Universidade do Estado do Rio do Janeiro
Instituto de Estudos Sociais e Políticos
Julián José Gindin
Por nós mesmos
As práticas sindicais dos professores públicos
na Argentina, no Brasil e no México
Rio de Janeiro
2011
Julián José Gindin
Por nós mesmos
As práticas sindicais dos professores públicos
na Argentina, no Brasil e no México
Tese apresentada, como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-graduação em Sociologia da Universidade do
Estado do Rio do Janeiro.
Orientador: Prof. Dr. Adalberto Cardoso
Rio de Janeiro
2011
Gindin, Julián José
sindicais dos professores
Por nós mesmos. As práticas
México / Julián José Gindin
públicos na Argentina, no Brasil e no
280 f.
Tese (doutorado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-graduação em Sociologia.
Rio de Janeiro, 2011.
Área de Concentração: Ciências
Humanas
Orientador: Adalberto Cardoso
1. Sociologia comparativa 2. Sindicalismo
docente 3. Argentina 4.
Brasil. 5. México
Autorizo, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese.
Assinatura
Data
Julián José Gindin
Por nós mesmos.
As práticas sindicais dos professores públicos
na Argentina, no Brasil e no México
Tese apresentada, como requisito parcial para a obtenção
do título de Doutor, ao Programa de Pós-graduação em
Sociologia da Universidade do Estado do Rio do Janeiro.
Aprovada em
9 de maio de 2011
Banca Examinadora
Prof. Dr. Adalberto Cardoso (Orientador)
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UERJ
Prof. Dr. Luiz Antonio Machado
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UERJ
Prof. Dr. José Maurício Domingues
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UERJ
Prof. Dr. Marco Aurélio Santana
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ
Profa. Dra. Márcia Ondina Vieira Ferreira
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPel
Rio de Janeiro
2011
A Aurora Loyo e Adrián Ascolani, pelo estímulo, as críticas e as sugestões; e a Sadi Dal
Rosso, pela parceria e o apoio.
AGRADECIMENTOS
Destacar como diferentes pessoas contribuíram ou influenciaram no desenvolvimento
deste trabalho é uma maneira de lhes reconhecer esse papel, agora que fecho esta etapa tão
importante da minha carreira e da minha vida.
Aproximei-me ao estudo do movimento sindical em 1999, a partir de uma proposta de
Gloria Rodríguez, professora da Universidade Nacional Rosario que depois orientaria o
trabalho final com o qual me formei em Antropologia. Com Gloria aprendi a trabalhar com o
movimento sindical a partir uma perspectiva ao mesmo tempo comprometida e analiticamente
rigorosa.
Desde 1999 até 2002 fiz um intenso trabalho de campo voltado para pesquisar a vida
interna da Delegação Rosario da Asociación del Magisterio de Santa Fe (AMSAFE) do qual
meu ponto de vista sobre o sindicalismo ainda é tributário. Dos professores com os quais
trabalhei quero mencionar especialmente a César Gómez e os delegados que formavam a
Comissão de Nível Médio; a Verónica Benas, Carla Borgonovo e Lila Gianelloni, que
integravam a diretoria; e a Juan Pablo Casiello, Edmundo Finkelstein e Graciela Costa, que
eram nesse momento ativistas opositores. Sei que deixo de mencionar muitos professores,
mas de qualquer modo não quero fazer um agradecimento pessoal. Quero sim reconhecer que
comecei a construir a minha maneira de pensar o sindicalismo entrevistando, ouvindo e
discutindo interpretações com alguns dos principais quadros sindicais do professorado
rosarino. Continuo fazendo a minha pesquisa em contato com os sindicatos docentes, podendo
ter cada vez mais uma relação mais qualificada, e considero que isso me permite certa
sensibilidade sobre os problemas sindicais que seria difícil de alcançar para quem, como eu,
nunca foi militante sindical. Dentre esses sindicatos gostaria de mencionar a Asociación
Gremial del Magisterio de Entre Ríos (Argentina), a Asociación de Docentes de Santa Cruz
(Argentina), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Brasil) e a
Confederação de Educadores Americanos.
Iniciei a presente pesquisa, em certa medida, em 2002. Nesse ano obtive uma bolsa da
Fundación Antorchas para desenvolver um trabalho sobre a resposta dos sindicatos docentes
na Argentina, no Brasil e no México às reformas educacionais da década de 1990. Continuei
este trabalho no mestrado em educação da Universidade do Estado de Rio de Janeiro que
concluí em 2006, e Pablo Gentili me orientou em ambos os projetos. Com ele comecei a
pesquisar em escala internacional e me familiarizei com a situação educacional e política
latino-americana.
Depois da Fundación Antorchas, já no Brasil, apoiaram o meu trabalho, o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com uma bolsa de mestrado,
e o mesmo CNPq e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro (FAPERJ), em diferentes anos do doutorado. Sou muito grato a essas instituições e
à Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
As condições nas quais a pesquisa acadêmica é feita obscurecem parcialmente o
caráter coletivo e social da nossa empresa. Para mim é importante ressaltar isto, porque
trabalhei basicamente com bibliografia secundária e não poderia ter me proposto um trabalho
tão abrangente se não pudesse aproveitar pesquisas concluídas. Posso dizer com orgulho que
conheço pessoalmente e tenho trocado materiais e pontos de vista com boa parte dos autores
que cito. Um âmbito privilegiado para isto foram os seminários da Rede de Pesquisadores
sobre Associativismo e Sindicalismo dos Trabalhadores em Educação, realizados em 2009 e
2010 em Rio de Janeiro, e o seminário Pensar o sindicalismo docente na América Latina,
organizado na cidade do México em 2010, onde apresentei e discuti as principais hipótese da
presente tese. Nesse sentido, quero agradecer a generosidade dos meus colegas da Rede de
Pesquisadores e a hospitalidade com que fui recebido no México por Aurora Loyo, Emma
Rubio, Maria de la Luz Arriaga e, especialmente, Janette Góngora.
Além do diálogo com ativistas sindicais e pesquisadores do sindicalismo docente,
construí este trabalho acompanhando as preocupações e os debates da Sociologia do Trabalho
na América Latina. Ao longo do doutorado, desenvolvi, paralelamente à pesquisa que aqui
apresento e junto com Adalberto Cardoso, uma investigação que supôs o acompanhamento do
movimento sindical na Argentina, Bolívia, Venezuela, no Brasil, Chile e México. Se cito
pouco o material que consultei neste contexto, mesmo assim, um leitor atento notará a
influência dessa experiência na definição do problema de pesquisa e na abordagem que
desenvolvi. Nestes trabalhos e na orientação da presente tese, Adalberto tem me transmitido
um grande cuidado pelo desenho da pesquisa e a construção dos argumentos causais. Espero
que os resultados desse cuidado possam ser reconhecidos (também) pelos leitores desatentos.
Leram as versões preliminares de alguns capítulos e realizaram valiosas contribuições
Aurora Loyo, Libania Xavier e Julia Soul, assim como colegas doutorandos que cursaram
comigo os seminários de tese e os professores responsáveis por esses cursos, Luiz António
Machado e Frédéric Vandenberghe, e Vanessa Tavares e Gustavo Bezerra, colegas do Núcleo
de Pesquisas e Estudos do Trabalho (NUPET). Quando defendi o projeto de tese, em 2008,
recebi observações críticas de Roberto Leher e Marco Aurélio Santana que me ajudaram a ver
alguns problemas e lidar com eles. Também visitei Amarílio Ferreira Jr., Paula Vicentini e
Adrián Ascolani, tendo o privilégio de trocar com os mesmos considerações a respeito da
história das associações docentes, e de como interpretá-la, no Brasil e na Argentina.
Finalmente, sinto-me grato com a banca examinadora pela contribuição dada ao meu trabalho
através de uma leitura crítica e qualificada.
A diversão não é menos importante do que o estudo, e gostaria de mencionar aqui
algumas das pessoas que, entre churrascos, mates, cervejas e sambas, ouviram-me com
simpatia contando dos meus avanços e das minhas dificuldades na pesquisa. Cabe, Calsa,
Hernán, Lucho, Jazon, Erlando, Luciana, Marcos, Deolindo, Maxi, Fabi, Guara, William,
Carlitos, Jane, Julia, Turco, Andressa, Vero, Ire y Rafi… muito obrigado por tudo.
Sempre que faço algo com muito compromisso tenho a sensação de que não estou
mais do que fazendo o que meus pais, Margarita e Jorge, educaram-me para fazer. A presente
investigação é mais um caso e gostaria de compartilhar com eles o mérito que possa ter este
trabalho.
Nuestra Asociación no es una entidad de resistencia, ya lo he dicho en más de una
oportunidad, pero sí es una entidad gremial, defensora de los intereses de los maestros. Y veo
con dolor y con tristeza que hay colegas que piensan de manera distinta, y veo con pesar que
compañeros trémulos de adulonería parece que desearan convertir a esta casa en una sucursal
de aquella otra.1 Y si ello sucediera desde ya, cambiémosle el nombre, no le llamemos más
Casa del Maestro. Dejemos que se convierta esta casa en un gran teatro, y que las asambleas
anuales constituyan un coro para cantar salmos y loas a nuestros ‘superiores’. Y entonces,
cuanto más déspotas se muestren aquéllos, más dóciles y humildes hemos de mostrarnos para
no caer en la desgracia de irritarlos [...]
La Comisión Central ha emprendido también una campaña de transformación de algunos
valores. Ha entendido que era necesario ante todo cambiar la posición del maestro, desarraigar
algunos conceptos viejos y que el hábito y la costumbre han hecho que los maestros acepten
con resignación y mansedumbre [...] (S)e ha ennoblecido demasiado a los educadores, se los
ha divinizado a tal punto, diríamos, que muchos gobiernos de provincia se hallan totalmente
convencidos de que los maestros, al igual que los ángeles, no necesitan ni alimentarse. Y lo
peor del caso, decíamos, es que los mismos maestros lo aceptan ya con resignación,
convencidos de que las cosas tienen que ser así, y que no pueden ser de otra manera.
Pero, ¿por qué? Preguntaríamos nosotros
¿Dónde está escrito eso de que el magisterio tiene que ser una profesión de sacrificio? Es que,
a nuestro juicio el error viene desde muy atrás; cuando el alumno entra a las escuelas
normales se le inculca ante todo el ‘espíritu del sacrificio’. El magisterio, se le dice, es un
sacerdocio y como tal debe abrazarlo aquel que tiene realmente vocación; que en esta
profesión los emolumentos, la faz económica no debe interesar; no tiene mayor importancia.
Y lo curioso del caso es que los que pregonan tales principios y los consignaron en sus obras
piadosamente aceptan jubilarse con sueldos fabulosos. Y las cosas, desde luego, no terminan
ahí, vienen los grandes homenajes: veinte años de lucha, veinte años de sacrificios. Veinte
años de lucha percibiendo emolumentos así. Y es tal el extravío y la farsa en todo esto que
hasta tengo la íntima convicción de que el agraciado, al retirarse de unos de esos actos de
homenaje, ni siquiera pasa por su mente la duda de que hace un servicio a la patria
percibiendo esta modesta suma mensual de dos mil pesos que le acompañará durante toda la
vida, y seguirá después de él acompañando a sus herederos.
En cambio, señores, la maestra que ha perdido su juventud en el aula, que agotó sus energías
en la enseñanza, que el frío y la mala alimentación dejaron sus huellas en su organismo y
cuando esta maestra siente debilitados sus pulmones no sólo se acuerdan de ella para declarar
que la tuberculosis no es una enfermedad profesional, sino que la premian con este acto
monstruoso que autoriza el reglamento vigente revocándole o cancelándole la inscripción de
su título profesional.
Y bien, señores maestros: todo ello nos demuestra que nadie vela por nosotros y que los que
deben velar por nuestra felicidad no pueden ser otros que nosotros mismos
David Kraiselburd,
Presidente da Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos Aires,
XXVI Assembleia Ordinária, La Plata, Buenos Aires, dezembro de 1926
1
Refere-se à Direção Geral de Escolas.
RESUMO
GINDIN, Julián José. Por nós mesmos. As práticas sindicais dos professores públicos na
Argentina, no Brasil e no México. 280 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de
Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
A presente pesquisa comparativa mostra por que ao longo do século XX se consolidou
o sindicalismo docente de base na Argentina, no Brasil e no México e explica as
particularidades nacionais desse processo. A categoria “sindicalismo docente de base”,
desenvolvida no contexto da presente investigação, pretende captar um fenômeno que aparece
com clareza na segunda metade do século XX: as organizações de professores tem
reivindicações fundamentalmente trabalhistas, legitimidade para organizar medidas coletivas
de pressão sobre os governos (particularmente greves) e, além disso, a base da categoria tem
uma importante gravitação sobre as entidades que pretendem representá-la. A comparação
histórica e sociológica permite identificar três processos sucessivos que foram fundamentais
para a afirmação do sindicalismo docente de base: a propagação das associações da categoria,
a implantação das organizações na base docente e, finalmente, a consolidação do sindicalismo
docente de base. Esses processos constituem conjunturas críticas e as características
particulares que as práticas sindicais adquiriram nesses contextos tendem a se reproduzir
basicamente por dois mecanismos: a tradição sindical e a regulamentação estatal da atividade
sindical e do trabalho docente.
As práticas sindicais docentes são estruturadas pelas características dos professores e
das suas condições de existência. Também são mediadas pelas particularidades das
organizações docentes, pela tradição sindical e pela ação governamental perante a atividade
reivindicativa e associativa dos trabalhadores. A reconstrução desses elementos estruturantes
e dessas mediações contribui para explicar quando as conjunturas críticas aconteceram e quais
características particulares apresentaram.
No México, a situação política geral e a relação que estabeleceram os quadros
docentes com os governos pós-revolucionários em particular, permitiram uma rápida
consolidação das associações docentes e uma implantação na base através do Estado na
primeira metade do século. Também nesse período, no México, o professorado perdeu
parcialmente as suas características “femininas” e o confronto com as autoridades como
forma de pressão coletiva legitimou-se. Isso contrasta com os outros países, nos quais a
organização da categoria se generalizou sem apoio estatal decisivo. A concentração da
categoria em escolas e cidades fortaleceu a afirmação do sindicalismo docente de base cujas
consequências já podem ser vistas nos três países em finais da década de 1950. Nesse
contexto, as organizações docentes argentinas se implantaram na base (depois de que falisse a
tentativa do governo de implantar o sindicalismo docente através do Estado), mas as
brasileiras não. As organizações brasileiras só se implantariam na base após 1978. Processos
que na década de 1950 já estavam em desenvolvimento (como a consolidação do professor
como trabalhador de base de sistemas burocráticos dirigidos por especialistas, a
regulamentação e burocratização da carreira, a perda de importância das recompensas
simbólicas como incentivo para exercer o professorado) e outros que apareceriam nas décadas
seguintes (como a incorporação crescente da mulher no mercado de trabalho, a radicalização
do movimento estudantil e o recrutamento do professorado entre as camadas mais pobres da
população) explicam a consolidação do sindicalismo docente de base entre as décadas de
1970 e 1980.
Palavras-chave: Sociologia comparativa. Sindicalismo docente. Argentina. Brasil. México.
ABSTRACT
This comparative research shows why “grassroots teacher unionism” consolidated in
Argentina, Brazil and Mexico during the 20th century, and explains the national characteristics
of this process. The category “grassroots teacher unionism” describes a phenomenon in which
teachers have the legitimacy to pressure government, particularly through strikes, to meet
their labor demands; labor demands become the principal concern of teacher associations, and
school teachers assume a position of greater influence within teacher associations. Historical
and sociological comparison facilitates the identification of three consecutive processes by
which grassroots teacher unionism establishes itself: the proliferation of teacher organizations,
the expansion of the presence of these organizations within schools, and finally the
entrenchment of unionism of the teacher base within the teacher workforce. These processes
constitute critical junctures and the particular characteristics which union practices acquire
within these processes tend to reproduce themselves through two mechanisms: union tradition
and the state regulation of union activity and of teachers’ careers.
Teacher union practices are structured by who teachers are and how they live. These
practices are also mediated by the particularities of teacher organizations, union tradition, and
government action responding to teacher demands. These structuring elements and mediations
explain both the timing and the particular characteristics of the critical junctures in Argentina,
Brazil, and Mexico.
In México, the political climate in the beginning of the 20th century and most
importantly, the relationship that teacher leadership established with the post-revolutionary
governments, allowed for rapid proliferation and expansion of teacher associations’ presence
within schools. Concomitantly, in México, more males entered the teaching profession, the
teaching profession partially lost some of its “feminine” characteristics, and more aggressive
forms of collective action became legitimate. This contrasts with Brazil and Argentina, where
state support was not crucial for the proliferation of teacher organizations. The increased
concentration of teachers in schools and cities strengthened grassroots teacher unionism. The
consequences of this phenomenon can be identified in the three countries in the late 1950s. In
Argentina teacher organizations succeeded in expanding their presence in schools, but
Brazilian organizations did not. Teacher organizations in Brazil only expanded their presence
within schools after 1978. The entrenchment of grassroots teacher unionism is a result of
processes already at work in the 1950s in Argentina, Brazil, and Mexico, such as the
bureaucratization of the teacher workforce, and later processes, such as the increased
incorporation of women into the labor market, the radicalization of the student movement, and
the recruitment of teachers from lower economic classes.
Keywords: Comparative sociology. Teacher unionism. Argentina. Brazil. México
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 - Práticas sindicais docentes: elementos estruturantes e mediações..........................9
Tabela 1 - Filiados à CTERA (1973-2001).............................................................................126
Tabela 2 - Filiados à CPB/CNTE (1978-2002).......................................................................172
Tabela 3 - Filiados ao SNTE (1964-1990)..............................................................................217
LISTA DE SIGLAS
ARGENTINA
ACDP
Asociación Correntina de Docentes Provinciales (Corrientes)
ADA
Agremiación del Docente Argentino
ADEP
Asociación de Educadores Provinciales (Jujuy)
ADOSAC
Asociación de Docentes de Santa Cruz
ADP
Asociación de Docentes Provinciales (Salta)
AGEBA
Asociación Gremial de Educación de Buenos Aires
AGMER
Asociación Gremial del Magisterio de Entre Ríos
AND
Acuerdo de Nucleamientos Docentes
AMET
Asociación del Magisterio de Enseñanza Técnica
AMP
Asociación de Maestros Provinciales, actualmente Asociación de Maestros y
Profesores de La Rioja
AMPPyA
Agremiación del Magisterio Provincial Puntano y Afines (San Luis).
AMSAFE
Asociación del Magisterio de Santa Fe
ATECH
Asociación de Trabajadores de la Educación del Chaco
ATECH
Asociación de Trabajadores de la Educación de Chubut
ATEN
Asociación de Trabajadores de la Educación de Neuquén
ATEP:
Agremiación Tucumana de Educadores Provinciales (Tucumán)
AUDEC
Asociación Unificadora de Educadores de Capital (Capital Federal)
AESyA
Agremiación de Educadores Santiagueños y Afines (Santiago del Estero)
CTA
Central de los Trabajadores Argentinos
CUTE
Central Unificadora de los Trabajadores de la Educación
CAMYP
Confederación Argentina de Maestros y Profesores
CCID
Comisión Coordinadora Intersindical Docente
CUDAG
Comité Unificador Docente de Acción Gremial
CEA
Confederación de Educadores Argentinos
CGERA
Confederación General de Educadores de la República Argentina
CGE
Confederación General Económica
CGP
Confederación General de Profesionales
CGT
Confederación General del Trabajo
CNE
Consejo Nacional de Educación
CTERA
Confederación de Trabajadores de la Educación de la República Argentina
DOSME
Dirección de Obra Social del Ministerio de Educación
FAGE
Federación de Asociaciones Gremiales de Educadores
FCE
Federación Católica de Educadores (Córdoba)
FEB
Federación de Educadores Bonaerenses “Domingo Faustino Sarmiento”
(Buenos Aires)
FPM
Federación Provincial del Magisterio (Santa Fe)
FUSTE
Federación Única de Sindicatos de Trabajadores de la Educación
(Santa Fe)
OSPLAD
Obra Social Para la Actividad Docente
SADOP
Sindicato Argentino de Docentes Particulares
SEPPAC
Sindicato de Educadores Privados y Particulares de Córdoba
SUM
Sociedad Unión del Magisterio (Rosario, Santa Fe)
SUTEBA
Sindicato Unificado de Trabajadores de la Educación de Buenos Aires
UAM
Unión Argentina del Magisterio
UCR
Unión Cívica Radical
UDA
Unión Docentes Argentinos
UMP
Unión de Maestros Primarios (Capital Federal)
USEPC
Unión Sindical de Educadores de la Provincia de Córdoba, atual UEPC.
UTELPA
Unión de Trabajadores de la Educación de La Pampa
UDAP
Unión Docentes Agremiados Provinciales (San Juan)
UDOCBA
Unión de Docentes de la Provincia de Buenos Aires
UNE
Unión Nacional de Educadores
UNTER
Unión de Trabajadores de la Educación de Río Negro
BRASIL
ABE
Associação Brasileira de Educação
ANDES
Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
AFUSE
Associação dos Funcionários e Servidores da Educação (São Paulo)
APAMPESP Associação dos Professores Aposentados do Magistério Público do Estado de
São Paulo
APASE
Associação Paulista de Supervisores de Ensino (São Paulo)
APEMOP
Associação dos Professores do Ensino Médio Oficial do Estado do Piauí, atual
SINTE.
APEG
Associação de Professores do Estado da Guanabara
APENOPE
Associação dos Professores do Ensino Oficial de Pernambuco
APEOC
Associação dos Professores do Ensino Oficial do Ceará
APESNOESP: Associação dos Professores de Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado
de São Paulo, atual APEOESP.
APLEC
Associação dos Professores Licenciados do Ceará
APLB
Associação dos Professores Licenciados da Bahia
APPMG
Associação de Professores Primários de Minas Gerais
APP
Associação dos Professores Primários (Paraná)
APPAM
Associação Profissional dos Professores de Amazonas, atual SINTEAM
APRN
Associação de Professores do Rio Grande do Norte
ARENA
Aliança Renovadora Nacional
CERMAP
Centro de Estudos e Recriação do Magistério Primário (Piauí)
CERMAPCE Centro de Estudos e Recriação do Magistério Primário do Ceará
CNTE
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
CLT
Consolidação das Leis Trabalhistas
CONASEP
Coordenação Nacional de Servidores do Ensino Público
CONLUTAS Coordenadora Nacional de Lutas
CPB
Confederação dos Professores do Brasil
CPP
Centro do Professorado Paulista
CPPB
Confederação dos Professores Primários do Brasil
CPPE
Centro dos Professores Primários Estaduais (Rio Grande do Sul), atual CPERS.
CPPP
Centro de Professores Primários de Pernambuco
CTB
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
CUT
Central Única dos Trabalhadores
DIEESE
Departamento Inter-sindical de Estudos e Estatísticas Sócio - Econômicas
FEMARS
Federação do Magistério do Rio Grande do Sul (Rio Grande do Sul)
FENASE
Federação Nacional de Supervisores Educacionais
FENOE
Federação Nacional de Orientadores Educacionais
FEPROSUL Federação de Professores do Mato Grosso do Sul
MDB
Movimento Democrático Brasileiro
MEC
Ministério de Educação e Cultura
MEP
Movimento de Emancipação do Proletariado
MR8
Movimento Revolucionário 8 de Outubro
PC
Partido Comunista
PCB
Partido Comunista Brasileiro
PCdoB
Partido Comunista do Brasil
PMDB
Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PSB
Partido Socialista Brasileiro
PSD
Partido Social Democrático
PSDB
Partido da Social-Democracia Brasileira
PSTU
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT
Partido dos Trabalhadores
PTB
Partido Trabalhista Brasileiro
SEPE
Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Rio de Janeiro)
SINASEFE
Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e
Tecnológica
SINPEEM
Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de Sâo Paulo
SINPRO
Sindicato dos Professores
SINPROESEMMA Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Maranhão
SUPP
Sociedade Unificadora de Professores Primários (Bahia)
UDEMO
União dos Diretores do Ensino Médio Oficial (São Paulo)
UDN
União Democrática Nacional
UNATE
União Nacional dos Trabalhadores em Educação
UTE
União de Trabalhadores em Educação (Minas Gerais), atual Sind/UTE.
UPES
União dos Professores do Espírito Santo
UPP
União dos Professores Primários (Rio de Janeiro)
MÉXICO
ANMEB: Acuerdo Nacional para la Modernización de la Educación Básica
BTEEM: Bloque de Trabajadores de la Enseñanza del Estado de México
CCL: Comité Central de Lucha
CEN: Comité Ejecutivo Nacional
CES: Comité Ejecutivo Seccional
CMM: Confederación Mexicana de Maestros
CNC: Confederación Nacional Campesina
CNOM: Confederación Nacional de Organizaciones Magisteriales
CNTE: Confederación Nacional de Trabajadores de la Enseñanza
CNTE: Coordinadora Nacional de Trabajadores de la Educación
CROM: Confederación Regional Obrera Mexicana
CTM: Confederación de Trabajadores de México
DF: Distrito Federal
FEDESSP: Federación Democrática de Sindicatos de Servidores Públicos
FMTE: Federación Mexicana de Trabajadores de la Enseñanza
FNM: Federación Nacional de Maestros
FSTSE: Federación de Sindicatos de Trabajadores al Servicio del Estado
FUNTE: Frente Único Nacional de Trabajadores de la Enseñanza
GANM: Gran Asociación Nacional del Magisterio
MRM: Movimiento Revolucionario del Magisterio
ISSSTE: Instituto de Seguridad y Servicios Sociales de los Trabajadores al Servicio del
Estado
PAN: Partido Acción Nacional
PANAL: Partido Nueva Alianza
PC: Partido Comunista
PRD: Partido de la Revolución Democrática
PRI: Partido Revolucionario Institucional
SEP: Secretaria de Educación Pública
SNTE: Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación
STERM: Sindicato de Trabajadores de la Educación de la República Mexicana
SUTESC: Sindicato Único de Trabajadores de la Enseñanza Superior Campesina
TFCyA: Tribunal Federal de Conciliación y Arbitraje
VR: Vanguardia Revolucionaria
SUMÁRIO
1.
UM ESTUDO SOBRE AS PRÁTICAS SINDICAIS DOCENTES .......................... 1
1.1
Objeto de pesquisa: as práticas sindicais docentes ..................................................... 4
1.1.1 O Estado e o magistério ................................................................................................. 10
1.1.2 Expansão e desenvolvimento do sistema educacional .................................................. 11
1.1.3 Os locais de trabalho...................................................................................................... 12
1.1.4 Trabalho e emprego docente.......................................................................................... 14
1.1.5 O recrutamento dos professores .................................................................................... 15
1.1.6 O sexo e o gênero dos professores................................................................................. 17
1.1.7 A imagem social da escola pública e do magistério ...................................................... 18
1.2
Problema de pesquisa: os sindicatos docentes de base ............................................. 20
1.2.1 A gênese do sindicalismo docente de base .................................................................... 26
1.3
Metodologia: um estudo histórico comparativo ....................................................... 29
1.3.1 As semelhanças e as diferenças ..................................................................................... 30
1.3.2 Conjunturas críticas e dependência de trajetória ........................................................... 31
2.
OS DOCENTES DA ARGENTINA, DO BRASIL E DO MÉXICO ...................... 32
2.1
Os professores e a construção dos Estados modernos .............................................. 32
2.1.1 A estruturação e a consolidação dos sistemas estatais de ensino .................................. 34
2.1.2 Trabalho e locais de trabalho ......................................................................................... 40
2.1.3 As escolas normais e a formação docente ..................................................................... 44
2.1.4 Salários e regulamentação do trabalho .......................................................................... 51
2.1.5 Expansão escolar e composição da categoria ................................................................ 53
2.1.6 A feminização da categoria ........................................................................................... 55
2.1.7 Imagem social do professorado ..................................................................................... 60
2.2
O professorado na sociedade contemporânea ........................................................... 63
2.2.1 A evolução dos sistemas educacionais e a expansão da categoria ................................ 65
2.2.2 A renovada demanda pela formação docente ................................................................ 71
2.2.3 A composição da categoria ............................................................................................ 74
2.2.4 A regulamentação do trabalho docente ......................................................................... 76
2.2.5 Melhores empregos para piores trabalhos ..................................................................... 82
2.2.6 Imagem social da escola pública e da profissão docente............................................... 84
3.
O CASO DA ARGENTINA ........................................................................................ 90
3.1
Primórdios .................................................................................................................... 90
3.2
A organização da categoria: a lebre e o ensopado de lebre ..................................... 93
3.2.1 Radicalização dos quadros docentes na década de 1920 ............................................... 96
3.2.2 Um cenário desfavorável para as entidades tradicionais (1930-1943) ........................ 999
3.2.3 Os docentes e o peronismo .......................................................................................... 102
3.3
A implantação na base a través da mobilização ..................................................... 111
3.3.1 Mobilizações de massas no magistério 1957-1960 ..................................................... 112
3.3.2 Radicalização da categoria .......................................................................................... 118
3.4
A consolidação do sindicalismo de base................................................................... 123
3.4.1 Sindicalismo docente e democratização ...................................................................... 123
3.4.2 Os sindicatos docentes frente ao neoliberalismo ......................................................... 128
3.4.3 As práticas sindicais docentes e o kirchnerismo ......................................................... 132
4.
O CASO DO BRASIL .......................................... Error! Bookmark not defined.136
4.1
Primórdios ................................................................................................................. 136
4.2
A organização da categoria: almejos corporificados frente aos poderes
constituídos .................................................................................................................. 140
4.2.1 A democratização e as organizações docentes ............................................................ 144
4.3
Mobilização docente e implantação falida............................................................... 152
4.3.1 Impasse: 1968-1978 ..................................................................................................... 159
4.4
O sindicalismo docente de base ................................................................................ 163
4.4.1 O “novo sindicalismo” no magistério .......................................................................... 163
4.4.2 Sindicatos docentes e neoliberalismo (1994-2002) ..................................................... 175
4.4.3 As práticas sindicais docentes e o governo do Partido dos Trabalhadores ................. 178
5.
O CASO DO MÉXICO ......................................... Error! Bookmark not defined.183
5.1
Primórdios .................................................................................................................. 183
5.2
A organização da categoria: entrar ao controle do Estado ou morrer ................. 186
5.3
A implantação na base através do Estado ............................................................... 191
5.3.1 Mobilização e radicalização docente na segunda metade da década de 1930 ............. 193
5.3.2 A virada conservadora do governo e a sociedade mexicana ....................................... 197
5. 4
A estabilidade corporativa: o Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación
....................................................................................................................................... 201
5.4.1 As mobilizações docentes de 1956-1960..................................................................... 205
5.5
O SNTE lançado a ser um fator determinante na vida do México ....................... 209
5.5.1 Vanguarda Revolucionaria .......................................................................................... 209
5.5.2 Mobilizações no magistério e ruptura no SNTE (1979-1992) .................................... 212
5.5.3 O SNTE frente às reformas educacionais e o fim do regime de partido dominante ... 220
6.
COMPARAÇÃO SOCIOLÓGICA E ARGUMENTOS CAUSAIS.
RETOMANDO O MODELO ANALÍTICO .......................................................... 2288
6.1
Conjunturas críticas no surgimento e na afirmação do sindicalismo docente de base 229
6.1.1 A organização da categoria...................................................................................... 23232
6.1.2 A implantação do sindicalismo na base docente ....................................................... 2355
6.1.3 A consolidação do sindicalismo de base ..................................................................... 239
6.2
Os elementos estruturantes das práticas sindicais como elementos explicativos. 243
6.2.1 Relação política entre o professorado e os governos ................................................. 2433
6.2.2 Expansão e desenvolvimento do sistema educacional .............................................. 2456
6.2.3 Locais de trabalho ....................................................................................................... 2477
6.2.4 Trabalho e emprego docente....................................................................................... 2488
6.2.5 Recrutamento dos professores ...................................................................................... 249
6.2.6 O sexo e o gênero dos integrantes da categoria .......................................................... 2511
6.2.7 Imagem social dos professores e da escola pública. ................................................... 2533
6.3
Políticas estatais, organização da categoria e tradição sindical como elementos
explicativos ................................................................................................................... 254
6.3.1 O papel da política estatal. ............................................................................................ 254
6.3.2 O papel das organizações da categoria ....................................................................... 2566
6.3.3 O papel da tradição sindical........................................................................................ 2577
7.
CONCLUSÕES......................................................................................................... 2611
8.
REFERÊNCIAS..……………………………………………………………………2615
1. UM ESTUDO SOBRE AS PRÁTICAS SINDICAIS DOCENTES
O sindicalismo surgiu entrelaçado com outras experiências de organização e ação
coletiva, e estendeu-se do centro à periferia, acompanhando a expansão das relações
capitalistas de trabalho. O movimento sindical mudou com cada recomposição do capitalismo,
seja pelas mudanças sociais, políticas e culturais que tem estimulado ou reprimido a ação dos
trabalhadores ou pelas modificações tecnológicas e econômicas que permitiram o
desenvolvimento de novos ramos de produção e a diminuição do trabalho vivo empregado em
outros.
A história do movimento sindical e dos seus antecedentes diretos pode ser vista como
a história de diferentes categorias que emergem, desenvolvem-se, transformam-se e, muitas
vezes, perdem gravitação no marco do próprio desenvolvimento do capitalismo. Importantes
estudos sobre mineiros, metalúrgicos, tipógrafos, sapateiros e outras categorias específicas de
trabalhadores são parte da melhor tradição nos estudos sobre trabalho e sindicalismo. Nas
últimas décadas, e como parte da ascensão do sindicalismo do setor público na segunda
metade do século XX, os professores do setor público de ensino básico constituíram-se em
atores sindicais de grande peso.1
Na América Latina, até a década de 1980, o professorado praticamente não era
considerado pela Sociologia do Trabalho. Isso refletia a própria ambiguidade da categoria,
que tinha uma participação limitada no movimento sindical - nas centrais sindicais, nas
manifestações, nas greves, etc. – mesmo apesar do contínuo crescimento da força de trabalho
docente assalariada pelo estado, da tradição associativa dos professores, das demandas
trabalhistas que as entidades docentes promoviam e da militância de alguns dos seus quadros
em partidos operários. De fato, a organização dos professores da rede pública em entidades
não sindicais, que em algumas circunstâncias foi estabelecido pela lei, foi também uma opção
que fez sentido para alguns segmentos significativos da categoria durante boa parte do século
XX. Mas isso tem mudado significativamente. No México, os “professores e afins” são a
categoria mais sindicalizada, representam o 23,7% da população sindicalizada total e, em
números absolutos, praticamente a mesma quantidade de sindicalizados de toda a indústria
(entre 1.000.000 e 1.100.000). A presidenta do Sindicato Nacional de Trabajadores de la
Educación (SNTE) é a liderança sindical mais poderosa do país. Na Argentina, os professores
explicam 52,8 % das Jornadas Individuais Paradas entre 2006 e 2010 e foram um dos pilares
1
Os dados que mostram a consolidação do setor público na Europa e Norte-America e, paralelamente, os retrocessos dos
setores sindicais tradicionais foram difundidos no Brasil por Rodrigues em “Destino do sindicalismo” (1999).
2
da experiência sindical mais heterodoxa das últimas décadas (a Central dos Trabalhadores
Argentinos, CTA). No Brasil, é no ensino onde mais cresceu a densidade sindical entre 1988 e
1998, e em 2000, os professores colocaram o primeiro presidente da principal central sindical
(a Central Única dos Trabalhadores, CUT) que não teve como sindicato de base a
emblemática organização dos metalúrgicos da grande São Paulo.2 Os exemplos da
importância dos professores no movimento sindical poderiam estender-se sem dificuldades a
outros países da região como Bolívia, Chile, Peru ou Colômbia.
Chamarei sindicatos docentes de base às entidades com demandas eminentemente
trabalhistas, agentes legítimos de formas de pressão coletiva que baseiam a sua ação em uma
rede de lideranças de base. O surgimento, a afirmação e a consolidação do sindicalismo
docente de base na Argentina, no Brasil e no México e, além disso, como se explicam as
particularidades nacionais desses processos é o problema com o qual se defronta a presente
pesquisa.
A referida gravitação não tem impedido que a produção sobre sindicalismo docente,
desenvolvida nas últimas décadas, seja pouco conhecida pelos especialistas da Sociologia do
Trabalho. Isso se explica tanto pelo fato de que esses estudos circulam, principalmente, nas
áreas de educação e história da educação, quanto pela predileção da Sociologia do Trabalho
pelas categorias sindicais tradicionais e, particularmente, pelos trabalhadores industriais –
como observaram Antunes (1999) e de la Garza (2005). A relevância da pouca atenção dada
aos professores como “caso” é amplificada porque as reflexões gerais sobre regimes
trabalhistas, previdenciários e de negociação coletiva não incluem esse segmento de
assalariados (que tem regimes diferenciados de trabalho, previdência e de negociação
trabalhista).
Esta tese é um estudo de sociologia histórica e comparativa sobre as práticas sindicais
dos professores das redes públicas de ensino básico na Argentina, Brasil e México.3 Histórica,
porque as práticas de um grupo de trabalhadores não podem se explicar exclusivamente em
termos estruturais e, consequentemente, devem ser reconstruídas para ser explicadas. Como
tratarei no ponto especificamente metodológico, a pesquisa é comparativa em dois sentidos:
comparação histórica, porque comparo agentes, práticas e instituições que mudaram em cada
2
Sobre conflitividade docente na Argentina de 2006 até 2010, ver Chiappe e Spaltenberg (2010). Sobre afiliação sindical no
Brasil na década de 1990, ver Cardoso (2001). Os dados sobre afiliação no México correspondem ao segundo trimestre de
2008 (CARDOSO; GINDIN, 2009).
3
Os professores das redes particulares, os professores de ensino superior e os funcionários em educação (técnicos,
administrativos) constituem setores próximos que ocasionalmente se organizaram ou agiram junto com os professores das
redes públicas de ensino básico. Farei referencias a estes setores, mas as especificidades são o suficientemente relevantes
como para não incluir estes segmentos no presente estudo.
3
país ao longo do século XX; e internacional, porque pretendo valer-me de cada caso nacional
como fonte de hipóteses e controle dos argumentos explicativos.
O estado da arte impede justificar a escolha desses três casos latino-americanos em
termos metodologicamente rigorosos. Para fazer tal escolha, seria necessário ter um
conhecimento relativamente profundo do sindicalismo docente na América Latina (o que não
temos) e, também, mostrar que esse sindicalismo constitui uma unidade diferenciada das
experiências reivindicativas e associativas da categoria em outras partes do mundo (o que não
podemos fazer).4
Uma alternativa poderia ser escolher os casos a partir de algum elemento externo que
tenha uma grande influência no fenômeno estudado. Em outras palavras: os casos poderiam
ser escolhidos a partir de uma variável independente. Assumamos, por exemplo, que a
evolução dos salários tem um papel muito importante na explicação das práticas sindicais
docentes. Nesse caso, os países que se encontram nos extremos de uma hipotética escala
poderiam ser comparados entre si, para ver como a diferente evolução salarial influencia as
práticas sindicais; ou casos similares poderiam ser pesquisados justamente para ressaltar o
papel de outros elementos na determinação das práticas sindicais. A composição social da
categoria, as características do sistema educacional e o grau de abertura do sistema político
poderiam ser outras variáveis independentes a partir das quais os casos podem ser
selecionados. Mas esse caminho nos leva a outro problema, pois não foi desenvolvido ainda
um marco analítico que estabeleça com clareza os elementos que estão determinando as
práticas sindicais docentes. Não podemos assumir, continuando o exemplo, que a evolução
salarial seja especialmente significativa e possa, por isso, constituir um critério consistente a
partir do qual diferentes casos sejam selecionados. Sintetizando: as conclusões e as hipóteses
explicativas das principais pesquisas desenvolvidas na área (em escala nacional ou subnacional) são insuficientes para sustentar rigorosamente a escolha de quaisquer três casos
latino-americanos para uma pesquisa comparativa.
