15 Maio de 2012
NEUROTOLOGIA
ALTERAÇÕES OTOLÓGICAS E AUDIOLÓGICAS
NO COMPLEXO DE GOLDENHAR - ESTUDO DE
60 CASOS
OTOLOGICAL AND AUDIOLOGICAL ANOMALIES
IN GOLDENHAR COMPLEX - STUDY OF 60 CASES
Autores: Miguel Bebiano Coutinho1; Carla Matos2
1
Unidade de Otorrinolaringologia Pediátrica do CHP, E.P.E.
2
Audiologista da Unidade de Otorrinolaringologia Pediátrica
Correspondência: Miguel B. Coutinho | Unidade de ORL Pediátrica | Hospital Maria Pia | Rua da Boavista, 827 | 4050 - 111 Porto
[email protected]
RESUMO
ABSTRACT
Objetivo: Este estudo pretende avaliar as principais alterações
otológicas e audiológicas presentes no Complexo de Goldenhar (Espectro óculo-aurículo-vertebral).
Objective: This study described the occurrence and expression of otological and audiological anomalies in a population
of patients with Goldenhar complex (oculo-auriculo-vertebral spectrum).
Material e métodos: Avaliação clínica e audiológica de 60
crianças com o diagnóstico de Complexo de Goldenhar, seguidas na Consulta de Otorrinolaringologia do Hospital Maria
Pia, com idades compreendidas entre os 0,2 e os 18 anos.
Resultados: Na população estudada, a distribuição por sexos
era semelhante, com ligeiro predomínio do sexo masculino
(5/4); a malformação era unilateral em 87% dos casos, e
quando bilateral era sempre mais evidente de um dos lados.
As principais alterações otológicas encontradas foram a microtia (85%), agenesia ou estenose do conduto auditivo externo (75%), pavilhão auricular baixamente implantado
(70%), apêndices pré-auriculares (45%) e otite média com
efusão (55%). Quanto às alterações audiológicas, encontramos hipoacusia em 81% dos casos (8% de tipo sensorioneural e os restantes casos de transmissão, uni ou bilateral).
Conclusões: As alterações auriculares são característica essencial no diagnóstico do Complexo de Goldenhar. A observação,
pelo Otorrinolaringologista, é fundamental para caracterizar
estas alterações e principalmente para o despiste da surdez que
está presente em mais de metade dos casos (82% neste estudo).
Depois do diagnóstico é aconselhável um acompanhamento regular pelo Otorrinolaringologista com vista à promoção atempada dos necessários tratamentos médicos e/ou cirúrgicos que
muitas destas crianças vão beneficiar com vista ao seu harmónico desenvolvimento, sempre no âmbito duma equipa multidisciplinar que o estudo desta patologia impõe.
PALAVRAS-CHAVE: Complexo de Goldenhar, Espectro óculo-aurículo-vertebral, Alterações otológicas, Alterações audiológicas.
Patients and methods: Clinical and audiological evaluation
of 60 children with a diagnosis of Goldenhar complex, ranging in age from 0,2 months to 18 years.
Results: The study showed a high occurrence of otological
abnormalities such as microtia (85 percent), preauricular skin
tags or pits (62 percent) and otitis media with effusion (55
percent). Hearing loss was found in 81 percent, 8 percent
being of sensorineural kind.
Conclusions: Auricular abnormalities have been suggested by
several authors as a mandatory feature in the diagnosis of
Goldenhar complex. The otolaryngologist has an important
role in the characterisation of those anomalies and in the assessment of hearing impairment that afflicts 81 percent of this
population.
KEY-WORDS: Goldenhar complex, Oculo-auriculo-vertebral
spectrum, Otological abnormalities, Audiological abnormalities
2 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO
QUA 2
::
INTRODUÇÃO
O nome de Goldenhar aparece ligado a esta entidade pela sua
descrição em 1952 de três doentes, sendo dois deles gémeos
monozigóticos, apresentando malformação do ouvido externo, dermoides epibulbares, apêndices auriculares e microssomia hemifacial(1).
