com a colocação da criança na sala de aula (devido ao carácter unilateral das lesões), bem como interferências na comunicação e no seu rendimento escolar. Nos casos de CG bilateral, o acesso a novas formas de tratamento, como as Próteses Auditivas Osteoancoradas, adaptadas a partir dos primeiros meses de vida, permitem, no caso de um correto e precoce diagnóstico, os melhores resultados em termos de reabilitação auditiva(36,37). 14. 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