Escolhi os casos da Argentina, do Brasil e do México por motivos bastante
pragmáticos. Em primeiro lugar, porque o meu trabalho se baseia em fontes secundárias, e o
4
No âmbito da produção internacional, o principal trabalho ainda é Cooper (1992), uma coletânea de quinze estudos de caso
de quatro continentes (mas que não pretende ser representativa de um universo maior). Também merece destaque a pesquisa
comparativa internacional de Synott (2002), sobre os casos de Filipinas, da Coréia do Sul e do Taiwan.
As pesquisas internacionais sobre sindicalismo docente na América Latina são poucas e tem uma qualidade muito irregular.
Em parte, isso se explica porque o conhecimento acadêmico produzido sobre a maioria dos países é realmente insuficiente.
De qualquer modo, o debate sobre sindicalismo docente na América Latina tem se internacionalizado desde a década de 1990
e esse é um dado positivo (GINDIN; MELO, 2011).
Sugeri algumas vias para interpretar a história do sindicalismo docente na Argentina, no Brasil, no México, na Bolívia, no
Chile e na Venezuela em Gindin (2011).
4
sindicalismo docente nesses países tem sido objeto de importantes pesquisas. Por outro lado, a
Argentina, o Brasil e o México foram tratados em estudos internacionais sobre diferentes
temáticas, fato que facilita a construção dos contextos históricos a partir de uma perspectiva
comparativa.5 Finalmente, a Argentina e o Brasil são, também, os países nos quais tenho
morado e pesquisado o sindicalismo docente desde 1999. Tenho, por isso, mais facilidade
para construir as suas trajetórias de maneira suficientemente consistente para serem
comparadas.
1.1 Objeto de pesquisa: as práticas sindicais docentes
O objeto da presente pesquisa são as práticas sindicais dos docentes. Estas podem ser
definidas, em um sentido amplo, como práticas coletivas pelas quais um grupo de assalariados
se relaciona com os seus empregadores – que definem as condições de emprego e trabalho –
ou com o Estado – ator que intervém ou pode intervir na relação assalariada. Essa definição
das práticas sindicais não leva necessariamente a uma concepção estritamente economicista
do sindicalismo docente6 e, por outro lado, permite duas operações muito importantes para o
presente estudo.
Em primeiro lugar, trabalhar com organizações que não se consideraram sindicatos
nem participaram de centrais operárias (como foi o caso da maioria das associações docentes
criadas no começo do século XX), mas que tiveram demandas e conquistas trabalhistas. O
interesse em conhecer as características dessas entidades não é exclusivamente
historiográfico; a sua compreensão é uma das chaves para entender algumas particularidades
das atuais organizações e o ponto de partida a partir do qual pode se calibrar com certa
precisão, o que mudou nas práticas sindicais docentes ao longo do século XX.
Em segundo lugar, evitar um olhar que outorgue exagerada preeminência à dimensão
institucionalizada da atividade sindical. A rigor, embora os sindicatos sejam os principais
atores das práticas sindicais, nem tudo o que fazem os sindicatos é prática sindical tal como
5
Ver Collier e Collier (1991), Cardoso (2004) e Bensusán (2006). Fausto e Devoto (2004) e Vidal e Ascolani (2009)
comparam a Argentina e o Brasil em longos períodos de tempo e conseguem sistematizar uma grande quantidade de
pesquisas empíricas, muitas delas recentemente desenvolvidas.
6
Na minha dissertação trabalhei com a ideia de “momentos não corporativos das práticas sindicais”. Escrevi “A partir da
experiência desenvolvida como coletivo em defesa dos seus interesses particulares, preservada e recriada nas organizações da
categoria, os professores participam de movimentos que tendem a transcender esse particularismo. Temos chamado isto de
“momentos não corporativos das práticas sindicais”, porque a participação das entidades docentes enquanto tais é para nós
expressão do seu vínculo com a própria constituição do coletivo na defesa de interesses particulares, nessas ocasiões, se
universalizando [...] Enfatizamos deste modo a continuidade, que se expressa organizacionalmente, entre as experiências de
luta econômica e as de luta educacional, social e política. Também mantemos a centralidade das demandas corporativas na
definição das práticas de um coletivo assalariado organizado como tal [...] Chamá-los de momentos não corporativos permite
entender a relação de continuidade subordinada das reivindicações educacionais e políticas perante as corporativo-sindicais
na ação da categoria” (GINDIN, 2006, p. 2, 9,127).
5
entendidas aqui. Nem todas as práticas sindicais canalizam-se sindicalmente. Os serviços
sindicais de procuradoria e assistência jurídica ou médica, por exemplo, não são práticas
sindicais, porque nem são práticas coletivas, nem são parte de uma relação com o empregador
ou com o governo. Essa é a grande diferença entre ter um convênio com uma empresa médica
e negociar com o governo uma política de saúde trabalhista; ou entre ter uma equipe de
advogados e conseguir a promulgação de um novo estatuto docente. Não significa que a
estrutura de serviços (por exemplo) não interesse à presente pesquisa; pelo contrário, é
importante considerar o conjunto de atividades que leva adiante determinada organização de
trabalhadores, porque as características que esta assume (se se concentra ou não na prestação
de serviços, continuando o exemplo) tem uma grande influencia sobre as práticas sindicais.
Mas um estudo voltado exclusivamente à analise da organização (os recursos sindicais, as
práticas assistenciais, as facções que disputam da condução sindical, os mecanismos de
controle interno, etc.) tem o duplo risco de descaracterizar os sindicatos como organizações de
trabalhadores e desconsiderar as práticas sindicais docentes desenvolvidas fora da
organização sindical.
Muitas vezes as práticas sindicais não se canalizam pelas estruturas sindicais, e esta
pode ser inclusive a norma no cotidiano dos locais de trabalho7, seja porque neles não há
militantes sindicais, porque trata-se de problemas muito específicos que interessam pouco ao
sindicato ou porque os professores não precisam ou não sabem como coordenar a sua ação
com parcelas maiores da categoria. De qualquer modo, que a regulação do emprego e do
trabalho docente sempre seja feita pelos governos municipais, estaduais ou federais estimula,
e estimulou que os quadros da categoria procurem coordenar a sua ação com professores de
outras escolas da mesma cidade ou do mesmo estado.
A partir de um certo nível de agregação, existe uma tendência lógica a que as
organizações docentes – que se propõem representar a categoria – canalizam as práticas
sindicais e a que estas – canalizadas ou não pelas organizações existentes – incidam no
“campo sindical docente”, seja reproduzindo ou transformando a maneira tradicional de agir,
potenciando ou desafiando as organizações preexistentes.8 Essa tendência lógica realiza-se
historicamente, por isso é importante estudar como se criam, reproduzem e transformam as
7
Esta é a escala do estudo de Melo (2009) sobre duas escolas (uma na Argentina, outra no Brasil) de formação profissional.
Um excelente exemplo contemporâneo desta situação é constituído pelos movimentos “autoconvocados” – como são
chamados as mobilizações não canalizadas sindicalmente – na Argentina. Migliavacca (2009) estudou quatro desses
processos na grande Buenos Aires e distingue as autoconvocatorias (práticas “alternativas” em relação às promovidas pelos
sindicatos) dos Docentes Autoconvocados, um fenômeno que se assemelha a um movimento social e que tem uma projeção
organizacional (um novo projeto sindical, dentro ou fora das organizações existentes).
A ideia de “campo sindical docente” é de Gutiérrez (2011).
8
6
organizações docentes através das práticas sindicais. Pretendo, com a categoria de práticas
sindicais, tratar ao mesmo tempo das dimensões mais e as menos institucionalizadas da ação
sindical e considerar tanto práticas desenvolvidas nos níveis mais elementares do movimento
sindical (uma assembleia, uma reunião, etc.) como as que requerem um grau de agregação e
mediação significativo e aparecem como práticas de lideranças sindicais (a negociação
centralizada de uma reforma educacional, a filiação a uma central operária, etc.).
Sintetizando: no presente trabalho pesquisarei práticas que apresentam distinto grau de
institucionalização e práticas que se desenvolvem em escalas diferentes, enquanto fenômenos
interdependentes que são constituintes da natureza mais profunda do sindicalismo: ação
coletiva dos trabalhadores assalariados.9
As práticas sindicais são estruturadas pelas características do corpo de professores e as
suas condições de existência. Conhecê-las é estratégico para a presente pesquisa. Com
“estruturação” quero dizer que a ação sindical não é livre, que determinantes de outra índole
colocam-lhe limites e a orientam em determinado sentido. Em outras palavras: os professores
fazem a sua história em condições que não escolhem e, para compreender as práticas
sindicais, essas condições devem ser, pelo menos, em certa medida, especificadas.
Por outro lado, além de serem estruturadas pelas características da categoria e as suas
condições de existência, as práticas sindicais são mediadas pela tradição sindical, o tipo de
organização da categoria e a própria ação que os governos desenvolvem frente à atividade
reivindicativa e associativa dos trabalhadores.10 A relevância de estudar o tipo de
organizações sindicais e a ação governamental para compreender as práticas sindicais é
amplamente reconhecida pela Sociologia do Trabalho; mas a questão da tradição sindical –
que incorporo com destaque na presente pesquisa – merece um parágrafo especial.11
9
Na apresentação dos resultados da pesquisa, trabalho basicamente em uma escala agregada (estadual e federal). Mas,
considero-a interdependente de práticas desenvolvidas na base docente. Trabalhei nessa escala ao tratar da organização dos
professores da cidade de Rosario (Argentina) (GINDIN, 2003).
10
Com efeito,ao explicar as diferenças entre as práticas sindicais do magistério na Argentina, no Brasil e no México, na
minha dissertação de mestrado argumentei que os Estados da Argentina e do Brasil não estabeleceram com a categoria
docente da rede pública relações corporativistas. Quando relações corporativistas são estabelecidas, sindicatos com o
monopólio da representação de determinada base e com recursos garantidos pela legislação, atuam como mediadores entre a
categoria, o Estado e os empregadores. No México, diferentemente desses países, foi estabelecida uma relação corporativista
entre os professores, a sua organização e o Estado. Esta diferença tem desdobramentos de muita importância para
compreender as características do sindicalismo docente na atualidade nos três países (GINDIN, 2006). Continuo pensando
que essa ideia é essencialmente correta. Nesta tese corrijo algumas informações e apresento o argumento de maneira mais
consistente.
11
Não conheço tentativas teóricas de definir tradição sindical, mas a sua relevância é aceita pelo menos por uma parte
significativa de pesquisadores do mundo assalariado. Cfr. Santana e Ramalho (2001) sobre a tradição sindical dos
metalúrgicos de Rio de Janeiro.
7
Os sentidos e valores presentes na prática sindical (o que deve ser feito, como e por
que) nunca são únicos nem homogêneos, mas pode-se falar de sentidos dominantes. Estes
sentidos dominantes são parcialmente uma herança de situações anteriores, porque os
professores decidem o que fazer em função – seja reproduzindo ou negando – do que tem
feito ou pensam que tem feito em situações análogas. A tradição sindical encontra-se
estreitamente associada aos sentidos que circulam na sociedade, no sistema educacional, etc.12
Pode ser pensada como um legado de conjunturas críticas nas quais determinados sentidos são
associados às práticas sindicais por uma parte significativa da categoria.
O objeto de pesquisa da presente tese é constituído, conforme escrevi, pelas práticas
sindicais. As práticas sindicais constituem, então, o objeto de pesquisa da presente tese.
Mesmo assim, não me esforço particularmente em descrevê-las como em caracterizá-las e
tratar do papel dos elementos estruturantes e das mediações na sua manifestação histórica.
Apresento sete elementos como estruturantes das práticas sindicais: relação política com o
Estado; expansão e desenvolvimento do sistema educacional; realidade dos locais de trabalho;
trabalho e emprego docente; recrutamento dos professores; sexo e gênero dos integrantes da
categoria; e imagem social da escola pública e do magistério. Estes foram destacados em
distintos estudos sobre sindicalismo docente, mas não houve nenhuma tentativa de colocá-los
com clareza em um quadro que pretende dar conta do conjunto de elementos envolvidos nas
transformações das práticas sindicais docentes em uma escala internacional e em um período
extenso de tempo. Esta operação, que pode parecer exageradamente analítica, facilita tratar
criticamente os mecanismos explicativos envolvidos na transformação das práticas sindicais.
Nas próximas páginas, especificarei com certo detalhe a importância de considerar esses sete
elementos. Apresentarei o problema de pesquisa e o critério de periodização (1.2) e a
metodologia da pesquisa (1.3). Nesse contexto, comento brevemente a bibliografia sobre o
tema e especifico qual pretende ser a contribuição do presente trabalho.
O próximo capítulo está dedicado à análise da expansão das redes de ensino públicas,
da composição social da categoria, das características do trabalho e o emprego docente, da
imagem social do magistério, etc. Mostrarei, em termos gerais, e com base em pesquisas
12
Lugli (2005), por exemplo, escreve que nas décadas de 1950 e 1960, no Brasil, as demandas salariais contradiziam a
imagem dos professores como “sacerdotes do saber” e tinham de ser sempre apresentadas em função de interesses superiores,
como o futuro dos alunos, o progresso do país e os destinos da humanidade. Continua Lugli: “Esse ‘desinteresse’ não é fruto
de uma estratégia consciente do grupo, pensada em termos, por assim dizer, ‘publicitários’ para alcançar seus objetivos, e sim
uma das múltiples expressões do habitus professoral, ou seja, das estruturas de percepção e ação próprias desse grupo
profissional [...] não se refere a uma construção plenamente consciente do discurso sobre a profissão, mas a ‘esquemas de
percepção incorporados’ que justamente por seu papel estruturador do pensamento e das praticas são percebidos pelos
agentes como ideias ‘naturais’” (LUGLI, 2005, p. 237, 238).
8
empíricas, como as condições de existência e trabalho dos professores modificaram-se ao
longo do século XX nos três países. Este capítulo encontra-se dividido em duas partes. A
primeira começa com a estruturação dos sistemas de ensino público nas últimas décadas do
século XIX e chega aproximadamente até a metade do século XX. Nesse momento, e com
importantes diferenças, os Estados nacionais encontram-se plenamente constituídos, a vida
dos países gira em torno dos grandes centros urbanos (embora no México e no Brasil a
maioria da população ainda seja rural), os sistemas educacionais tem uma cobertura
significativa e a categoria docente já é uma categoria formada pelo Estado, massiva,
crescentemente concentrada em escolas onde se desempenham vários docentes e que trabalha
em sistemas burocráticos relativamente maduros.
Entre os elementos estruturantes das práticas sindicais (descritos no capítulo 2) e a
manifestação do fenômeno (as práticas sindicais) encontra-se a ação histórica da categoria,
que é o elemento relativamente criativo e o campo no qual operam as mediações
organizacionais e políticas às quais fiz referência. Se no capítulo 2 tratarei simultaneamente
dos três países, os seguintes três capítulos estão dedicados respectivamente aos casos da
Argentina, do Brasil e do México. Nestes estudarei as práticas sindicais, as mediações
organizacionais e políticas e a tradição sindical.
O sexto capítulo retoma as três histórias nacionais identificando os contrastes, as
similitudes, os paralelismos e as diferenças. Esta é a parte propriamente comparativa da tese, e
os argumentos explicativos que no presente capítulo apresento são colocados “de maneira
clara e distinta”.
9
Gráfico 1: Práticas sindicais docentes: elementos estruturantes e mediações
Elementos
estruturantes
Mediações
Objeto de
pesquisa
• Relação política com o Estado
• Expansão e desenvolvimento do
sistema educacional
• Locais de Trabalho (localização,
concentração do emprego)
• Trabalho e emprego docente
• Recrutamento dos professores
• Sexo e gênero dos integrantes da
categoria
•
Tradição sindical
•
Organização da categoria
•
Política estatal perante a
ação reivindicativa e
associativa da categoria
Práticas sindicais
docentes
• Imagem social da escola pública
e do magistério
A proposta analítica que apresento foi construída a posteriori, após o estudo da
bibliografia sobre sindicalismo docente, justamente para poder interpretá-la, organizar o
estudo do objeto e responder o problema de pesquisa da presente tese. Os elementos
estruturantes não estão hierarquizados e poderiam organizar-se de maneira diferente13; mas,
sem estudá-los, é insuficiente o conhecimento sobre os elementos que estruturaram as práticas
sindicais docentes e, consequentemente, é insatisfatória a compreensão das suas
particularidades. A consideração, ainda que geral, de questões tais como a evolução dos
papéis atribuídos culturalmente aos diferentes sexos e os seus impactos na categoria; ou a
configuração de diferentes (mas nunca aleatórios) modelos idealizados sobre como o
professor deve ser, coloca a presente pesquisa em diálogo com uma bibliografia orientada por
preocupações diferentes. Ainda que seja arriscado trazer para o mesmo trabalho reflexões de
origem tão heterogênea, a alternativa de simplesmente não tratar destes problemas impede
avaliar e explicar equilibradamente as mudanças na ação da categoria ao longo do século XX,
13
A forma de expansão do sistema educacional pode ser pensada como parte da relação educacional entre professores e
Estado; assim como o trabalho e o emprego docente são parte da relação trabalhista. A questão do sexo e do gênero, por outro
lado, participa do problema mais geral do recrutamento docente. Apresento-os separados para hierarquizá-los.
10
porque justamente entre os elementos que mudaram encontra-se o papel da mulher assalariada
na sociedade e o modelo idealizado de professor constituído nos finais do século XIX.
A distinção entre esses elementos estruturantes das práticas sindicais é basicamente
analítica, porque algumas características fundamentais da categoria são justamente
fundamentais pelo fato de articulá-los. O peso das recompensas simbólicas no exercício da
atividade docente, por exemplo, articula a participação marginal da mulher no mercado de
trabalho na primeira metade do século XX, o modelo de ‘como o professor deve ser’
(desinteressado) promovido pelo saber pedagógico e as instituições de formação docente
desde o final do século XIX e o fato de que, diferentemente do trabalho assalariado típico, o
trabalho docente assalariado pelo Estado não produz mais-valia.
1.1.1 O Estado e o magistério
O Estado tem com os professores do setor público uma íntima relação. Foi quem deu
uma nova missão ao trabalho docente no século XIX, passou a ser o principal empregador,
colocou como tarefa a formação dos professores e regulamentou a atividade. Por isso, estudar
o professorado é estudar a construção do Estado nação, seu papel ao longo da história recente,
a sua ação concreta e os discursos nos quais legitimou a sua ação. Também por isso, a relação
entre o Estado e os professores pode ser abordada a partir de diferentes ângulos. Aqui
interessa especificar o que se entende, nesta pesquisa, por relação política entre o Estado e o
magistério. Esta relação se expressa em uma série de características vinculadas ao emprego e
ao trabalho que estimulam os vínculos dos trabalhadores com as instituições estatais e a esfera
institucional que a nossa sociedade reconhece, propriamente, como políticas – e
particularmente, com o sistema de partidos.
Em primeiro lugar, como o Estado é o empregador, os governos puderam controlar e
mobilizar politicamente a categoria. As funções docentes foram muitas vezes utilizadas para
premiar adeptos políticos, entretanto muitos opositores foram demitidos, premiavam-se a
lealdade política ou puniam-se a falta dela. O mesmo vale para as promoções e os traslados
dentro da carreira docente. Essa situação, em alguns contextos (particularmente no México),
estimulou o interesse dos partidos políticos, e especificamente dos partidos no poder, em
mobilizar os professores para garantir resultados eleitorais, organizar comunidades, etc.,
aproveitando a sua capilaridade social – os professores eram e são uma das categorias de
funcionários públicos mais extensa e com mais vínculo com a sociedade – e a sua
relativamente fácil mobilização desde o Estado. Pode-se dizer que este vínculo entre
11
professores e Estado desgastou-se na segunda metade do século XX, dentre outros fatores
devido à regulamentação da carreira docente.
Em segundo lugar, como o Estado concentra funções econômicas e políticas a respeito
do trabalho docente, e como o próprio sistema educacional é um projeto estatal, é lógica a
vinculação dos professores com legisladores e políticos e relativamente fácil a politização das
reivindicações trabalhistas. Este é um elemento estrutural presente invariavelmente ao longo
do século XX. O Estado determina como vai crescer o sistema educacional, como será
administrado e financiado, quanto dinheiro será destinado aos salários docentes, etc. Para os
professores, o parlamento e o poder executivo foram, desde sempre, um espaço de negociação
sobre as características que assume o sistema educacional e particularmente sobre a sua
situação trabalhista. Isto possibilita a politização das reivindicações econômicas porque os
professores podem responsabilizar aos governos pela sua situação trabalhista de uma maneira
muito mais direta do que os assalariados do setor privado.14 Uma das maneiras típicas nas
quais historicamente tem se expressado esta situação é a denuncia do professorado de que o
Estado está colonizado por interesses particulares e que são eles (os professores) os
defensores de um projeto educacional verdadeiramente público e coerente com os interesses
da nação.15
Em terceiro lugar, da própria tarefa docente sempre participaram sentidos políticos que
se superpõem e excedem a relação com o Estado, mas que só podem se entender como parte
de projetos educacionais específicos. A rigor, o ensino nunca foi uma tarefa exclusivamente
‘técnica’ e foi atravessado, segundo o contexto, pelas ideias de que é uma tarefa civilizatória,
missionária, doutrinária, revolucionária, de formação de recursos humanos ou de contenção
social. Estes sentidos tiveram e tem um papel importante na constituição da “identidade
profissional” dos professores. Voltarei a este ponto. É preciso ponderar quais tem sido as
principais mudanças na identidade profissional e quando tem aproximadamente ocorrido para
considerar o seu impacto na ação reivindicativa e na tradição associativa do magistério.
1.1.2 Expansão e desenvolvimento do sistema educacional
A maneira na qual se expande o sistema educacional estrutura profundamente as
características do corpo de professores16: está priorizando-se a universalização do ensino
primário? Cresce o ensino secundário? O sistema cresce nas áreas rurais? na periferia das
14
Também Loyo (1979, p. 55) apontou esta situação.
Ver também, sobre este ponto, Poutlantzas (2000).
16
Ver, sobre este ponto, Archer (2002).
15
12
grandes cidades? expandem-se as redes públicas ou as particulares? as redes municipais, as
estaduais ou as federais?
A expansão do sistema educacional, por sua vez, está vinculada à própria situação
demográfica do país (que define o tamanho e o local de moradia da população que deve ser
escolarizada), às perspectivas dominantes em termos de políticas públicas (se se prioriza a
centralização ou a descentralização do sistema, por exemplo) e à etapa dentro do processo
secular de expansão da escolarização (que começou pelo ensino primário, ou inclusive pelas
primeiras séries do ensino primário).
Ainda que a centralização (ou a descentralização) educacional inclui diferentes
aspectos, desde definições curriculares ao sistema de financiamento, para fins da presente
pesquisa, a questão central é que esfera (federal, estadual ou municipal) emprega os
professores, define o salário e regulamenta a carreira. Na primeira metade do século XX,
alguns dos projetos educacionais mais decididos foram centralizadores, incrementando a
presença do estado federal frente às redes estaduais (Argentina e, depois, México), ou do
estado frente aos municípios (São Paulo). Uma das transformações mais importantes para a
atividade sindical dos professores foi a possibilidade de agregar interesses com professores de
outras cidades e inclusive de outros estados (por ter o mesmo empregador) e se afastar da
‘política do campanário’, segundo a qual a remuneração e o pagamento dos salários e, em
geral, as condições trabalhistas do professor dependiam da sua relação com as autoridades
municipais. Como acontece no movimento sindical do conjunto, a existência de grandes
empregadores distancia assalariados de empregadores e favorece, céteris páribus, a atividade
reivindicativa dos trabalhadores.
1.1.3 Os locais de trabalho
O ensino é uma atividade intensiva em trabalho, não em capital. Em consequência, o
sistema educacional cresce modificando a organização e as técnicas de trabalho, expandindo o
corpo de trabalhadores ou intensificando o seu trabalho; mas não modernizando o seu
equipamento. A principal modificação na organização do trabalho foi o estabelecimento das
escolas graduadas entre finais do século XIX e começos do século XX. Com o
estabelecimento dessas escolas e a figura do diretor de escola apareceu por primeira vez uma
divisão hierárquica dentro dos locais de trabalho. Ao longo do século XX, a expansão do
sistema educacional significou, às vezes, intensificação do trabalho – por meio do incremento
13
da quantidade de alunos por sala de aula e da quantidade de aulas ministrada por cada
professor – e, sempre, crescimento do corpo de professores.
A partir de algum momento na primeira metade do século XX, a maioria da categoria
trabalhava em edifícios escolares, onde diferentes professores ministravam distintos cursos.
Essas escolas se encontram em todos os povos e cidades, nos bairros ricos e nos pobres,
formando parte da paisagem. A concentração da categoria nas escolas está associada à
urbanização da população, porque nas áreas rurais as escolas continuaram tendo poucos
professores.17
Diferentemente do que acontece na indústria e em alguns setores de serviço, na
educação básica não há “especialização produtiva” em diferentes regiões de um país. A
educação está orientada à formação da própria população, não é caro montar escolas em áreas
pouco povoadas, e fazer isso é estratégico para escolarizar essas populações. Ainda que fosse
mais fácil escolarizar as populações urbanas, em termos gerais, os professores acompanham a
própria distribuição da população.18 Além de acompanhar essa distribuição, pode-se dizer que
o ensino é um dos serviços públicos dos quais a relação dos trabalhadores com a comunidade
é mais intensa. Em primeiro lugar, porque é o único que exige frequência obrigatória e diária
ao longo de quatro, cinco ou os anos de escolarização obrigatória que sejam estabelecidos.
Em segundo lugar, porque o Estado deu à escola funções assistenciais (aproveitando a sua
capilaridade) e a identificou com os ideais cívicos (como parte do projeto de educar ao povo).
De maneira associada, em terceiro lugar, o professor muitas vezes foi um funcionário público
no sentido mais pleno do termo e essa imagem acompanha – porque é ratificada, contradita ou
transformada – a história das relações entre os professores, os governos e a comunidade de
pais e alunos.
17
A importância da concentração da categoria foi destacada pelos pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o
Trabalho (GEPT/UnB) Rêses (2008), Cruz (2008) e Dal Rosso (2010); assim como no México por Arnaut (1996) e na
Argentina por Donaire (2009).
18
Efetivamente, entre os grandes problemas dos administradores dos sistemas educacionais em começos do século XX se
encontravam: a) a racionalização dos recursos humanos para incrementar as taxas de escolarização por professor; b) o
provimento das cadeiras de educação rural e; c) o controle administrativo e trabalhista de uma categoria dispersa.
14
1.1.4 Trabalho e emprego docente19
Em termos econômicos, os professores tem com o Estado a relação que os assalariados
tem com os seus empregadores: vendem a sua força de trabalho. Mas as particularidades do
setor público são muito grandes para não merecer considerações especiais. Diferentemente da
relação capitalista típica, em que o trabalho é empregado para reproduzir e ampliar o capital,
os funcionários são empregados como “servidores públicos” pelo representante dos
“interesses universais” da sociedade. Uma parte da doutrina jurídica sustenta que os regimes
de relações coletivas de trabalho, criados na primeira metade do século XX, não podem ser
aplicados na administração pública. Por outro lado, nas últimas décadas houve avanços
significativos no plano internacional, na institucionalização de direitos sindicais, na
administração pública.20 (Argentina, Brasil e México tem sido parte desse processo). A
situação descrita torna difusa, para a categoria, a experiência de exploração do trabalho pelo
capital como lógica global do sistema capitalista.
Os professores tem sido uma das categorias favoritas para indicar um fenômeno geral:
o crescente assalariamento de trabalhadores com certo nível de educação formal que não
desenvolvem tarefas manuais ou, em outras palavras, o declínio do exercício liberal das
profissões. De fato, trata-se de um caso pioneiro: o exercício liberal do professorado já era
marginal em começos do século XX perante o avanço dos professores primários assalariados
pelo Estado.
Se o fato de ser um trabalho assalariado contribuiu para fazer do magistério, desde
muito cedo, sujeito de reivindicações trabalhistas, o caráter intelectual do trabalho docente e a
necessidade (não sempre cumprida) de ter um título habilitante foram pontos de contato com
as profissões liberais. Em um trabalho clássico, Etzioni (1969) chamou os professores de
semi-profissionais. Embora possa ser discutido se a divisão entre trabalho manual e intelectual
na nossa contemporaneidade é menos nítida e/ou menos relevante do que um século atrás, ela
foi e ainda é um princípio de organização hierárquica do trabalho.
19
Que o processo de trabalho docente é a variável independente que explica as transformações na ação reivindicativa da
categoria é o principal argumento teórico colocado no debate sobre associativismo e sindicalismo docente. No marco
analítico que estou apresentando, como fica claro, essa hipótese perde centralidade. Trata-se de uma perspectiva comum entre
os pesquisadores do professorado. Catani (2003, p. 587), por exemplo, prefere falar de “profissão docente” – em vez de
trabalho docente –, o que permitiria unificar as “… várias dimensões do exercício profissional do magistério, cuja concepção
exige a análise simultânea e integrada dessas mesmas dimensões: a formação, a instituição e os saberes, o exercício
concreto da atividade, as relações com o Estado, as formas de organização da categoria profissional”.
20
Tomando nota dessa ambiguidade, Pessoa (1995, p. 36) escreve que o sindicalismo dos funcionários públicos encontra-se
em uma “zona cinzenta”, “… onde se encontram princípios e regras provenientes do Direito do Trabalho (direito de
sindicalização, direito de greve, autonomia coletiva, negociação coletiva, etc.) e do Direito Administrativo (supremacia do
interesse público, princípio da legalidade, continuidade dos serviços públicos, etc.)”.
A OIT promoveu o direito de sindicalização e negociação coletiva nesse segmento com a convenção 151 de 1978.
15
Sobre a base do assalariamento, o trabalho docente sofre um processo de
proletarização, no sentido de que o Estado passa de controlar formalmente o trabalho docente
(a partir do assalariamento) a ganhar crescente controle real sobre ele. A concentração do
emprego, a otimização dos mecanismos de controle hierárquicos e burocráticos dentro do
aparelho estatal, o desenvolvimento do mercado editorial de livros, de textos e as políticas
públicas de inspiração tecnocrática contribuíram para esse processo. Como colocaram os
autores que promoveram este debate, a proletarização promove tensões com os superiores e
condições mais firmes para o estabelecimento de laços de solidariedade horizontal entre os
professores.21 De qualquer modo, esta tendência se vê limitada e as comparações com o
trabalho fabril devem ser colocadas de maneira cuidadosa, porque a natureza do próprio
trabalho docente é interativa e resiste à padronização extrema de tarefa; o professor controla
uma parte do processo e da organização do trabalho e o núcleo duro – o trabalho em sala de
aula – é muito difícil de ser controlado pelas autoridades educacionais (TARDIF; LESSARD,
1999; DONAIRE, 2009).
No marco analítico que estou apresentando, considero que o trabalho docente está
junto com o regime de emprego, entendendo por este as condições de ingresso à carreira,
salários, composição das remunerações, licenças, condições para promoção horizontal e
vertical, etc. No trabalho e no regime de emprego docente concretiza-se a relação trabalhista
entre o Estado e o professorado.
1.1.5 O recrutamento dos professores
Conhecer o setor social do qual é recrutada qualquer categoria assalariada é de
fundamental importância para compreendê-la. A origem social dos professores sempre foi
heterogênea, característica estimulada pela constante expansão dos sistemas educacionais
(que possibilitou o ingresso de setores médios em contextos econômicos adversos, ou de
setores subalternos em contextos de ascensão social), pela heterogeneidade da própria
categoria (com professores rurais e urbanos, de ensino infantil e de ensino médio, etc.) e,
finalmente, pela possibilidade de se relacionar com o trabalho de diferentes maneiras (o
professorado pôde ser uma pequena renda para cobrir as despesas da esposa de um
profissional bem remunerado, um lugar de militância política, cívica ou social, uma das
poucas alternativas de trabalho assalariado intelectual em determinados contextos, um
21
A tese da proletarização do trabalho não operário foi apresentada por Braverman (1974). Ozga e Lawn (1981) e Apple
(1982) colocariam a proletarização do trabalho docente como tópico de pesquisa na área da educação. No Brasil, a Revista
Teoria e Educação (1991) organizou um número especial sobre este debate, mostrando abordagens mais complexas. Donaire
(2009) tratou, sustentado em pesquisa empírica, as principais hipóteses envolvidas nesse debate de maneira rigorosa.
16
emprego a tempo parcial para um estudante, uma carreira atraente para as filhas de
professoras, um espaço de afirmação feminina no mundo assalariado, etc.).
Embora seja difícil fazer uma caracterização precisa, pode-se dizer que os setores mais
pobres da população nunca foram fonte de recrutamento do corpo de professores; que nas
últimas quatro décadas cresceu a presença de professores de origem social mais humilde na
Argentina e no Brasil; e que uma grande parcela de professores são filhos de professores no
México
É de utilidade clarificar a relação entre professorado, classe operária e movimento
sindical para evitar falsos problemas. A classe operária é o segmento da sociedade do qual se
recrutam os assalariados para trabalharem em atividades para as quais se precisa pouca ou
nenhuma qualificação formal, a maioria das quais são manuais.22 (Neste sentido uma parte
variável do corpo de professores sempre foi recrutada entre a classe operária). O eixo do
movimento sindical esteve sempre constituído por diferentes setores da classe operária – das
empresas de transporte, fabris, etc.- e, inclusive, pode-se dizer que o movimento sindical é a
expressão organizativa mais imediata da classe operária.23 Mas, movimento sindical e classe
operária não são co-extensivos. Um exemplo da Argentina é eloquente. Em 1919 na cidade de
Mendoza criou-se uma organização docente, Maestros Unidos, filiada à central operária.
Maestros Unidos protagonizou uma verdadeira rebelião sindical na província e efetivamente
participou do movimento sindical. Isso não significa que os professores mendocinos – e
particularmente a sua líder, graduada universitária e ex-inspetora do sistema educacional –
fossem parte da classe operária.
Uma particularidade do recrutamento da força de trabalho docente é que, de forma
relativamente independentemente da origem social, este exige formação especifica nas escolas
normais, nos institutos de educação ou nas universidades. Isto não só tem importância em
termos de formação pedagógica dos professores, mas também por indicar, aproximadamente,
quais tem sido os circuitos de socialização e eventualmente de politização dos professores.
Conhecer isso é estratégico para a presente tese. Essa necessidade de formação é um dos
elementos que contribui para explicar a forte vinculação entre docentes e estudantes. Assim
como muitos estudantes acabam sendo docentes, muitos docentes acabam sendo (novamente)
22
Como se pode ver, nem concebo a classe operária como sujeito político nem a defino por desempenhar o trabalho
produtivo.
23
Quando digo movimento sindical me refiro à atividade associativa e reivindicativa dos assalariados a qual reconhece um
horizonte comum de interesses para o conjunto dos trabalhadores. Um exemplo do Brasil permite explicar este ponto. A
Confederação de Professores do Brasil (CPB), criada em 1960, teve desde a sua origem demandas trabalhistas. Mas só as
colocou como parte das reivindicações do conjunto dos trabalhadores brasileiros, e só se concebeu como mais uma
organização de assalariados brasileiros na década de 1980. Trata-se de um processo de identificação com o movimento
sindical.
17
estudantes para se requalificar ou simplesmente pelo interesse em continuar estudando. Esta
vinculação se estreita porque o professorado, sobretudo no ensino médio, tem sido em
diferentes conjunturas alternativa ocasional de emprego para os profissionais desempregados.
O relativo status social da atividade que a afastou da maioria dos assalariados também fez do
magistério um emprego assalariado mais aceitável para os setores médios de onde também
emergiram os movimentos estudantis. Finalmente, tanto estudantes como professores (e agora
não se trata de recrutamento) compartilham o interesse direto nas políticas educacionais. Pode
se afirmar que, das categorias assalariadas, a dos professores de educação básica e superior é a
que está mais próxima do movimento estudantil. Perante os laços bastante imediatos com os
demais funcionários públicos, a comunidade educacional e o movimento estudantil, os laços
dos docentes com o movimento sindical aparecem muito mais mediados pela conjuntura
política.
1.1.6 O sexo e o gênero dos professores
A docência, junto a outros poucos empregos, consolidou- se como profissão feminina
desde finais do século XIX na Argentina, Brasil e México no mesmo processo no qual a
família nuclear se afirmava, a sociedade se urbanizava e o mercado de trabalho crescia e se
consolidava como espaço masculino. A ratificação do papel socialmente subordinado da
mulher e a sua associação aos traços maternais e ao espaço doméstico eram os correlatos
simbólicos dessa situação. Alguns especialistas distinguiram a presença estatística das
mulheres em uma atividade (feminilização), da associação de uma atividade com
característica culturalmente consideradas femininas (feminização) (YANNOULAS, 1994). No
professorado teríamos feminilização e feminização.
Tratava-se de um trabalho com características ambíguas (de meio tempo, com muito
peso das recompensas simbólicas, da ideia de vocação e da realização de ideais maternais).
De qualquer modo, por ser um trabalho socialmente aceito para as mulheres, o professorado
permitiu uma inserção (subordinada e parcial, mas inserção ao fim) das mulheres no espaço
público.
Em começos do século XX o movimento sindical dava os primeiros passos na
América Latina e Mirta Lobato (2007), referindo-se às organizações sindicais de começos do
século XX na Argentina, tomou nota das dificuldades das organizações sindicais para
combinar práticas sindicais que estavam sendo construídas associadas à virilidade, à força e à
18
ação organizada, com as experiências das mulheres, em que o trabalho e a ação reivindicativa
estavam condicionadas pelas obrigações do trabalho reprodutivo.
De um lado, os homens se afirmavam nas posições de poder e decisão, no mundo da
política e dos sindicatos; de outro, os valores culturais e a atividade concreta na vida
doméstica e no cuidado dos filhos supunham uma responsabilidade maior das mulheres. Os
dois elementos tem efeitos na atividade sindical: a mulher tem menos tempo para se dedicar à
militância e, por outro lado, não quer ser parte da cultura masculina que rodeia as atividades
sindicais (CORTINA, 1985).