Contudo, o primeiro caso referido na literatura é atribuído a
Von Arlt, em 1845(2). Gorlin(3), em 1963 introduziu o termo de
displasia óculo-aurículo-vertebral e no ano seguinte o mesmo
autor refere-se a microssomia hemifacial(4) para acentuar o carácter unilateral das lesões; no entanto, Converse(5) em 1977
propôs o termo microssomia craniofacial para exprimir o envolvimento do crânio e o atingimento bilateral das alterações.
QUA 1
Têm sido propostas numerosas terminologias para este complexo malformativo, o qual inclui alterações otológicas, oculares, faciais e vertebrais, por vezes associadas a anomalias de
outros órgãos, tais como o coração, rins e sistema nervoso
central (Quadro 1).
NOMENCLATURA APLICADA AO COMPEXO DE GOLDENHAR
NOME
AUTOR
Síndroma do 1º arco branquial
Mckenzie, 1958
Microssomia hemifacial
Gorlin et al., 1960
Displasia óculo-aurículo-vertebral
Gorlin, 1963
Síndroma do 1º e 2º arco vertebral
Grabb, 1965
Síndroma de Goldenhar
Sugar, 1966
Síndroma de Goldenhar-Gorlin
Aleksic et al., 1975
Displasia facial lateral
Ross, 1975
Microssomia craniofacial
Converse et al., 1977
Complexo de Goldenhar
Boles et al., 1987
Espectro óculo-aurículo-vertebral
Cohen et al., 1989
Não é correto classificar esta malformação como síndroma, pois
não existe um conjunto de sintomas que associados definam o
quadro. Existe, sim, um espectro contínuo de alterações entre
microssomia hemifacial e síndroma de Goldenhar, a que Cohen(6),
em 1989 denominou espectro óculo-aurículo-vertebral, o qual
pode ser uni ou bilateral.
A designação de complexo malformativo de Goldenhar, ou apenas complexo de Goldenhar (CG), justifica-se a fim de não limitar as alterações ao ouvido, olhos e coluna vertebral, e foi
utilizado pela primeira vez por Boles(7) em 1987, terminologia
esta que nós também adoptamos neste trabalho (Quadro 2).
Apesar de não existirem critérios mínimos de diagnóstico, podemos considerar como característica essencial a presença de
microtia ou outra malformação auricular ou pré-auricular, associada a uma assimetria facial(6,8,9). A incidência do CG calcula-se entre 1/3.000 e 1/5.000 nados-vivos com uma ligeira
predominância no sexo masculino (3:2), sendo também de 3:2
a relação lado direito/lado esquerdo quando a malformação é
unilateral, o que se verifica em 70% dos casos(6,8).
NOMENCLATURA APLICADA AO COMPEXO DE GOLDENHAR
A. MICROSSOMIA HEMIFACIAL
- malformação auricular
- malformação boca
- malformação mandíbula
C. ESPECTRO ÓCULO-AURÍCULO-VERTEBRAL
- Espectro contínuo de alterações
entre A. e B., cujos critérios
mínimos são:
- malformações auriculares
ou pré-auriculares
- assimetria facial
B. SÍNDROMA DE GOLDENHAR
- microssomia hemifacial
- dermoides epibulbares
- alterações vertebrais
D. COMPLEXO DE GOLDENHAR
- como em C., mas sem limitar as alterações aos ouvidos, olhos e coluna vertebral
Existe grande heterogeneidade no que diz respeito à etiologia
e patogenia, o que pode representar apenas uma gradação
na severidade de um erro similar na morfogénese. Alguns
agentes teratogénicos (ácido retinoico, primidona, talidomida,
tamoxifeno) estão associados ao CG, devendo ocorrer as alterações que interferem com o desenvolvimento do aparelho
branquial, entre a 3ª e a 5ª semanas de vida intrauterina(8,9,10).
A maioria dos casos são esporádicos, embora estejam descritos casos familiares com tipos de transmissão variáveis, tanto
autossómica dominante como autossómica recessiva(8,9,11,12,13).
Gorlin(3) realçou o significado potencialmente patogénico de
alterações envolvendo a vascularização da mesoderme cefálica
do embrião em desenvolvimento, o que foi comprovado em
modelo animal por Poswillo(14,15), e, mais tarde, reforçado por
outros autores(16,17).
"Overripness ovopathy" foi sugerido por Jongbloet(18,19) como
uma tentativa para explicar determinados casos esporádicos,
a ocorrência de gémeos monozigóticos, a relação com a FIV e
a associação com todo o espectro de alterações que pode existir no CG; estudos recentes apontam também nesta direção(20,21).
Como vimos, é característica desta malformação uma grande
variabilidade da expressão clínica(6,8,9). A nível da face, é frequente uma assimetria mais ou menos acentuada, relacionada
com hipoplasia da mandíbula e do malar; pode também existir macrostomia, vários tipos de alterações do palato primário
e secundário e, frequentemente, maloclusão dentária. A assimetria mandibular, na microssomia hemifacial, não é progressiva, sendo o desenvolvimento do lado afetado paralelo
ao do lado "normal"(22).
Conforme referimos atrás, é característica essencial do diagnóstico a presença de microtia ou alterações pré-auriculares,
nomeadamente apêndices pré-auriculares, únicos ou múltiplos, e que se localizam logo adiante do pavilhão ou ao longo
de uma linha imaginária traçada entre o tragus e a comissura
labial. Podemos também encontrar fistulae auris e estenose
ou agenesia do conduto auditivo externo (CAE); as alterações
podem não se limitar ao ouvido externo, estando descritas
também alterações no ouvido médio e/ou ouvido interno, o
que pode ser confirmado por tomografia axial computorizada
(TAC)(23,24,25). Estas alterações estão ligadas à surdez de transmissão que muitos destes doentes apresentam, a que por
vezes se pode associar uma surdez sensorioneural. Trata-se de
Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 3
A informação relativa a outros órgãos e sistemas foi recolhida
na consulta dos processos clínicos das crianças.
uma população em que o risco de ocorrência de otite média
com efusão está aumentado, atendendo à anatomia alterada
do crânio e da face, que por afetar um ouvido, na prática
único, pode assumir uma importância particular.
Uma história familiar de microtia, apêndices pré-auriculares e
surdez, estava presente em seis casos, mas nenhum dos membros destas famílias foi incluído na amostra.
Nas alterações oculares é característica do CG, a presença de
formações dermoides epibulbares, podendo também existir
colobomas da pálpebra superior, blefaroptose e estreitamento
da fenda palpebral(6,8,9).
::
RESULTADOS
O envolvimento da coluna vertebral é frequente(6,8,9), estando
descritas alterações da charneira occipitovertebral, fusão de
vértebras, hemivértebras, escoliose ou outras anomalias mais
complexas(26,27).
Dos 60 casos que compõem este estudo, 33 eram do sexo
masculino e 27 do sexo feminino. A malformação era unilateral em 52 (87%), e quando bilateral, 8 casos (13%), era
sempre mais manifesta de um dos lados. Nos casos unilaterais,
a relação lado direito, lado esquerdo era de 7/3. Uma das
crianças era gémeo dizigótico, discordante para o CG.
Embora mais raras, estão referidas alterações noutros órgãos
como, coração(28), rins(29) ou sistema nervoso central.
No diagnóstico diferencial desta situação, devemos ter presentes os síndromas de Treacher-Collins, Moebius, Wildervanck,
Towne-Brocks, brânquio-oto-renal, a displasia frontonasal e a
sequência de Robin(6,8,9).
QUA 3
Em relação ao prognóstico e tratamento, no CG, a esperança
de vida e o nível intelectual estão dentro dos padrões normais;
a audição deve ser testada em todos os casos devendo ser corrigida precocemente qualquer alteração detetada(6,8). A correção da maloclusão dentária é frequentemente necessária,
assim como a cirurgia plástica para a remoção dos apêndices
pré-auriculares e dos grandes dermoides epibulbares e também para correção das fendas palatinas e alguns casos de microssomia hemifacial(8,3).