Destacarei que a relativa exclusão da mulher do mercado de trabalho até a década de
1960 deslegitimou-a como sujeito de reivindicações trabalhistas. A partir desse momento o
papel feminino na sociedade começou a mudar como parte de transformações políticas e
culturais mais amplas e do ingresso massivo da mulher no mercado de trabalho. Em uma tese
defendida em 1985, sobre o sindicato de professores do Distrito Federal mexicano, Cortina
escreveu que efetivamente as relações de gênero estavam mudando em um sentido mais
igualitário e que o sindicato estava deixando de ser um espaço exclusivamente masculino
(Cortina, 1985, p.137 e ss.). Esta tendência continua em desenvolvimento24, embora as
imagens tradicionais e as responsabilidades familiares diferenciais também continuem tendo
presença e ajudem a explicar algumas desigualdades ainda visíveis na vida trabalhista e
sindical de homens e mulheres.25
1.1.7 A imagem social da escola pública e do magistério
É comum que as pessoas que participam de determinada profissão construam a sua
identidade, em parte, com elementos simbólicos vinculados à atividade que desempenham. Os
trabalhadores de indústrias básicas ou extrativas de propriedade estatal, por exemplo,
constroem a sua identidade ocupacional com elementos vinculados ao desenvolvimento
econômico da nação e situações paralelas acontecem com as profissões liberais, a polícia, etc.
Essa identidade é estruturante da atividade social, política e sindical de cada grupo.
Neste sentido, para analisar o professorado é importante considerar a imagem social da
escola pública devido a que os sentidos a ela associados operam como peças chaves na
24
Cook (1996, p.239), em seu trabalho sobre o segmento radicalizado dos professores mexicanos (organizado na
Coordinadora Nacional de Trabajadores de la Educación, CNTE), escreve que, depois de uma década de mobilizações,
existia uma crescente consciência entre ambos os sexos a respeito do papel diferenciado das mulheres e da sua contribuição
ao movimento.
A mudança do papel feminino nas sociedades e no movimento docente também pode ser reconhecida no texto de Street
(2008), quando ela recapitula as suas pesquisas desenvolvidas nas décadas de 1980 (em Chiapas) e de 1990 (em Michoacán).
25
Isto foi mostrado, a partir da análise de entrevistas a lideranças e ativistas sindicais, por Loyo e Rodríguez (2007) para o
caso do Distrito Federal mexicano e por Ferreira (2011) para o caso do Rio Grande do Sul (Brasil).
19
construção da identidade do professor ou, em um sentido mais geral, nas representações
associadas à docência. A educação escolar foi moralizada, pois foi a instituição responsável
pelo ensino dos bons costumes, e os professores acabaram também sendo parte desta
moralização. Por isso, pode-se dizer que os professores foram um modelo de conduta cívica.
Isso era parte do discurso normalista26; mas coexistia com imagens mais prosaicas. Além
disso, novas representações a respeito da profissão (como a dos professores enquanto
trabalhadores sindicalizados) foram fortalecidas na segunda metade do século XX. Vicentini
(2002), retomando os argumentos desenvolvidos por Bourdieu, em outro contexto, mostra as
disputas entre representações em torno do professorado que se superpõem e são mobilizadas
pelos professores, pelos governos e pela imprensa em circunstâncias concretas.
A imagem social da escola pública conferiu inicialmente aos docentes certo status –
distanciando-os da maioria dos assalariados – e uma aura de importância social e
imparcialidade, identificando-os com os “altos valores” da civilização e do desenvolvimento
social. “Somente o Estado – escreve Hypólito (1997, p. 28)– poderia ser capaz de promover
essa figura equidistante das classes sociais e das instituições políticas, sociais e religiosas”.
Sugestivas considerações e exemplos históricos dessa situação são frequentes na produção
sobre trabalho e profissão docente. Infelizmente, as pesquisas empíricas sistemáticas são
menos comuns, o que pode contribuir para reproduzir a oposição entre um passado glorioso e
a situação contemporânea. Considero que existe o risco de contar a história da elite dos
professores (dos que lecionavam nas capitais, dos que estavam formados nos institutos mais
prestigiosos e que tiveram um peso muito grande na construção da identidade profissional da
categoria) e que a ideia de ‘queda de status’ é demasiado geral, não podendo ser o ponto de
chegada de uma reflexão sobre a evolução da imagem social do magistério.
Oportunamente, trabalharei a partir dos argumentos de Vicentini (2002), quem estudou
a imagem social dos professores no período 1933-1963 com base nos jornais das entidades
docentes e na grande imprensa de Rio de Janeiro e São Paulo; e Magrone (2004), quem tomou
como base de análise uma comparação entre 139 professoras que lecionaram na rede
municipal do Rio de Janeiro na década de 1950 e 289 que o fizeram nas décadas de 1980 e
1990.
26
Entende-se por normalismo o sistema de formação docente nas Escolas Normais e o discurso que as promoveu, ainda no
século XIX.
20
1.2 Problema de pesquisa: os sindicatos docentes de base
As organizações de trabalhadores em educação da Argentina, do Brasil e do México
tem demandas predominantemente trabalhistas. Elas são reconhecidas como atores coletivos
pela sua base e pelo governo; estão dispostas a utilizar formas coletivas de pressão sobre os
empregadores; contam com certa estrutura organizativa; e baseiam a sua capacidade de ação
em uma rede de lideranças de base. Embora existam importantes diferenças entre os distintos
países, e dentro deles, o contraste com a situação colocada oitenta ou cem anos atrás é muito
grande e excede os países considerados no presente estudo.27
Perante a necessidade de transcender um olhar impressionista, construí a categoria de
sindicalismo docente de base. Esta tem dois componentes: 1) a gravitação da base da
categoria nas organizações docentes e 2) a consolidação de um perfil trabalhista nas entidades
de professores e legitimidade do confronto aberto com os governos como forma de pressão
coletiva.
Em primeiro lugar, a gravitação da base da categoria nas organizações docentes. As
uniões, associações, ligas e centros de professores das primeiras décadas do século XX podem
ser rapidamente caracterizadas como agrupações de ativistas ou grupos paralelos à estrutura
dos sistemas educacionais e dependentes da sua hierarquia. Evidentemente, tanto a presença
de ativistas dentro da categoria, assim como as relações das organizações docentes com as
administrações governamentais continuam sendo importantes. Mas, uma das principais
transformações nas práticas sindicais docentes ao longo do século XX é que a ação sindical se
baseia em uma rede de lideranças de base; em outras palavras, que a base da categoria tem um
poder inédito nas organizações que se propõem representá-la.
Em segundo lugar, a consolidação de um perfil trabalhista nas organizações docentes e
a legitimidade do confronto aberto com os governos como forma de pressão coletiva. Em
começos do século XX as demandas trabalhistas dos professores se expressavam de maneiras
protocolares e tinham dificuldades para se afirmar como o eixo da atividade das nascentes
associações docentes. Um problema estritamente ideológico, associado ao normalismo, influía
nessas características: os professores eram um modelo de conduta cívica; as recompensas
simbólicas tinham um grande peso, como retribuição pelo exercício da atividade docente; e os
professores formados nas escolas normais eram ao mesmo tempo o segmento com mais
prestígio da categoria e os “especialistas em educação” reconhecidos pela sociedade. Tudo
isto mudou. Ao longo do século XX perdeu centralidade a ideia do professor como modelo de
27
A existência de uma profunda diferença entre as primeiras associações e os atuais sindicatos docentes é um fenômeno
global reconhecido pela bibliografia. Ver, entre outros, Cooper (1992).
21
conduta cívica, legitimou-se a categoria como sujeito de reivindicações econômicas e
consolidou-se a posição dos docentes como trabalhadores de base de sistemas burocratizados
dirigidos por especialistas. Essa situação possibilitou a progressiva consolidação de um perfil
trabalhista nas organizações docentes e a legitimidade da utilização de formas de pressão
coletivas mais agressivas.
A heterogeneidade ideológica, o peso das imagens tradicionais sobre o professorado, a
apatia, a desmobilização e o individualismo não são, naturalmente, exceções. Pelo contrário,
são a regra. Por isso, a gravitação da base da categoria nas organizações docentes e as
mudanças simbólicas às quais fiz referência devem ser tratadas com cuidado. De qualquer
maneira, ambos os componentes permitem captar as mudanças fundamentais nas práticas
sindicais da categoria ao longo do século XX. O problema de pesquisa da presente tese é por
que o sindicalismo docente de base surgiu, consolidou-se e afirmou-se na Argentina, no Brasil
e no México, assim como entender as particularidades nacionais desse processo.
Dos países aqui considerados, é no Brasil que a preocupação pelas transformações
históricas na ação coletiva dos professores tem orientado a construção dos melhores
trabalhos.28 Este interesse é um reflexo, na universidade, da própria ruptura radical na
atividade dos professores a partir de 1978, quando teve início um ciclo de combativas greves
e grandes mobilizações. Os quadros docentes se radicalizaram e algumas das principais
organizações passaram a se identificar com o movimento sindical, mais precisamente com o
chamado novo sindicalismo.
Segundo a visão hegemônica na produção brasileira (particularmente da produzida na
década de 1980), as mudanças na atividade sindical expressariam uma modificação na
identidade da categoria: os professores se identificavam como um segmento da classe
trabalhadora. A identidade dos docentes como trabalhadores em educação atuaria como uma
mediação entre certas transformações produzidas na categoria e a sua ação sociopolítica.
Também pode-se dizer, inversamente, que foi participando das greves e mobilizações que os
professores passaram a se identificar como trabalhadores em educação.29 Mas não se trata de
um argumento circular. 1) Determinadas modificações na categoria levariam a uma
aproximação subjetiva dos professores à classe trabalhadora (em termos de valores, atitudes
28
Na Argentina, a produção é consideravelmente menor, e no México existe certa continuidade entre as entidades
constituídas nas décadas de 1920 e 1930 e os atuais sindicatos. Com a revolução da década de 1910 constituíram-se
sindicatos docentes que participaram das centrais operárias, organizaram greves e alcançaram certo controle sobre a carreira
docente. As enormes diferenças com as entidades que atuaram nas últimas décadas do século XIX e a primeira do século XX
não constituíram um importante tema de reflexão, basicamente porque essas mudanças puderam ser explicadas facilmente no
marco das mudanças globais decorrentes da própria revolução.
29
Como mostrou Ríos (2005) para o caso do professorado da cidade de Rosario (Argentina).
22
perante o empregador e perante o trabalho, etc.); 2) Em circunstâncias históricas específicas,
essa aproximação permitiria a eclosão de greves de massas e um grande ativismo sindical na
categoria; 3) Nestes contextos surge a identidade dos professores como trabalhadores em
educação, identidade que convive com outras e não é co-extensiva à categoria, mas que
condensa os sentidos associados à ruptura na prática sindical.
Esta visão não é essencialmente contraditória com o caminho trilhado na presente
pesquisa. De qualquer maneira, diferentemente de alguns dos trabalhos produzidos na década
de 1980, pretendo evitar uma história teleológica e/ou um olhar centrado nas características
que a ação dos professores compartilha, ou não, com um modelo de ação que seria
propriamente operária ou sindical. É verdade que ao longo do século XX a ação dos
professores converge com as das outras categorias de assalariados. Mas comparar
superficialmente a história das práticas sindicais docentes com a história das categorias que
constituíram o eixo do movimento sindical obstaculiza a compressão das suas
particularidades, que é justamente uma das virtudes dos estudos sobre categorias específicas
de assalariados. No contexto desta pesquisa, não interessa estudar se o professorado se
comporta como uma (muitas vezes idealizada) categoria operária, mas, em todo caso, importa
conhecer como os professores, em contextos específicos, usaram uma imagem da classe
operária como parâmetro da sua ação reivindicativa.
Entre os trabalhos mais significativos encontram-se o de Ferreira Jr. – pela clareza
analítica e as hipóteses colocadas – e os de Vicentini e Lugli – pela profundidade do
conhecimento histórico sobre a categoria docente. Ferreira Jr. (1998) afirma que no marco do
crescimento acelerado do capitalismo brasileiro entre as décadas de 1960 e 1980, e da
crescente complexidade social e o alargamento das classes médias associado a este processo,
os professores passaram de uma posição econômico-corporativa para o protagonismo político.
A ruptura é a tomada de consciência política dos professores enquanto fração das classes
médias, no sentido de consciência da realidade histórica: de um marcado apoliticismo e uma
boa relação com os governos militares, as organizações de professores passaram a ter uma
pauta de demandas políticas e econômicas transformadora da sociedade brasileira.
O argumento de Ferreira Jr. para explicar esta transformação é que neste período
houve uma aceleração do deterioro salarial e da proletarização do trabalho. Isto teria levado a
uma perda de status social e profissional sobre a qual seria construída uma nova identidade,
de trabalhador da educação “… submetido às mesmas contradições sócio-econômicas que
determinava a existência material da classe operária” (FERREIRA Jr., 1988, p. 88). Sempre
23
segundo Ferreira Jr. (1998), a partir do ponto de vista do recrutamento, duas tendências
confluem na década de 1970: uma de mobilidade social descendente (professores com origem
na burguesia ou na alta classe média, proletarizadas) e outra ascendente (docentes com origem
nos trabalhadores urbanos beneficiados pela expansão educativa das décadas anteriores). É
particularmente no primeiro segmento, que seria o tradicional, que se expressaria a passagem
da posição econômico-corporativa para o protagonismo político.
O trabalho de Paula Vicentini, desenvolvido juntamente com Rosario Lugli, centra-se
nas transformações das diferentes imagens dos professores na história do Brasil. Os próprios
títulos da sua tese “Imagens e representações da profissão docente no Brasil 1933-1963”
(VICENTINI, 2002) e do livro “História da profissão docente no Brasil: representações em
disputa” (VICENTINI; LUGLI, 2009) são eloquentes desse interesse. Apesar de serem estes
trabalhos menos preocupados por estabelecer critérios de periodização e conexões causais,
haveria uma primeira ruptura no final da década de 1950 e a primeira metade dos ‘60, quando
a importância das recompensas simbólicas na atividade docente é contestada por uma imagem
que realça a importância da recompensa material ao trabalho docente. Os próprios professores
e as suas associações promoveram essa nova imagem com o intuito de legitimar as suas
demandas trabalhistas.30 A ruptura de finais da década de 1970 e da década seguinte,
reconhecida, é relativizada logo após destacar 1) o processo anterior, que em alguma medida
teria “preparado o terreno” ao erodir alguns aspectos da imagem tradicional docente e 2) as
continuidades que podem ser percebidas ao olhar retrospectivamente a ação docente trinta
anos depois das mobilizações que começaram em 1978.
Vicentini e Lugli (2009) concordam em que durante o governo militar as condições de
emprego docente e as condições de trabalho pioraram profundamente, e que o salário docente
na vida econômica das famílias, fez-se mais importante. De qualquer maneira, elas evitam a
ideia de que as piores condições de trabalho ou alguma mudança inédita na composição da
categoria seriam a causa suficiente, justamente porque as pesquisas históricas mostram
insatisfação trabalhista e uma composição social heterogênea praticamente desde sempre.
Se o problema da presente pesquisa está próximo ao espírito do trabalho de Ferreira
Jr., porque está orientado pela pergunta de que e porquê mudou, há também importantes
diferenças. Em primeiro lugar, o meu objeto são as práticas sindicais e não a trajetória sóciopolítica dos professores públicos. Neste sentido o critério de ruptura que estou propondo é
relativo à atividade sindical dos professores públicos e não à consciência de uma fração das
30
Com efeito, as mudanças simbólicas ocorreram “… no âmbito de um processo que incorporou práticas reivindicatórias
mais agressivas na luta por melhores salários” (VICENTINI, 2002, p. 198).
24
classes médias. Em segundo lugar, a minha abordagem pretende ser mais sensível às
particularidades dos professores e das suas organizações. Considero que é o que se deve fazer
quando se estudam categorias específicas de assalariados, independentemente deles serem
operários ou funcionários públicos. As particularidades da história do professorado e as suas
associações contribuem para entender melhor as características de qualquer mudança, seja nas
práticas sindicais ou na consciência dos docentes. Isso me aproxima à maneira a qual tem
trabalhado Vicentini e Lugli, ainda que na minha pesquisa a dimensão simbólica não tem a
centralidade que tem na delas.
A atividade sindical de qualquer grupo de assalariados precisa, para se desenvolver, de
trabalhadores eventualmente dispostos a enfrentar coletivamente os seus empregadores. Em
termos gerais, a ação negociadora dos sindicatos não é contraditória com a organização de
manifestações e greves; ambas as táticas são dois lados da mesma moeda. Tanto essa quanto
outras características “universais” do sindicalismo, podem ser reconhecidas ao ler esta
pesquisa sobre a atividade sindical dos professores públicos e identificar paralelismos com as
práticas coletivas de outras categorias de trabalhadores.
Embora existam esses paralelismos, o problema de pesquisa que orienta esta tese não
seria relevante se o estudo tratasse das categorias tradicionalmente privilegiadas pelos estudos
do trabalho; tais como as dos trabalhadores dos transportes ou das indústrias. No entanto, o
problema de pesquisa seria relevante para investigar a história de outras categorias
assalariadas de trabalhadores intelectuais com algum grau de qualificação formal, e, em
particular, quando se trata de funcionários públicos. De fato, o resultado desta pesquisa
poderia ser apresentado como um capítulo da historia da proletarização das classes médias.
Conscientemente, evitei trilhar esse caminho e extrapolar as minhas conclusões para
quaisquer outros setores de assalariados, pois essa empreitada requer um tipo de investigação
que não realizei. Nesse sentido, a minha contribuição limita-se a estudar, em profundidade,
uma categoria e fortalecer uma vertente nos estudos do trabalho. Uma vertente que pretende
construir generalizações empíricas sobre o movimento sindical a partir do conhecimento
sistemático da realidade das diferentes categorias que o compõem.
A investigação social contemporânea, fundamentalmente quando se trata da produzida
nos programas de pós-graduação, orienta-se ao estudo de caso com fontes primárias.
Inversamente, é visível certa dificuldade em sustentar generalizações empíricas. As
generalizações mais frequentes se deduzem de definições teóricas. A dificuldade em sustentar
as generalizações empíricas decorre da especialização da própria atividade científica, da
25
naturalidade com que são assumidas as abordagens historicistas quando se faz pesquisa
empírica e, também, paradoxalmente, da atual capacidade inédita das ciências sociais de
produzir fontes primárias.
Neste contexto, pesquisar em escala internacional uma categoria dispersa e
heterogênea, em um período de tempo amplo, pode parecer arriscado. Só pude me propor este
trabalho pela existência de um grande leque de pesquisas já concluídas sobre as associações e
sindicatos de professores no México, Brasil e, em um grau menor, Argentina.31 O meu
trabalho está construído sobre este corpus. Mesmo tentando colocar informações
comparáveis, os capítulos sobre os três casos são bastante diferentes, em parte porque a
própria produção na qual me baseio é diferente, mas também porque os desafios colocados à
reflexão são distintos. No Brasil, por exemplo, onde as pesquisas são basicamente estaduais e
o grau de descentralização política e educacional é muito grande, me esforcei em sustentar as
generalizações em informações de distintos estados. No México, por outro lado, a situação é
mais homogênea, mas é difícil caracterizar o sindicalismo docente nas suas diferentes fases de
desenvolvimento histórico e tenho me concentrado em fazer isso. Na Argentina, esteve
colocada com muita clareza em alguns contextos a construção de um tipo de sindicalismo
docente diferente ao finalmente hegemônico, e tenho me dedicado a reconstruir e
compreender esses contextos. Sou consciente de que as generalizações colocadas tem como
base uma reconstrução histórica fragmentária e que algumas generalizações são em realidade
31
Para fazer um estado da arte sobre a produção mexicana, e no qual os próprios autores reconhecem que a produção do
interior do país se encontra sub-representada, Loyo e Muñoz (2003) reuniram 133 livros, capítulos de livros, teses e
dissertações publicadas entre 1992 e 2002.
Vianna (2001) fez um estado da arte com 54 teses e dissertações em educação defendidas até o ano 1997 no Brasil. Se esse
corpus fosse atualizado, e se incorporasse a produção dos programas de pós-graduação em História e Sociologia, a
quantidade de teses e dissertações seria superior à centena.
A produção na Argentina apresenta, quando comparada com as dos outros dois países, um claro atraso. Muito pouco tem sido
escrito sobre as associações docentes antes de 1957. Isto me levou à sistematização de fontes primárias em um documento
inédito, Fuentes primarias para el estudio de las asociaciones y sindicatos docentes argentinos (GINDIN, 2010). As fontes
com as quais elaborei esse documento foram: 1) os estatutos de El magisterio. Sociedad de Protección Mutua (1896) e da
Asociación Pro-Maestros de Escuelas (1908); 2) as atas das assembleias ordinárias e extraordinárias da Asociación de
Maestros de la Provincia de Buenos Aires (1908-1960), da II e da III Asamblea Nacional de Profesores se Enseñanza
Secundaria, Normal y Especial (1927 e 1929) e do II Congreso Nacional da Confederación Argentina de Maestros y
Profesores Católicos (1940); 3) as atas das reuniões do Comitê Central da Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos
Aires (1943-1961) e da Confederación Nacional de Maestros (1944-1952, e 1955-1960); e 4) diferentes publicações
jornalísticas. Estas últimas foram: Revista Pedagógica Argentina Nº 13-26, do Centro Unión Normalista (1889-1890),
Tribuna del Magisterio Nº 100-155 e 217-274, da Confederación Nacional de Maestros (1927-1933, 1943-1952 e 19551973), Luz y Sombra Nº 5, da Asociación del Magisterio del Chaco (1932), Labor Docente Nº 3-38 da Asociación Docente
de Chilecito (1936-1943), Maestros y Profesores Católicos Nº 1-10, da Federación Argentina de Maestros y Profesores
Católicos (1937-1938), Simiente Nº 158, da Sociedad Unión del Magisterio de Rosario (1939), Picada Nº 1-34, do Centro
Cultural Sarmiento de Villa Atamisqui (1939-1944), La Voz del Magisterio Nº 1-6, da Asociación de Maestros de Corrientes
(1943), Surcos Nº 27 e 29, da Federación Católica del Magisterio de la Ciudad de Rosario (1947), La Palabra Nº 1-3, da
Asociación de Maestros de Formosa (1946-1947), Magisterio Nº 2-4 e 6, da Federación de Maestros y Profesores Católicos
de Tucumán (1950-1951), Revista de la Agremiación del Docente Argentino Nº 1-6 (1951), Paideia Nº 1, 3 e 7-14, da
Federación Argentina de Maestros y Profesores Católicos (1953-1954), Revista de la Unión Docentes Argentinos Nº 4-19
(1954-1955). Também foram consultados os estatutos (1931) e as memórias (1931-1934 e 1957) da Mutualidad
Antituberculosa del Magisterio.
26
hipóteses empiricamente fundamentadas. Anima-me a ideia de que este tipo de trabalho
também constitui uma contribuição ao avanço do conhecimento.
1.2.1 A gênese do sindicalismo docente de base
Parte do trabalho necessário para responder o problema da pesquisa consistiu na
reconstrução histórica, com o apoio de pesquisas já concluídas, das práticas sindicais
docentes. Esta tarefa permitiu identificar três processos sucessivos que foram fundamentais na
construção dos sindicatos de base: a propagação das associações de professores, a
implantação das organizações docentes na base da categoria e a consolidação do sindicalismo
docente de base. A comparação sociológica estimula este tipo de operações porque exige
enfatizar as continuidades e os paralelismos e hierarquizar as rupturas e as diferenças.
As associações docentes de começos do século XX, na Argentina, no Brasil e no
México, muitas vezes tinham uma existência efêmera e raramente canalizavam a insatisfação
trabalhista da categoria. Podem-se reconhecer as práticas sindicais como cartas coletivas às
autoridades, demandas trabalhistas de organizações pedagógicas ou de ajuda mútua, inclusive
greves; mas que em geral com pouco sucesso e continuidade organizativa. É uma etapa na
qual a base majoritária da categoria (os professores primários em sala de aula), pelo
isolamento e a dispersão, tem poucas condições de atuar coletivamente. As práticas sindicais
são desenvolvidas por setores minoritários, pela elite do corpo de professores, em geral muito
próxima do aparelho estatal. Não é fácil – nem faz muito sentido – datar o início desta etapa
que chamarei de Primórdios.
A primeira ruptura acontece quando a organização da categoria começa a se
generalizar e a existência de organizações de professores deixa de ser um fenômeno efêmero e
marginal. O contexto político foi fundamental para este trânsito, que nos três casos coincide
com o fim das repúblicas oligárquicas construídas nas últimas décadas do século XIX. Na
Argentina e no México a organização da categoria começou em meados da década de 1910, e
no Brasil em 1930. O ambiente democrático associado à chegada do primeiro governo de base
popular na Argentina (o radicalismo), a revolução mexicana e o começo da Era Vargas no
Brasil foram condições de possibilidades dessa passagem.
Algumas destas associações lograram ter uma quantidade de sócios considerável e
foram socialmente reconhecidas como as organizações dos professores. No entanto,
praticamente não estavam implantadas na base docente: os índices de participação sindical
eram muito baixos e a categoria continuou tendo pouca capacidade de atuar coletivamente.
27
Podem-se reconhecer duas formas organizacionais típicas: as entidades paraestatais e as
agrupações de ativistas. Eventualmente, uma mesma organização transitou pelas duas formas
ou os dois formatos, em alguma medida, combinaram-se. As entidades paraestatais
mantinham excelentes relações com os governos e, em geral, eram lideradas por funcionários
hierárquicos do sistema educacional. As agrupações de ativistas, por outro lado, eram as que
se propunham a construir organizações mais autônomas em relação aos governos – inclusive
algumas eram animadas por quadros politicamente radicalizados – e eram as que tinham mais
dificuldades para levar à frente o seu projeto.
Na Argentina, as organizações docentes encontraram um ambiente menos favorável
com os governos que se sucederam entre 1930 e 1946. Os primeiros anos da presidência de
Juan Domingo Perón (1946-1950) caracterizaram-se pela disputa entre as organizações
tradicionais e as novas entidades apoiadas pelo regime. Também menos favorável foi a
situação com a qual se defrontaram as entidades docentes brasileiras durante o período mais
autoritário da Era Vargas, de 1937 a 1945, mas com a democratização do país o processo de
organização da categoria ressurgiu com força. No México, diferentemente, a situação política
pós-revolucionária permitiu uma rápida consolidação das associações docentes. Esta
consolidação estava associada ao próprio caráter que tomava o Estado e a sociedade
mexicana, a qual estimulou que as disputas políticas, sindicais e educacionais se
expressassem, parcialmente, por meio de organizações de professores.
O segundo processo é a implantação das associações docentes na base da categoria.
Podem-se identificar duas maneiras na qual isto aconteceu: através do Estado ou através da
mobilização do professorado. O sindicalismo docente mexicano implantou-se na base através
do Estado entre 1930 e 1949, o que não impediu a ausência de grandes mobilizações docentes,
particularmente entre 1935 e 1940. Pelo contrário, as mobilizações foram, também, parte da
mobilização dos funcionários públicos na etapa mais radical dos governos pósrevolucionários. Também na Argentina o peronismo tentou organizar o professorado através
do Estado, entre 1950 e 1955, mas este projeto faliu junto com o fim do governo de Perón.
Em um ambiente político muito diferente, as associações docentes argentinas implantaram-se
através da mobilização entre 1957 e 1976.
No interregno democrático que no Brasil se abriu em 1945, e fechou-se em 1964, a
organização docente acabou de se propagar. Em 1956 começou uma tímida, mas de qualquer
modo, clara tendência à mobilização da categoria. O golpe de 1964, e particularmente o
aprofundamento das características repressivas do governo militar em 1968, fecharam esta
28
etapa que caracterizo como de implantação falida através da mobilização. Falida porque,
ainda que algumas paralisações foram importantes, a implantação das organizações na base da
categoria esteve colocada e não se realizou. Quando em 1978 começou uma onda de greves
maciças de professores, muitos achavam que estavam realizando as primeiras greves docentes
do país. Na maioria dos casos as associações tradicionais foram negadas e o modelo de ação
sindical foi, basicamente, o do novo sindicalismo que surgia contemporaneamente no setor
privado.
A implantação através do Estado gerou no México uma situação particular: uma
organização reconhecida pelo governo, implantada na base, com presença nacional e poder
sobre a carreira docente, mas com pouca autonomia dos governos e com grandes setores de
base, no interior do país, com poucas condições de levar a frente práticas sindicais se não é
com o patrocínio do poderoso sindicato ou inclusive do governo. A minha hipótese (porque se
trata de um tema delicado e eventualmente polêmico) é que o sindicalismo de base se
consolida no México na década de 1970. Considero que tanto as características de uma nova
direção sindical em começos da década (Vanguardia Revolucionaria) como o surgimento de
mobilizações maciças por fora do controle do sindicato em 1979 e 1980 expressam a
consolidação da presença da base na organização sindical. A minha hipótese é que sendo parte
e explorando esse processo, Vanguardia Revolucionaria pôde ser a primeira direção sindical
que enfrentou o governo sem se apoiar politicamente em outra parte do próprio Estado nem
em uma poderosa corrente sindical (como faziam os comunistas nos anos 1930). O
movimento dos professores do Distrito Federal no final da década de 1950 era o antecedente
de uma situação análoga a essa situação.
Na Argentina e no Brasil a consolidação do sindicalismo de base se produziu na
década de 1980; na Argentina, como continuidade do período de mobilizações abortado pela
ditadura militar de 1976, e no Brasil, logo depois das mobilizações de 1978-1980. Em ambos
os países houve, com autonomia do Estado, um profundo processo de reorganização do
campo sindical docente e fortes disputas pela direção das organizações sindicais. A gravitação
da base nas entidades docentes, que apareceu na Argentina entre 1957 e 1960 e no Brasil entre
1978 e 1980, consolida-se definitivamente. Esta situação se expressa em uma capacidade
inédita de interpelar os governos com uma relativa independência do grau de mobilização de
base, porque as organizações já não dependem de um grupo de ativistas (o que as fazia
débeis) nem das articulações com a burocracia educacional (o que as limitava politicamente),
mas de uma rede de lideranças de base.
29
1.3 Metodologia: um estudo histórico comparativo
A escala do presente trabalho e a tentativa de fazer uma comparação sistemática e
contextualizada, preocupada com a análise causal dos processos históricos, aproxima-me dos
estudos histórico-comparativos.32 Nestes tipos de trabalhos são apresentadas estratégias
analíticas que em outras tradições não são problematizadas. Identificá-las com precisão
permite utilizá-las de maneira mais cuidadosa e com maior consciência dos mecanismos
explicativos propostos. Na presente pesquisa foram utilizadas, de maneira flexível, as ideias
de “sistemas de semelhanças e diferenças”, “conjuntura crítica” e “dependência de trajetória”.
A explicação de qualquer diferença social, seja ela diacrônica ou sincrônica, leva
implícita uma comparação. Supõe-se que existe algum elemento em comum e que as
diferenças não são aleatórias. No caso que me interessa, pretendo explicar uma diferença
histórica: Por que as organizações de professores converteram-se em sindicatos docentes de
base? Poderia limitar-me em construir três argumentos diferentes (um para cada país) ou
avançar também na comparação entre os países. Comparar os países supõe que Argentina,
Brasil e México, e os professores do setor público em cada país, compartilham uma série de
características que os fazem comparáveis e apresentam diferenças que são explicáveis.
Entendo que os sistemas podem ser comparados com eles mesmos em um outro
período. Esta é uma questão importante de sublinhar, porque tenho interesse em processos que
atravessam o século XX nos três países. Sendo México: M; Brasil: B e Argentina: A, teríamos
vários sistemas: M1; M2; M3; M4 e M5; B1; B2; B3 e B4; A1; A2; A3 e A4. Comparar M2 não só
com A2, mas também com M5, potencia as possibilidades de aplicar o método comparativo,
desta vez em uma análise diacrônica.33
As práticas sindicais dos professores podem ser decompostas em indicadores. Um
exemplo disto, é que as greves docentes são consideradas, por boa parte da bibliografia do
Brasil e da Argentina, um indicador da aproximação da categoria ao movimento sindical.
Neste sentido, a presente pesquisa considera os indicadores como substituíveis, isto é: em
diferentes contextos uma mesma ação pode estar expressando processos diferentes; assim
como, diferentes ações podem expressar processos análogos (LOCKE; THELEN, 1995).34
32
Sobre os estudos histórico comparativos, ver Mahoney e Rueschemeyer (2003).
Estou usando causalidade em um sentido geral; trata-se de uma ideia problemática. Sobre a explicação causal da realidade
histórica em termos da identificação das condições necessárias para a produção de determinado fenômeno, ver Shuster
(2005).
33
Sobre comparação diacrônica, ver Ragin (1987, p. 73) e Gerring (2001, p. 212).
34
Existem razões lógicas que fazem com que os pesquisadores construam indicadores substituíveis quando comparam
diferentes países ou períodos. Ver, sobre este ponto, Goertz (2005, p. 63).
30
Um exemplo pode ilustrar o ponto. Na década de ‘80, um professorado reclamando a revisão
da estrutura sindical “corporativista” no Brasil aproximava-se ao sindicalismo, enquanto na
Argentina aproximava-se tentando organizar-se da maneira consagrada na estrutura sindical
“corporativista”.
1.3.1 As semelhanças e as diferenças
O “método das semelhanças e das diferenças” de John Stuart Mill é uma referência
obrigatória para o trabalho comparativo que apresenta um número relativamente pequeno de
casos. O “método das semelhanças” (ou dos sistemas mais diferentes) supõe o estudo de casos
que mostram grandes diferenças, mas coincidem na variável dependente. Permite proceder
por eliminação até encontrar a variável independente constante e, por esse meio, eliminar
hipóteses concorrentes. O “método das diferenças” (ou dos sistemas mais semelhantes) supõe
a consideração de casos similares que diferem na variável dependente. Nesta situação,
nenhuma das características compartilhadas é a variável independente.
O “método das semelhanças e das diferenças” apresenta algumas complicações. Se for
utilizado rigidamente, é difícil não contradizer concepções que tem sido tão fecundas para as
ciências sociais como as de causalidade múltipla, co-determinação e totalidade. Mesmo assim,
esta estratégia (prefiro estratégia a método) tem uma grande força heurística em uma pesquisa
como a que me proponho, desde que utilizada de forma flexível. Segundo Ragin (1987, p.
49), estudando contextualizadamente diferenças e semelhanças, é possível determinar como
diferentes combinações de condições tem o mesmo significado causal, e como elementos
causais similares podem operar em direções opostas.
Combinarei duas estratégias analíticas: a de comparar situações diferentes nas quais as
práticas sindicais apresentam semelhanças e a de comparar aquelas situações semelhantes nas
quais essas práticas apresentam diferenças significativas. Esta maneira de trabalhar é uma
fonte inspiradora de hipóteses e permite testar explicações concorrentes. Permite trabalhar, ao
mesmo tempo, com o que Tilly (1984, p. 82) denomina de comparação individualizante (que
contrasta casos específicos de um mesmo fenômeno como um meio de compreender as suas
particularidades) e o que intitula de comparação que procuram determinar variações (que
estabelece um princípio de variação no caráter ou na intensidade de um fenômeno por meio
do exame sistemático das diferenças entre os casos distintos).
31
1.3.2 Conjunturas críticas e dependência de trajetória
As conjunturas críticas são períodos de mudanças significativas que estabelecem uma
série de características no fenômeno estudado (as práticas sindicais docente, neste caso) que
tendem a se reproduzir. Essa tendência é a dependência da trajetória. Ambas as ideais são
solidárias e comumente utilizadas em trabalhos comparativos. Consideram-se etapas
analiticamente equivalentes e se as estuda em termos de legados de conjunturas críticas
igualmente equivalentes. Isso é possível pela utilização da estratégia analítica de realçar as
semelhanças. No presente trabalho, por exemplo, a “propagação da organização da categoria”,
que é uma conjuntura crítica, é construída a partir das características similares que apresentam
as práticas sindicais docentes na Argentina, no Brasil e no México em diferentes momentos da
sua história - estratégia analítica que permite realçar as suas diferenças.
As conjunturas críticas que identifiquei, conforme adiantei no ponto 1.2.1, são três: a
propagação das associações da categoria, a implantação na base docente e a consolidação do
sindicalismo de base. Cada conjuntura mudou, de diferentes maneiras, a qualidade das
práticas coletivas através das quais os professores públicos se relacionam com os governos.
As práticas sindicais docentes não permaneceram, naturalmente, invariáveis entre uma
conjuntura e outra. Mas os legados destas conjunturas são a chave explicativa dominante das
práticas sindicais, em determinado contexto social e político, por um período mais ou menos
longo de tempo. Este é o “legado” das conjunturas críticas. Identifiquei dois mecanismos que
permitem entender como, em determinados contextos políticos, sociais e educacionais, os
legados das conjunturas críticas se projetam na história: 1) a tradição sindical e 2) a regulação
do trabalho e a atividade sindical docente.
32
2. OS DOCENTES DA ARGENTINA, DO BRASIL E DO MÉXICO
2.1 Os professores e a construção dos Estados modernos
Na primeira metade do século XIX, a maioria da população do Brasil, do México e da
Argentina era rural e analfabeta. A relação entre o Estado e a população era mediada por
relações sociais primárias e, na periferia das metrópoles, os grandes proprietários rurais
concentravam funções econômicas e políticas. Uma das principais formas na qual o Estado
aparecia perante a população era reprimindo-a ou recrutando-a para as guerras. Por outro lado,
e simplificando a história, pode-se dizer que os Estados até o final do século XIX, em termos
financeiros, dependiam basicamente dos impostos sobre o comércio exterior e utilizavam
esses recursos para sustentar uma pequena burocracia (no caso da Argentina, praticamente
inexistente) e o exército.
Esse foi o contexto no qual se afirmaram os princípios que fundamentaram a
estruturação de sistemas de ensino gratuitos e obrigatórios na Argentina, no Brasil e no
México. No último período do século XIX, estava claro que gratuidade e obrigatoriedade
significavam a expansão sistemática das redes de ensino administradas diretamente pelo
Estado. A implementação desses princípios reestruturou totalmente a atividade educacional e
teve um papel fundamental na construção dos Estados modernos. A “pedagogia moderna”
realizou como tarefa uma verdadeira cruzada civilizatória: propôs que toda a população
frequentasse as escolas “elementares”, “comuns” ou “primárias”. Essa atitude possibilitou a
ampliação do pobre currículo escolar preexistente. Ao longo do século XX, a quantidade de
tempo de escolarização foi crescendo e novos saberes foram escolarizados. Esse duplo
incremento, o aumento vegetativo da população e a melhoria dos índices de cobertura do
sistema, sustentaram um crescimento constante da categoria de professores.
Existiam,
evidentemente,
diferenças
entre
esses
três
países.
Em
termos
administrativos, a Argentina praticamente não dispunha de funcionários públicos, nem de um
quadro jurídico unificado, nem de uma administração estatal consolidada; o Brasil contava
parcialmente com esses elementos, mas o governo tinha de fato muitas dificuldades para atuar
fora do centro político do país (FAUSTO; DEVOTO, 2004); o México parece ter sido, nesse
contexto, um caso intermediário. Tinha uma grande população e um sistema administrativo
relativamente desenvolvido, herdado do primeiro vice-reinado espanhol na América. De
qualquer maneira, e como aconteceu com a Argentina, as guerras e a instabilidade política
desse país fizeram com que a ação estatal não pudesse ter continuidade até meados do século
XIX.