A idade da primeira observação das crianças encontra-se registada em gráfico no Quadro 3.
IDADE DAS CRIANÇAS À DATA DA PRIMEIRA OBSERVAÇÃO
::
MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo são avaliadas 60 crianças afetadas de CG,
observadas na consulta de ORL do Hospital Maria Pia, no período compreendido entre Outubro de 1996 e Março de
2008. As idades variaram entre os 0,2 e os 18 anos, com uma
idade média da primeira observação de 1,4 anos. Na consulta
de ORL, foi colhida, em todos os doentes, uma história clínica
detalhada e um exame clínico completo, procurando-se caracterizar individualmente as alterações associadas à malformação em estudo. A avaliação audiológica realizada teve em
conta a idade de observação das várias crianças, tendo sido
efetuado consoante os casos, audiometria tonal simples, audiometria em campo livre ou testes de rastreio com jogos sonoros. Em todos os casos foi realizada impedanciometria,
incluindo a timpanometria e pesquisa dos reflexos estapédicos
ipsi e contralaterais e o estudo dos potenciais evocados auditivos do tronco cerebral (PEATC). O estudo por TAC, realizado
em 32 doentes, permitiu ajudar a caracterizar as alterações
do ouvido externo e ouvido médio e despistar a coexistência
de malformações do ouvido interno (nos restantes 28 casos,
a TAC não foi realizada por não existir surdez ou porque a
idade das crianças, à data da observação, era de poucos
meses, sendo nesses casos a TAC reservada para uma fase
posterior do desenvolvimento); o estudo por TAC serviu também, em 4 casos, para programação de cirurgia para colocação de Prótese Auditiva Osteoancorada (BAHA®).
Em 6 casos (10%) havia uma história familiar de microtia,
apêndices pré-auriculares e surdez de características autossómica dominante, e noutro caso uma história familiar de fenda
labiopalatina.
As principais manifestações clínicas encontram-se descritas no
Quadro 4.
Em relação às alterações otológicas, salientamos a presença
de microtia em 85% dos casos, sendo que, e de acordo com
a classificação de Marx, 26 (43%) são do tipo I, 22 (37%) do
tipo II e 12 (20%) do tipo III. Lembramos que, de acordo com
esta classificação, já antiga, mas ainda universalmente aceite,
na microtia tipo I, as diferentes partes do pavilhão rudimentar
estão presentes e identificáveis; no tipo II, o pavilhão auricular está representado por uma estrutura longitudinal, em alguns casos encurvada, que inclui esboços de cartilagem
assemelhando-se a um helix primitivo, e finalmente o tipo III
é representado por um rudimento de tecidos moles já sem alguma semelhança com qualquer porção do pavilhão auricular.
Cinco casos correspondiam ao síndroma de Goldenhar (Figura 1),
associando-se em todos eles microtia e apêndices pré-auriculares, microssomia hemifacial, dermoides epibulbares e alterações
vertebrais, correspondendo estas últimas a occipitalização do
atlas em dois casos, bloco vertebral C2-C3 noutro e hemivértebras noutros dois.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
OTOLÓGICAS
Nºcasos
Percentagem %
Pavilhão baixamente implantado
42
70
Microtia
51
85
Agenesia/Estenose CAE
45
75
Apêndices pré-auriculares
27
45
Fístula auris
10
17
Otite média com efusão
33
55
Paresia facial periférica
11
18
Hipoacusia transmissão unilateral
21
35
Hipoacusia transmissão bilateral
23
38
Da análise do resultado dos exames complementares em audiologia e eletrofisiologia da audição, verificou-se a existência
de surdez de transmissão em 44 casos (73%), sendo unilateral (do lado da malformação) em 21 casos (35%) e bilateral
nos outros 23 (38%). Cinco casos (8%) apresentavam uma
surdez sensorioneural unilateral, havendo em três deles uma
surdez de transmissão no ouvido contralateral; nos cinco casos
referidos, em quatro estava presente uma malformação do
ouvido interno, documentada por TAC.
AUDIOLÓGICAS
Hipoacusia sensorioneural
Total
5
8
49
82
Em todos os outros casos em que foi realizada TAC, não havia
alterações do ouvido interno, nem alterações do ouvido contralateral quando a malformação era unilateral.
FACIAIS
Microssomia hemifacial
45
75
6
10
Macrostomia
28
47
Bossa frontal
15
25
Oftalmológicas
24
40
Ortopédicas
12
20
Cardiovasculares
4
7
Urológicas
6
10
Neurológicas
4
7
Dermatológicas
3
5
Fenda labiopalatina
Onze crianças (18%) foram submetidas a cirurgia por ORL (miringotomia com colocação de tubos transtimpânicos, associada em cinco casos a adenoidectomia; em dois casos
associou-se também amigdalectomia pela existência de importantes sintomas obstrutivos das vias aéreas superiores).
OUTRAS ALTERAÇÕES
Seis crianças com CG bilateral (10%) foram adaptadas com
Prótese Auditiva Osteoancorada (BAHA®), quatro delas através
de cirurgia e nas outras duas através de Softband® (Figura 2),
estas devido à idade não permitir ainda a cirurgia, que foi diferida para a idade de cinco anos; outras duas crianças com
patologia bilateral, utilizam prótese auditiva de condução
óssea, aguardando uma delas cirurgia BAHA®, que é recusada
pelos pais da segunda.
♀, 14 anos de idade, apresentando microssomia hemifacial
e microtia à esquerda e sequela de fenda labiopalatina
♂, 4 meses de idade, com CG bilateral, adaptado com BAHA®,
através de softband®
FIG 2
Em apenas uma criança (2%), que apresentava surdez sensorioneural num ouvido e surdez de transmissão de causa malformativa no ouvido contralateral, foi prescrita prótese
auditiva bilateral, com excelentes resultados.
FIG 1
QUA 4
4 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO
Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 5
estudado, conforme ressalta da análise dos Quadros 4 e 5, a
sua percentagem era de 82% e, apesar da malformação ser unilateral em 87% dos casos, cerca de metade apresentava uma hipoacusia bilateral relacionada com uma prevalência aumentada
de otite média com efusão no ouvido contralateral ao da malformação, tendo onze crianças (18%) sido submetidas a cirurgia para correção dessa patologia.
::
DISCUSSÃO
O CG tem sido abordado na literatura sob os mais variados aspectos, tendo os autores pretendido, neste trabalho, dar uma
visão integrada das principais alterações otológicas e audiológicas presentes nesta entidade, salientando a importância da intervenção precoce do Otorrinolaringologista em todos os casos.
A avaliação da estrutura e função da faringe e laringe, também
muitas vezes alteradas e causadoras de uma morbilidade acrescida(31), sai do âmbito do presente estudo, mas devem ser também uma preocupação do especialista que observa estas
crianças.
QUA 5
Quanto às malformações auriculares, os casos de microtia distribuíram-se de forma uniforme pelos três tipos da classificação
de Marx(33), o que também está de acordo com os autores referenciados no Quadro 5.
Estabelecer o tipo e o grau de surdez em cada caso deve fazer
parte integrante do acompanhamento de crianças com CG.
Um certo número de ideias emergem deste estudo, que de
forma muito genérica sumarizamos no Quadro 6.
QUA 6
Apesar de existir uma predominância do sexo masculino descrita na literatura(6,8) e confirmada nos trabalhos referenciados
no Quadro 4(24,31,32), encontramos no nosso estudo apenas um
ligeiro aumento de incidência (5/4); quanto à lateralidade, os
nossos números são concordantes com os da literatura, sendo
a malformação unilateral em 87% dos casos, encontrando-se
nestes um predomínio importante do lado direito sobre o lado
esquerdo (70%).
Apenas em cinco casos foi diagnosticada uma surdez sensorioneural, relacionada com malformações do ouvido interno, confirmada por TAC em quatro casos; este é um exame importante
no CG, pois permite-nos melhor caracterizar as alterações do
ouvido externo e ouvido médio e despistar uma malformação
associada do ouvido interno, contribuindo de forma decisiva
para o tratamento e reabilitação das crianças afetadas de CG
que apresentam surdez.