33
A ideia de instruir o povo era profundamente moderna e positivista. Moderna, porque
sancionava a igualdade; e positivista, porque supunha que a “pedagogia moderna” era a via
científica para educar o cidadão e possibilitar o seu progresso. Mas a escola foi muito mais do
que ilustração e progresso. No final do século XIX, e começos do século XX, os Estados se
propunham a promover a transformação da sociedade e intervir decisiva e sistematicamente
sobre ela. Nesse contexto, o sistema de ensino começa a se definir como meio de intervenção
estatal, não só para a instrução do povo, mas para a construção da consciência cívica (porque
o sentido de pertencimento à comunidade nacional tinha de ser construído e ratificado por
meio da simbologia e da construção da própria “história nacional”) e para o controle da
população (uma contribuição estatal decisiva para a construção da governabilidade moderna e
a sociabilidade capitalista).
Com o pano de fundo do crescimento das cidades, em que todas as relações sociais se
modificavam, os Estados tinham de recrutar funcionários em um mundo onde as próprias
relações assalariadas estavam se afirmando com dificuldades. Isso se deve porque o próprio
trabalho assalariado estava em processo de consolidação como paradigma das relações de
trabalho frente ao escravismo, a diferentes formas de trabalho rural dependente não
assalariado e às relações de trabalho comunitárias e familiares.
A família conjugal também se afirmava como alternativa frente a um leque de
modelos familiares nos quais se destacava a família extensa. É pertinente trazer essas
questões, porque o papel das mulheres na sociedade, nesse período, foi redefinido.
Um dos principais debates educacionais era se o ensino tinha de ser laico. Esse projeto
fundamentou-se, ideologicamente, em um liberalismo cientificista e, além disso, demarcou as
esferas de controle entre as formas de Estado (que estavam nascendo) e a igreja católica. Esta
tinha se debilitado com a independência da Argentina, do Brasil e do México (particularmente
devido à relação que tinha com a hierarquia católica europeia), mas conservava muitas
funções na vida civil da população, papel que o Estado começava a reclamar como jurisdição
própria.35 A partir de 1870, a igreja começou a recuperar posições e se modernizar, criando
diferentes organizações e expandindo a religião católica (LYNCH, 1986). Ela manteve
inicialmente uma presença muito forte na administração direta das escolas, mas
progressivamente a sua influência, no caso do ensino primário, foi sendo limitada. Esta
limitação decorria do crescimento das redes de ensino primário administradas pelo Estado e,
35
Os nascimentos e os casamentos eram até então registrados nas igrejas. As leis de matrimônio civil foram sancionadas em
1859 (México), 1889 (Argentina) e 1890 (Brasil). Na Argentina e no Brasil, no século XIX, inclusive se votava no átrio das
igrejas (FAUSTO; DEVOTO, 2004).
34
às vezes, também da limitação do ensino religioso lecionado. Ainda que tivesse uma menor
visibilidade pública e um avanço sobre esferas antes controladas pela igreja, o projeto estatal
significou também uma disputa com as famílias, que viam diminuir o seu papel na
socialização das crianças. De fato, o ensino obrigatório dificultava a dedicação das crianças às
tarefas de produção e reprodução social que desempenhavam. As dificuldades de lograr uma
frequência regular nas aulas são eloquentes. Um terceiro agente com o qual o Estado
concorreu foram as experiências de autoformação. Nelas, as correntes políticas (como os
anarquistas) e as coletividades de imigrantes (como as escolas criadas por italianos, por
exemplo) tinham forte presença.
Na segunda metade do século XIX, o trabalho docente identificou-se como trabalho
feminino. Trabalharei isso com mais detalhe; interessa agora adiantar que isso foi
explicitamente promovido pelos Estados (embora esse não seja um elemento explicativo
suficiente da femenização do professorado) e que começou pelas funções subordinadas e de
menor hierarquia dentro do sistema educacional. O crescimento dessa categoria possibilitaria
uma via de acesso das mulheres ao mercado de trabalho assalariado, ingresso que foi posterior
ao dos homens e que possibilitou ao mesmo tempo maior igualdade entre os gêneros e a
construção de um mercado de trabalho mais elástico.
2.1.1 A estruturação e a consolidação dos sistemas estatais de ensino
Estima-se que a Argentina tinha 1.100, o Brasil 7.230 e o México 7.662 habitantes em
1850. Existiam distintas instituições educativas às quais participavam uma porcentagem
pequena da população: escolas públicas (estaduais ou municipais), instituições para órfãos e
indigentes, escolas gratuitas sustentadas pelas sociedades de beneficência, conventos
religiosos e escolas particulares (NEWLAND, 1992; ARNAUT, 1998; ESTRADA, 2002). No
México, existiu um Grêmio de professores que controlava um segmento do ensino particular e
autorizava os professores a ministrarem as aulas.36 A partir da metade do século XIX, as
instituições administradas pelo Estado são consagradas como o principal espaço de
escolarização; e o ensino primário começa a ganhar homogeneidade.
A escola média tem uma trajetória diferente e, avançado o século XX, massificou-se.
No século XIX, existiam nesses três países instituições como o Colégio Nacional em Buenos
Aires, o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e a Escola Nacional Preparatória no México, com
36
Em meados do século XVIII a maioria do professorado de primeiras letras no México era particular. Nas cidades de
México, Puebla e Querétaro funcionava o Gremio del Nobilissimo Arte de Primeras Letras (ESTRADA, 2002). Lora (2002)
sugere que o controle do Gremio sobre o conjunto do sistema de ensino era ainda muito significativo na primeira metade do
século XIX.
35
a função de formar as camadas privilegiadas da sociedade. Quando elas concluíam, os exalunos continuavam seus estudos na Universidade ou passavam a desempenhar uma função
pública. As restantes escolas de ensino pós-primário, promovidas em finais do século XIX e
começos do XX, formavam técnicos (industriais, agrícolas) e professores (as escolas
normais).
No último período do século XIX, os Estados da Argentina, do Brasil e do México
empreenderam de maneira decisiva o projeto da construção das comunidades nacionais
modernas. A geração dos anos 80 na Argentina (até 1916), o Porfiriato no México (18761911) e a República Velha no Brasil (1889-1930) caracterizaram-se por serem regimes
liberais em termos econômicos e em algumas definições ideológicas; entretanto, eram
conservadores em termos políticos e sociais. Dentre outros desafios, tinham de homogeneizar
uma população com uma grande porcentagem de índios (particularmente no México), exescravos (particularmente no Brasil) e imigrantes (particularmente no Brasil e Argentina).
Nos casos da Argentina e do México, foram os governos federais os que concentraram o
poder e tomaram a dianteira nessa tarefa, entretanto, foi o regionalismo, no Brasil, que se
fortaleceu, porque a República operou como uma reação à frágil, mas de qualquer modo
centralizada, administração imperial.
Segundo a constituição argentina de 1853, cada província estabeleceria suas leis de
educação. A cidade de Buenos Aires foi declarada capital federal, separada da província de
mesmo nome, e a Argentina reunificada na década de 1860. Mas, os conflitos políticos
persistiram por mais de uma década. No cenário educacional argentino destacou-se Domingo
Sarmiento, um grande impulsor da estruturação do moderno sistema educacional. Ele foi
responsável pela elaboração da primeira lei de educação da província de Buenos Aires (1875).
Essa lei estabelecia o ensino gratuito, obrigatório e laico. Sobre essa experiência, na década
seguinte, organizou-se o sistema educacional da rede federal a partir da lei 1420 de 1884, que
vigorava na Capital Federal e nos extensos territórios federais. A igreja conseguiu que o
ensino religioso fosse mantido em algumas leis provinciais que foram sancionadas no mesmo
período (em Santa Fe, por exemplo). Com a economia exportadora mais dinâmica dos três
países e o auge econômico vivido desde a década de 1880, a Argentina colocou-se como a
primeira economia latinoamericana em começos do século XX. O governo federal, fortalecido
financeiramente por esses ingressos, sancionou a lei 4784 em 1905, conhecida como “Ley
Láinez”, sobrenome do deputado que apresentou o projeto. Essa lei possibilitou a criação de
escolas primárias federais nas províncias e foi especialmente aplicada nas mais pobres, que
36
tinham dificuldades para expandir as suas redes. Em meados da década de 1930, segundo o
Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología (MECyT, 2007) a maioria das escolas
primárias nas províncias de San Juan, Jujuy, Corrientes, Catamarca, La Rioja, Salta, San Luis,
Tucumán e Santiago del Estero pertenciam à rede federal.
A Constituição Imperial do Brasil de 1824 estabelecia a gratuidade da educação para
os cidadãos, que eram a minoria da população. Três anos depois foi legislado o ensino à
escala federal, mas esse projeto teve alcance muito limitado, porque em 1834 as escolas de
primeiras letras e a formação de professores foram descentralizadas e as províncias ficaram
responsáveis por elas. Com o fim do império, a Constituição Republicana de 1891 decretou
que o ensino seria laico e deixou a questão da gratuidade para que os próprios estados
legislassem. Alguns estados decretaram a gratuidade da educação, em outros a igreja
conseguiu que o ensino religioso se mantivesse e outros passaram a responsabilidade dessa
definição para os municípios (CURY, 2003). Na virada do século, o modelo educacional do
estado de São Paulo apareceu como paradigma das reformas em outros estados (uma
expressão no campo educacional da ascensão paulista); mas, ainda que São Paulo construísse
uma forte rede estadual de educação, o ensino municipal continuaria tendo muito peso em
outros estados (às vezes superando a importância das redes estaduais).
Em meados do século XIX, o liberalismo mexicano era o mais radical dos três países.
Em 1842, o ensino obrigatório, livre e gratuito foi decretado. Pouco depois foi sancionada
uma nova constituição (1857) e uma lei de instrução pública (1861). Em 1867 a Lei Orgânica
de Instrução Pública, que vigorou no Distrito Federal e nos territórios federais, suprimiu o
ensino religioso e estabeleceu que a instrução primária fosse obrigatória e, para os pobres,
gratuita. Essa lei e o seu regulamento (1869) possibilitaram a expansão da rede administrada
pelo governo, até então delegada na Companhia Lancasteriana e na Fundação Vidal Alcocer
(subsidiadas pela prefeitura da cidade do México e pelo governo federal) (ARNAUT, 1998).
Também em Nueva León, a administração do ensino público era delegada à Companhia
Lancasteriana, depois o governo passou a administrar diretamente as escolas públicas em
1854.
Em 1874, dezoito estados tinham decretado a obrigatoriedade do ensino primário. No
último período do século XIX, o governo de Porfírio Diaz, ao mesmo tempo em que avançou
na realização do projeto liberal esboçado nas décadas passadas, retirou parcialmente o
anticlericalismo. As escolas municipais foram sendo progressivamente assumidas pelos
estados ou pelo governo federal (no caso do Distrito Federal e os territórios federais); e na
37
virada do século, poucos estados ainda tinham escolas administradas pelos municípios (Nueva
León e Aguascalientes dentre eles). No caso específico da rede federal, em 1888 a Lei de
Instrução Obrigatória foi sancionada e em 1890 a Companhia Lancasteriana (que ainda
administrava algumas escolas) foi nacionalizada. O ensino público expandiu-se e em 1908
uma nova lei de educação que definiu a educação como nacional, integral, laica e gratuita foi
sancionada (ARNAUT, 1998; BAZANT, 2006).
As discussões sobre a federalização ou a estadualização do ensino formavam parte de
um debate mais amplo em torno de como administrar e potenciar o crescimento dos sistemas
educacionais em formação. Os professores formados nas escolas normais e as próprias escolas
normais participaram desses debates. Em geral, eles criticavam a educação municipal e a
intervenção dos ‘políticos’ nos assuntos educacionais.
Ainda que esses projetos tivessem encontrado grandes dificuldades, o Estado
argentino foi relativamente bem sucedido nesse período inicial. Uma população relativamente
pequena e mais urbanizada (grande parte estava concentrada na capital federal e no litoral37),
uma boa situação econômica, um sistema educacional mais centralizado e uma maior
determinação política foram alguns dos fatores que permitiram que a Argentina atingisse,
nesse período, as taxas de alfabetização mais altas entre os três países.38
Os modelos educacionais promovidos nas últimas décadas do século XIX foram
criticados nas primeiras décadas do século seguinte. No Brasil e no México, a principal crítica
era que as taxas de cobertura eram muito baixas. Neste último, os governos pósrevolucionários questionaram duramente o porfiriato por ter abandonado a educação rural e,
além disso, fizeram dessa crítica uma bandeira política. No Brasil, o movimento
escolanovista, com o qual se identificavam os protagonistas das reformas de ensino das
décadas de 1920 e 1930, com menos radicalidade, também criticou os liberais pelas suas
promessas não cumpridas. Na Argentina, diferentemente, o projeto educacional liberal
personificado em Domingo Sarmiento tinha sido mais bem sucedido e manteve muita
37
Entre 1869 e 1895, segundo os censos nacionais, Buenos Aires tinha mais do que triplicado a sua população (de 187 mil
para 664 mil). O Distrito Federal mexicano era então menor, tinha 540 mil habitantes na virada do século (dos quais 300 mil
moravam na cidade do México).
38
A precocidade na superação do analfabetismo na Argentina é notável e não decorre apenas da urbanização. Em 1910 o
Distrito Federal mexicano tinha a menor taxa de analfabetismo no país: 49,79 % (BAZANT, 2006); mas este índice era
superior à média argentina, de 35,9% para 1914.
Em 1920 a taxa de analfabetismo no Brasil girava em torno de 76% (ROSSO, 2010). Fausto e Devoto (2004) sugerem
também que o nível educacional dos imigrantes que iam para Argentina possivelmente tenha sido maior do que aqueles que
migravam ao Brasil, e que a necessidade de integração nacional (da qual a escola foi agente) era muito mais importante na
Argentina.
38
vitalidade.39 Nos três países houve críticas com um caráter mais ideológico como parte da
corrente antiliberal que se fortaleceu nas primeiras décadas do século XX e na qual confluíam
elementos nacionalistas e católicos. A cultura cientificista, tão cara ao normalismo do século
XIX, retrocedia parcialmente. Na Argentina e no Brasil, como em quase toda a região, a igreja
teve melhores relações com os regimes populistas do que com os liberais de começos do
século XX, porque o populismo foi parte dessa nova atmosfera cultural, política e intelectual.
Isso não vale para o México, onde a revolução teve um caráter anticlerical. A igreja e os
governos pós-revolucionários enfrentaram-se duramente, enfrentamento que chegou ao seu
ápice com as guerras cristeras da década de 1920 (DUSSEL, 1986).
Em 1930, a Argentina já tinha construído um Estado moderno, com território
unificado, controle dos recursos e administração da população; mas os Estados do Brasil e do
México constituíam, em certo sentido, formas deficientes de organização estatal
(WHITEHEAD, 1986). A consolidação dos aparelhos estatais nesses últimos países seria obra
do governo de Getúlio Vargas no Brasil, entre 1930 e 1945, e dos governos mexicanos
contemporâneos. Como parte dessa consolidação, esses Estados também avançaram na
centralização dos sistemas educacionais. A maior gravitação dos governos federais começou
com certa antecedência no caso do México, país onde chegou mais longe, inclusive, mais do
que na Argentina.
No México, em 1910, Francisco Madero provocou a insurreição contra Porfirio Diaz
e, depois de uma série de enfrentamentos armados entre diferentes facções, em 1917 foi
sancionada uma nova constituição federal e alcançada certa estabilidade política.
Inicialmente, o impulso da revolução foi descentralizador. Quando Álvaro Obregón (19201924) iniciou a tarefa de reconstruir o país, o sistema educacional – administrado pelos
estados e municípios – estava muito deteriorado. Em 1921, foi criada a Secretaría de
Educación Pública (SEP) do governo federal e José Vasconcelos foi colocado à frente. Um
sistema nacional de educação começou a ser construído em torno de uma rede federal cada
vez mais forte: a SEP re-absorveu as escolas municipais do Distrito Federal e começou a
estabelecer escolas nas áreas rurais e periféricas dos estados, para finalmente chegar até as
próprias capitais estaduais (ARNAUT, 1998). A Lei Orgânica da Educação Pública de 1942,
que anulou algumas reformas anteriores e teve um sentido mais conservador (limitou a
coeducação entre pessoas de sexo diferente, por exemplo), estabeleceu que os programas
39
A maior vitalidade do liberalismo argentino é um dos elementos que permite entender que o movimento escolanovista (que
criticava, entre outros pontos, o enciclopedismo associado ao normalismo tradicional) não alcançara neste país a dimensão
que alcançou no caso brasileiro (JAFELLA, 2002)
39
fossem uniformes em todo o país e integrou o ensino rural e o urbano. A participação do
governo federal na administração direta do ensino consolidou-se. Se em 1928 administrava
31% do total de escolas públicas primárias, em 1958 a educação municipal tinha desaparecido
e a rede federal concentrava 64% das escolas públicas primárias.40
Como em todas as áreas, também na educação o projeto varguista foi avançar na
centralização e, de maneira associada, na construção de um aparelho burocrático federal. Em
1931, criou-se o Ministério de Educação e Saúde e o Conselho Nacional de Educação. A
igreja conseguiu um decreto federal, em 1931, o qual possibilitava a realização do ensino
religioso fora do horário normal das aulas. O conhecido Manifesto dos pioneiros da educação
nova foi assinado em 1932, e os educadores que o promoveram sustentaram uma dura luta
que foi parte do fortalecimento do governo para implementar políticas educacionais em escala
federal (NUNES, 2003). Na década de 1940 sancionaram-se as leis orgânicas de ensino
industrial (1942), secundário (1942), comercial (1943), primário (1946), normal (1946) e
agrícola (1946). Tratava-se de uma primeira vez, desde 1827, que o governo federal
regulamentava o ensino primário. Interessa indicar que, diferentemente da Argentina e do
México, essa maior presença do governo federal não se expressou na administração direta de
uma importante rede de ensino.
Na segunda metade do século XIX, e também nas primeiras décadas do século XX, a
Argentina teve as taxas de crescimento populacional mais importantes (basicamente devido à
imigração), seguida do Brasil. Em 1930, a Argentina tinha 11.936 habitantes, e o Brasil tinha
ultrapassado o México, tornando-se o país mais povoado do subcontinente (33.568 frente a
16.589) (SÁNCHEZ-ALBORNOZ, 1986). Esse fator foi possível porque a imigração, no
México, não teve a importância que teve nos outros países e, também, porque o país
atravessou uma década de guerras internas. Sua população morava majoritariamente em áreas
rurais ou pequenas cidades. No final do século XIX, menos de 17% dos argentinos viviam em
cidades de mais de 100 mil habitantes, e 7,4% viviam em cidades de entre 20 e 100 mil
habitantes. No Brasil, as taxas eram de 5,8% e 2,8% respectivamente; já no México eram de
2,8% e 6,0%. Em outras palavras: 90% da população brasileira e mexicana, e 75% da
população argentina moravam em povoados ou cidades com menos de 20 mil habitantes.
O crescimento populacional das décadas seguintes não modificou significativamente a
taxa de urbanização no Brasil e no México. No Brasil, inclusive, em 1940, a porcentagem da
população que morava em cidades de mais de 100 mil habitantes era menor, mesmo se tivesse
40
Dados da Secretaria de Educação Pública apud Espinosa (2002).
40
aumentado para 4,6% a porcentagem de brasileiros em cidades de entre 20 e 100 mil
habitantes. No México, essas variações se inverteram: em 1930, ainda não se tinha
modificado muito a porcentagem da população em cidades de meio porte (que passou para
6,8%), um 8,8% da população já habitava em cidades de mais de 100 mil habitantes
(SCOBIE, 1986).
Dificilmente, a importância da urbanização como fenômeno social geral e como
estruturante do meio no qual trabalhavam os professores públicos poderá ser exagerada. A
urbanização significou o incremento do comércio e a diversificação social, acompanhadas da
consolidação de atores sociais de maior importância: as “classes médias urbanas”
(profissionais, funcionários públicos, militares) e os trabalhadores assalariados urbanos.
2.1.2 Trabalho e locais de trabalho
No século XIX, os professores públicos constituíam um corpo disperso e pouco
controlado pelo Estado. A dissipação decorria da baixa taxa de cobertura do sistema, da
própria dispersão da população (que pela sua vez era desigualmente atendida, em favor dos
setores urbanos) e de que a grande maioria das escolas primárias compunha-se de um só
professor.
As aulas eram, geralmente, ministradas em casas. As escolas lancasterianas no
México, por exemplo, que tinham prédios especialmente desenhados, foram minoritárias. Às
vezes, tratava-se da própria casa na qual morava o professor; e este destinava parte do seu
salário ao aluguel. Isso era mais frequente quando o professor era enviado para trabalhar em
outra cidade ou no interior dos estados. Outras vezes o governo pagava separadamente os
aluguéis. Foi no contexto de expansão do ensino e surgimento da escola graduada (que
precisava de prédios maiores) que se consolidou a ideia de que os governos construíssem seus
próprios edifícios. Mas, para isso seriam necessários investimentos e, além disso, essa ideia só
faria sentido em cidades de tamanho significativo, nas quais a matrícula pudesse justificar tal
aplicação.41 As escolas das áreas rurais e semirurais continuaram sendo instituições com
poucos professores, muitas vezes tinham apenas um docente, e funcionavam em
estabelecimentos precários nos quais frequentemente morava o professor.42
41
Para 1870 o poder público tinha construído duas escolas em Buenos Aires (NEWLAND, 1992). No Rio de Janeiro, o
grande processo de construção de prédios escolares começou em fins da década de 20 (NUNES, 2003).
42
Na província de Santa Fe as escolas Láinez, criadas pelo governo federal e que atendiam prioritariamente às populações
rurais, tinham uma média inferior a de dois professores por escola em 1910 e levemente superior a de três professores por
escola em 1942 (OSSANA et al, 1993)
Para meados do século XX, no México, ainda 40% das escolas não tinham edifício próprio e 25% das escolas primárias
incluía uma casa para o professor (ESPINOSA, 2002).
41
O fato de que as aulas eram ministradas na casa de um professor ou de que o professor
morasse na própria escola – em edifícios alugados ou construídos pelos governos - indica
pouca separação entre o espaço doméstico e o espaço de trabalho. E mesmo com o local de
trabalho separado do lugar de moradia do trabalhador, parte do trabalho continuou sendo feito
no espaço doméstico (preparação de aulas, correção de provas, etc.). Pode-se observar que
isso ocorre até os dias de hoje.
Em meados do século XIX, a divisão do trabalho docente era pouco desenvolvida.
Sem divisão interna, os alunos concluíam o ensino primário uma vez que tinham aprendido o
que se esperava que aprendessem. Um dos métodos que se implementou para poder educar
mais alunos por docente foi o lancasteriano, que na década de 1820 teve difusão nos três
países. No método lancasteriano, a turma se dividia em grupos e os alunos mais avançados
ajudavam o professor. No México, como indicamos, a Companhia Lancasteriana participou
da administração direta do sistema de ensino até o porfiriato. Em Buenos Aires, o método
lancasteriano foi declarado obrigatório para as escolas públicas e privadas entre 1822 e 1828
(NEWLAND, 1992). No Brasil, segundo a lei de ensino de 1827 os professores procurariam
aproximar-se desse método, e em cada capital da província seria criada uma escola
lancasteriana.43
Na prática cotidiana do professor, as sucessivas propostas pedagógicas dos métodos de
ensino não eram assumidas imediatamente. Justamente uma das críticas dos administradores
do sistema ao corpo de professores era a sua heterogeneidade, que se expressava favorecida
pela debilidade dos controles burocráticos e pela falta de formação docente. Com o
normalismo e a maior valoração da formação docente, o ensino lancasteriano (que utilizava os
alunos como professores) deixou de ser recomendado. Uma alternativa era o simultâneo,
segundo o qual o professor dava aulas para diferentes grupos: enquanto um tinha aula, os
outros ficavam em silêncio.
Entre finais do século XIX e começos do XX, a principal modificação nos métodos de
ensino foi o surgimento da escola graduada e, de maneira associada, o trabalho docente em
Grupos Escolares. O projeto de construir Grupos Escolares implicava reunir várias cadeiras
em um mesmo prédio e graduar o ensino, homogeneizando turmas até então heterogêneas.
Este sistema fortaleceria a expansão do ensino e impulsionaria a construção de grandes
edifícios escolares no centro das cidades, emblemas da identificação do Estado com o
43
Ver Neves (2003) sobre as escolas lancasterianas em São Paulo e a abertura de concursos para professores lancasterianos
na primeira metade do século XIX.
42
progresso e o saber.44 Esta transformação, além de especializar o trabalho docente (porque
cada professor ensinava só uma parte do currículo), permitiu a concentração de professores no
mesmo local de trabalho e promoveu a criação de um cargo específico para que coordenasse
as cadeiras reunidas (o cargo de diretor) e facilitou o trabalho dos inspetores de ensino (às
vezes chamados de “supervisores”). Cabe desagregar esses três elementos.
No Brasil, o primeiro grupo escolar foi criado em São Paulo em 1893, como anexo ao
novo edifício da escola normal. Segundo um relatório da Diretoria Geral de Estatística apud
Gil (2007), em 1907 existiam em todo o Brasil 6.920 escolas isoladas e 169 grupos escolares
(mais de 80 em São Paulo, 37 em Minas Gerais, 6 em Paraná, etc.). Em 1916 na cidade de
Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, existiam 85 funções docentes: onze eram cadeiras
individuais em escolas rurais, nove eram cadeiras individuais em escolas urbanas e as
restantes 65 concentravam-se nos nove Grupos Escolares existentes. O Grupo Escolar com
mais professores tinha treze docentes (FARIA FILHO, 2000). Em Sergipe, no nordeste
brasileiro, em 1915, na capital do estado, 13 professores ministravam aulas nos dois grupos
escolares existentes da rede pública, outros 13 trabalhavam em escolas isoladas da mesma
rede e 25 ministravam aulas em escolas isoladas particulares. Em 1930 na rede pública havia
cinco grupos escolares na capital, oito no interior, uma escola reunida, 247 escolas isoladas e
33 escolas municipais (OLIVEIRA, Dilma, 2004). No município do México, o mais
importante do Distrito Federal, em 1905 havia 123 escolas públicas primárias (50 escolas
primárias masculinas, 58 femininas e 13 mistas) nas quais lecionavam 457 professores. A
média era de menos de quatro professores por escola (JIMÉNEZ, 2009). Como se pode ver, a
situação era muito heterogênea e não se trata de uma ruptura, mas do início de um processo de
concentração do segmento urbano da categoria de professores primários. Outros segmentos de
professores, como os das escolas normais, desde o seu próprio surgimento, trabalham
relativamente concentrados em prédios especiais.
Com os grupos escolares apareceu uma nova figura, a do diretor. Este coordenava as
tarefas pedagógicas e administrativas dos grupos escolares e tinha a responsabilidade de criar
nos professores uma identidade com o grupo escolar, transcendendo a ideia de que se tratava
de um grupo de cadeiras reunidas.45 Enquanto a sorte de uma cadeira de instrução pública
organizada em uma escola isolada dependia do bom nome do professor e da sua relação com
44
Sobre os edifícios das escolas normais em Córdoba, Argentina, ver Page (2004). Sobre os dos grupos escolares de Curitiva,
Brasil, ver Bencostta (2001).
45
Cabe lembrar que no começo do século, na cidade do Rio de Janeiro, as escolas eram conhecidas pelo nome das suas
professoras; a escola Dona Laura, por exemplo (NUNES, 2000).
43
os pais dos alunos, a “instituição” passava a ter importância, corporificada na figura do diretor
do estabelecimento (FARIA FILHO, 2000).46
As leis e os regulamentos dos nascentes Estados independentes, no século XIX,
estabeleciam que os superiores diretos dos professores seriam os inspetores. Estes, no caso de
Minas Gerais (Brasil), exerciam a sua tarefa sem remuneração nenhuma, mal conseguiam
controlar as cadeiras dispersas e se limitavam a visitá-las esporadicamente (FARIA FILHO,
2000). Essa situação parece comum não só aos outros estados brasileiros47, mas também aos
outros países. Segundo Bazant (2006) no porfiriato as pessoas “mais ilustradas” das áreas
rurais de Guanajuato desempenhavam a função de inspetor sem ser remuneradas. Esse pouco
controle do sistema e a pouca profissionalização da função de supervisão revelou-se como um
problema no contexto das fortes críticas ao corpo de professores que tinham as autoridades
educacionais em finais do século XIX. A função de inspetor hierarquizou-se e passou a ser
remunerada.48
Se a descrita centralização do ensino primário em nível estadual ou inclusive federal
dava uma relativa autonomia aos professores frente aos poderes locais, a criação de grupos
escolares e a profissionalização da supervisão, ao mesmo tempo, separavam mais claramente
o espaço doméstico do espaço do trabalho, concentravam lentamente um segmento da
categoria a partir da modificação da organização do trabalho docente e possibilitava o
controle dela. Nas escolas rurais ou semirurais o professorado continuou tendo pouca relação
cotidiana com os pares professores mas, de qualquer modo, a intervenção do Estado na
formação docente possibilitou a existência de espaços de socialização dos professores (por
meio de políticas de formação em serviço), ou dos futuros professores, por meio das escolas
normais.49
46
Na capital de Minas Gerais, foram nomeadas como diretoras dos três primeiros grupos escolares a mulheres de “…
reconhecida competência e grande capital político e cultural” (FARIA FILHO, 2000, p. 101).
47
Cfr. Vicentini e Lugli (2009).
48
Na década de 1880 na província de Buenos Aires (Argentina) os inspetores já eram nomeados por concurso teórico e
prático. Tinham amplas funções e podiam recomendar professores para serem contratados. Os inspetores eram poucos (seis
em 1877, onze em 1902) e viajavam pela província; sendo proibidos de dormir nas casas dos professores ou ocupar as suas
funções (PINEAU, 1997). Na virada do século os inspetores de Minas Gerais começaram a ser remunerados, e em 1906 o
Regulamento de Instrução Primária e Normal do estado definiu com especificidade as suas funções (FARIA FILHO, 2000).
Em Nueva León, onde os municípios ainda administravam o ensino primário em finais da década de 1910, a supervisão do
sistema era atribuição do estado e era levada adiante por quatro professores.
49
As escolas normais rurais mexicanas (que tinham um regime de internado) e as missões culturais (que se deslocavam pelas
áreas rurais do país com tarefas educacionais e assistenciais) foram exemplos extremos. Elas nasceram na década de 1920 e
viveram a sua época dourada na seguinte (ARNAUT, 1996)
44
2.1.3 As escolas normais e a formação docente
Existiram tentativas de formação de professores, inclusive por meio de escolas
normais, na primeira metade do século XIX; mas só nas últimas décadas do mesmo século
elas adquiriram um caráter orgânico e se expandiram como materialização das propostas da
“pedagogia moderna”. A formação dos professores era vista como condição necessária para a
unificação e a melhoria do sistema de ensino. Ainda mais: nelas se formariam os especialistas
do ensino, porque não só ensinavam conteúdos, mas, ainda mais importante, como esses
conteúdos deveriam ser ensinados. As escolas normais tinham escolas anexas, nas quais os
estudantes realizavam seus estágios, e existiam sistemas de bolsas para promover os estudos
nas escolas normais, porque os problemas de recrutamento eram muito grandes.
Na Argentina, em 1871, foi criada a escola normal do Paraná, então capital da
confederação argentina, e nos anos seguintes criaram-se as escolas normais de Concepción del
Uruguay (1873), Buenos Aires (1874), Tucumán (1875) e Rosário (1877). Em 1875, uma lei
autorizou o poder executivo nacional a criar escolas normais nas capitais provinciais que o
solicitassem e, além disso, consolidou e regulamentou uma sólida rede federal de escolas
normais. No Brasil, quatro escolas normais em 1867 passaram para vinte e duas em 1883. A
escola normal de São Paulo, reinstalada definitivamente em 1890, foi por décadas um grande
pólo difusor do normalismo. As escolas normais eram estaduais e com a expansão tornaramse majoritariamente particulares. Para 1929, 60,53% das 190 escolas normais brasileiras eram
particulares (YANNOULAS, 1994). No México, embora existissem escolas normais ou
academias de professores em San Luis Potosí, Guadalajara, Puebla, Nueva León e no Distrito
Federal, a difusão da “pedagogia moderna” começou com a criação da normal de Xalapa
(Veracruz) em 1885. Em 1886 criou-se a escola normal da cidade do México e numerosos
estados nos anos seguintes formariam escolas normais inspiradas nela. Em 1900, 19 estados
tinham pelo menos uma instituição para formar professores. Existiam 45 instituições de
formação de professores que hospedavam 2000 estudantes normalistas, a metade destes no
Distrito Federal (BAZANT, 2006).
Essas escolas não formavam a quantidade de professores necessários para a expansão
do ensino. Ainda mais: muitos dos professores formados não exerciam a docência,
principalmente se isso significasse morar no interior do estado ou em regiões rurais. Enquanto
no meio rural se concentrava a população que seria escolarizada, as escolas normais se
encontravam nas cidades importantes e eram um fator de urbanização, e não de ruralização,
do corpo de professores. Apareceu nesse período seminal uma situação que reapareceria ao
45
longo do século XX: o Estado pressionou para lograr um maior nível de educação formal do
corpo de professores, mas a única maneira de conseguir isso, nas condições trabalhistas
realmente existentes e na escala necessária, foi facilitando a titulação.50 Nesse contexto, outras
políticas menos exigentes de formação dos futuros docentes e os mecanismos de formação em
serviço tiveram uma grande importância. Arroyo (2006) apresenta um bom exemplo das
tentativas estatais por formar professores em atividade ao tratar do caso do estado de México.
Conforme descrevi, nas últimas décadas do século XIX podem ser encontradas tentativas
governamentais de centralizar o ensino e uma crítica ao corpo de professores, crítica solidária
com a construção de um sistema escolarizado de formação docente. O governo do estado do
México criou em 1874 as Academias de Preceptores que realizavam encontros aos sábados,
dos quais deviam participar todos os professores do estado. Os cursos ministrados foram
colocados sob responsabilidade da “Junta Normal de Professores de Primeiras Letras” e
esperava-se que os professores fizessem uma prova depois do curso, o que os habilitaria para
ministrar aulas no estado.51 Os professores se opuseram, manifestando que os métodos
propostos iam contra o “método natural de enseñanza” e reclamaram dos privilégios
estabelecidos aos titulados. Um dos professores com mais tempo de serviço e trajetória
negou-se a se submeter a uma prova depois de décadas de exercício docente, retirando-se de
uma reunião (ARROYO, 2006).
O que Vicentini e Lugli (2009) chamam “modelo dual de formação de professores”
(segundo o qual só o segmento mais qualificado do professorado se titulava nas escolas
normais) foi comum nos três países. Uma boa parte do corpo docente, muitas vezes a maioria,
obteve o diploma por meio de provas52 ou simplesmente tinha concluído o curso primário
50
Isto vale inclusive para Rio de Janeiro, a principal cidade brasileira. Sobre as más condições edilícias nas escolas e a falta
de professores diplomados na cidade de Rio de Janeiro na década de 1920, ver Paulilo (2007).
Em Rio Grande do Norte, no nordeste brasileiro, a escola normal masculina que funcionou entre 1896 e 1901 só diplomou
cinco professores. Foi reaberta e em 1922 foi criada uma nova normal na segunda cidade do estado e, para finais da década
de 20, ambas as instituições tinham formado mais de duzentos e trinta professores. Não é claro quantos destes exerciam o
magistério, mas se trata de um número muito baixo (MORAIS; SILVA, 2009).
Na província de Buenos Aires, para 1923, ainda uma minoria de professores (o 40,1%) era professor normal nacional
(PINEAU, 1997).
51
Segundo as instruções enviadas pelo governador às autoridades municipais estas deviam ir a estes encontros para controlar
os professores e não dissimular “… la falta de instrucción, de moralidad o de asistencia a clases”.. Os presidentes desses
conselhos tinham a faculdade de impor ordem nas discussões “a los socios que se desvíen del asunto que se trata o que se
separen de las maneras que establecen la urbanidad y la decencia”. Além disso tinham de evitar “la charlatanería en todos
los trabajos académicos”. “Circular conteniendo disposiciones del C. Gobernador del Estado relativas al mejoramiento de la
Instrucción Pública”; “En la ciudad de Toluca [...] reunidos en el Salón de Cabildos” e “Asuntos relativos a la academia de
preceptores, 1886”, apud ARROYO (2006, p. 46 e ss).
52
Em Sergipe, no final do século XIX, qualquer indivíduo podia obter o diploma de normalista após uma prova e a defesa de
uma tese perante a congregação da escola normal (OLIVEIRA, Dilma, 2004). Também o Conselho de Educação de Santa Fe
(Argentina) outorgava “títulos supletórios” aos que aprovavam as provas, permitindo que exercessem o magistério
(OSSANA et al, 1993).
Na década de 1920 no Rio Grande do Norte, além dos normalistas, eram empregados através de “contratos provisórios”
estudantes normalistas com no mínimo de dois anos de curso, professores leigos com mais de dois anos de experiência,
46
complementar. Em São Paulo, enquanto os que pretendiam estudar na escola normal eram
selecionados, os que faziam o complementar só precisavam ter concluído o ensino primário
comum. Nessas escolas, diferentemente das normais, só um professor ministrava todas as
disciplinas. A escola complementar, criada com posterioridade à escola normal, em 1911
tinha formado o dobro de professores. A rigor, as escolas complementares e os concursos
foram a verdadeira fonte de recrutamento da maioria dos professores paulistas (SOUTO,
2005). Se em São Paulo esse modelo dual foi unificado em 1920 (as escolas complementares
transformaram-se em normais), nessa mesma década o modelo de escolas primárias
complementares (que habilitava professores não normalistas) foi implementado como curso
preparatório para o ensino normal na Bahia, Ceará, Goiás, Pernambuco, Minas Gerais e no
Distrito Federal (VICENTINI; LUGLI, 2009).
No México, as escolas normais criadas pelo porfiriato foram criticadas pelos governos
pós-revolucionários. Com isso, nasceu um novo normalismo que enfatizava a importância da
educação rural e das tarefas sociais e políticas que a revolução tinha pela frente. O centro
desse novo normalismo, radical, esteve na rede federal. Em 1926, o México tinha 34 escolas
normais estaduais, duas federais (uma no Distrito Federal, outra em Baja California) e,
também, algumas particulares em alguns estados (HERNÁNDEZ, 2006). Começou nesse
momento a criação de escolas normais rurais federais nos estados, com internato. Chegaram a
ser criadas 39 dessas escolas (ARNAUT, 2005). Na década de 1940, as visões mais
profissionalizantes do magistério voltaram para a SEP, o que fez com que se estreitassem as
grandes diferenças políticas e de formação entre os professores do DF, os da rede federal rural
e os das redes estaduais (ARNAUT, 2005).
A Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) no Brasil, primeira lei federal na matéria,
criou as Escolas Normais Regionais, implementadas pela grande maioria dos estados, com um
ciclo de quatro anos em que se formavam regentes de ensino primário. Um segundo ciclo, de
três anos, poderia ser cursado nas escolas normais. Esta estrutura correspondia aos ciclos
“ginasial” e “colegial” do ensino médio. Alguns estados (São Paulo, Distrito Federal, Sergipe,
Alagoas e Amazonas) não seguiram esta estrutura dual para formação de professores e
mantiveram as escolas normais tradicionais. Isso o fez a maioria. A mesma lei generalizou
pessoas com curso complementar ou elementar completo ou inclusive simplesmente pessoas que fizessem um estágio em um
grupo escolar indicado pelas autoridades educacionais (CAVALCANTE, 1999).
Em 1989, a maioria dos professores primários da província de Buenos Aires (1393 de 2018) tinha um diploma outorgado
pelo Conselho Geral de Educação. Para obter esses diplomas os professores davam uma prova bastante difícil (olhando os
resultados de 1891, 1908, 1912 e 1913, pode-se ver que era normal que mais da metade não aprovasse). Segundo a lei de
educação da província de Buenos Aires de 1904 os diplomados pelo Conselho podiam dar aulas nas primárias obrigatórias,
mas não nas primárias complementares (exclusivas para os normalistas) (PINEAU, 1997).
47
uma experiência que já existia (na Bahia e em Minas Gerais, por exemplo), a de um terceiro
ciclo de formação: os Institutos de Educação. Estes formavam professores de nível
secundário, inspetores e diretores de ensino primário. Para serem diretores e inspetores, os
candidatos deveriam ser já normalistas e ter pelo menos três anos de exercício profissional
(VICENTINI; LUGLI, 2009). Isso não aconteceu nem no México nem na Argentina, onde
não houve sistemas de formação diferenciados para os diretores e inspetores de ensino
primário.
Conforme indiquei, o grande problema era a provisão de cadeiras na educação rural.
Em 1925, em São Paulo, estabeleceu-se que os professores começassem a dar aulas nas
escolas rurais, e depois poderiam se candidatar a uma vaga nas escolas urbanas (VICENTINI;
LUGLI, 2009). As escolas criadas pela Lei Láinez, na Argentina, começaram a ser instaladas
nas áreas rurais ou nas pequenas cidades, onde se encontravam os “buracos” da cobertura do
sistema de ensino. Nelas existiam menos anos de escolarização do que nas escolas urbanas,
um mecanismo para ampliar a cobertura que mantinha certa segmentação dentro do sistema.
Na província de Santa Fe (Argentina), o governo organizou reuniões pedagógicas para
aumentar o nível dos professores, tentou “importar” professores de Espanha, e finalmente
criou escolas normais de professores rurais. Em 1908 foi criada a primeira, e na segunda
metade da década de 1910, foram criadas outras seis. Inclusive os docentes formados nessas
normais rurais de Santa Fe resistiam em trabalhar nos povoados mais afastados (OSSANA et
al, 1993). A educação rural foi o grande projeto educacional do estado pós-revolucionário
mexicano. Na década de 1920, ao recrutar os professores rurais, o governo federal privilegiou
os que conheciam a região e tinham capacidade para agir como lideranças sociais. Não os
normalistas. Isso recolocou o papel das lideranças políticas regionais sobre as escolas normais
no recrutamento dos professores rurais. Existia uma intensa rotatividade: no final da década
de 1920 a cada ano saía do magistério aproximadamente a metade desse segmento da
categoria (ARNAUT, 1996). O crescimento foi impressionante: a quantidade de professores
rurais passou de aproximadamente 400, em 1922, para 8.500, em 1932 (BRITTON, 1973).
Juntamente com as escolas rurais, às quais fiz referência, foram criadas “missões culturais”
com a função de melhorar profissionalmente em serviço os professores rurais e, também, de
promover o progresso material das comunidades rurais. Práticas higiênicas, econômicas e
culturais foram promovidas dessa maneira (ARNAUT, 1996).
Nas décadas de 1930-1940 o governo argentino deixou de promover a expansão da
matrícula nas escolas normais, o que indicaria que os problemas de recrutamento tinham sido
48
relativamente superados. No México e no Brasil, diferentemente, a quantidade de professores
primários em exercício sem formação específica continuou sendo muito grande. A SEP criou
em 1944 o Instituto Federal de Capacitación del Magisterio para que titulasse a esses
professores com cursos presenciais e por correspondência (ARNAUT, 1996). De qualquer
modo, como indicamos, nem na Argentina chegaram a formar a maioria do corpo de
professores nas primeiras décadas da sua existência. Além da sua contribuição apara a
formação de professores, qual foi o papel das escolas normais nas primeiras décadas de sua
existência?53
As escolas normais contribuíram para a homogeneização do corpo dos trabalhadores
em educação porque formaram os professores, os diretores e os inspetores nas mesmas
instituições e com o mesmo plano de estudos. Sem as escolas normais teria sido difícil que
aparecessem as demandas, as quais depois seriam expressas em alguns estatutos e planos de
carreira, de progressão vertical dentro da profissão (de professores para diretores, e de
diretores para inspetores). Esse elemento é parte da chave para entender o espírito de corpo e
a ideia de que a administração do sistema corresponde aos professores.
O surgimento dos normalistas, que contribuiu para a homogeneização vertical dos
trabalhadores em educação, segmentou o corpo docente horizontalmente. Os não normalistas,
com a exceção dos professores rurais da rede federal mexicana, ficaram marginalizados. Só os
normalistas tinham a possibilidade de chegar às funções de diretores ou inspetores. Ou de dar
aulas nas primárias complementares ou nas principais escolas. Quando a lei obrigava que só
os diplomados fossem contratados, a situação trabalhista dos não diplomados ficava precária.
Algumas escolas normais tiveram funções na certificação do exercício profissional, inclusive
dos não normalistas, na definição dos programas de estudo e na seleção dos livros de textos54.
As escolas normais foram um fator de feminilização do corpo de professores, porque
se consolidaram como um espaço no qual as mulheres podiam continuar estudando após
terem concluído o ensino primário. A proporção de homens e mulheres nas escolas normais
mexicanas era inicialmente similar. Mas as mulheres foram progressivamente deslocando os
homens: em 1907, havia 1998 mulheres e apenas 554 homens matriculados nas escolas
normais de todo México, quase quatro mulheres por cada homem (BAZANT, 2006). Em
1877, em toda Argentina emitiram-se 44 diplomas normalistas e exatamente a metade deles
era para mulheres. A participação feminina nas escolas normais cresceu para 78,50% do total
de diplomados em 1887 e para 85,31 % em 1917 (YANNOULAS, 1994). O papel das escolas
53
54
Sobre este ponto, ver Alliaud (1993) sobre o caso argentino e Arnaut (1996) sobre o caso mexicano.
Cfr. Arnaut (1996) para o caso mexicano.
49
normais na feminilização da categoria aparentemente vale ainda mais nos casos em que não
houve coeducação, e as mulheres cursavam em normais exclusivamente femininas, como
argumentam Yannoulas (1994) ao comparar a escola normal de São Paulo (Brasil) com a do
Paraná (Argentina) 55, e Civera (2006) ao analisar as escolas normais rurais mexicanas.56
Ao estudar a história da centralização e descentralização da educação mexicana,
Arnaut (1998) aponta que as tendências centralizadoras do porfiriato sofreram resistência não
só dos governos estaduais e dos próprios professores, mas também dos normalistas que
começavam a ser formados nos estados. De fato, ao passo que o ensino primário se
centralizava, o ensino normal se descentralizava pela criação de escolas nas capitais estaduais.
Estas promoviam a centralização nas suas respectivas jurisdições por meio de uma crítica às
escolas municipais. Por outro lado, essas escolas normais resistiam às tentativas
centralizadoras federais. A ideia de que as normais atuaram promovendo a centralização do
ensino nos estados é generalizável ao caso do Brasil, porque formaram nas capitais
professores de todo o estado que seriam o segmento com mais prestígio da categoria e aqueles
que ocupariam funções de direção do sistema educacional.
Finalmente, as escolas normais, ou pelo menos algumas delas, se constituíram em
centros de formação político pedagógicos. No Rio de Janeiro, o Instituto de Educação,
controlado pelos educadores liberais desde fins da década de 1920 e até meados dos anos ‘30,
teve esse papel (NUNES, 2003). Assim como as escolas normais de São Paulo e Paraná
(Argentina). Ideologicamente, esse normalismo foi mais radical na Argentina; mais radical no
seu laicismo e no seu cientificismo. Isso expressa, em certa medida, a maior radicalidade do
liberalismo argentino do conjunto, quando comparado com o brasileiro (FAUSTO; DEVOTO,
2004). No México, como descrevemos, o normalismo converteu-se em “revolucionário” e foi,
no âmbito da rede federal de ensino, mais radical e, particularmente, mais militante, mais
anticlerical inclusive, do que o argentino.
A formação de professores de ensino pós-primário apresenta uma trajetória diferente.
As próprias escolas normais e outras modalidades de ensino (comercial, industrial, agrícola)
55
Em 1880 a Escola Normal de São Paulo foi reaberta definitivamente e por dez anos educou homens e mulheres, até que
voltou a separar os cursos. A Escola Normal do Paraná (então capital da confederação argentina) admitia a coeducação. A
matrícula feminina da normal de São Paulo desceu de 59,02% em 1880 para 37,63% em 1883; desde então cresceu
continuamente e em 1909 era de 84,47%. Na normal do Paraná a matrícula feminina era de 13,19%, e cresceu até alcançar
68,42% em 1909. Yannoulas (1994) sugere que a femenização mais tardia e menos acentuada da matrícula da, segundo
poderia dever-se à coeducação e à presença de professores protestantes. Ambos os fatores teriam desestimulado que as
famílias enviassem as suas filhas à escola normal do Paraná (YANNOULAS, 1994).
56
Em finais da década de 1920 as mulheres constituíam 35% dos 661 estudantes das normais rurais mexicanas e em 1936
eram 26% dos 827 estudantes em regime de internato. Com as reformas de começos da década de 1940, que acabaram com a
coeducação, a matrícula caiu significativamente e voltou a crescer mais “feminizada”. Em 1946 45% dos 3.514 normalistas
rurais eram mulheres (CIVERA, 2006).
50
somaram-se às escolas preparatórias, que funcionavam como um sistema de ingresso às
universidades. Em 1904, criou-se na Argentina um seminário pedagógico para formar
professores secundaristas que foi chamado de Instituto Nacional de Professores a partir de
1905. Posteriormente, criaram-se outros Institutos desse tipo nas províncias de Entre Ríos
(1933) e Catamarca (1942). Esse segmento (os institutos de formação docente não
universitários) foi afirmando-se como formador dos professores de ensino pós-primário às
expensas das universidades e das próprias escolas normais. Em meados do século, os
professores de ensino médio se formavam nos institutos, nas universidades e em algumas
escolas normais (com três anos de estudos complementários) (PINKASZ, 1992; DUSSEL,
1997).
As escolas preparatórias mexicanas foram colocadas na órbita da Universidade em
1910. Na revolução mexicana, desde 1914 e até 1917, as preparatórias do Distrito Federal
ficaram sob controle dos normalistas como parte do que chamaríamos de educação básica. Em
1924 foi criada, dentro da Universidade, a Escola Normal Superior, destinada à formação de
professores das escolas secundárias, normais e profissionais e funcionou até 1934
(DUCOING, 2004). Em 1942, ela foi recriada no âmbito da Secretaria de Educação Pública
como Escola Normal Superior de México.
Os professores do ginásio, no Brasil, eram profissionais, normalistas, bacharéis
formados nos ginásios e autodidatas. A reforma Francisco Campos (1931) estabeleceu o
registro para os professores secundários no Ministério de Educação e que eles deveriam ser
licenciados (universitários). Os que não o fossem teriam registro provisório. Com a criação da
Universidade do Brasil em 1939 instituiu-se a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que
formava professores de nível secundário e normal, e o curso de Pedagogia, que formava
técnicos em educação. Este último diploma não habilitava para exercer como docente, mas
passou a ser exigido para as funções especializadas no Ministério de Educação (VICENTINI;
LUGLI, 2009). Nas décadas seguintes, algumas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras
reformularam o seu modelo organizacional estabelecendo departamentos, entre os quais se
encontravam os Departamentos de Educação. Com a reforma do ensino superior de 1968,
esses departamentos deram origem às Faculdades de Educação.
2.1.4 Salários e regulamentação do trabalho
Um dos principais problemas econômicos dos professores, desde o século XIX, era o
atraso no pagamento dos salários – decorrente, em certa medida, da própria debilidade fiscal e
51
burocrática do Estado. Todas as pesquisas históricas e os documentos da época indicam que
no século XIX e nas primeiras décadas do século XX o salário docente era baixo; assim era
reconhecido pelos professores, pela sociedade e pelo governo.57 Na Argentina e no México,
onde os melhores salários eram ganhos pelos professores das redes federais, aumentavam até
alcançar o seu valor mais alto na década de 1930; depois a tendência se inverteria.58
O regime de emprego docente, em um contexto de crescimento e burocratização do
aparelho administrativo, começou a ser regulamentado. Os professores foram agentes dessa
regulamentação, porque pretendiam limitar a ação das lideranças políticas no sistema
educacional e, no limite, autoregular a profissão.
Existiam antecedentes de ingresso à categoria por concurso; precisava-se dominar
certo corpus de conhecimento e apresentar atestados de moralidade. Somava-se agora a
exigência de um diploma. A estabilidade e a imobilidade59 dos concursados estavam entre os
aspetos mais demandados pelos professores. Com a regulamentação da carreira as tabelas
salariais passaram a estabelecer que os professores ganhassem mais conforme mais anos de
exercício e aqueles que exerciam funções hierárquicas (diretor ou inspetor).60 As leis de
educação ou os regulamentos também estabeleceram condições para a aposentadoria. Os que
exerciam funções hierárquicas tinham de ser normalistas e, em alguns casos, nomeados por
concurso e não pelo governo. A situação trabalhista dos professores não normalistas, sem
titulação ou não concursados continuou sendo marcada por uma maior precariedade
trabalhista.61
Em 1930, foram sancionadas as leis de escalafón62 e imobilidade do professorado
mexicano da rede federal. Em 1938, um estatuto regulamentou as condições de trabalho do
57
A única comparação sistemática que conheço é a de Faria Filho (2000). Em 1906 o salário mensal do professor em Minas
Gerais era menor que o dos pedreiros e carpinteiros. Também estavam entre os piores salários do funcionalismo: os
professores dos Grupos Escolares de Belo Horizonte só ganhavam mais que os porteiros da Secretaria de Agricultura.
58
Ver Wiñar, Lemos e Fernandez (1997) e Arnaut (1996).
59
A imobilidade é um direito pelo qual o professor não pode ser remanejado para outra escola. Foi particularmente
importante nos casos dos professores das redes estaduais.
60
Em São Paulo, a tabela salarial de finais do século XIX mostra que os professores da escola normal da capital eram os que
mais ganhavam (mais do que os inspetores). O sistema salarial estava segmentado horizontalmente, pagando pior aos
professores que trabalhavam nas escolas mais afastadas, até a década de 1930. O Decreto nº. 5.432/32 estabeleceu que os
vencimentos dependessem do tempo de serviço e não da escola na qual se trabalhava. Esse decreto equiparou os salários dos
professores primários com os adjuntos de grupos escolares, de escolas de aplicação e de escolas-modelo isoladas; professores
de jardins da infância, de escolas isoladas urbanas e rurais, tanto diurnas como noturnas, escolas reunidas urbanas e rurais;
docentes em exercício nas antigas escolas do Patronato Agrícola; adidos dos estabelecimentos de ensino privado, quartéis e
serviço sanitário e os ajudantes de aulas teóricas da Escola Normal masculina de Artes e Ofícios (SOUTO, 2005).
61
Uma parte do professorado paulista na República Velha, os professores provisórios, estava constituída por pessoas sem
formação ou leigos que tinham prestado uma prova perante o inspetor do distrito e mantinham-se dando aulas até que um
professor preliminar escolhesse a escola. Diferentes decretos garantiram novos direitos a estes professores leigos o que
tornava também menos interessante cursar na normal (SOUTO, 2005).
62
O escalafón é uma lista classificatória. As leis de escalafón, e os estatutos aprovados posteriormente, estabelecem os
critérios com os quais estas listas serão construídas e, eventualmente, qual é o papel dos representantes dos professores nesse
processo.
52
conjunto do funcionalismo federal (professores incluídos) e nesse marco, em 1946, foi
estabelecido o regulamento dos trabalhadores da SEP. A situação trabalhista dos não
diplomados, inicialmente, continuava sendo ambígua e só em 1946 ficaria estabelecida com
maior especificidade. A especificidade mexicana da carreira docente ser regulamentada como
parte da carreira do conjunto dos “trabalhadores a serviço do estado” após 1938, contrasta
com os casos da Argentina e do Brasil, onde as eventuais disposições relativas ao conjunto do
funcionalismo parecem ter sido muito gerais, e o trabalho e o emprego docente foram
basicamente regulamentados pela legislação educacional e, crescentemente, por estatutos
docentes. A vitalicidade (estabilidade) e imobilidade dos professores concursados foram
estabelecidas na Constituição brasileira de 1934. Vicentini e Lugli (2009) indicam que, como
nos outros países, é a partir da década de 1930 que se avança na profissionalização do
ingresso à carreira. Na Argentina, as tentativas de regulamentar a carreira docente na rede
federal em finais da década de 1920 e começos de 1930 tiveram vida curta, e uma década
depois sancionaram-se estatutos docentes nas províncias de Buenos Aires e Santa Fe.63
De qualquer modo, com as mudanças de governo, continuaram as demissões de
professores por motivações políticas ou simplesmente pelo interesse em remanejar o corpo de
docentes. Veremos que numerosos professores foram excluídos do sistema com as principais
viradas políticas na Argentina e no México (muitas vezes eles conseguiram reincorporar-se).
Isso aconteceu, na Argentina, com a chegada 1943 do peronismo, com o golpe que acabou
com o peronismo e com a ditadura militar de 1976-1983 e, no México, no governo de 191564
e na virada conservadora da década de 1940. Evidentemente, a estabilidade demandada pelos
professores colocava um problema tanto para os governos de direita como para os de
esquerda. Quando em 1934 o governo mexicano modificou a constituição e a educação estatal
passou a ser definida como “socialista”, o “chefe máximo” da revolução, Plutarco Elías
Calles, expressou que era necessário derrogar a lei de imobilidade de 1930 (o que não foi
feito), porque a tal educação não poderia ser confiada aos professores em exercício
(ARNAUT, 1996).
63
Em 1928 aprovou-se o escalafón docente para os professores da cidade de Buenos Aires. Este regulamento estabelecia
“juntas de qualificação” votadas pelos docentes. As juntas constituíram-se, mas ao ano seguinte o regulamento foi suspenso.
Novamente voltou a vigorar, por pouco tempo, em 1930. Também em finais dos anos 20 existiam leis de estabilidade e
escalafón em Santiago del Estero e Corrientes, que não tiveram continuidade ou não foram respeitadas (GINDIN, 2010).
64
No México o governo de Carranza (1915-1920) decretou a depuração dos funcionários públicos dos territórios federais e o
Distrito Federal que não tivessem sido leais ao constitucionalismo. Isso se repetiu em alguns estados (ARNAUT, 1996).
53
2.1.5 Expansão escolar e composição da categoria
Infelizmente, é muito difícil contar com dados estatísticos confiáveis e comparáveis
sobre o corpo de professores. Segundo o censo educacional de 1907, o Brasil tinha 20.500
professores de todas as redes e todos os níveis (DAL ROSSO, 2010). A Argentina contava
esse mesmo ano com aproximadamente 17.000 professores (GANDULFO, 1991), também de
todas as redes, o México tinha em torno de 16.500 em 1910. Esses dados, embora frágeis,
confirmam estatisticamente o maior desenvolvimento relativo do sistema educacional
argentino, porque a população era muito menor. Essa tendência aparentemente se manteve nas
décadas seguintes; em 1929, segundo Yannoulas (1994), o Brasil tinha 51.000 professores
primários e a Argentina 55.000, enquanto o México contava com 26.000 professores em
1924.65
Em muitas redes a categoria estava muito dispersa e era muito pequena. Além disso,
em vários estados do México e do Brasil as redes municipais continuavam tendo um papel
preponderante.66 De qualquer modo, é importante indicar que algumas cidades e algumas
redes de ensino já contavam com um número importante de docentes. Na primeira década do
século XX, no município de México, trabalhavam aproximadamente 500 professores (eram
mais de mil em todo o Distrito Federal) (JIMÉNEZ, 2009). Na mesma década, as redes das
províncias de Santa Fe e Buenos Aires, na Argentina, tinham respectivamente mais de 500 e
mais de 2.000 professores (OSSANA et al, 1993; PINEAU, 1997).
A expansão do ensino, como antecipei, apresentava sérios problemas de recrutamento.
Souto (2005) estudou a situação colocada no estado de São Paulo durante a República Velha
e, embora tenham que ser consideradas algumas particularidades (o estado de São Paulo teve
um crescimento populacional explosivo nesse período, talvez só comparável ao da região
central da Argentina, e contava com recursos e uma política expansiva da rede de ensino), os
problemas de recrutamento são generalizáveis e o caso é ilustrativo.
Segundo a Lei nº 88 de 1892, as escolas paulistas podiam ser preliminares (ocupadas
por profissionais formados na escola normal paulista e constituíam o modelo de escola),
intermédias (regidas por professores que ingressavam por meio de uma prova, que
ministravam um programa mais reduzido e que não precisavam de diplomas) ou provisórias
(ocupadas por um professor interino, do local da escola, que perdia o cargo quando um
diplomado o solicitasse). Em 1883 e 1884, mais de 1/3 das cátedras não foram preenchidas.
65
Os dados do México são de MORALES apud HERNÁNDEZ (2006).
No estado de Parahyba do Norte, por exemplo, em 1907 os municípios geriam 41 cadeiras isoladas e a rede estadual 99
(PINHEIRO, 2002).
66
54
Parte dessas cátedras não preenchidas foi ocupada por professores “provisórios” (mas não
todas, por falta de verbas). Em 1884 havia 835 escolas providas e 595 vagas. Das providas,
321 eram preliminares, 365 intermédias, 44 reunidas e 60 provisórias. Para ter uma ideia da
rotatividade dentro do sistema, basta dizer que segundo o relatório de 1893 do secretário dos
Negócios do Interior, 475 professores se afastaram: 292 por licenças por tratamento de saúde
e 90 porque foram removidos. Existia uma figura para ocupar as cátedras dos titulares
afastados – os professores substitutos- mas se tratava de cátedras isoladas, muitas no interior
do estado e de difícil provimento. A rotatividade se expressava em uma grande
descontinuidade nos cursos. Uma reforma em 1904 obrigou o professor a começar a carreira
em lugares afastados, o que tentava garantir o provimento de vagas, mas aumentava a
insatisfação dos professores. Os pedidos de permuta de cargos e afastamentos eram
permanentes, e o governo estabeleceu uma gratificação por permanência no trabalho
(SOUTO, 2005).
Quem eram os professores que se incorporavam nesse período à profissão? As
pesquisas na história da educação tem contribuído para desmistificar a imagem do
professorado como um corpo social e ideologicamente homogêneo. De fato, a origem social
dos professores era bastante heterogênea. Esta se explicava parcialmente porque, sem a
quantidade necessária de normalistas, profissionais desempregados, estudantes, ou
simplesmente pessoas que sabiam ler e escrever se incorporavam à categoria.67 Em alguns
casos do Brasil e da Argentina, o estado promoveu a inscrição de mulheres jovens de
condição humilde nas escolas normais68, mas também está documentada a participação na
categoria de professoras de famílias distinguidas.69 A capacidade de suportar meses de atraso
salarial poderia indicar a existência de rendas alternativas, mas também a grande deserção e a
rotatividade poderiam indicar o contrário.
67
No segundo Congreso Pedagógico de México (1891), Cisneros Cámara expressou: “Entonces el estudiante destripado, el
abogado sin negocios, el ingeniero sin ingenio, la viuda desolada, la anciana achacosa y la beata paupérrima, creían que lo
más fácil y adecuado para acabar bursátiles penurias era abrir una escuela y hacer deletrear a los niños el silabario de San
Miguel y hacerles pintar palote y trazar malos garrapatos” (apud BAZANT, 2006, p.129).
68
Em São Paulo existia o seminário da Glória, uma instituição estatal criada em 1825 que albergava às órfãs de militares
mortos em guerras. Segundo o regulamento de 1845 as pupilas que aos 18 anos não se empregassem como empregadas
domésticas nem se casassem, seriam designadas professoras de escolas primárias femininas. A incorporação ao trabalho
docente parece ter sido pouco significativa por esse caminho (em 1886 entrou a última pupila não normalista ao corpo de
professores). Quando a normal de São Paulo se abriu à coeducação, as pupilas constituíram a maioria das primeiras turmas
femininas da escola normal. Entre 1875 e 1933 119 pupilas realizaram o curso normal, 74 se converteram em professoras
particulares e 27 em professoras da rede pública (YANNOULAS, 1994).
69
É o que acontecia nos Grupos Escolares de Belo Horizonte (Minas Gerais) nas primeiras décadas do século XX (FARIA
FILHO, 2001).
55
No porfiriato ingressaram à docência professoras mais jovens, de maior escolaridade e
de setores econômicos mais favorecidos (ARNAUT, 2005), o que parece generalizável aos
casos contemporâneos do Brasil e da Argentina e é consistente com a imagem sacralizada da
professora primária como uma mulher das camadas médias da população urbana que se
incorpora ao professorado depois de ter estudado nas escolas normais. Mas a revolução
mexicana produziu uma grande diferenciação nas décadas posteriores: em 1920 e 1930 houve
um recrutamento maciço de professores rurais leigos (em geral homens, jovens, de áreas
rurais e de famílias pobres) para trabalhar na rede federal em expansão (ARNAUT, 2005).
Sistematizando a informação sobre a origem social dos professores na Argentina, Donaire
(2009) escreve que desde o final do século XIX é visível uma democratização gradual e
parcial do acesso ao professorado, até a inclusão das camadas mais baixas da pequenaburguesia e algumas da classe trabalhadora, particularmente do setor serviços. Esse parece ter
sido, em termos gerais, o percurso do recrutamento docente no Brasil ao longo do século XX.
2.1.6 A feminização da categoria
Uma extensa bibliografia tem sido produzida sobre a feminização da docência.
Interessa lembrar que as mulheres tinham uma participação muito importante no marco das
relações de trabalho familiares e voltadas para a subsistência nas comunidades rurais, mas que
essa presença diminuiu com a urbanização crescente da população. O trabalho assalariado nas
cidades era, basicamente, trabalho de homens. Às mulheres correspondia cuidar da casa. Por
outro lado, mas como um dado expressivo da mesma situação de subordinação, as mulheres
estavam ainda excluídas do direito político básico do voto.70
Que o trabalho urbano assalariado fosse predominantemente masculino não significa
que as mulheres não participaram dele. A principal indústria moderna em expansão na virada
do século, a têxtil, empregava muitas mulheres. As mulheres eram também comerciárias,
enfermeiras, empregadas domésticas e mantinham um peso importante em diferentes tipos de
trabalho domiciliar. Existiam mulheres professoras na primeira metade do século XIX, e
foram a maioria da categoria em alguns lugares71, mas a transformação do professorado em
uma atividade feminina claramente começou na segunda metade do século XIX.
É importante distinguir o aumento da participação feminina em uma categoria
ocupacional específica (feminilização) da associação de uma atividade a características
70
As mulheres obtiveram o direito ao voto no Brasil em 1932, na Argentina em 1947 e no México em 1953.
Na década de 1820 em Buenos Aires funcionavam 80 escolas particulares. Neste segmento, 75 % dos professores eram
mulheres (NEWLAND, 1992).
71
56
femininas (feminização). O ensino de crianças, como a enfermagem, definiu-se como ofício
feminino porque associou-se a características maternais e ao cuidado dos outros. Trata-se de
uma associação simbólica. O professor brasileiro de primeiras letras no século XIX, pelo
contrário, era descrito na época e nas memórias dos seus alunos como homens rudes, que
tratavam com rigor as crianças, sem poupá-las de castigos físicos, para formá-las.
Provavelmente, o Brasil tenha sido uma sociedade na qual o castigo corporal como meio de
controle e formação do caráter estava mais presente do que na Argentina, pelo caráter
estruturante do escravismo na sociedade brasileira. De qualquer maneira, mesmo no Brasil, a
partir de finais do século XIX e junto com o normalismo, esses atributos valorizados no
professor começaram a mudar e valorizaram-se características femininas. Nos manuais de
pedagogia, que tiveram uma grande difusão e nos quais as pretensões científicas e
regulamentadoras da “pedagogia moderna” apareciam de maneira mais clara, eram descritas
as características pessoais que um “bom professor” deveria ter. Tolerância, piedade, vocação,
abnegação, desprendimento e desinteresse. As novas tarefas que a escola começava a assumir
também estavam associadas com características consideradas femininas (organização de
espetáculos, cuidado da higiene, etc.) (TAMBARA, 2008). Este ideário presente nos manuais
foi correspondido por políticas concretas de recrutamento seletivo que favoreceram a
incorporação de mulheres à docência.72
Como caberia esperar, foi um processo com contradições. Em 1888, a Escola
Secundaria para Meninas do México, criada em 1869, foi convertida em escola normal para
mulheres e começou a funcionar em 1890. Isto significou uma redução do plano de estudos de
seis para quatro anos, e as mulheres perderam a possibilidade que tinham de ensinar no nível
secundário (BAZANT, 2006). Em 1893 em São Paulo se estabeleceu que as mulheres
pudessem ser professoras primárias, mas não professoras das escolas normais; e que as
mulheres casadas deviam apresentar autorização do esposo para cursar na Escola Normal
(YANNOULAS, 1994). Segundo o Primeiro Regulamento da Instrução Pública do Estado de
Sergipe, de 1890, as mulheres casadas que quisessem se inscrever no concurso deviam
72
O artigo 40 da lei de instrução pública do estado de Sinaloa, durante o porfiriato, estabelecia que as mulheres fossem as
preferidas nas escolas mistas que se estabeleciam em povoados e fazendas (BAZANT, 2006). No preâmbulo do Regulamento
de Instrução Primária e Normal do Estado de Minas Gerais (1906), o próprio secretário escreveu que as mulheres seriam
preferidas para o ensino primário para “… abrir à mulher mineira uma carreira digna e proporcionar-lhe ensejo de ser útil à
pátria”; além de que a mulher “… melhor compreender e cultiva o caráter infantil” e, finalmente “… com mais facilidade
sujeita-se aos reduzidos vencimentos com que o Estado pode remunerar o seu professorado” (apud FARIA FILHO, 2000, p.
108).
Jiménez (2009) indica a existência de políticas de recrutamento que favoreceram aos homens na primeira metade do século
XX no Distrito Federal mexicano. Para as autoridades educacionais era muito importante a presença de homens em algumas
funções, e o interesse de homens (e particularmente de homens diplomados) na profissão já era muito baixo. Isto não
contradiz o argumento que sustentamos aqui, esta política apareceu justamente em um contexto em que a categoria já esta
feminizada.
57
apresentar licença do marido (OLIVEIRA, Dilma, 2004). Em Minas Gerais muitos
questionavam a capacidade das mulheres como diretoras, ou de lecionar para adolescentes ou
nos meios “pobres” (FARIA FILHO, 2000).
A promoção da feminilização, via a propaganda (a promoção da feminização) ou por
meio de políticas concretas de recrutamento, era parte das tentativas para que os professores
aceitassem remunerações que não se correspondiam com a importância atribuída à
atividade.73 O mesmo projeto de profissionalizar o trabalho docente (porque pretendia que só
os professores formados em institutos acreditados exercessem a atividade) incluía
recompensas não econômicas (simbólicas) ao exercício profissional.
Um dos debates mais importantes era a discussão sobre a co-educação. Existiam
escolas primárias mistas (sobretudo nas áreas rurais), mas também existia grande oposição,
sobre tudo quando se tratava das séries superiores do ensino ou do ensino normal. A igreja
teve um importante papel nestas discussões; não se opunha à educação das mulheres, mas a
que estudantes de ambos os sexos sejam co-educados. Mesmo quando a coeducação se
implementou, não significou que homens e mulheres tiveram o mesmo currículo e era lenta a
construção de relações de gênero mais igualitárias. Uma vez formadas, mesmo quando
assalariadas, inseriam-se em uma sociedade com papeis de gênero claramente diferenciados e
hierárquicos.74
Em começos do século XX as mulheres constituíam a maioria do professorado nos três
países, porcentagem que cresce sempre que as fontes permitem isolar os professores formados
nas escolas normais, os professores primários ou os professores urbanos. Entre 1878 e 1907,
no México, a quantidade de professores homens desce de 58% para 23,8% (BAZANT, 2006).
No Distrito Federal, as mulheres passam de ser 56.8% para 76.2% da categoria entre 1875 e
1905 (JIMÉNEZ, 2009). Em 1907, as mulheres representavam 60,98% do corpo de
professores no Brasil. A porcentagem cresceria para 75,04% em 1929. Na Argentina, elas
eram 65,22% da categoria em 1893 e a porcentagem cresceu até 77,88% em 1909 e 83,51%
em 1929 (YANNOULAS, 1994). A feminilização chegou mais longe no Brasil e na
Argentina do que no México, pela citada política de recrutamento do governo mexicano que
teve um correlato simbólico na própria imagem da categoria: a revolução masculinizou os
73
Em um desses manuais, destinados aos alunos das normais, pode-se ler “O que pretendemos é pôlo de sobreaviso contra o
prurido do ganho, incompatível com a nobreza de sentimentos, e mesmo com o cumprimento do dever. O professor, diz M. de
Gerando, que fizer da sua profissão uma espécie de especulação mercantil, não só irá desconhecer lhe a o verdadeiro
caráter, como também sacrificará o meio principal de poder de sair-se bem [...] o professor deverá saber fazer o sacrifício
do seu interesse particular ao interesse público” (DALIGAULT, apud TAMBARA, 2008 p. 9).
74
Entre 1930 e 1950 as professoras que iam trabalhar no interior de São Paulo, e as quais correspondia, em geral, montar
suas próprias escolas, sentiam-se isoladas. Eram mulheres do meio urbano e de um nível de escolarização alto, assalariadas,
relativamente independentes para os padrões da época. Muitas desistiam e pediam demissão (RIBEIRO, 1996).
58
atributos do professor, privilegiando o seu papel nas tarefas sociais e políticas dos governos
pós-revolucionários. Com efeito, 68% dos 11.203 professores primários urbanos no Distrito
Federal em 1950 eram mulheres (VEGA, 1989) o que indica um retrocesso da feminilização
desse segmento após a revolução, porque eram 76,2% em 1905. Interessa tomar nota que
inclusive no estado brasileiro da Bahia (rural, tradicional e relativamente periférico) 95% dos
professores de ensino básico eram mulheres em 1945 (SANTOS, 2006). Indica que mesmo
com uma estrutura populacional similar, nos segmentos rurais do professorado brasileiro a
presença de mulheres parece ter sido superior a do segmento mais urbano do professorado
mexicano.
A femenização foi progressiva. Começou pelo professorado de ensino primário e
continuou, ao longo do século XX, pelo professorado de ensino pós-primário (inicialmente
pelas próprias escolas normais). O ensino pré-escolar já nasceu feminino no final do século
XIX. As funções hierárquicas dentro do ensino primário mantiveram-se ou consolidaram-se
como espaços mais masculinos até avançado o século XX.75 Na província de Buenos Aires,
até 1930, nenhuma mulher tinha chegado a ser inspetora e nenhuma tinha ocupado uma
cadeira no Conselho Geral de Educação (PINEAU, 1997). Dos 63 inspetores nomeados para a
Capital Federal argentina, entre 1884 e 1899, só um era mulher (MARENGO, 1991). No
Distrito Federal mexicano, o fato dos sistemas de ensino de homens e mulheres funcionarem
paralelamente permitiu o acesso de mulheres às funções de inspeção.76 De qualquer modo, em
1905 representavam 82% dos professores em sala de aula e 60% dos diretores de escola, ainda
que formavam a ampla maioria dos titulados (JIMÉNEZ, 2009). Na Argentina, atuaram
professoras norte-americanas, convocadas especificamente pelo governo, como diretoras de
escolas normais. As direções dos grupos escolares da capital de Minas Gerais eram ocupadas
por mulheres, mas no interior do estado eram ocupados por homens. Segundo Faria Filho
(2000), a decisão de nomear mulheres era para prestigiá-las e fortalecê-las como profissionais
da educação escolar. Mas muitos inspetores achavam que as tarefas de liderança que a função
exigia eram próprias de homens.
Ambos os sexos também se distribuíam diferencialmente sendo a escola rural ou
urbana: sempre que podemos contar com dados sobre a questão, estes indicam que a presença
75
Em uma pesquisa sobre o caso paulista entre 1950 e 1980, Pincinato (2007) indica que a migração dos homens para os
cargos de administração, e particularmente para as direções das escolas, não tinha só um sentido econômico, mas também a
afirmação de valores vinculados à masculinidade.
76
O corpo de inspetores no final do século XIX estava integrado por mulheres e homens segundo fossem inspetores de
escolas primárias femininas ou masculinas (BAZANT, 2006).
59
masculina foi maior no campo.77 Esse fato pode ser decorrente tanto de certo receio ao
assalariamento feminino nas áreas rurais, quanto da existência de um leque maior de
possibilidades de emprego para os homens nas cidades. Isso indica que a ideia de que
professorado se constituiu em um dos “nichos” de assalariamento feminino é especialmente
válida para as cidades.
O processo de femenilização é paralelo à expansão do sistema. Uma das explicações,
solidária das análises sobre a proletarização do trabalho docente, sustentava que a
racionalização do trabalho e a queda salarial associada, no momento da expansão inicial do
ensino primário, provocava a saída de homens e o ingresso de mulheres. Faria Filho (2000)
criticou essa perspectiva no seu estudo sobre o caso mineiro. Indicou que as mulheres em
Minas Gerais eram maioria na categoria antes da racionalização do ensino e não há evidências
de deterioração salarial recente, nem existiam grandes atrativos para os homens fora da
profissão (mas mesmo assim saiam, até para serem tropeiros). Faria Filho (2000) explicita a
hipótese segundo a qual as características do fazer-pedagógico que se impunha acabaram
tornando o professorado pouco “masculino” para os padrões da época. Acrescenta que a
importância atribuída aos valores morais e à fama das professoras era parte de um movimento
de defesa e afirmação da função social do magistério e da escola.
Para fins do presente trabalho não é necessário ser conclusivo e podem ser aceitos
elementos explicativos confluentes. O importante é que o fato do professorado primário
definir-se como ocupação feminina é chave para a construção da identidade trabalhista do
setor. Em muitos contextos, particularmente na Argentina e no Brasil, “os professores” eram
mulheres assalariadas e, cada vez mais, com diplomas; em sociedades de mulheres excluídas
do ensino superior e com baixas taxas de assalariamento.
2.1.7 Imagem social do professorado
A escola pública foi uma das principais agências com a qual os Estados modernos na
Argentina, no México e no Brasil construíram as nações. Por isso, na segunda metade do
século XIX, foi promovida uma forte vinculação simbólica entre sistema de ensino, nação e
77
Na primeira década do século XX, no Distrito Federal, a porcentagem de homens entre os professores públicos em sala de
aula era maior nos municípios rurais e indígenas de difícil acesso (em Xochimilco eram 46% e em Milpa Alta 52%) do que
no município do México, urbanos, onde a porcentagem diminuía para 12% (JIMÉNEZ, 2009). Em 1980, no universo de
professores da rede federal, as mulheres representavam 61,44% dos professores primários e 42,15 de secundárias. Se se
considerava exclusivamente o Distrito Federal, as porcentagens subiam para 74,9% e 51,60% respectivamente (CORTINA,
1985).