COMPLEXO DE GOLDENHAR
- Malformação facial com incidência unilateral
- Malformações auriculares
- Patologia do ouvido contralateral
- Intervenção precoce do Otorrinolaringologista
- Abordagem multidisciplinar
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
n-%
Bassila 1989
Coutinho
1992
D’ António
1998
Coutinho
2008
Casos
50-100%
13-100%
41-100%
60-100%
Sexo M
27-54%
9-69%
27-66%
33-55%
Sexo F
23-46%
4-31%
14-34%
27-45%
Unilateral
38-76%
11-85%
38-93%
52-87%
Lado Direito
24-63%
9-82%
25-66%
42-70%
Lado Esquerdo
14-37%
2-18%
13-34%
18-30%
Bilateral
12-24%
2-15%
3-7%
8-13%
Microtia
33-66%
10-77%
29-71%
51-85%
Apêndices Pré-Auriculares
21-42%
12-92%
22-54%
27-45%
Paresia Facial Periférica
11-22%
2-15%
14-34%
11-18%
10-77%
32-78%
49-82%
9-69%
27-66%
44-73%
1-8%
5-12%
5-8%
Hipoacusia
Transmissão
Sensorioneural
8-16%
A prevalência da paresia ou paralisia facial periférica, varia na literatura entre 10 e 34%(5,8,24,31), sendo de 18% neste estudo;
não foi encontrada uma relação direta entre a gravidade da malformação auricular e as alterações do nervo facial, sendo que,
dos onze casos afetados, um deles não apresentava microtia ou
agenesia do CAE, cinco tinham uma microtia tipo II e outros
cinco apresentavam uma microtia tipo III. Também não encontramos neste estudo a associação referida na literatura(24) entre
microtia, paresia facial e surdez sensorioneural, pois nenhum
dos nossos casos com surdez sensorioneural apresentava paresia facial.
Alterações audiológicas estão presentes num número significativo de crianças afetadas de CG (4,6,24,31,32,34,35). No grupo por nós
O diagnóstico precoce desta entidade, permite ao pediatra (neonatologista), em estreita colaboração com outras especialidades
- Genética, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Ortopedia, Cirurgia Plástica, Estomatologia - detetar as várias alterações presentes em cada criança atingida.
Microtia, apêndices pré-auriculares e assimetria facial, são estigmas demasiado evidentes, para passarem despercebidos na
primeira observação de um recém-nascido.
A observação pelo Otorrinolaringologista é fundamental para
caracterizar as alterações otológicas e principalmente para o despiste da surdez, que está presente em mais de metade dos casos
(82% no presente estudo).
Na maioria dos casos com surdez, ela é de transmissão (73%
dos casos apresentados) e relacionada com a malformação do
ouvido externo ou malformação da cadeia ossicular.
Quando a malformação é unilateral (87%), muitas vezes a surdez de transmissão é bilateral (73%), devido à prevalência aumentada de otite média com efusão no ouvido contralateral por
alteração da nasofaringe, que muitas dessas crianças apresentam(31,35).
Quanto ao grau da surdez, é, na maior parte dos casos, moderado, podendo não ser detetado num exame pouco rigoroso.
Concluímos, assim, que todas as crianças atingidas pelo CG,
devem ser submetidas a um exame completo por Otorrinolaringologista e realizar o mais precocemente possível uma avaliação audiológica rigorosa.
6 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO
É hoje um facto universalmente aceite que o diagnóstico precoce de uma perda auditiva, mesmo de transmissão, melhora
as nossas possibilidades de reabilitação da audição e da linguagem, assumindo neste contexto, os PEATC, um papel insubstituível.