Segundo o censo brasileiro de 1920, 70% da categoria estava constituída por mulheres, mas a porcentagem aumentava para
81% na principal cidade do país, Rio de Janeiro (ROSSO, 2010). Em começos da década de 1960, no Brasil, a participação
dos homens no professorado rural mais do que duplicava a sua presença no professorado urbano (IBGE, 1965).
60
Estado. Essa vinculação se ratificaria nas primeiras décadas do século XX. Como destaquei,
as redes públicas de ensino se consolidavam como os espaços educadores frente a um leque
mais heterogêneo e menos abrangente de opções educacionais. Os Estados se afirmavam e
contavam a sua própria história, como uma ruptura (mais ou menos radical segundo o caso)
com o passado bárbaro, escravista, ignorante, opressor, etc. Muitos dos elementos identitários
presentes no professorado, e particularmente as ideias vinculadas à neutralidade política e
ideológica78 e a de estar para além dos interesses conjunturais, nutrem-se desta identificação
entre Estado e educação.
É comum que um grupo de trabalhadores construa a sua identidade profissional com
elementos vinculados à atividade que desenvolvem. O diferencial, no caso do magistério, é
que a identidade docente foi fortemente promovida pelos reformadores da segunda metade do
século XIX e começos do século XX (reformadores que eram frequentemente parte do
aparelho estatal). A história da educação tem recuperado inúmeros desses exemplos de “como
o professor deve ser”, “como deve se comportar”, etc. Os manuais, os livros e as revistas
pedagógicas exemplificam fartamente estas imagens: os professores são um corpo monolítico
de apóstolos laicos, que ama as crianças, motivado por nobres valores, comprometido com
uma tarefa da qual depende o futuro da nação; politicamente neutral, que não exerce um
trabalho, mas uma vocação; uma categoria de mulheres assexuadas (que na Argentina são
chamadas de “señoritas” mesmo se casadas) e de “tias” (como são chamadas no Brasil). A
feminização da categoria fortaleceu esses elementos de neutralidade ideológica, porque as
mulheres se mantinham, como destaquei, muito marginalizadas da esfera política.
Por que essa insistência dos reformadores e do Estado em “como o professor deve
ser”? Em primeiro lugar, devido ao próprio projeto que os professores deviam levar à frente.
É difícil achar outras atividades no setor público que promoveram tanto a identificação dos
funcionários com o Estado (sim, claro, nas forças armadas e na polícia). A concepção como
parte do projeto civilizador do Estado teve um grande peso na construção da identidade do
professor e justificou comportamentos autoritários dos próprios professores e do sistema de
ensino perante as populações que iam sendo escolarizadas. Em segundo lugar, por uma
necessidade de controlar uma categoria dispersa, cada vez mais numerosa, e mal paga. Uma
categoria que, nessas condições, tinha de ser “exemplo” de boa conduta e moralidade, um
modelo cívico, porque a educação escolar estava consolidando-se, em parte, a partir da
78
Uma expressão desta ‘neutralidade’ promovida pelo próprio Estado era a proibição dos professores participarem da
política. O regulamento de ensino na província de Buenos Aires, na década de 1920, proibia os professores de intervir em
política (GINDIN, 2010). O Regulamento do Ensino Primário Municipal de Belo Horizonte de 1954 reprovava a participação
dos professores em diretórios políticos (ROCHA, 2009).
61
desqualificação da família como instituição formadora.79 Este discurso foi incorporado com
mais força por um segmento inicialmente minoritário, mas chave, da categoria: os
normalistas. Foi o discurso que os próprios normalistas, o segmento mais legitimado do
professorado, usaram para se posicionar no espaço educacional e político, inclusive contra os
governos, em começos do século XX. Essa imagem social permitia legitimar uma série de
demandas em termos da importância do ensino e da existência de um corpo de professorado
abnegado e sacrificado.80
A associação do professorado com valores religiosos, que foi promovida por alguns
pedagogos de finais do século XIX, também constituiu parcialmente à categoria. As ideias de
“missão” e “apostolado” são expressivas em relação a isso. Interessa lembrar que, pelo
tradicional peso da igreja na sanção moral da conduta e no espaço que começava a ser
“público” o peso das imagens religiosas era relativamente compreensível. Na primeira metade
do século XX, entre os desdobramentos dessa situação, pode-se encontrar a organização de
ligas de professores católicos na Argentina e no Brasil (que era parte de uma política mais
ampla da igreja) e também em outras circunstâncias recuperadas pelos historiadores da
educação.81
A situação mexicana é, novamente, particular. A ideia de neutralidade ideológica ou
política como constituinte da identidade profissional desapareceu com a revolução: o
professor devia ser um agente da revolução, um alfabetizador das comunidades carentes, um
organizador do povo. O segmento da categoria que mais se identificou com esse discurso foi o
dos professores rurais, mas interessa tomar nota de que, no plano simbólico, esta ideia de
professor passa a ter um peso muito grande na imagem de toda a categoria. Por outro lado, o
caráter laico militante, e inclusive anticlerical, dos governos pós-revolucionários, limitou a
associação com características religiosas. De qualquer modo, também no México pósrevolucionário estavam presentes as ideias do professor como um modelo de conduta cívica,
que está além de interesses particulares, tem uma missão e é um fator de civilização. A
79
Em Sergipe, um estado do nordeste brasileiro, o regulamento do ensino primário de 1923 estabelecia que os professores
rurais, além da docência, deviam organizar conferências sobre “vantagens do registro civil, relativo a nascimento,
falecimentos e matrimônio”, “deveres gerais do cidadão para com a Pátria (serviço militar obrigatório) e para com seus
semelhantes” e “princípios gerais de higiene pública e desvelos relativos aos indivíduos e as habitações”, entre outros temas
(OLIVEIRA, Dilma, 2004, p. 162).
80
Pereira (1999) identificou que atributos aparentemente negativos vinculados à profissão (como os baixos salários) eram
usados pela revista da Associação dos professores paulistas de começos do século XX para enobrecer a profissão. Segundo
Vicentini e Lugli (2009 a importância outorgada ao trabalho desempenhado, ao mesmo tempo legitima as reivindicações e é
o eixo de uma ética do ofício marcada pelo sacrifício. Essa imagem pode ser encontrada no livro de Salinas (1910), uma
liderança do magistério argentino.
81
Magaldi e Neves (2007) acharam referências e valores religiosos nas publicações do Instituto de Educação do Rio de
Janeiro (instituição laica pública de formação de professores) nas décadas de 1940 e 1950.
62
diferença é que a maneira na qual estas ideias se expressaram no México, politizou a
categoria.
A associação entre as escolas (como manifestações concretas do sistema de ensino
elementar) e a nação expressou-se de maneira diferente nas áreas rurais e urbanas. Artieda
(1993) argumenta que, no final do século XIX e no começo do XX, na Argentina, os
professores atuaram como agentes estatais particularmente nos territórios nacionais (áreas
periféricas controladas pelo governo federal). O mesmo fato pode ser visto no magistério rural
mexicano das décadas de 1920 e 1930, ainda que na década de 1940 aparecessem mais
instituições estatais e o papel do professor rural como agente estatal com funções sociais
também fosse moderado pelo governo (ARNAUT, 1996).82 Ainda que existam professores
nas regiões rurais que podem ter tido uma atuação social mais ou menos destacada, nos outros
países e no México, em outros períodos, a maioria da categoria nessas regiões provavelmente
se encontrava muito sujeita à “política do campanário” e estava associada aos fatores de poder
tradicionais do ambiente rural. Muito mais quando os professores, em vez de serem
funcionários da rede federal, dependiam dos governos estaduais ou, pior, dos municipais – o
que cabe particularmente para o Brasil.
Nas grandes cidades a ideia do professor como civilizador e único agente do Estado
deve ter tido menos peso; e por outro lado a ideia do professor como funcionário público pode
ter sido consolidada antes. Como escreveu Núnes (2003) sobre o caso brasileiro, a escola
primária de começos de século XX era habitada por imagens cívicas: as escolas organizavam
desfiles de alunos e comemorações públicas de datas históricas; inclusive os grandes edifícios
escolares, construídos nos centros das cidades, foram monumentos cívicos. Como no meio
rural, a bandeira era onipresente e ensinavam-se os hinos pátrios que louvavam as gestas
nacionais.
A imagem tradicional do magistério teve forte eco na imprensa, um ator de grande
importância. O fato da educação consolidar-se como questão pública deu muita visibilidade
social ao ensino e aos trabalhadores do ensino, e à imprensa, na primeira metade do século,
dava muito espaço aos problemas do ensino e à atividade dos educadores.83 Nas décadas de
82
O auge deste projeto foi a “educação socialista” durante os primeiros anos do governo de Lázaro Cárdenas (1934-1940), a
fase mais radical dos governos pós-revolucionários mexicanos. Cárdenas se propôs inicialmente a uma intervenção mais ativa
no campo, e a educação rural foi concebida junto à política de reforma agrária. Os professores se destacaram-se como
organizadores sociais e políticos, sofrendo a perseguição dos latifundiários e em finais de 1935 o próprio governo
proporcionou armas aos maestros socialistas para a sua defesa pessoal. Com a fase mais conservadora do Estado mexicano
na década de 1940 a educação rural perdeu centralidade, seu objetivo foi colocado em termos estritamente pedagógicos, e os
professores rurais foram criticados publicamente por exacerbar os problemas sociais no campo.
83
A situação foi vista por Vicentini (2002) como parte de uma política editorial da imprensa brasileira destinada aos setores
médios. De uma maneira análoga, na Argentina era sobre-representada, nos jornais, a atividade das associações docentes.
63
1930 e 1940, nos jornais de Rio de Janeiro e São Paulo, apareciam fotografias de professoras
sorridentes com os seus alunos, nas quais eram realçados os aspetos relativos à recompensa
simbólica da profissão (VICENTINI, 2002). A importância das recompensas simbólicas
também vale para contexto menos bucólicos, inclusive dentro do mesmo Brasil.84 Segundo
Vicentini, essas imagens, centradas no vínculo afetivo com os alunos e marcadas pela
atemporalidade, reforçava uma visão bastante idealizada do magistério. Independentemente
da orientação pública do jornal que a veiculava, a imagem do magistério era bastante
homogênea: “... uma mulher cuja honra e a alegria era estar ‘a serviço’ da infância e da
juventude” (VICENTINI, 2002, p. 105).
A diferença do México é significativa, mas os pontos de contacto não são menos
interessantes: no México pós-revolucionário também a honra dos professores era estar a
serviço da infância e da juventude, só que isso se expressava em uma militância nada
atemporal no Estado pós-revolucionário. Essa imagem encontra-se associada à construção
menos feminizada do professorado.
2.2 O professorado na sociedade contemporânea
Algumas características das sociedades capitalistas maduras, tais como a existência de
um mercado de trabalho significativo, uma sociedade urbanizada e um Estado moderno, só
podem ser encontradas com clareza na Argentina, e fundamentalmente no México e no Brasil,
avançado o século XX.85 No Brasil e no México, a maioria da população continuou morando
nas áreas rurais até a década de 1970 e é notável a proximidade entre os indicadores sociais
relativos à distribuição da força de trabalho por setor de atividade, urbanização, taxa de
natalidade, taxa de mortalidade e crescimento populacional destes países (cfr. MERRICK,
1986). A Argentina consolidou em começos e meados do século XX a classe média mais
importante dos três países e teve, na segunda metade do século, a taxa de crescimento
populacional mais baixa dos três países. Com efeito, a Argentina pouco mais do que duplicou
a sua população, enquanto os outros dois países a triplicaram (MERRICK, 1986). No final do
milênio, os habitantes da Argentina eram 36.300 mil, os do México 94.400 mil e os do Brasil
84
Em 1938 o governo federal fez uma campanha para “nacionalizar o ensino”, no duplo contexto no qual o centralismo se
afirmava no Brasil do Estado Novo e o país alinhava-se com os aliados e contra a Alemanha. Como parte dessa campanha, no
Rio Grande do Sul, estado com grande presença de imigrantes alemães no meio rural, 400 professoras foram enviadas para
trabalhar no interior do estado. Os professores sofreram muitas tensões e pediram uma gratificação especial, a isso o
secretário de educação respondeu que esse era o ônus do patriotismo do magistério, e não uma fonte de vantagens
(KONRAD, 2006).
85
Não posso tratar neste contexto, com detalhe, os diferentes processos constitutivos e as particularidades envolvidas na
modernização latino-americana. Para uma análise contemporânea que revisa os principais debates ao respeito, ver Domingues
(2009).
64
169.000 mil. As diferenças entre Brasil/México e Argentina, em todos esses aspectos, realçam
a importância de uma característica que os três países compartilharam: a mulher teve uma
participação marginal no mercado de trabalho, e isso só começaria a mudar nas décadas de
1960-1970. Essa mudança no mercado de trabalho foi, ao mesmo tempo, alavanca e produto
de mudanças culturais relativas ao papel da mulher na sociedade urbana.
É na esfera propriamente política e no sistema de partidos onde o Brasil e o México se
distanciam. No México, a revolução abriu um grande canal de participação social que seria
crescentemente mediado com a criação de um partido político policlassista hegemônico, que
acabaria sendo identificado com o próprio Estado, e que inicialmente foi chamado Partido
Nacional Revolucionário (1929). A integração das organizações sociais ao partido e ao Estado
foi parte de um processo progressivo pelo qual o sistema político ganhou uma estabilidade
que contrasta com a história política conturbada da região. No Brasil, diferentemente do que
aconteceu no México e na Argentina, a distancia entre o sistema de partidos e a sociedade
continuou sendo muito grande: pelo menos até a década de 1980 os partidos políticos foram
muito débeis, não houve irrupções populares triunfantes e o governo que integrou socialmente
à população assalariada (o de Vargas) o fez sem mobilizá-la e sem politizá-la. Na Argentina,
dois grandes movimentos de massas – o identificado com a Unión Cívica Radical em
começos do século, o peronismo na metade – aproximaram a sociedade à política, ainda que
sem a estabilidade que caracteriza o regime mexicano a partir da década de 1940. Quando
comparado com o sistema político brasileiro, o argentino parece muito mais polarizado, com
maior grau de mobilização e menos propenso aos acordos entre as suas elites (FAUSTO;
DEVOTO, 2004). Nos próximos capítulos, ao tratar de cada caso nacional, ficarão mais claras
estas diferenças e, o que para fins desta tese é o mais importante: o quanto elas são
importantes para compreender e comparar a ação sindical do magistério do setor público.
O período que vai de 1930 a 1980 caracteriza-se por fortes migrações internas e
acelerada urbanização no Brasil e no México. A indústria cresceu nos três países, promovida
por uma forte intervenção estatal e embebida dos discursos desenvolvimentistas, nas suas
variantes mais ou menos nacionalistas segundo o contexto político. O trabalho assalariado
consolidou-se não só como alternativa ocupacional, mas como via de acesso aos direitos
sociais. Estes, mesmo quando foram negados, ficaram no horizonte de realização das
demandas sociais, que muitas vezes se expressaram em termos de exigência de novos direitos
ou de cumprimento dos direitos existentes.
65
No último quarto do século passado o círculo virtuoso de industrialização,
administração estatal de empresas estratégicas, crescimento do mercado interno e expansão do
exercício da cidadania via incorporação ao mercado de trabalho foi colocado em crise. As
taxas de crescimento econômico caíram, a economia internacionalizou-se e o mercado de
trabalho continuou expandindo-se, mas precarizou-se. A vinculação entre assalariamento e
integração social ficou em questão (CARDOSO, 2003). Esta etapa coincide com a
consolidação das democracias políticas no Brasil e na Argentina, e com a abertura do sistema
político mexicano, que se converteu em um sistema eleitoralmente competitivo na década de
1990. Na Argentina e no Brasil o fim dos governos militares na década de 1980 abriu um
cenário renovador e democrático, mais claramente no caso brasileiro, que de qualquer modo
se fecharia com a agenda neoliberal que foi hegemônica nos três países até o novo milênio. Os
sistemas de relações de trabalho estabelecidos entre as décadas de 1930 e 1950 sobreviveram
aos governos que os tinham criado e as suas linhas mestras continuam vigentes, muito
notoriamente nos casos da Argentina e do México (CARDOSO, 2004; CARDOSO; GINDIN,
2009).
2.2.1 A evolução dos sistemas educacionais e a expansão da categoria
Em meados do século XX, a escola pública já era uma instituição estatal consolidada.
Em sociedades cada vez mais complexas, com um aparelho estatal mais desenvolvido e com
uma malha institucional mais densa, o caráter da escola como agência estatal perdeu peso.
Ideologicamente, a aura civilizadora e a missão de construir a nação abriram passo a uma
imagem da escola na qual tinham maior importância a qualificação profissional como meio de
ascensão social individual e a contribuição para o desenvolvimento econômico da nação (duas
características que puderam ser teorizadas como solidárias).86 Nesse processo a escola passou
a constituir uma etapa anterior e generalizada, via melhoria da frequência escolar e das taxas
de cobertura do sistema, ao ingresso das pessoas ao mercado de trabalho. Consolidou-se o seu
papel na trajetória econômica das famílias e a ideia do sucesso escolar como pré-condição do
sucesso econômico. Nas experiências de mobilidade social ascendente, pelo menos desde
meados do século, o sistema educacional atuou frequentemente como uma alavanca, e
atualmente, inclusive nos empregos desqualificados se exige algum nível de escolarização
completo.
86
Na década de 1960 alguns intelectuais conceituaram a educação como “capital humano”, perspectiva renovada
recentemente com as reformas em educação promovidas na década de 1990. Para uma crítica, ver Frigotto (2001).
66
A igreja continuou tendo um grande papel de lobby no sistema educacional e na
administração direta de escolas da rede particular, mas apareceu um outro ator com
importante peso nas redes particulares: as empresas. Entre outras modificações importantes
que afetaram à instituição escolar merece ser destacado o crescente papel dos meios de
comunicação. Inicialmente o rádio, ainda mais a televisão e atualmente a internet questionam
o papel da escola na socialização das crianças e na sua relação com o que poderíamos chamar
o circuito não primário de relações sociais.
A partir da década de 1940, o crescimento da rede federal e do poder sindical, junto
com a estabilidade do regime político de conjunto impermeabilizaram progressivamente o
sistema educacional mexicano de influências externas – dos governadores, de outros setores
sociais, etc. (ARNAUT, 1996). A influência da cúpula sindical e da Secretaria de Educação
do governo federal também se estendia às redes estaduais. Na Argentina, o Conselho Nacional
de Educação perdeu peso, acompanhando a evolução da rede federal de ensino básico, e em
1971, com outro espírito, foi criado o Conselho Federal de Educação (CFE), integrado pelas
autoridades educacionais provinciais e nacionais. No Brasil, a tendência é uma afirmação do
governo federal mesmo com poucas responsabilidades na gestão direta das redes de ensino
básico. As leis federais de ensino da década de 1940 continuaram nos debates sobre a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), sancionada em 1961. Novas LDBs foram sancionadas
em 1971 (limitada ao ensino do primeiro e segundo grau) e 1996. As demandas de
democratização da gestão do sistema educacional na década de 1980, no Brasil e na
Argentina, alcançaram resultados modestos. Atualmente, temos administrações dos sistemas
de ensino mais descentralizadas do que em meados do século (na Argentina e no Brasil), com
um grande peso dos governos federais no financiamento e nas políticas de avaliação e uma
gravitação ímpar do sindicato de trabalhadores da educação mexicano no cenário educacional
desse país.
Uma concepção tecnocrática do ensino afirmou-se na década de 1960. Inspiradas nesta
tendência, promoveram-se reformas educacionais nos três países das quais fizeram parte a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação brasileira de 1971, a lei federal de educação mexicana de
1973, e uma série de modificações promovidas na Argentina também em começos da década
de 1970. As reformas da década de 1990, em alguns sentidos, são um segundo capítulo dessa
mesma onda. A questão da formação docente foi recolocada com força, promovendo-se a
formação superior dos professores e a sua formação permanente. A descentralização das redes
de ensino federais na Argentina e no México, e das redes estaduais no Brasil, também foi
67
proposta como uma via para fazer mais eficiente a gestão dos sistemas educacionais. Uma
particularidade da agenda de reformas educacionais da década de 1990 foi uma maior ênfase
na competência interna como mecanismo de regulação do sistema.
Na Argentina, e fundamentalmente no Brasil, o final das ditaduras militares foi ao
mesmo tempo o produto e o catalizador de uma forte mobilização social que teve
repercussões no âmbito educacional. Na Argentina organizou-se um Congresso Pedagógico
Nacional que trabalhou por dois anos e foi hegemonizado pelo setor privado, a igreja e os
governadores; enquanto no Brasil, diferentemente, constituiu-se um vigoroso movimento
apoiados nos sindicatos e na mobilização social para participar das discussões associadas às
novas constituições federal e estaduais: o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.87
Finalmente, tanto a Lei Federal de Educação argentina de 1993 (que pela primeira vez
regulamentava o sistema de educação de conjunto, derrogando a lei 1420 do século XIX)
como a LDB brasileira de 1996 acabaram expressando as demandas dos setores mais
conservadores, e não as dos movimentos emergentes na década de 1980. No México, onde
não houve um movimento que demandasse reformas democráticas no sistema de ensino com a
força visível no caso brasileiro, por exemplo, a lei de educação promulgada em 1993
expressou, basicamente, o processo de negociação entre os reformadores e o sindicato
docente.
Essas
reformas
incrementaram
a
obrigatoriedade
escolar,
promoveram
a
descentralização das responsabilidades de administração direta do sistema e fortaleceram o
papel do governo federal na aplicação de programas sociais focalizados (Argentina e México)
e na implementação de políticas de avaliação externa para os alunos (Brasil). Os avanços
democráticos na gestão das escolas ou das redes alcançados na década de 1980 na Argentina e
fundamentalmente no Brasil viram-se limitados. Ainda que as modificações administrativas e
na gestão das redes tenham sido importantes, parece não ter havido mudanças pedagógicas
significativas (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008).
Embora seja muito difícil comparar estatísticas históricas a respeito da quantidade de
professores, algumas cifras mostram as diferenças entre os países e algumas tendências que
atravessaram os sistemas de ensino. Um dos problemas é que as estatísticas escolares
normalmente contabilizam funções, e não professores. Como há o consenso entre os
especialistas de que a prática da “dupla função” tem crescido exatamente nesse período,
87
O Fórum foi criado em 1986 como Fórum da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito. Sobre o
Fórum, ver Gohn (1992).
68
podemos afirmar que o crescimento real do corpo de professores tem sido menor que o
indicado pelas estatísticas.
Em 1960, na Argentina trabalhavam aproximadamente 136.000 professores primários
(onde o primário era de sete anos), e no México 107.000 (onde era de seis). No Brasil,
trabalhavam 212.000 professores no ensino primário (de quatro anos) e 41.000 no ginasial (de
três).88 Se considerarmos que a Argentina tinha então uma população consideravelmente
menor, esses dados mostram uma categoria e um grau de cobertura do sistema educacional
ainda maior nesse país.
Nas décadas seguintes, as redes do Brasil e do México cresceram a um ritmo muito
acelerado. Em 1980, os professores primários mexicanos eram em torno de 375.000 e no
primeiro grau do Brasil (que passou a ter oito anos, reunindo o primário e o ginasial)
trabalhavam aproximadamente 883.000 professores. Em duas décadas este segmento da
categoria tinha mais do que se triplicado no México e no Brasil; entretanto, na Argentina,
precisaria de quatro décadas para se duplicar. Em 2004, a Argentina tinha 267.000 professores
primários, o México 559.000 funções docentes no ensino primário e o Brasil 1.600.000 no
ensino fundamental.
O ensino pós-primário tinha nascido com uma grande heterogeneidade (ensino normal,
preparatório para a universidade, técnico, agrícola), e a maioria não se habilitava para
ingressar na Universidade. A partir da metade do século XX ele ganha certa homogeneidade
e todas as modalidades habilitaram-se para continuar os estudos superiores.89 No nível médio
é mais difícil estabelecer a relação entre pessoas e funções, mas as estatísticas indicam um
crescimento ainda maior. No México, passa-se de 96 mil funções em 1970 para 574 mil em
2004. Em idêntico período, na Argentina passa-se de 81 mil professores de ensino médio para
385 mil e, no Brasil, de 112 mil professores no segundo ciclo do nível médio (o colegial) para
498 mil.90
Ainda que nos três países parece ter crescido a dupla função, e que seja difícil
comparar dados quantitativos produzidos em diferentes contextos, a tendência é clara e isso é
88
Para Argentina, ver a sistematização estatística feita por Donaire (2009). Para México, Loyo (2008) e para Brasil, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/educacao.shtm). Acesso em: 10
outubro 2010. Os dados do Brasil de 1960 são de 1959. A partir de 1970, para o México, estou usando o website da
Secretaria de Educação Pública (www.dgpp.sep.gob.mx/Estadi/NACIONAL/index.htm). Acesso em: 10 outubro 2010.
Os dados do Brasil de 2004 são do censo escolar e os da Argentina, do mesmo ano, do censo docente.
89
Como parte da homogeneização do ensino médio o governo federal tinha permitido em 1953 que os formados nos cursos
normais, industriais e agrícolas entrassem na universidade, mas os normalistas só poderiam ingressar no curso de Pedagogia e
Letras da Faculdade de Filosofia (NUNES, 2000).
90
O dado do Brasil de 2004 inclui “ensino médio e profissionalizante’, pelo que provavelmente o crescimento tenha sido
menor.
No México, estou incluindo como ensino médio a Secundaria, o Bachillerato, o Profesional Técnico e o Normal (que existiu
autonomamente até a segunda metade da década de 1980).
69
suficiente para o presente trabalho. O Estado já era o grande ator no ensino primário nos três
países. No ensino médio o setor particular tinha uma maior presença, e vai perdendo peso
frente ao avanço das redes públicas. No Brasil, os municípios tiveram um papel marginal na
expansão do ensino médio. Entretanto, no México e na Argentina não tiveram nenhum papel.
Foram basicamente os governos estaduais e federais os que promoveram esse nível de ensino.
Em começos da década de 1960, no Brasil, as redes particulares eram dominantes no
ensino médio, mas posteriormente começa uma forte expansão, apoiada no crescimento das
redes estaduais. No nível primário há oscilações relativamente pouco significativas na
importância das redes municipais, particulares, estaduais e federal até a década de 1990,
quando o ensino municipal avança apoiado em uma nova lei de financiamento (ARAÚJO,
2005). Estes dados federais ocultam situações estaduais heterogêneas: em alguns estados
(como no Maranhão, Ceará, Paraíba e Alagoas) a maioria dos professores primários
trabalhava nas redes municipais em começos da década de 1970.
Na Argentina, a partir de meados do século, os territórios federais transformaram-se
em províncias, a lei Láinez (que tinha permitido a construção de escolas primárias federais
nas províncias) foi derrogada em 1970 e em 1978 as escolas primárias federais foram
transferidas às províncias. Permaneceu ainda sob jurisdição federal uma parte significativa
das escolas de ensino médio, que foi também transferida às províncias na primeira metade da
década de 1990.
Em finais da década de 1950, começou uma forte expansão das primárias federais
mexicanas e, em 1970, 174.000 docentes trabalhavam na rede federal, enquanto todas as redes
estaduais empregavam menos da metade (75.000).91 Este crescimento da rede federal era
apoiado pelo sindicato e recebia críticas que foram o antecedente das reformas impulsionadas
na segunda metade da década de 1970, para diminuir a influência sindical e descentralizar a
rede federal (ARNAUT, 1996). As tentativas de desconcentrar o sistema tiveram de fazer
frente a uma forte oposição sindical e só na década de 1990 a gestão das escolas de ensino
básico da rede federal seria transferida aos estados. Mesmo com essa estrutura similar à
Argentina (um sistema basicamente estadual de administração das redes públicas de ensino),
muitas questões trabalhistas continuam sendo definidas pelo governo federal.
As estatísticas sobre os professores brasileiros em 1957, desagregadas por cidade, são
úteis para mostrar como a categoria se concentra, acompanhando o processo de urbanização
91
Ver website da Secretaria de Educação Pública: (www.dgpp.sep.gob.mx/Estadi/NACIONAL/index.htm). Acesso em 10
outubro 2010
70
da população. Em 1957, atuavam no Brasil, em torno de 184.000 professores de educação
comum.92 Os Estados com mais professores eram Ceará, Pernambuco, Bahia, Santa Catarina,
Distrito Federal e Rio de Janeiro (entre oito e dez mil professores), Paraná (12.000), Rio
Grande do Sul (22.000), Minas Gerais (26.000) e São Paulo (39.000). Nos estados do norte e
do nordeste não chegava a haver uma média de dois professores por escola, mas nos do sul e
sudeste (que concentravam o processo de urbanização e recebiam a migração interna) essa
fronteira já era superada. Nos dez estados do norte e nordeste, 77% da categoria trabalhava
em municípios onde atuavam menos de 200 professores, mas nas principais cidades havia
núcleos já bastante concentrados da categoria: em Belém, Salvador, Recife e Fortaleza
trabalhavam mais de 1.000 professores. No Paraná e Minas Gerais (no sul e no sudeste) ainda
uma porcentagem similar a do norte e nordeste trabalhava em cidades com menos de 200
professores, mas esse já não era o caso de estados como São Paulo ou Rio Grande do Sul. É
interessante destacar dois fatos, que acompanham o próprio processo de urbanização e se
aprofundariam nas décadas seguintes. O primeiro é o surgimento, em todo o sul e o sudeste,
de cidades de meio porte no interior dos estados. O segundo é a concentração na periferia das
grandes cidades. Nos municípios da grande Rio de Janeiro – em Nova Iguaçu, Duque de
Caxias, Nilópolis e São João de Meriti – ministravam aulas mais de 200 professores. Além do
trabalho em grupos escolares e da quantidade de professores em cada cidade, outro fator de
agregação era o peso das redes estaduais em relação às municipais. Isso dependia de cada
estado (no caso paulista a rede estadual teve um papel predominante) e não era clara uma
divisão por região.
Com o crescimento consistente, as redes estaduais e as das principais cidades
passaram a ser grandes empregadoras de professores. Em 1997, em 19 dos 27 estados
brasileiros trabalhavam mais de 10 mil professores e a rede paulista chegava a empregar
205.000 (INEP, 1999). Nos anos seguintes, os professores das redes municipais, que eram
maioria nas redes do nordeste, superaram os professores das redes estaduais em escala federal.
Diferentemente da Argentina nas primeiras décadas do século XX, do México um pouco
depois, ou inclusive do caso paulista, a maioria das escolas primárias das regiões rurais ou de
difícil acesso de muitos estados brasileiro foram sustentadas pelos municípios ao longo do
século XX e até a atualidade.93
92
Estou trabalhando com uma publicação oficial que se limita aos professores de ensino primário fundamental e não
discrimina por rede (municipal, estadual ou particular), mas que conta com uma informação sobre todos os municípios do
país. Ver Ministério de Educação e Cultura (1960).
93
Em meados da década de 1990, mais de 200 mil dos 265 mil professores que trabalhavam nas áreas rurais pertenciam às
redes municipais (INEP, 1999).
71
2.2.2 A renovada demanda pela formação docente
No Brasil e no México, a grande expansão educacional fez com que na década de 1960
permanecesse o problema da falta de formação dos professores primários.94 Neste contexto,
os governos promoveram ambiciosos programas de formação em serviço e houve, em ambos
os países, um forte crescimento do ensino normal, particularmente privado, para formar a
categoria. Mas, crescentemente, apareceu uma nova demanda: passou a ser exigido maior
formação docente. A formação de professores de ensino primário deixou de se fazer no ensino
médio na década de 1970 no Brasil e Argentina, e na década seguinte no México. Essa
exigência de maior formação apoiava-se concretamente nas reformas educacionais
promovidas pelos governos, mas também em um movimento geral no qual o próprio
incremento dos anos de escolarização da sociedade pressiona pelo incremento das credenciais
educacionais e, com isso, o ensino superior expande-se.
No México, a partir de 1975, a SEP ofereceu melhoras para os normalistas que
fizessem cursos universitários (licenciaturas, mestrados e doutorados) em pedagogia. Estes
cursos, como antes os do Instituto Federal de Capacitación del Magisterio (criado com a
finalidade de titular professores primários em serviço), eram à distância ou presenciais. A
Universidad Pedagógica Nacional, criada em 1978, deu aos professores título superior, mas
fora da estrutura universitária tradicional, e em 1984 as escolas normais passaram a ser parte
do nível superior (exigiu-se o ensino médio completo para se matricular nelas). Segundo um
estudo realizado em 1974, 48% dos professores de ensino médio tinha se formado nas escolas
normais superiores ou em instituições afins e 52% eram profissionais sem formação docente,
eram os normalistas que davam aulas de ensino médio e os professores sem formação
completa. Mas uma particularidade mexicana é que muitos professores primários começaram
a fazer cursos semipresenciais, no verão, para poder dar aulas no ensino médio, em que os
salários eram melhores e a expansão era grande (ARNAUT, 1996).
No Brasil, em 1965 começaram a ser criadas licenciaturas curtas (que funcionaram até
1996), comuns no interior dos estados e no ensino particular, para formar professores. Além
dessas licenciaturas curtas, funcionavam licenciaturas plenas em pedagogia nas quais se
formavam administradores escolares, supervisores, inspetores, orientadores educacionais e
educadores especiais (VICENTINI; LUGLI, 2009). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
94
Perante o crescimento explosivo da categoria, no Distrito Federal mexicano a porcentagem de professores titulados,
inclusive, caiu, de 90% para 80%, entre 1953 e 1958 (VEGA, 1989). Em 1972, no Brasil, 113.000 dos 770.000 professores
de primária só tinham concluído o nível primário (IBGE, 1975).
72
de 1971 reuniu o primário e o ginasial (primeiro ciclo do ensino pós-primário) no ensino do
primeiro grau. O ensino primário complementar, que ainda formava professores em alguns
estados, deixou de existir. A escola normal foi transformada em Habilitação Específica para o
Magistério no marco do ensino do segundo grau, formação que habilitava ministrar aulas nas
primeiras séries do ensino primário (VICENTINI; LUGLI, 2009). A mesma lei promoveu que
os professores tivessem formação universitária e contribui para tirar do centro de cena as
escolas normais e os institutos de educação. Em 1972, do total de 770.000 professores
brasileiros de primaria, 47% era normalista do segundo ciclo, 5% do primeiro ciclo e 12%
licenciados por faculdades. No ensino médio, em 1973, a maioria dos professores tinha
formação em nível superior, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 1975). Vinte e cinco anos depois, segundo o censo realizado com os professores
brasileiros em 1997 (que incluiu todas as redes, públicas e particulares), 48,6% dos
professores tinham terceiro grau completo ou mais, 43,9% segundo grau completo e 7%
primeiro grau (completo ou incompleto). O primeiro grupo era maioria nos estados do sul e
do sudeste, mas no nordeste representava 25,7% da categoria e no norte 22,5 %. (INEP,
1999).
Na Argentina, em 1941, as escolas normais passaram a ser parte do ensino médio,
habilitando para o ingresso à universidade. A reforma promovida na Argentina em começos
da década de 1970 não pôde ser completamente implementada, em parte pela resistência
organizada pelos docentes. Uma das reformas que sim foi efetivada foi na formação dos
professores de nível primário. Estes deixaram de se formar nas escolas normais para serem
formados em institutos de ensino superior não universitários (como o modelo dos Institutos de
formação de professores para o ensino médio, já descritos). Em 1994, ainda 30% dos
professores primários da rede pública não contava com título superior (eram os velhos
normalistas formados no ensino médio), mas em 2004 a porcentagem era menor que 10 %.
Enquanto no ensino médio, mais de 40% dos professores de ambas as redes, públicas e
particulares, em 2004, tinham formação universitária (MECyT, 2007a).
Ao incremento na quantidade dos anos de estudo requeridos para o exercício docente,
descrito nos três países, somou-se, a partir da década de 1990, uma forte exigência para que os
professores em exercício realizassem cursos de atualização e continuassem aperfeiçoando-se.
Em alguns casos – como no programa Carrera Magisterial mexicano – essa exigência foi
parte de uma reforma significativa na estrutura das remunerações e da carreira docente.
73
É provável que as escolas normais e os institutos de educação já tivessem perdido
parte do seu prestígio na década de 1960, mas aproximadamente desde esse momento o papel
hegemônico no meio educacional não poderia se recuperar e ficaria cada vez mais
questionado, em parte pela própria massificação e, em parte porque os especialistas em
educação formados nas universidades tiraram do centro de cena os normalistas.95 Essa resegmentação vertical introduziu um fato novo: os docentes formados nas escolas normais e/ou
nos institutos deixaram de ser as vozes autorizadas sobre os problemas educacionais. Os
verdadeiros especialistas em educação não serão mais a elite do corpo de professores, mas
pessoas que se formaram e trabalharam fora do sistema do ensino básico.
Uma mesma formação é um dos elementos que contribuiu para homogeneizar a
categoria, ou a segmentos dela.96 Nesse sentido, aparentemente os professores primários
constituíram um grupo bastante homogêneo, primeiro na Argentina e depois no México.
Nesses dois casos, quando os professores primários passaram a se formar em nível superior,
fizeram-no também em instituições específicas para professores, sem se diluir, ou diluindo-se
menos do que no Brasil, nas universidades. O mesmo vale para os professores de ensino
médio, particularmente no caso mexicano, em que muitos professores do ensino primário
converteram-se em professores de ensino médio (o que não aconteceu, pelo menos na mesma
escala, nem na Argentina nem no Brasil). O sindicato mexicano foi parte da construção dessa
relativa unidade, o que contribui para entender a “força” e a “coerência” da cultura do
magistério desse país quando vista a partir de uma perspectiva regional.97
2.2.3 A composição da categoria
O professorado, que já era uma profissão feminina (sobretudo nos níveis iniciais,
principalmente
nas
áreas
urbanas,
especialmente
nas
funções
não
hierárquicas,
particularmente na Argentina e no Brasil), foi um espaço no qual as mulheres se afirmaram no
mundo assalariado. Esse processo foi fundamental para que o papel das recompensas
95
Estas tensões estão documentadas, no caso brasileiro, a partir da década de 1950 (cfr. VICENTINI; LUGLI, 2009), mas
provavelmente tenham sido maiores no México, pela força do normalismo.
96
Magrone (2004) retoma a ideia de Hirschhorn de que a unidade de formação e recrutamento é fundamental para assegurar a
coesão do grupo e o tipo de representações que ele tem sobre o seu trabalho. No município de Rio de Janeiro, os normalistas
ingressavam automaticamente no quadro de professores do Distrito Federal e, segundo a classificação obtida ao término do
curso, escolhiam as escolas nas quais trabalhariam. Em 1974, foi estabelecido o concurso público e dele participavam em
igualdade de condições todos os que tinham título habilitante (sejam normalistas ou não). A quebra da ‘unidade de formação’
teve consequências negativas sobre a coesão do grupo.
97
Escreve Loyo que a cultura do profesorado mexicano caracteriza-se por un “… sentido extremadamente fuerte de cuerpo,
reforzado por el tipo de disciplina que ha privado en las organizaciones dentro de las cuales transcurre la vida profesional y
gremial”. Loyo agrega outros argumentos para sustentar que “… la cultura del magisterio en México, a diferencia de lo que
sucede en otros países de América Latina, posea un grado de coherencia y una fuerza capaz de permear los distintos niveles
jerárquicos del ámbito educativo” (LOYO, 2002, p. 46, 47).