A deteção precoce de uma surdez, de transmissão ou sensorioneural (8% nos nossos casos), permite ao Otorrinolaringologista,
em articulação com o pediatra, o médico de família, os pais e a
escola, minimizar eventuais problemas relacionados com a colocação da criança na sala de aula (devido ao carácter unilateral
das lesões), bem como interferências na comunicação e no seu
rendimento escolar. Nos casos de CG bilateral, o acesso a novas
formas de tratamento, como as Próteses Auditivas Osteoancoradas, adaptadas a partir dos primeiros meses de vida, permitem, no caso de um correto e precoce diagnóstico, os melhores
resultados em termos de reabilitação auditiva(36,37).
14. Poswillo D: The pathogenesis of the first and second branchial arch
syndrome. Oral Surg 35: 302-29 (1973).
15. Poswillo D: Hemorrhage in development of the face. Birth Defects
Original Article Series 11 (7): 61-81 (1975).
16. Robinson LK, Hoyme HE, Edwards DK et al.: The vascular pathogenesis of
unilateral craniofacial defects. J Pediatr 111: 236-9 (1987).
17. Soltan HC, Holmes LB: Familial occurrence of malformations possibly
attributable to vascular abnormalities. J Pediatr 109: 112-14 (1986).
18. Jongbloet PH: Considerations on the aetiology of Goldenhar's syndrome
and related congenital dysplasias including chromosomal aberrations.
Maandschr Kindergeneeskd 36: 352-67 (1968).
19. Jongbloet PH: Goldenhar syndrome and overlapping dysplasias, in vitro
fertilization and ovopathy. J Med Genet 24: 616-20 (1987).
20. Verona LL, Damian NG, Pavarina LP et al.: Monozygotic twins discordant
for Goldenhar syndrome. J Pediatr (Rio J); 82 (1): 75-8 (2006).
21. Wieczorek D, Ludwig M, Boheringer S et al.: Reproduction abnormalities
and twin pregnancies in parents of sporadic patients with oculo-auriculovertebral spectrum / Goldenhar syndrome. Hum Genet 121 (3-4): 369-76
(2007).
Assim, depois do diagnóstico inicial é aconselhável um acompanhamento regular por Otorrinolaringologista com vista à promoção atempada dos necessários tratamentos médicos e/ou
cirúrgicos de que muitas destas crianças vão beneficiar, assim
como da prescrição de prótese auditiva como meio fundamental de reabilitação em alguns casos.
23. Mocellin M, Capasso R, Catani GSA et al.: Síndrome de Goldenhar
(Displasia óculo-aurículo-vertebral). Relato de caso e revisão de literatura.
Revista Brasileira de Otorrinolaringologia 64(1): 77-9 (1998).
BIBLIOGRAFIA
24. Bassila MK, Goldberg S: The association of facial palsy and/or
sensorineural hearing loss in patients with hemifacial microsomia.
Cleft Palate Journal 26(4): 287-91 (1989).
1. Goldenhar M: Associations malformatives de l'oeil et de l'oreille, en
particulaire le syndrome dermoide epibulbaire-appendices auriculairesfistula auris congenita et ses relations avec la disostose mandibulo-faciale.
J Genet Hum 1: 243-82 (1952).
2. Von Arlt F: Klinische darstellung der Krankheiten des Auges. Wien 3: 376
(1845).
3. Gorlin RJ, Jue KL, Jacobson NP et al.: Oculo-auriculo-vertebral dysplasia.
J Pediatr 63: 991-9 (1963).
4. Gorlin RJ, Pindborg J: Syndromes of the head and neck (1st Ed.),
McGraw-Hill. 1964: 261-65, 419-5.
5. Converse J, McCarthy J, Wood-Smith D: Craniofacial microsomia. In
Reconstructive Plastic Surgery (2nd Ed.), Saunders. 1977.
22. Polley JW, Figueroa AA, Liou EJ et al.: Longitudinal analysis of mandibular
asymmetry in hemifacial microsomia. Plast Reconstr Surg 99: 328-39
(1997).
25. Bisdas S, Lenarz M, Lenarz T et al.: Inner ear abnormalities in patients
with Goldenhar syndrome. Otol Neurotol 26 (3): 398-404 (2005).
26. Avon SW, Shively JL: Orthopaedic manifestations of Goldenhar syndrome.
J Pediatr Orthop 8: 683-6 (1988).
27. Johnson KA, Fairhurst J, Clarke NMP: Oculo-auriculo-vertebral spectrum:
new manifestations. Pediatr Radiol 25: 446-8 (1995).
28. Kumar A, Friedman JM, Taylor GP et al.: Pattern of cardiac malformation
in oculo-auriculo-vertebral spectrum. Am J Med Genet 46(4): 423-6
(1993).
29. Ritchey ML, Norbeck J, Huang C et al.: Urologic manifestations of
Goldenhar syndrome. Urology 43(1): 88-91 (1994).
6. Cohen MMJr, Rollnick BR, Kaye CI: Oculo-auriculo-vertebral spectrum: an
updated critique. Cleft Palate Journal 26 (4): 276-86 (1989).
30. Lima MDM, Marques YM, Alves Júnior SM et al.: Distraction osteogenesis
in Goldenhar Syndrome: Case report and 8-year follow-up. Med Oral
Patol Oral Cir Bucal 12 (7): 258-31 (2007).
7. Boles DJ, Bodurtha J, Nance WE: Goldenhar complex in discordant
monozygotic twins: a case report and review of the literature. Am J Med
Genet 28: 103-9 (1987).
31. D'Antonio LL, Rice Jr RD, Fink SC: Evaluation of pharyngeal and laryngeal
structure and function in patients with oculo-auriculo-vertebral spectrum.
Cleft Palate-Craniofacial Journal; 35(4): 333-41 (1998).
8. Gorlin RJ, Cohen MMJr, Levin LS: Oculo-auriculo-vertebral spectrum. In:
Gorlin RJ, et al.: (eds) Syndromes of the Head and Neck (3rd ed.) Oxford
University Press. 1990: 641-49.
32. Coutinho MB, Oliveira LC, Coutinho D et al.: Síndroma de Goldenharapresentação de 13 casos. Comunicação apresentada na Reunião Anual
da Associação Portuguesa de ORL e Cirurgia Cérvico-Facial. 1992.
9. Rollnick BR, Kaye CI, Nagatoshi K et al.: Oculo-auriculo-vertebral dysplasia
and variants: phenotipic characteristics of 294 patients. Am J Med Genet
26: 361-75 (1987).
33. Marx H: Beitrag zur morphologie und genese der mittellohrmissbildungen
mit gehorgangsatresie. Z Hals-Nas-Ohrenh 2: 230 (1922).
10. Cullins SL, Pridjian G, Sutherland CM: Goldenhar's syndrome associated
with tamoxifen given to the mother during gestation. JAMA 271 (24):
1905-6 (1994).
11. Tsai FJ, Tsai CH: Autosomal dominant inherited oculo-auriculo-vertebral
spectrum: report of one family. Acta paediatr Sin 34 (1): 27-31 (1993).
12. Singer SL, Haan E, Slee J et al.: Familial hemifacial microsomia due to
autosomal dominant inheritance: case reports. Aust Dent J 39 (5): 287-91
(1994).
13. Tasse C, Majewski TC, Böhringer S et al.: A family with autosomal
dominant oculo-auriculo-vertebral spectrum. Clin Dysmorphol 16 (1): 1-7
(2007).
34. Engiz O, Balci S, Unsal M et al.: 31 cases with oculo-auriculo-vertebral
dysplasia (Goldenhar Syndrome): clinical, neuroradiologic, audiologic and
cytogenetic findings. Genet Couns 18 (3): 277-88 (2007).
35. Coutinho MB, Mota CR, Fortuna A et al.: Alterações otológicas e
audiológicas no complexo óculo-aurículo-vertebral. Nascer e Crescer 8 (2):
93-7 (1999).
36. Coutinho MB: 31 Próteses Auditivas Osteoancoradas. Nascer e Crescer 13
(3): 201-5 (2004).
37. Priwin C, Jönsson R, Hultcrantz M et al.: BAHA in children and
adolescents with unilateral or bilateral conductive hearing loss: a study of
outcome. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 71 (1): 135-45 (2007).
Download

Layout 4 - número 1