74
simbólicas na profissão docente fosse diminuído. Exatamente por isso, contribuiu para o
desgaste da concepção de que as escolas normais eram espaços onde as mulheres se
formavam para uma profissão que não iriam exercer, ou exerceriam marginalmente, porque o
seu papel seria cuidar da casa.98
Atualmente, na Argentina, aproximadamente 99% das diretorias das escolas do ensino
infantil, 88% das do ensino primário, e 62% das do ensino médio são ocupadas por mulheres
(MECYT, 2008). Entre os censos docentes realizados em 1994 e 2004 incrementou-se a
presença de mulheres no nível médio, mas cresceu a presença de homens no nível primário;
tendência ainda mais clara entre os professores mais jovens (MECYT, 2007a). No Brasil,
segundo o censo do professor de 1997, 86,5% do professorado público do ensino básico
estava constituído por mulheres. A porcentagem de mulheres era levemente maior nas redes
municipais (89,8%), responsáveis pelos níveis iniciais do sistema educacional (INEP, 1999).
Na rede federal mexicana, em 1980, as mulheres representavam 99,92% do professorado do
pré-escolar, 61,44% do professorado primário e 42,15 do professorado das secundárias. Como
era de esperar, a porcentagem de mulheres cai no nível hierárquico imediatamente superior: as
mulheres eram 99,74% das diretoras do pré-escolar, 34,17% das do ensino primário e 29,17
das secundárias (CORTINA, 1985). Os dados da Encuesta Nacional de Empleo Urbano
(México, 2002) indicam que, na rede pública, as mulheres eram 69,6% dos professores
públicos primários e 51% dos secundários. A maior presença feminina no ensino primário
contribui para explicar que 39,6% dos professores públicos primários são chefes de domicílio,
porcentagem que sobe para 52,3% quando considerados os professores do ensino secundário
(BORDONARO; HUITRÓN, 2006). Estes dados mostram a persistência de uma maior
presença de homens no corpo de professores mexicano, presença que poderia ser maior se
fossem considerados também os professores que moram nas áreas rurais.
Em 2000 e 2002, a sede de Buenos Aires do IPPE-UNESCO aplicou uma enquete
autoadministrada a professores urbanos das redes pública e particular de ensino na Argentina,
no Brasil e no México.99 Os resultados foram apresentados em Fanfani e Steinberg (2007) e
confirmam a presença maior de homens no México, onde as mulheres representam 69% do
total e 52% dos professores de ensino médio. De maneira associada, 56,6% dos professores
mexicanos são chefes de domicílio, enquanto na Argentina e no Brasil a porcentagem cai para
34,6% e 36,8% respectivamente. Em relação à renda, os professores mostram uma grande
98
Apenas 24% das estudantes normalistas consideradas no estudo de Gouveia (1965) tinham a intenção de exercer seu
trabalho como docente. Entre as normalistas de origem mais humilde era mais comum a intenção de exercer a atividade.
99
Aplicaram-se 2.384 questionários a docentes argentinos (em 2000), 5.000 a brasileiros (em 2002) e 2.599 a mexicanos (em
2006).
75
heterogeneidade. De qualquer modo, no México o conjunto da categoria é relativamente mais
pobre quando se olha a sua participação na estrutura de renda do país. Só 24% dos professores
argentinos, 20,1% dos brasileiros e 19,1% dos mexicanos responderam que o seu salário
representa menos de 30% da renda familiar. Isso é coerente com o papel da mulher no
mercado de trabalho atual e a inserção social heterogênea em termos de classe dos
professores. No Brasil, os professores são filhos de pais com menor grau de escolaridade (a
maioria tem pais com seis ou menos anos de escolaridade), na Argentina o grau de
escolarização dos pais é maior e o México encontra-se em um caso intermediário. Isso
provavelmente se explica pela expansão anterior do sistema educacional argentino e estaria
indicando que a expansão da categoria no Brasil, mais do que no México, atraiu uma grande
porcentagem de filhos de pais com pouca escolaridade.
Com a exceção citada, raramente os estudos sobre a composição social do
professorado e o trabalho docente adotam uma perspectiva internacional comparativa ou
conseguem identificar claramente as tendências históricas representativas de um segmento
significativo da categoria. Na Argentina, e muito mais no Brasil, há um consenso entre os
especialistas que, aproximadamente nas últimas três décadas do século XX, setores de origem
mais humilde ingressaram à categoria. As pesquisas sistemáticas sobre a questão,
infelizmente, não são muitas.
Magrone (2004) entrevistou 139 professoras que lecionaram na rede municipal do Rio
de Janeiro na década de 1950 e 289 nas décadas de 1980 e 1990. Nesse período, os
professores passaram a se recrutar entre setores sociais mais desfavorecidos; da classe média
alta, a geração mais nova se aproxima da classe média baixa, o que pode ser percebido ao
olhar a proporção de professores brancos, a ocupação dos pais, a ocupação do cônjuge e os
bairros de residência. As duas gerações experimentaram uma mobilidade social ascendente,
embora na geração mais nova a situação seja mais heterogênea. A geração mais antiga teria
partido de classes médias baixas para posições na classe média alta, enquanto a geração mais
nova partiu da classe baixa para posições na classe média baixa. O trabalho de Magrone nos
convida a ser cuidadoso com o papel explicativo das tendências de médio prazo, não devendo
esquecer que estas operam sobre diferentes corpos de professores.
Alejandra Birgin (1999) participou em 1995 da realização de uma enquete a um total
de 223 professores primários e 305 de ensino médio, em três cidades da Argentina (Rosario,
Mendoza e Tandil). Destes, 39% dos primários e 31% dos do segundo grau manifestaram que
deixariam a docência se pudessem. Os dois motivos mais citados foram que os docentes não
76
são reconhecidos e que o salário não é suficiente. O salário docente representava mais de 75%
da renda familiar para 39% dos homens e para 27% das mulheres. Não existiam diferenças
significativas entre os professores do primeiro e do segundo grau, mas sim, como se pode ver,
entre homens e mulheres.100 Os 58% das professoras primárias e 52% das professoras da
secundária contribuíam com menos da metade para a renda familiar. Em 2007, na cidade de
Buenos Aires, 21,5% dos professores eram filhos de patrões de pequenas empresas, 19,5%
filhos de trabalhadores não qualificados e 13,2% assalariados com funções de chefia média
(as três mais frequentes em uma lista de 14 ocupações) (DONAIRE, 2009).101
A informação é insuficiente para ser concludente, mas é coerente com as seguintes
ideias que considero generalizáveis: a) as diferenças de gênero, minguadas, continuam
existindo; b) os professores do ensino pós-primário, com a expansão desse nível,
aproximaram-se aos do nível primário (em termos de composição por sexo e papel do salário
na economia doméstica); c) o professorado continua sendo menos feminino no México; d) a
origem de classe da categoria é heterogênea; e) a composição mais popular no Brasil, onde as
mudanças no recrutamento parecem ser maiores, possivelmente deve-se a que a expansão
recente foi mais acelerada neste último país.102
2.2.4 A regulamentação do trabalho docente
O magistério tinha sido consolidado como emprego público no final do século XIX e
no começo do XX. As tentativas de regulamentar o trabalho docente no marco das leis de
trabalho que regem no setor privado e que existiram, por exemplo, no Brasil, foram projetos
de precarização do trabalho docente. Em todos os países, a insegurança trabalhista é uma das
marcas que distingue o trabalho nas redes privadas com o trabalho nas redes públicas.103
Conforme descrevi, desde o século XIX e na primeira metade do XX começaram a ser
sancionadas as leis e disposições que regulamentavam o trabalho docente cada vez com maior
especificidade. No caso dos trabalhadores da rede federal mexicana, essa regulamentação
específica fica claramente definida entre 1938 e 1946 (entre a sanção do regulamento do
conjunto do funcionalismo federal e a sanção do regulamento específico dos funcionários da
100
O mesmo vale para os professores da cidade de Buenos Aires em 2007, conforme o estudo apresentado em Donaire
(2009): 54,8% das professoras e 84,3% dos professores do setor público eram chefes de domicílio.
101
Um dado importante, aparentemente contraditório com a mencionada mudança no recrutamento do professorado é:
dividindo o total em duas gerações, não há diferenças significativas (DONAIRE, 2009).
102
No México, a bibliografia não tem se dedicado especialmente a esta questão. Este fato pode estar associado ao próprio
sistema de recrutamento (descrito nas próximas páginas): diferentemente do Brasil, teríamos uma categoria que se empobrece
mais do que uma categoria que muda as suas bases de recrutamento.
103
Para uma análise mais completa e mais complexa das segmentações que atravessam o mercado de trabalho docente, ver o
estudo de Vázquez (2005) sobre o caso mexicano.
77
Secretaria de Educação Pública). Os trabalhadores da rede federal argentina só contaram com
um Estatuto Docente em 1954. Este foi sancionado no governo de Juan Perón e derrogado
pouco depois. Entre as particularidades, este estatuto estabeleceu a preferência dos filhos dos
professores para ingressar à carreira (GINDIN, 2010). Em 1958, sancionou-se um novo
estatuto dos docentes da rede federal e sobre essa base muitas províncias criaram seus
próprios. Este constituiu-se no instrumento de regulamentação do trabalho docente por
excelência: a partir dele foram sancionados uma série de estatutos provinciais que, em termos
gerais, mantiveram-se vigentes até a atualidade.104 É muito difícil tratar, pela própria
heterogeneidade, da situação brasileira.105 As primeiras disposições legais trabalhistas
estavam incorporadas nas leis de educação ou em disposições gerais para os funcionários
públicos. A lei federal do ensino primário (1946) recomendou a organização da carreira do
professorado aos estados. Existem exemplos de regulamentações específicas e sancionadas
antes da década de 1970106, mas foi a partir dessa década de 1970 que os estatutos se
generalizaram, promovidos pela própria reforma educacional de começos da década. O peso
(crescente) das redes municipais de ensino fez com que algumas virassem grandes
empregadoras, sofressem pressão sindical e sancionassem também estatutos; mas esta
situação não é generalizável a todas as redes municipais.107
Muitas questões ainda podem ser comparadas a esses instrumentos legais (o estatuto
docente argentino de 1958 tem mais de 150 artigos; o regulamento mexicano de 1946 tem 92,
e se articula com o estatuto do funcionalismo público federal), para fins do presente trabalho
as questões chaves são duas: 1) o ingresso à carreira e o alcance da estabilidade trabalhista; e
2) os mecanismos de nomeação dos funcionários hierárquicos (diretores e inspetores). Os
eventuais mecanismos de participação dos docentes em cada uma das instâncias contempladas
nos estatutos, regulamentos e planos de carreira serão consideradas nos próximos capítulos.
Antes de desagregar essas questões, cabe fazer uma observação sobre a abrangência
desses instrumentos legais. Na Argentina, o estatuto de 1958 incluía os docentes públicos da
rede federal108 e, além disso, atuou como paradigma da regulamentação do trabalho em um
contexto histórico no qual a rede federal perdia progressivamente o seu peso. O regulamento
104
Sobre os estatutos docentes das diferentes redes provinciais e da rede federal, ver Saforcada et al (2004). Ver Rodriguez
(2009) sobre os estatutos docentes durante a última ditadura argentina (1976-1983).
105
Na principal tentativa de estudar esta questão em escala nacional, Abreu et al (2000) analisaram 22 leis estaduais de
estatutos e/ou planos de carreira sancionados antes de 1996.
106
É o caso do estatuto docente do Rio Grande do Sul aprovado em 1954 (CPERS/Sindicato, 1995).
107
No final da década de 1990, no estado do Rio de Janeiro, muitos municípios não tinham planos de carreira (VALLE,
2003).
108
O projeto inicial incluía os professores das redes particulares, mas finalmente só incluiu os das redes públicas. Cfr.
Alfredo Bravo, liderança sindical da época, em entrevista citada em Vazquez e Balduzzi, (2000).
78
mexicano de 1946 vigorava para todos os trabalhadores de base da SEP (docentes,
administrativos e técnicos da rede pública) e por meio de convênios de nivelação também se
estendeu a alguns estados. No Brasil, os planos de carreira acompanharam a fragmentação do
emprego docente em redes estaduais e municipais, mas algumas previdências muito gerais
relativas à contratação docente foram contempladas nas leis nacionais de educação. Como
veremos a seguir:
1) Ingresso à carreira e estabilidade trabalhista.
A estabilidade no emprego e a imobilidade da função estiveram entre as primeiras
questões trabalhistas regulamentadas. Foram demandadas pelos professores perante duas
atitudes bastante naturais dos gestores dos sistemas de ensino: a demissão e a re-localização
de professores, seja por motivações políticas ou por circunstâncias especificamente
educativas. Progressivamente, regulamentaram-se as licenças e a escala salarial segundo o
tempo de serviço na função. De qualquer maneira, a proteção perante as demissões não cobria
exatamente a todos os professores públicos: o corpo docente manteve-se dividido entre os
titulares (com o direito pleno) e os provisórios ou substitutos (sem esse direito).
O ingresso à carreira por concurso consolidou-se na Argentina e no Brasil, mas não no
México. Na Argentina e no Brasil isso explica um dos grandes temas de negociação entre
governos e professores: a chamada para os concursos e as características dessas chamadas
(que são definidas ad hoc). Não chamar para os concursos, por outro lado, permite aos
governos certa flexibilidade na gestão da planta de trabalhadores. Só os concursados tem
plenos direitos trabalhistas e, por isso, é importante desagregar a situação funcional do corpo
de professores.
A situação no Brasil, como era de se esperar, era muito heterogênea. A Constituição
Federal de 1946 estabeleceu concurso de títulos e provas para obter uma vaga no ensino
secundário oficial (aos quais seria garantida a vitalicidade) e promoveu a realização de
concursos para o ingresso ao funcionalismo. Segundo a lei de ensino primário (1946, art. 36),
os diretores de escola seriam escolhidos por concurso entre professores diplomados, mas a
organização da carreira dos professores foi delegada aos estados. No município do Rio de
Janeiro, os normalistas ingressavam automaticamente ao quadro de professores do Distrito
Federal, mas em outras redes o concurso consolidou-se como via de ingresso.109 Finalmente, a
109
Em Minas Gerais o concurso de provas ou títulos como critério para provimento dos cargos foi instituído em 1937 para
todos os funcionários públicos (ROCHA, 2009). O primeiro concurso para professores de ensino médio realizado em São
Paulo foi em 1943 (PAULA, 2007). Nos concursos de ingresso no estado da Bahia, na década de 1940, os que tiravam
79
LDB do ensino do primeiro e segundo grau de 1971 estabeleceu que o ingresso ao
professorado primário fosse por concurso público em todo o país.
Além das modalidades de titular e provisório (ou temporário), também existentes na
Argentina e no México, durante a ditadura militar que se iniciou em 1964, foi promovida a
contratação de professores da rede pública no marco da Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT). Os celetistas, como foram conhecidos, contavam com os direitos trabalhistas do setor
privado e o mesmo salário básico que os estatutários, mas não tinham estabilidade. Em um
caso extremo, todos os professores públicos da cidade de Brasília chegaram a ser celetistas. A
Constituição Federal de 1988 limitou esta possibilidade, mas na década de 1990 voltariam a
aparecer algumas experiências similares, como a desenvolvida no Paraná, onde o governo
criou uma Fundação, Paranáeducação, e terceirizou a contratação docente (PITON, 2004).
Uma série de informes permite olhar a situação real de emprego dos professores nos
últimos vinte anos. Provavelmente não se trate de pesquisas comparáveis, mas a queda de
contratados no marco da CLT parece ser uma tendência. Segundo um trabalho baseado na
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho, no setor público,
em 1988, 35,5 % dos professores de primeiro grau estavam contratados no marco da CLT e
49% eram estatutários. No segundo grau, as porcentagens eram 18,2% e 57,4%,
respectivamente. Os restantes 15,5 % (para o primeiro grau) e 24,4 % (para o segundo grau)
eram empregados sob contratos temporários e outras modalidades (MARTINE, 1994). Já no
novo milênio, um levantamento realizado pela UNESCO (2004) indica que 66,1% dos
professores são efetivos concursados, 19,1% são temporários, 9,2% são efetivos sem concurso
e 5,7% são celetistas. O censo docente de 2003, ainda que não tivesse realmente alcance
censitário (estima-se que respondeu 61,8% dos professores), permitiu inferir que os celetistas
se concentravam nas redes municipais.110 Por regiões, os valores mais altos do estudo da
UNESCO (2004) eram de 10,5% de celetistas no sul (provavelmente explicado pelo caso do
Paraná), 29,0% de temporários no norte e 25,4% no sudeste, 21,3% dos efetivos sem concurso
no nordeste e 77,5% dos efetivos com concurso no centro-oeste. O peso dos temporários no
sudeste provavelmente decorreu da política educacional e trabalhista do estado de São Paulo.
Em 2002, a rede estadual paulista possuía 75,9% dos professores de ensino fundamental como
Admitidos por Contrato Temporário (ACT) e os 24,1 % restantes como estatutários. No
melhores notas ficavam na capital (Salvador), e os que obtinham menores resultados trabalhavam no interior. (Depois
tiveram concursos diferenciados) (SANTOS, 2006).
110
13,8% dos professores municipais que participaram do censo eram celetistas, 14,8 tinham contratos temporários e 48%
estatutários; nas redes estaduais as porcentagens eram de 3%, 16,3% e 55,1% respectivamente (INEP, 2006)
80
conjunto das redes municipais do mesmo estado, os professores ACT eram 10,2 %, os
estatutários 73,4 % e existiam 16,2% de celetistas (PALLEROSI, 2005).
Diferentemente do Brasil, na Argentina o concurso de ingresso ao professorado não
incluiu nem inclui provas. Os docentes se inscrevem e são avaliados em função da sua
titulação e dos seus antecedentes profissionais. Atualmente, segundo o censo docente de 2004,
60% dos professores públicos de educação infantil e primária são titulares (MECYT, 2007a).
No México, a força que nas primeiras décadas do século XX adquiriu a concepção dos
professores como trabalhadores sindicalizados, a rápida afirmação do sindicalismo (que
promoveu um forte igualitarismo) e as tradições políticas e trabalhistas, dificultaram a
consolidação da ideia de competência técnica como critério para o ingresso e a promoção na
carreira. Neste contexto, entende-se que os concursos não se consolidassem como mecanismo
para a provisão de cargos; que os estudantes das escolas normais públicas conquistassem o
direito de ingressar automaticamente no sistema educacional depois de se formarem111; e que
muitos dos professores de ensino médio fossem professores de ensino primário
“reconvertidos” (ARNAUT, 2005). Desta cultura trabalhista, também participam, em certa
medida, as próprias autoridades.
A cultura trabalhista do professorado mexicano foi portadora de um elemento que não
aparece no professorado argentino e brasileiro, mas que sim aparece em certa medida em
empresas estatais destes países: é comum que a função seja herdada pelos filhos com
formação docente quando o professor se aposenta. Isto é um dos elementos que está por trás
da grande ‘endogamia’ visível no professorado mexicano. De fato, Loyo (2002) escreveu que
a vida pessoal e profissional dos professores transcorre em muitos casos “entre professores”.
A relação (informal) de propriedade que o professor tem com a função que ocupa
permitiu que aparecessem casos nos quais os professores vendem as suas funções quando se
aposentam. O sindicato participou desta cultura, o que permitiu que vendesse funções,
particularmente as de nova criação. Aparentemente, esses elementos consolidaram-se na
década de 1960. Este sistema de ingresso foi muito criticado e apareceram, recentemente,
tentativas governamentais, com resultados modestos, de concursar as funções.
2) Diretores e inspetores
111
Essa conquista, da década de 1960, perdurou até a de 1980 (ARNAUT, 2005).
81
O fato de que as funções de diretor e, particularmente, de inspeção, fossem confiadas
aos normalistas contribuiu para uma relativa homogeneização vertical da categoria. Esta se
aprofundaria quando, na Argentina e no México, os estatutos que regulamentavam a carreira
docente estabeleceram que os diretores e inspetores fossem promovidos dentro da carreira
docente sem novos diplomas. No Brasil, diferentemente, desde a década de 1930 existiam
carreiras especificas para formar diretores e inspetores (carreiras que deixaram de ser
ministradas nos Institutos e passaram às Universidades entre finais da década de 1960 e da
reforma de 1971).
A progressão por concurso dentro da carreira para diretor e inspetor, na Argentina, foi
estabelecida pelo Estatuto de 1958 e generalizada como prática; mas existem antecedentes.
Organizam-se concursos de promoção (dos professores para serem diretores e dos diretores
para serem inspetores). Também no México as funções de diretores e inspetores formam parte
da progressão dentro da carreira docente e não existe formação específica. A particularidade
reside no fato de que o sindicato tenha um peso decisivo nesses concursos, ao integrar
paritariamente a Comisión Nacional de Escalafón que decide as promoções. Além disso, a
função de chefe de setor, hierarquicamente superior a de inspetor, incluiu-se no escalafón. Na
década de 1990, houve tentativas de recuperar e hierarquizar o papel pedagógico dos
inspetores (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008)
No Brasil, gradativamente, exigiu-se formação específica para os diretores e
inspetores112, primeiro nos institutos e depois nas universidades. Em algumas redes, os
diretores e inspetores continuaram sendo nomeados pelas autoridades (como na da cidade do
Rio de Janeiro, e provavelmente assim seja na maioria). Isto ajuda a entender uma demanda
bastante particular que se consolidou na década de 1980: que os diretores de escola fossem
eleitos pela comunidade escolar.113 Desde esse momento encontram-se formas “puras”
(diretores escolhidos pelas autoridades ou eleitos pela comunidade escolar) e “mistas” (que
incluem etapas de consulta à comunidade e finalmente indicação pelo poder público, por
exemplo). Entre 1996 e 1998, os diretores eram eleitos em 53% da amostra de legislação
educacional trabalhada por Mendonça (2000) (em oito redes estaduais, dezenove capitais de
estado e no Distrito Federal).
112
A partir da década de 1930, tinham sido instituídos cursos específicos para a formação do pessoal diretivo: os cursos em
administração escolar. Quando a lei de ensino primário (1946, art. 36) estabeleceu que os diretores de escola fossem
escolhidos por concurso, agregou que fossem priorizados os que tivessem curso de administração escolar.
113
Os professores de Rio Grande do Sul, mesmo que ainda não tivessem conseguido, já demandavam a eleição de diretores
de escola na década de 1960 (CPERS/Sindicato, 1995).
82
2.2.5 Melhores empregos para piores trabalhos
Os professores demandaram e conseguiram que os salários se incrementassem
conforme o tempo de trabalho na função. No México, existiu uma tendência niveladora muito
forte associada ao peso da rede federal (pelo seu próprio peso específico e como referência
das redes estaduais) e à pressão sindical. Na Argentina, os salários da rede federal atuavam
como referência e os professores demandaram a equiparação e, depois, um piso salarial
nacional, mas nunca o grau de homogeneidade salarial alcançou a profundidade visível no
caso mexicano. O brasileiro constitui um caso extremo porque o crescimento das redes
municipais aprofundou a fragmentação das estruturas salariais, mas a concretização de um
piso salarial nacional (estabelecido pela constituição federal de 1988) não se realizou.
Na década de 1990, foram promovidas políticas salariais que estabeleceram prêmios e
castigos, e pretenderam vincular as remunerações à “produtividade” docente. Estas não são
estritamente novas114; o novo são as políticas que pretendiam organizar a estrutura das
remunerações em função de uma reforma integral orientada pelo princípio de concorrência
(entre professores, entre escolas, etc.). Esta política, junto com a crescente desconcentração da
contratação docente, que já descrevemos, contribuiu para fragmentar o cenário salarial
docente, com diferente profundidade, nos três países. Na última década os avanços no sentido
contrário foram, principalmente, o estabelecimento de um piso salarial nacional na Argentina
e no Brasil.
Aparentemente, a evolução dos salários docentes acompanhou nas últimas décadas o
que aconteceu com o conjunto da população assalariada. Haveria uma queda salarial,
concentrada na década de 1980, cuja importância é amplificada por um peso maior do salário
docente no ingresso familiar total, decorrente da existência de menos famílias nucleares e do
recrutamento dos professores, na Argentina e no Brasil, entre camadas mais baixas da
população.115 Uma das respostas dos professores foi a ampliação do tempo de trabalho.116 Isso
é difícil de captar devido ao fato de que as estatísticas, frequentemente, contabilizam funções,
não pessoas, e, também, ao fato do peso que tem o trabalho realizado fora da sala de aula e o
desenvolvimento de atividades fora do sistema educacional. Apenas 14,7% da amostra de
114
Um exemplo do nordeste brasileiro. Em 1915 foi criado, em Sergipe, um prêmio pecuniário por aluno aprovado na prova
final do curso primário. Em 1923 foi estabelecido um novo prêmio aos que não pediram licença em dois anos (OLIVEIRA,
Dilma, 2004).
115
Sobre os salários docentes no México há algumas considerações em Arnaut (1996). Especificamente, sobre a década de
1990, ver Bordonaro e Huitrón (2006). Sobre o caso da Argentina ver Wiñar, Lemos e Fernandez (1997), Iñiguez (2000) e
MECyT (2010). Sobre diferentes redes brasileiras, ver Junqueira e Muls (1997), Vieira (2003) e Novaes (1984).
116
Na década de 1970 aparece a possibilidade dos professores terem dupla regência no México. No Distrito Federal, 52,2 %
dos professores de educação primária em meados dos anos ’90 tinham mais de uma função (IBARROLA; RUIZ; CEDILLO,
1997). Em 1995 na rede municipal de Belo Horizonte, entre as professoras primárias, 44,1% realizavam extensão de jornada,
e 14,7% possuíam duas funções (ROCHA, 2009).
83
professores dos anos 1950 com a qual trabalhou Magrone (2004) declararam trabalhar mais de
40 horas semanais no magistério no ano anterior ao início de sua aposentadoria. Na geração
mais nova a porcentagem cresce para 48,4%. Magrone (2004) sugere que boa parte da
categoria, além da dupla regência, trabalha em atividades informais. Esta tendência é parte de
um processo mais amplo da mudança no papel do trabalho assalariado feminino e de
intensificação do trabalho na sociedade contemporânea.117
As reformas educacionais tem se orientado explicitamente a um maior controle do
trabalho docente. Donaire (2009), trabalhando a proletarização do trabalho docente na cidade
de Buenos Aires, indica que os avanços no controle estatal sobre o trabalho em sala de aulas
tem sido limitados. Provavelmente, isso também tenha acontecido não só nas outras cidades
da Argentina, mas também nos outros países. De qualquer modo, a tendência ao incremento
do controle burocrático sobre as tarefas realizadas e a qualificação docente parecem sim ter
avançado.118 Toda a retórica reformista das últimas duas décadas, e a nova legislação na qual
se expressou, pretendiam praticamente uma reviravolta do trabalho docente. Os efeitos reais
devem ser analisados com cuidado, considerando o hiato entre essa legislação e o cotidiano
escolar (OLIVEIRA, Dalila, 2004a).
Paro (1995) desenvolveu, em São Paulo, um estudo de caso sobre a realidade das
escolas públicas das grandes metrópoles, no qual trabalha uma porcentagem crescente da
categoria. Muitas das características identificadas por Paro podem ser estendidas a esse tipo
de escolas no México e Argentina. Essas escolas públicas são frequentadas pelas parcelas
pobres da população, e estão atravessadas pelas suas carências e as suas demandas. Trata-se
de uma situação estruturalmente diferente as das escolas que atendiam à população carente
cinco ou seis décadas atrás, e os professores tem visto as suas condições de trabalho piorarem.
O principal estrago talvez se encontre, mais do que nas modificações dos regimes de emprego
e da flexibilização do trabalho, nas condições sociais e culturais para exercer o trabalho
docente. A violência na escola (entre alunos, entre alunos e professores, entre pais e
professores) tem se constituído um grave problema para a categoria. As pesquisas sobre saúde
117
Sobre a intensificação do trabalho, ver Dal Rosso (2008).
No México, a situação é mais complexa pela mediação do sindicato, via as funções hierárquicas, na relação entre a
hierarquia educacional e os professores.
118
84
e trabalho docente confirmam a presença generalizada de doenças trabalhistas (psicológicas,
na voz e decorrentes da postura).119
Cabe sublinhar que neste mesmo período no qual as condições para o exercício do
trabalho docente pioraram, no mercado de trabalho o emprego formal e estável perdeu
centralidade como referência na trajetória ocupacional dos indivíduos. Isso se expressa no
desemprego, no incremento dos regimes precários de trabalho urbano e na perda de
centralidade da promessa de cidadania via o acesso ao mercado de trabalho (CARDOSO,
2003). Enquanto o mercado de trabalho no setor privado crescia exponencialmente (pelo seu
próprio crescimento e também via privatizações) e tornava-se muito mais agressivo do que
nas décadas de 1960 e 1970, o professorado continuou sendo, ou consolidou-se como
emprego estável. A esse grande atrativo, agrega-se outro, tradicional: a flexibilidade no tempo
de trabalho. Esta flexibilidade – a possibilidade de trabalhar em casa, nos finais de semana, de
ter eventualmente menos horas de trabalho – foi, desde sempre, uma característica própria da
docência.
Com efeito, analisando o caso argentino, Birgin (1999) indica que nos momentos de
crise ou dificuldades econômicas, nas décadas de 1980 e 1990, o professorado aparece como
uma boa alternativa e, mais pessoas tentam ingressar ou voltam à escola, procurando a
garantia de uma remuneração. Inversamente, nos momentos de euforia econômica, a
tendência se inverte. É consistente com o trabalho citado de Magrone. Ele aponta que em
ambas as gerações é visível uma grande proporção de pais que exerceram algum cargo
público, mas que entre ambas as gerações o que significa emprego público mudou, e perdeu
prestígio. Na década de 1950 o serviço público era uma típica ocupação das classes médias
assalariadas, enquanto “… para os pais da geração mais nova de professores/as, a opção
pelo serviço público pode estar vinculada a uma estratégia de inscrição ocupacional dos
setores médios em um ambiente urbano que ficou cada vez mais competitivo” (MAGRONE,
2004, p. 114).
2.2.6 Imagem social da escola pública e da profissão docente
Nos três países existe, no senso comum, entre boa parte dos pesquisadores e
fundamentalmente entre os professores, a ideia de uma queda no status social dos docentes na
segunda metade do século XX. Mas para os objetivos da presente pesquisa é necessário evitar
119
Ver Martínez, Valles e Kohen (1997) sobre o caso argentino e Codo (1999) sobre o caso brasileiro. Um estudo mais
limitado, sobre o síndrome burnout em Guadalajara é Rodríguez et al (2003). Também sobre o caso brasileiro, ver Oliveira e
Assunção (2009).
85
acompanhar a imagem retrospectiva de si, da própria categoria.120 Tratarei do caso do Brasil,
para depois traçar paralelismos e sublinhar contrastes com os outros dois países.
Em finais da década de 1950, em São Paulo e Rio de Janeiro, começou uma disputa
entre os governos e as associações de professores que se expressou nas imagens associadas ao
professorado. Entre 1959 e 1964 apareceram pela primeira vez na grande imprensa críticas
explicitas à visão idealizada do professorado e fotografias de protestos docentes. Nas disputas
travadas no entorno das representações do professorado estavam em jogo a desvalorização
salarial, o apogeu das manifestações populistas, a polarização política e o “habitus
professoral”, voltado para a defesa da dignidade da profissão. Neste contexto, emergiu uma
nova ideia: o professorado deveria ser remunerado adequadamente, ainda que para atingir esse
objetivo as estratégias docentes reivindicatórias mudassem. As imagens dos professores nas
ruas ao mesmo tempo expressaram essa mudança e contribuíram para a sua afirmação
(VICENTINI, 2002).
Depois de um impasse repressivo, após 1978 uma nova onda de greves, mais
radicalizada e mais generalizada, atravessou o país. A estes movimentos pode se estender
facilmente a conclusão de Vicentini (2002): os movimentos de professores foram agentes das
transformações na imagem social do professorado, hierarquizando a importância da
retribuição econômica ao professorado e contribuindo a que o seu trabalho seja avaliado com
parâmetros próximos aos que é avaliado qualquer outro trabalho. Gostaria de ressaltar que a
erosão da ideia de vocação e das recompensas simbólicas no exercício da docência também é
uma expressão do ingresso das mulheres ao mercado de trabalho e da hegemonia de compra e
venda da força de trabalho, do assalariamento, como a forma predominante de ocupação,
inclusive nas profissões liberais.
Magrone (2004) afirma que o elemento fundamental para explicar as mudanças no
professorado é a democratização da escola. A massificação do ensino, tanto pelas
modificações que impôs ao recrutamento dos trabalhadores (perda da centralidade das escolas
normais, expansão da categoria) como pela própria democratização do acesso ao ensino
120
A ideia de “queda da profissão” pode ser encontrada com anterioridade. Analisando uma importante revista do
professorado paulista editada nas primeiras décadas do século XX, Catani (1989) toma nota da nostalgia pelo “período áureo”
e escreve que frequentemente essa “invocação nostálgica” ao mesmo tempo fornece o modelo exemplar de compreensão das
questões educacionais e fortalece os limites do campo que se estava organizando profissionalmente. A ideia de que a
invocação nostálgica fornece um modelo exemplar de compreensão é sugestiva porque pode ser encontrada em diferentes
momentos históricos. Para os normalistas paulistas da primeira década do século XX o passado glorioso tinha sido a última
década do século XIX. Com os problemas de recrutamento e os atrasos salariais de meses é difícil imaginar que o final do
século XIX constituiu efetivamente um período áureo para o magistério em algum lugar. Para os professores das décadas de
1980 e 1990 o “período áureo” tinha sido a metade do século, mas na década de 1950 as lideranças docentes paulistas e
cariocas faziam referência a um período anterior de prestígio e consideravam o seu presente como uma “queda”
(VICENTINI, 2002). Esta ideia de um passado sempre melhor deve ser diferenciada das modificações reais, que de fato
existiram. Mas estas modificações não foram sempre negativas.
86
público, teria levado à dissolução das hierarquias tanto no interior da profissão como entre a
profissão e a comunidade escolar. Essa seria a explicação do enfraquecimento da autoridade
dos professores velhos sobre os novos; dos professores sobre os alunos; e do Estado sobre as
famílias. Não se trataria de “degradação”, mas de duas épocas diferentes, dois papéis
diferentes da escola e dois ethos de professores. A violência e os conflitos, tradicionalmente,
permaneciam fora da escola, a qual funcionava como um espaço hierárquico e socialmente
distinto. Agora esses conflitos estão dentro da escola.
Trabalhando com professores das séries iniciais do município do Rio de Janeiro que
lecionaram em meados do século XX e nas duas últimas décadas, Magrone (2004) encontra
indícios do que qualifica como um ethos diferente. No caso da escola tradicional, tem-se
… um corpo de professores consciente da assimetria de sua especialização; orgulhoso da sua
formação profissional, quase sempre obtida junto a instituições de excelência; cioso da
regulação estatal do seu exercício profissional; convencido do valor de sua atividade vez que
este se materializava em uma remuneração relativamente elevada; leal ao governo e ao
serviço burocrático do Estado e ciente da força de sua autoridade perante a sociedade em geral
e, especialmente, junto àqueles que dividem com ele o espaço do local de trabalho. De outro
lado, tem-se o ethos democrático, isto é, o ethos do professor da escola popular de massa.
Apresenta-se então um professor muito menos centrado em seus conhecimentos; pouco
identificado com a formação profissional adquirida nas incontáveis escolas normais e cursos
superiores espalhados por todo o País; calejado nas greves por melhores salários e condições
de trabalho; desconfiado quanto às intenções oficiais e mais inclinado a quebrar as frágeis
hierarquias ainda estabelecidas no interior do espaço escolar (MAGRONE, 2004, p. 174)
A profissão docente perde densidade simbólica e a autoridade docente se fragiliza
como parte de um movimento que transcende ao professorado. Segundo Magrone (2004, p.
224), trata-se do “… movimento das sociedades democráticas”. Não se deve esquecer que
Magrone trabalha com um segmento que na década de 1950 era a elite do corpo de
professores (os professores urbanos da capital do Brasil) e talvez o papel da democratização
do acesso ao ensino (correto) fosse exagerado.121 De qualquer modo, o seu trabalho capta com
clareza a articulação entre lealdade ao serviço burocrático do Estado, autoridade perante a
sociedade e condições trabalhistas e salariais relativamente boas. Isto, como Magrone
salienta, mudou profundamente. Vicentini e Lugli (2009, p. 156 e 157) sintetizam qual é a
imagem atual da categoria no Brasil:
... um profissional mal preparado e com uma remuneração insuficiente que goza de pouco
prestígio na sociedade e cuja legitimidade está sob constante ameaça. Em razão da intensa
carga de trabalho, adoece facilmente, mas pode faltar às aulas sem prejuízo financeiro para os
seus parcos rendimentos. Além disso, tem pouca possibilidade de interferir nas reformas
empreendidas no sistema de ensino em que atua e o seu trabalho está cada vez mais sujeito ao
121
Uma transformação simbólica paralela ocorreu na Argentina, onde a taxa de escolarização já era alta.
87
controle das instancias superiores e dos especialistas em educação que, de modo geral,
desqualificam as suas práticas e as opiniões apresentadas sobre a sua profissão
A evolução da imagem do professor foi algo diferente na Argentina, e particularmente
no México. Na Argentina, com um normalismo mais militante e mais forte que se enfrentou
com o ensino religioso e defendeu a gestão autônoma do sistema de ensino, uma das imagens
sociais da categoria tinha elementos militantes, o que tinha menor peso no Brasil. Em um
sistema com altas taxas de cobertura, a ‘hierarquia’ do professorado não tinha a ver com o
fato de ele trabalhar com os segmentos mais favorecidos da população. Finalmente, no
México a imagem social do professorado foi marcada pela legitimação dos governos em
termos de herdeiros de uma revolução popular. Os elementos plebeus na identidade da
categoria foram realçados122 e as ideias do professorado como apostolado, vocação ou
profissão não tiveram grande peso perante a afirmação – promovida pelos governos pósrevolucionários – dos professores dos diferentes níveis e hierarquias no sistema educacional,
como trabalhadores em educação e, como parte do conjunto do funcionalismo. Os outros
imaginários existem, às vezes, em tensão, mas, em termos gerais, o professorado afirmou-se
muito cedo como trabalhador, próximo das outras categorias de funcionários públicos
(ARNAUT, 2005).
Considero que as três modificações na imagem social do professor mais relevantes
para a presente pesquisa, e que podem ser reconhecidas nos três países, são: a legitimação da
categoria como sujeito de reivindicações trabalhistas, a perda de centralidade do professor
como modelo de conduta cívica e a consolidação do papel do docente como trabalhador de
base de sistemas burocráticos dirigidos por especialistas. Caracterizar estes três processos
pretende desagregar a ideia, excessivamente geral, de “queda de status”. Trata-se de processos
de longo prazo que não operam por rupturas e que contradizem algumas das chaves
simbólicas do normalismo. As novas gerações docentes progressivamente se formam,
socializam e finalmente trabalham em uma atmosfera cultural, social e educacional na qual
estes três processos estão cada vez mais afirmados.123
A legitimação da categoria como sujeito de reivindicações trabalhistas foi, caso a
conclusão de Vicentini valha para os outros casos, uma disputa que inicialmente os próprios
122
Isto é relativamente independente (mas não completamente, conforme mostramos) de uma eventual composição mais
popular do corpo de professores, porque o elemento chave é que os professores do pobre sertão brasileiro, longe da cultura
normalista das grandes cidades, tiveram um lugar simbólico marginal quando comparados com os seus pares mexicanos.
123
Uma pesquisa que tratou do impacto das mudanças culturais nas diferentes gerações de normalistas é a de Nascimento
(2004) sobre as relações de gênero no Instituto de Educação no Rio de Janeiro entre 1927 e 1992. Até os anos ‘60 a escola
normal era uma das poucas opções para uma moça das camadas médias, elegante, limpa, ordeira e cuja imagem se
correspondia com a imagem de uma boa esposa e uma boa mãe. Nesse momento a imagem muda, com as mudanças na
estética juvenil das mesmas jovens das camadas médias urbanas.
88
professores travaram. Trata-se de um processo impulsionado pelo ingresso da mulher ao
mercado de trabalho e as modificações associadas na sua relação simbólica com o trabalho
assalariado, no sustento das famílias, etc.. Consequentemente, teve mais peso na Argentina e
no Brasil do que no México. É eloquente desta transformação o fato de que, hoje, para
desqualificar as reivindicações docentes e diferentemente do que acontecia seis ou sete
décadas atrás, são mobilizados argumentos trabalhistas (em termos de que os professores
trabalham pouco, ou mal, ou que tem regimes de trabalho muito benéficos) e praticamente
tem desaparecido a defesa da centralidade das recompensas simbólicas para o exercício do
professorado.
A importância das recompensas simbólicas no final do século XIX e começos do XX
não foi simplesmente aceita; está documentado o desconforto dos professores, inclusive dos
normalistas, com os problemas salariais. Diferentemente, a ideia de que os professores
constituem um modelo de conduta cívica, parece ter sido unânime. Os hábitos do professor,
sua conduta, a maneira dele se vestir, de falar, etc deviam operar como um modelo para a
sociedade. Assim era sentido pelos docentes, com relativa independência das suas ideias
políticas, sindicais, etc.124 Esta imagem se expressava na maneira de encaminhar as
reivindicações trabalhistas, na linguagem e na definição do tipo de protesto que os professores
estão dispostos a levar adiante. A ideia de erosão do professor como modelo de conduta cívica
é bastante precisa, e evita contradizer as continuidades que mostram as análises históricas.125
Esta erosão provavelmente tenha começado e chegado mais longe nas áreas urbanas.
A consolidação como parte da imagem do professor da ideia de que se trata de um
trabalhador de base de sistemas burocráticos dirigidos por especialistas foi decorrente do
próprio crescimento do sistema educacional e correlativamente da divisão do trabalho dentro
dele, das políticas educacionais das últimas quatro décadas (de inspiração tecnocrática) e da
burocratização e regulamentação da carreira docente. Isso se expressa no professorado de
diferentes maneiras. Em primeiro lugar, já não tem mais dentro da categoria um setor
hierárquico que é especialista em educação; a imagem social do professor aparece,
consequentemente, desqualificada. Em segundo lugar, depende muito menos e na maioria dos
124
Podem se consultar depoimentos de militantes sindicais paulistas sobre como se vestiam e comportavam os professores
que ingressaram à carreira em meados do século XX em Cruz (2008).
125
Segundo Xavier (2011, p. 203), por exemplo: “As matérias relativas à greve dos professores estampadas nos jornais do
Rio de Janeiro – em 1956, 1979 e 1988- denotam o reforço de elementos identitários atribuídos às ações dos professores e
ao comportamento que deles se esperava, com a ênfase no profissionalismo da categoria em oposição ao politicismo, que
imperaria em épocas de greve; a ideia de que os professores são encarados como modelos de conduta em relação a seus
alunos e à sociedade como um todo ao lado da condenação pela quebra do contrato segundo o qual os professores devem se
portar como exemplo moral da mocidade”.
89
casos não depende de uma boa relação com os políticos ou com as autoridades para ingressar
à carreira ou ser promovido.
Neste capítulo tentei reconstruir as características do corpo de professores e das suas
condições de existência na Argentina, no Brasil e no México ao longo do século XX. Este
trabalho, individual e baseado em bibliografia heterogênea e desigual, basicamente
desenvolvida em escala nacional, tem importantes limites. Nesse contexto, algumas
generalizações, e, particularmente, os argumentos comparativos, são arriscados. Mas os
considero coerentes com as pesquisas empíricas disponíveis, logicamente consistentes e
metodologicamente necessários.
O trabalho desenvolvido permitiu dar densidade histórica aos elementos estruturantes
das práticas sindicais docentes propostos no capítulo 1. Importa reter uma questão, que
apareceu em diferentes partes do capítulo: a ação individual e coletiva do professorado
também está influenciando a evolução destes elementos. A causalidade não é, neste sentido,
unidirecional. O que desde o ponto de vista da gestão do sistema é um problema de
recrutamento, por exemplo, expressa justamente que os professores ou os futuros professores
se negam a trabalhar em determinadas condições. Do mesmo modo, nem as modificações na
imagem social do professorado nem os limites que encontraram algumas políticas
descentralizadoras, por exemplo, se entendem completamente sem considerar o papel da ação
coletiva da categoria. Conforme argumentei, os elementos estruturantes das práticas sindicais
docentes limitam e orientam em determinados sentidos as práticas coletivas do professorado.
No capítulo 6 mostrarei, sistematicamente, o papel explicativo dos ‘elementos estruturantes’
sobre as práticas coletivas dos docentes da Argentina, do Brasil e do México ao longo do
século XX.
90
3. O CASO DA ARGENTINA
Na Argentina, a organização do professorado público avança decididamente na década
de 1910, no marco do fim (negociado) da república oligárquica. Algumas das experiências
organizacionais e reivindicativas do período anterior, embora frágeis, tem podido ser
parcialmente recuperadas.126 Interessa destacar que, ainda que muitos quadros docentes
participaram da onda política renovadora, em termos gerais mantiveram a adesão ideológica
ao projeto educacional de finais do século XX e à figura de Domingo Sarmiento.
3.1 Primórdios
Nas últimas duas décadas do século XIX foram criadas várias organizações docentes.
Em algumas cidades de Santa Fe atuou a Sociedad Unión del Magisterio, pelo menos desde
1884, e em 1886 professores egressos das escolas normais de Paraná e Buenos Aires
formaram o Centro “Unión Normalista”. Em 1889, constituiu-se a Asociación de Profesores
Normalistas (presumivelmente também na cidade de Buenos Aires); em 1892, a Liga de
Maestros, que atuou em San Juan por dois anos; e em 1896; El Magisterio, uma associação de
proteção mútua criada por 170 professores (NIGRO, 1984; GINDIN, 2010).
O caso do Centro Unión Normalista (que criou uma escola feminina de formação de
professores e publicou a Revista Pedagógica Argentina a partir de 1888) ilustra como uma
organização que não foi construída com fins sindicais acabava, pela inserção (assalariada) dos
professores na sociedade, promovendo reivindicações trabalhistas. Em um artigo publicado
nessa Revista, em 1889, o Centro mostrou simpatia com um grupo de professores que
pretendia demandar melhores salários e recomendou-lhes convocar todos os outros
professores da capital, solicitar o apoio da imprensa, publicar um manifesto que seria
encaminhado aos deputados e jornalistas. Finalmente, para verem atendidas as suas
reivindicações, os professores deveriam, “Dirigirse a todos los Consejos Escolares de
Distrito, a fin de que puestos de acuerdo, con el C. N. de Educación, puedan formular los
próximos presupuestos de acuerdo con el aumento que se fije, que racionalmente no puede
ser menor de un 50 % sobre los sueldos actuales”.127
126
Narodowsky (1996), por exemplo, recuperou a existência de duas paralisações e de discussões epistolares entre os
professores da cidade de Buenos Aires e as autoridades governamentais nas primeiras décadas de governo independente. Os
professores demandavam liberdade de cátedra e melhoras salariais.
Neste capítulo apresento informação nova sobre as associações que atuaram entre 1880 e 1910 com base em Gindin (2010).
127
“Los sueldos de los maestros”, Revista Pedagógica Argentina Nº 18, año II, julio de 1889, apud Gindin (2010)
91
A entidade mais importante e mais bem sucedida das constituídas nesta etapa foi a
Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos Aires, criada em 1900. A Associação
tinha, em 1901, 634 sócios em 42 distritos, dos quais 128 eram da capital provincial (La
Plata). Com oscilações no seu crescimento, em 1918 a Associação estava presente em 63 dos
109 distritos da província e tinha 1.300 sócios. Nos seus primeiros anos de atuação a
Associação enviou delegados para organizar os professores de San Juan e Mendoza, e
conseguiu que isso acontecesse. Além disso, a organização de uma federação ou confederação
nacional de professores foi colocada como projeto. Salinas (1910), protagonista deste
processo, aponta que em finais da primeira década do século XX existiam associações de
docentes primários nas províncias de Santiago del Estero, Tucumán, Mendoza, San Juan e
Corrientes, e nas cidades de Rosario (Santa Fe) e Paraná (Entre Ríos). A Asociación Nacional
del Profesorado, criada em 1903, representava os professores secundaristas não titulados, e o
Centro de Profesores Diplomados de Enseñanza Secundaria, constituído em 1908, nucleava o
nascente segmento de professores secundaristas diplomados (PINKASZ, 1992). Em 1908, e
1918, foram constituídas as entidades de ajuda mútua que atuariam por toda a primeira
metade do século no âmbito da rede federal. Nestes casos, a participação das autoridades
educacionais era ainda maior: a Asociación Pro-maestros de Escuela foi promovida pelo
Consejo Nacional de Educación (CNE) em 1908 e, dez anos depois, o mesmo Conselho criou
a Mutualidad Antituberculosa del Magisterio.128
As associações e, em geral, os normalistas e os quadros docentes defendiam o
laicismo, o governo da educação por professores qualificados, a não intromissão da política e
o projeto educacional da geração de 1880 encarnado por Domingo Sarmiento. A associação
da província de Buenos Aires, em uma iniciativa bem sucedida, decidiu em 1912 que o dia 11
de setembro, data da morte de Sarmiento, fosse o dia do professor.129 As associações debatiam
sobre a necessidade de nacionalizar a educação (isto é, acabar com os sistemas provinciais de
educação) e demandavam a participação de docentes na administração do sistema
educacional. Entre as reivindicações trabalhistas dos professores, encontravam-se a
regulamentação da carreira docente (orientada a limitar a arbitrariedade dos governos na
128
A filiação à mutualidade era automática para os professores primários da rede federal, mas não obrigatória (eles podiam
renunciar). Além disso, os professores das redes municipais e provinciais, assim como os familiares dos sócios, podiam se
filiar. O conselho Diretivo tinha onze integrantes dos quais nove eram eleitos em assembleias de delegados de sócios e dois
eram nomeados pelo CNE. Aparentemente nunca as associações de professores chegaram a controlar a Mutualidade, embora
participassem das eleições e tivessem representantes na diretoria. Inicialmente voltada à luta contra a tuberculose, a
Mutualidade rapidamente estendeu seus benefícios médicos e instituiu um seguro de vida para os sócios. Em 1931, contava
com 21.200 sócios (GINDIN, 2010).
129
Em 1913, a Direção Geral de Escolas estabeleceu que o dia do professor fosse feriado (GINDIN, 2010).
Progressivamente, foi tomando caráter federal.
92
gestão da força de trabalho docente), a equiparação salarial (já que os professores da rede
federal ganhavam muito mais do que seus pares empregados pelas províncias, e dentro da
rede federal existiam diferenças entre os professores das escolas Lainez e os dos territórios
federais, por exemplo) e o pagamento em data.
Como nos outros países, nesta etapa, era normal que os governos vissem com simpatia
a organização da categoria. De fato, a Asociación de Maestros de Corrientes simplesmente foi
constituída por decreto do governo em 1909 (GINDIN, 2010). No mesmo sentido, entre os
direitos e atribuições do Conselho Escolar da província de Buenos Aires encontrava-se
fomentar a associação dos professores, “… con fines útiles a la enseñanza” (art. 26 da Lei de
Educação Comum de 1875, apud KATZ, 1996).
Esta situação encontrava-se associada ao fato de que alguns destacados normalistas,
que integravam os governos, tiveram um grande peso na promoção de entidades docentes.
Raúl Díaz, inspetor por 26 anos dos dilatados territórios nacionais, esteve vinculado ao
Centro “Unión Normalista”, promovia entidades docentes (MARENGO, 1991; GINDIN,
2010). A Liga de Maestros de San Juan de 1892 foi organizada por normalistas, um deles o
próprio Werfield Salinas, que seria liderança da associação da província de Buenos Aires,
promoveria entidades docentes em San Juan e em Mendoza na primeira década do século XX
e, em 1912, seria nomeado como um dos três inspetores da Secretária de Escolas Normais do
CNE (SALINAS, 1910; MARENGO, 1991). Jorge Susini, impulsor e primeiro presidente da
Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos Aires tinha participado do Congresso
Pedagógico de 1882 como “maestro normalista” e, em 1900, era diretor da escola 1 de La
Plata (capital da província). Victor Mercante, diretor da Escola Normal de Mercedes, do
interior da província, também apoiou fortemente a iniciativa (KATZ, 1996).
Um olhar à Associação da província de Buenos Aires permite dimensionar as
condições nas quais estas entidades operavam. A Associação teve sempre um caráter
mutualista bastante acentuado, fato estimulado porque na rede provincial não atuavam as
associações mutualistas da rede federal, e a “gestão perante as autoridades” era a forma típica
de canalização das demandas trabalhistas. A debilidade do Estado, a pouca regulamentação do
trabalho docente e o pequeno tamanho da categoria em termos absolutos contribuíam para que
estas fossem tratadas quase personalizadamente. Desde o interior da província chegavam
mensagens pedindo que a associação atuasse para incrementar salários de segmentos ou
grupos muito limitados da categoria, ou para que fossem revisados os critérios de nomeação
ou traslado de professores e diretores. Inclusive, recebiam cartas (em 1910) solicitando que a
93
associação obtivesse o título de professor para os professores interinos com uma quantidade
determinada de anos de serviço (GINDIN, 2010).
Werfield Salinas escreveu que os sócios estavam protegidos em grande parte pelo
Estado… “a pesar de que en el seno de sus Asambleas se discuten largamente las
resoluciones de sus hombres de Gobierno llegando no sólo a pronunciarse en contrario sino
hasta condenándolas públicamente” (SALINAS, 1910, p. 175). A consideração é correta. O
governo pagava as passagens dos delegados para as assembleias anuais e as autoridades
educacionais participavam dessas assembleias. A Casa del Magisterio (sede da Associação)
foi construída na década de 1910 com fundos do governo nacional sobre um terreno doado
pelo governo da província. Em caso de extinção da Associação, os estatutos estabeleciam que
os bens fossem entregues à autoridade educacional da província com o compromisso de que
fossem guardados em favor de uma nova entidade que se criasse no futuro (art. 85, Estatuto
de 1931). A influência negativa da dispersão sobre a organização da categoria é transparente:
em 1910 só em cinco distritos havia mais de cinquenta sócios e só na capital provincial havia
mais de cem. Isto explica a curta vida de muitas comissões locais e as tentativas da
Associação de se articular com os níveis hierárquicos do sistema educacional (que viajavam e
tinham relação com as autoridades na capital provincial) para organizar a própria base
(GINDIN, 2010).
Em começos da década de 1910 estava colocada a abertura do regime político, sob a
pressão da Unión Cívica Radical (UCR, que tinha liderado dois alçamentos armados e estava
proibida). Com uma nova lei eleitoral, em 1912, o regime oligárquico começou a saída
negociada da cena política e a UCR elegeu o primeiro governador. Quatro anos depois
Hypólito Yrigoyen, da UCR, foi eleito presidente. Neste contexto de abertura, professores
socialistas e anarquistas ganharam posições no sistema educacional na década de 1910
(MARENGO, 1991). A presença de ativistas anarquistas no magistério também explicaria a
chamada da central sindical anarquista (FORA) à criação de uma organização docente em
1915 (MAROTTA, 1961). Esta situação nacional e a agitação propriamente operária do final
da década influenciaram na categoria, que, em 1919, contava com entidades em praticamente
todos os distritos.
3.2 A organização da categoria: a lebre e o ensopado de lebre
Na cidade de Buenos Aires foram organizadas a Liga Nacional de Maestros –
constituída em 1913 e orientada por Julio Barcos, anarquista, na qual também militou Rodolfo
94
Ghioldi130– e a Confederación de Maestros – criada em 1916 e dirigida por Luciano Schilling,
mais moderada e, aparentemente, com maior gravitação. Schilling tinha participado da UCR
na década de 1890 e o voltaria a fazer nas décadas de 1920 e 1930 (com um trânsito pelo
Partido Socialista, entre 1924 e 1929) (NIGRO, 1984).
Em 1919, associações docentes funcionavam em Córdoba, Corrientes, Salta, San Juan,
Mendoza, Tucumán, Buenos Aires e Santiago del Estero, e federações provinciais em Entre
Ríos e Santa Fe. Este grupo de entidades reuniu-se com a Confederación de Maestros no
Primer Congreso del Maestro Argentino, promovido pela associação da província de Buenos
Aires, deixando à margem o segmento mais radicalizado da categoria e aproximando-se dos
segmentos conservadores, ambos com menor peso.131 Os contatos entre estas entidades
fluíam, ainda que existissem grandes dificuldades de construir uma organização nacional.132
A maioria das organizações criadas no período anterior, tanto como as que seriam
criadas depois de 1920, eram de caráter local, mesmo quando pretendiam representar o
professorado de toda uma província, e, por isso, avançaram à constituição de Federações
como as de Santa Fe (em 1919, reconstituída em 1928), Entre Ríos (já atuante em 1919),
Tucumán (1928), Santiago del Estero (na década de 1930) e Córdoba (1946). Duas
importantes exceções merecem ser comentadas: a Associação da Província de Buenos Aires e
a Confederación de Maestros.
A Associação de Província de Buenos Aires, que em 1918 estava presente em 63 dos
109 distritos da província e tinha 1.300 sócios, em meados da década de 1920 contava com
4.000 sócios aproximadamente e mais de 90 comissões locais. Esse número permaneceu
relativamente estável nas décadas seguintes. A Confederação, inicialmente, propôs-se a
organizar o professorado primário de todo o país, tanto das redes provinciais como da rede
federal, mas sempre foi basicamente uma entidade da Capital Federal. É difícil estabelecer as
tendências na filiação, mas em 1931 a Confederação tinha 991 sócios na cidade de Buenos
Aires (organizados em onze comitês), 1.728 no interior (em dezoito comitês, basicamente das
províncias de Mendoza e Córdoba) e 607 sócios diretos, não organizados em comitês, no
interior. No total, eram pouco menos de 3.500 sócios. Para a década de 1940 atuava
130
Rodolfo Ghioldi foi delegado da Liga Nacional de Maestros a Mendoza, em 1919, com ocasião da greve de professores
(DE LA VEGA, 1997). Ghioldi era da ala esquerda do Partido Socialista e em 1918 participou da criação do Partido
Socialista Internacionalista, que seria depois re-batizado como Partido Comunista Argentino.
131
No segmento mais radicalizado revistavam a Liga de Julio Barcos e Maestros Unidos, associação mendocina criada em
1919. Ao Congresso foi convidada, para representar os professores de Mendoza, uma entidade paralela aderida à Liga
Patriótica (direita). Um ano depois foi constituída uma organização docente conservadora na Capital Federal, Brigada del
Magisterio, também vinculada à Liga Patriótica Argentina (DE LA VEGA, 1997; ASCOLANI, 1999).
132
Inclusive uma efêmera Confederação reuniu em 1914 fundos para apoiar os professores de Buenos Aires perseguidos pelo
CNE (GINDIN, 2010).
95
exclusivamente na cidade de Buenos Aires, e em 1957 rebatizou-se como Confederación de
Maestros de la Capital Federal (GINDIN, 2010). Existe informação dispersa sobre a
quantidade de filiados a algumas associações locais.133
Os principais conflitos foram por atrasos no pagamento dos salários e as suspensões de
professores. Houve uma paralisação na cidade de Buenos Aires em 1912134, mas o principal
conflito foi dos professores de Mendoza. Em 1919, docentes de Mendoza criaram um jornal
voltado para as demandas trabalhistas do professorado e acabaram sendo demitidos pelo
governo da província (da UCR)135 Isso radicalizou ainda mais o grupo, o qual organizou uma
assembleia e constituiu um sindicato (Maestros Unidos) filiado à federação operária
provincial. A associação tradicional estava inativa e os professores próximos do governo
criaram uma nova entidade: Unión de Maestros de Mendoza. O desenvolvimento da greve
confirma que os professores mobilizados não eram um grupo marginal na categoria e que a
articulação com o movimento sindical mendocino foi excepcionalmente real: os professores
conseguiram se reunir com o presidente Hipólito Yrigoyen, e foram protagonistas de uma
verdadeira rebelião sindical na província que foi duramente reprimida (DE LA VEGA, 1997).
A única experiência relativamente comparável foi a greve dos professores de Santa Fe, dois
anos depois, que acabou, de forma repressiva, com a desarticulação da federação provincial.
Os normalistas e os funcionários de maior hierarquia continuaram tendo um peso
importante na organização da categoria,136 o que continuou sendo um elo entre as entidades
docentes e os governos. As relações eram normalmente próximas. Na lista de delegados ao
Primer Congreso del Maestro Argentino (1919), organizado pela Associação da província de
Buenos Aires, aparecem representantes das associações docentes e autoridades educacionais.
Ou seja, os próprios empregadores enviaram delegados ao Congresso. Por outro lado, os
133
A Asociación Docente de Chilecito, criada por 28 professores em 1934, em uma cidade do interior de La Rioja, chegou a
contar com 148 sócios em 1939. Esse mesmo ano a Sociedad Unión del Magisterio da cidade de Rosario tinha 1.068 filiados.
As Associações de Chaco e Corrientes (que se concentravam nas respectivas capitais) tinham 468 sócios em 1932 (Chaco) e
248 em 1943 (Corrientes) (GINDIN, 2010).
134
Em junho de 1912 um grupo de docentes da cidade de Buenos Aires, liderados por Julio Barcos, organizou uma greve. Em
agosto de 1912 o CNE decidiu demitir nove professores da cidade de Buenos Aires, muitos dos quais tinham participado da
greve, por se dirigir de maneira desrespeitosa ao CNE. Os professores tinham pedido ao Ministério de Educação o
relevamento do CNE por não serem pessoas de reconhecida experiência (MARENGO, 1991). O Ministério interveio e as
demissões não foram efetivadas. Aponta Marengo (1991, p. 152) que “Por primera vez el movimiento de los maestros
lograba intervenir sobre la conducción educativa”.
135
Um novo enfrentamento entre governos radicais e associações docentes produziu-se anos depois, na província de San
Juan. Ver, sobre o caso, Garcés (1992).
136
Clodomiro Giménez, presidente da Asociación de Maestros de Mendoza em 1917, tinha se formado na emblemática
Escola Normal de Paraná e era em 1917 diretor da Escola Normal de Mendoza (DE LA VEGA, 1997). No caso da província
de Buenos Aires, também é claro o peso dos funcionários hierárquicos do sistema educacional até meados da década de 1920.
A presença da elite da docência no processo de organização da categoria também vale para o caso dos professores de ensino
médio. A II assembleia da Asociación Nacional de Profesores (1927) foi presidida pelo próprio diretor da Escola Normal
Nacional de Professores (GINDIN, 2010).
96
ativistas docentes se encontravam nos Congressos pedagógicos organizados pelos governos
provinciais.137
A pouca presença das mulheres nas diretorias das associações não se correspondia
com o peso delas na base da categoria.138 Werfield Salinas, liderança docente, considerava
que a presença de mulheres na base prejudicava a ação da categoria. Segundo Salinas (1910,
p. 98) o caráter das mulheres “… es maleable y por regla general falto de fortaleza [...] no
atacando casi nunca los hechos y las cosas con ánimo de cambiarlos, con propósitos
reformistas. Es paciente en todo momento y soporta con resignación cuanto viene y cuanto
ocurre”. E concluía, retóricamente, “¿cómo puede convenir al gremio el predominio del
carácter débil, que se amolda a cualesquier circunstancia, que se alía al conservatismo, que
acepta y practica la inmovilidad, para quien las mezquindades de los emolumentos son
buenos, y para quien la paciencia aliada de la cobardía, es regla de conducta?” (SALINAS,
1910, p. 99). Inversamente, a desqualificação pelo gênero também apareceu uma década
depois, quando os professores mendocinos, dirigidos por Florencia Fossatti, sem paciência
nem covardia, enfrentaram-se com o governo. Fossati declarou ao jornal Los Andes (23-081919) “… nos encontramos con la grata sorpresa de ser considerados como una fracción
‘importante’ del magisterio, después que tanto se repitió aquello de ‘un grupo de mujeres
infelices’” (apud DE LA VEGA, 1997, p. 67). Quando a Associação na qual militava Salinas
se radicalizou, em meados dos anos 1920, muitas mulheres sustentaram essa radicalização
contra as lideranças tradicionais, todos eles homens, ex companheiros de Salinas.139 Na
Assembleia de dezembro de 1926, o grupo emergente reteve a condução da Associação e
elegeu Elvira González Gorzueta como presidente.
3.2.1 Radicalização dos quadros docentes na década de 1920
Na década de 1920 apareceram as primeiras leis que regulamentaram especificamente
a carreira no sentido demandado pelas entidades docentes. São leis de estabilidade trabalhista,
imobilidade na função e participação docente nos sistemas de ingresso e promoção dentro da
137
Em 1911 se realizou um congresso pedagógico muito importante em San Juan. A Associação da Província de Buenos
Aires, que participou, declarou pouco depois ao Diretor Geral de Escolas dessa província “sócio honorário” da associação
(GINDIN, 2010).
138
No Congresso do Magistério Argentino de 1919 participaram 14 entidades docentes com vinte e cinco delegados. Só três
eram mulheres. Dos vinte presidentes dos comitês de distrito da Confederación de Maestros, em 1925, só duas eram
mulheres (NIGRO, 1984, p. 56 e ss.). Dos 634 sócios da Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos Aires registrados
em 1901, mais de 500 eram mulheres; mas as mulheres só apareceriam na presidência da entidade na década de 1920. De
qualquer maneira, participavam ativamente desde o começo: em 1901, eram mulheres seis de nove integrantes do Comitê
Central e pouco menos da metade dos vinte e dois presidentes de Comitês Locais (entre eles o principal, da capital
provincial) (GINDIN, 2010).
139
De qualquer modo considero que o principal não é uma questão de gênero, mas uma divisão geracional e hierárquica
dentro do sistema educacional.
97
profissão, assim como na aplicação de sanções disciplinares. Algumas são as de Corrientes
(1922), Capital Federal (1928) e Santiago del Estero (1929). O sistema de eleição dos
representantes docentes não era corporativo; quer dizer, os representantes docentes nos
conselhos de qualificação (que organizavam os escalafones), pelo menos nos casos de
Santiago del Estero, Capital Federal e Santa Fe, não eram indicados pelas associações de
professores. De qualquer modo, estas leis não eram respeitadas ou vigoravam-se efetivamente
por pouco tempo (TRUCCO, 2004; GINDIN, 2010).
Com avanços muito parciais na regulamentação do trabalho, o processo mais
importante da década foi a radicalização do ativismo docente a partir de 1925. Neste ano, na
cidade de Buenos Aires, seis entidades (entre elas a Confederación de Maestros) assinaram
um memorando com diferentes demandas e organizaram um ato de protesto contra as
autoridades educacionais. A resposta foi a suspensão de nove lideranças da confederação.
Depois de novas gestões e demandas, a situação foi retificada (NIGRO, 1984). As lideranças
tradicionais da Associação da província de Buenos Aires perderam a condução da entidade, e
as lideranças emergentes ameaçaram com uma paralisação em 1926.
Em janeiro de 1928, uma convenção internacional de professores, realizada em
Buenos Aires, bastante radicalizada e polêmica140, inaugurou um ano muito importante para a
organização dos professores. Julio Barcos teve um grande papel na organização do evento, o
conferencista principal foi Alfredo Palacios, do Partido Socialista, e participaram lideranças
comunistas. O delegado da Associação da província de Buenos Aires (controlada novamente
pelas lideranças tradicionais) retirou-se da Convenção junto a outros delegados, enquanto a
Confederación de maestros, mesmo criticando alguns aspectos, participou privilegiando os
debates propriamente pedagógicos (onde os acordos eram maiores) (ASCOLANI, 2010).
Ao longo do ano de 1928 foi recriada a federação de Santa Fe; e constituiu-se uma
associação docente em La Pampa e uma federação em Tucumán; enquanto os professores de
Santiago del Estero decidiram organizar uma greve, porém não foi necessário tendo em vista
que o governo satisfez as demandas da categoria (GINDIN, 2010). Em Córdoba, foi realizada
uma convenção nacional no começo de 1929, que continuou a linha traçada na convenção
internacional de 1928 e na qual se decidiu criar a Confederación Argentina del Magisterio. As
principais entidades desta Confederação eram as federações de Tucumán e Santa Fe,
recentemente constituídas, e a Unión del Magisterio da cidade de Buenos Aires (ASCOLANI,
140
O temario da convenção incluia, entre outros pontos: “Relaciones de la escuela con el Estado y régimen de gobierno de la
enseñanza”, “Libertad de opinión y derecho de agremiación de los maestros”, “Alianza de los trabajadores manuales e
intelectuales para los fines de la cultura y de la justicia social” e “Actitud de los maestros ante el fenómeno del imperialismo
y las dictaduras actuales” (apud Ascolani, 2010).
98
2010). Nem a Confederación de Maestros (menos radicalizada) nem a Associação da
província de Buenos Aires participaram da Convenção de 1929. Há registros de um conflito
importante em Tucumán, em 1930, no contexto do qual houve solidariedade ativa do
movimento operário com os professores, estes ganharam, e um inspetor excluído do sistema
foi reincorporado (GINDIN, 2010).
Os debates internos da Associação de Professores de Buenos Aires permitem olhar
esta etapa desde dentro de uma das principais associações docentes. Depois de um retrocesso
organizativo na década de 1910, Jorge Selva começou a tarefa de reorganizar a associação.
Selva imaginava que o incremento dos serviços sociais aproximaria os professores da
instituição e, assim, parecia desestimular a dimensão trabalhista da ação da associação. Na
Assembleia de 1918, ao contar da sua tarefa de promoção da filiação no interior da província,
expressou que “…
el personal docente ha sufrido una apreciable renovación,
desapareciendo el grupo de los que constituían la tradición del gremio, por su actuación
durante los últimos veinte años” e que “… existe mucho elemento nuevo y joven”. A leitura
das atas das Assembleias da Associação indica justamente que um novo grupo de professores
jovens e que não ocupa funções hierárquicas no sistema, avança na Associação na primeira
metade da década de 1920 e chega a conduzi-la. Com isso, uma primeira tensão estoura na
Assembleia de dezembro de 1921. Os setores críticos, autodenominados reformistas,
chamaram de “monárquicas” as lideranças.
Jesús Pereyra, identificando-se com os
reformistas, criticou as lideranças que “…piensan que los maestros en servicio activo en las
escuelas públicas de la provincia de Buenos Aires no tienen derecho a dirigir los destinos del
gremio” (apud GINDIN, 2010).
Essa assembleia foi muito polêmica e, com isso, finalmente uma liderança tradicional
se impôs por 47 votos contra 44. Novamente lideranças tradicionais se enfrentaram com
emergentes em dezembro de 1925, mas desta vez um novo quadro: David Kraiselburd ganhou
a presidência. Kraiselburd tinha se formado como normalista em 1916, pertencia a uma nova
geração e ameaçou realizar uma paralisação se os salários atrasados não fossem pagos. Os
salários foram finalmente pagos pelo governo para evitar a paralisação, mas Kraiselburd foi
demitido. As tensões internas foram as maiores do período e na difícil assembleia de
dezembro de 1926, Kraiselburd disse:
… prefiero mil veces que se diga que al Presidente de la Asociación de Maestros lo han
castigado por insubordinado y no que al presidente lo han ascendido por sumiso o por
complaciente [...]
Nuestra Asociación no es una entidad de resistencia, ya lo he dicho en más de una
oportunidad, pero sí es una entidad gremial, defensora de los intereses de los maestros. Y veo
con dolor y con tristeza que hay colegas que piensan de manera distinta, y veo con pesar que
99
compañeros trémulos de adulonería parece que desearan convertir a esta casa en una sucursal
de aquella otra. Y si ello sucediera desde ya, cambiémosle el nombre, no le llamemos más
Casa del Maestro. Dejemos que se convierta esta casa en un gran teatro, y que las asambleas
anuales constituyan un coro para cantar salmos y loas a nuestros ‘superiores’. Y entonces,
cuanto más déspotas se muestren aquéllos, más dóciles y humildes hemos de mostrarnos para
no caer en la desgracia de irritarlos (apud GINDIN, 2010).
Esse setor emergente tinha peso na principal Comissão Local da associação (La Plata,
com mais de 300 sócios) e na eleição de 1926 teve vantagem com 67 contra 65 votos. De
qualquer modo, ao longo de 1927 os quadros tradicionais se repõem e ganham o controle da
Associação. A intervenção de Jesús Pereyra em 1921 confirma o dinamismo de um novo setor
(os professores primários em serviço ativo), enfrentando-se com os aposentados e com o
pessoal hierárquico do sistema educacional. Era uma disputa também geracional: as principais
lideranças levavam décadas de atuação e eram os velhos normalistas de finais do século XIX.
A radicalização política parece um fenômeno generalizável nesse período141: um setor
de novas lideranças, nas quais o normalismo tradicional tinha um peso menor, avançou na
segunda metade da década de 1920 na organização da categoria. Isso explicaria a aparente
radicalização da Associação do Magistério de Santa Fe – que propôs que o Día del maestro
santafesino fosse comemorado na data da morte do líder da greve de 1921 – e as convenções
de 1928 e 1929. O peso das lideranças tradicionais na associação da província de Buenos
Aires explicaria a atitude mais conservadora desta entidade.
3.2.2 Um cenário desfavorável para as entidades tradicionais (1930-1943)
Em 1930 um golpe militar acabou com o segundo governo de Hipólito Yrigoyen e
com quatorze anos de governos radicais. Desde esse momento e até 1943 houve continuidade
entre os diferentes governos que se mantiveram no poder graças à exclusão da UCR,
utilizando normalmente a fraude. Em termos ideológicos, fortaleceu-se o nacionalismo da
direita e o catolicismo. Correlativamente, aparecem entidades docentes promovidas pela
igreja ou pelos governos, assim como tentativas governamentais de promover a filiação
obrigatória ou incorporar institucionalmente às organizações docentes.
As organizações do professorado argentino atravessaram sucessivas dificuldades
devido a esse contexto político, mais hostil à herança normalista. A fragilidade organizacional
era muito grande e a imagem que melhor parece descrever muitas dessas organizações é a de
141
Ascolani (2009) fez referências a esta radicalização a partir de uma análise de jornais de diferentes províncias. A atenção
ao caso de Buenos Aires permite mobilizar um argumento que contribui para entender essa radicalização: uma nova geração
de professores está protagonizando a organização da categoria.
100
grupos de ativistas, ocasionalmente com a adesão passiva da categoria. Os próprios quadros
de entidades com um perfil mais sindical reclamavam dessa situação.142
O ambiente político, ideologicamente menos favorável para as associações de
professores constituídas na etapa anterior, também parece explicar que fossem realizadas
menos greves. Só aparece registrada uma, em 1939, quando os professores de Corrientes
paralisaram as atividades exigindo o pagamento de uma dívida salarial correspondente a 38
meses de trabalho. Isso não significa a ausência de conflitos trabalhistas (que, no caso de
Buenos Aires e Santa Fe foram muitos) nem identidade política entre os governos e as
associações de professores (GINDIN, 2010).
O contexto ideológico e político também parece explicar o retrocesso relativo da
associação da província de Buenos Aires. A afiliação cresceu levemente entre 1930 e 1935
(de 4.200 para 4.600), chegando a cair novamente a 4.200 em 1940 para começar, então, um
novo processo de crescimento: em 1944, tinha 4.800 sócios. Isso indica uma perda de
representatividade no período 1930-1943, porque a categoria crescia. De qualquer modo, ela
continuava sendo a mais numerosa das entidades liberais tradicionais.143 Apareceram novas
lideranças, mas a associação manteve a sua atitude conciliadora (GINDIN, 2010).
Em 1936, foi criada a Federación de Maestros y Profesores Católicos. Tratava-se de
uma federação nacional com forte presença nas cidades de Buenos Aires, La Plata e
Avellaneda e em várias outras províncias. Em La Pampa – então território federal – foi
constituída uma federação provincial integrada por comissões locais. É difícil saber se as
cifras são reais, mas a capacidade organizacional parece ter sido alta, possivelmente pelo
papel coordenador da igreja. Por outro lado, o limite estava dado porque a base da federação
estava constituída pelo professorado das escolas religiosas particulares, que eram uma
minoria. Ascolani (2006) aponta que a principal atividade da federação era ideológica, de
defesa da pátria, das tradições, da família e da religião contra o perigo comunista.
Participavam da Ação Católica e reconheciam entre os seus antecedentes o Sindicato Católico
de Maestras, que atuou na primeira metade da década de 1930. A federação declarava ter 40
142
No jornal da Confederación de Maestros, nos começos da década de 1930, pode-se ler: “Las renuncias se suceden sin que
conste, salvo rarísima excepción, los motivos que las originan. ¿Es que son inconfesables? Siguen como una consecuencia
obligada, fatal, a cualquier gestión realizada; a veces una declaración dada a publicidad para afianzar la posición de la
entidad reafirmando los conocidos principios que siempre sostuvo, o un simple rumor de amenaza echado a rodar por las
autoridades escolares, no siempre dispuestas a tolerar la crítica, aunque serena y bien intencionada, bastan para
provocarlas a granel” “Reacción necesaria. Hay que formar la conciencia gremial”, Tribuna del Magisterio Nº 136, 15 de
octubre de 1930, apud Gindin (2010).
143
Em janeiro de 1938 os delegados da Associação discutiram quantos representantes teria cada uma das doze organizações
que constituíram a FAMA. Os delegados consideravam que a associação da província de Buenos Aires teria, conforme os
critérios de proporcionalidade estabelecidos, seis representantes. A Confederação de Maestros teria três e as restantes
associações só um (GINDIN, 2010).
101
mil sócios, o que é provável, mas estes não conduziam a federação. O presidente da Comissão
Diretiva da Federação, e algumas autoridades secionais, eram indicadas pelas autoridades
eclesiásticas. Entre as reivindicações trabalhistas estava a equiparação salarial no setor
público, mínimo salarial no setor privado e a lei do escalafón (GINDIN, 2010).
Em 1936, primeiro ano do seu mandato na província de Buenos Aires, o governador
Manuel Fresco pressionou os professores para que se filiassem ao conservador Partido
Demócrata Nacional e apoiou a criação da Corporación Nacionalista de Maestros, uma
entidade paralela à Asociación de Maestros. A Corporación foi constituída no dia do
professor, na sala do Conselho Geral de Educação, com a presença do governador. Estavam
presentes 250 professoras e delegados de todos os distritos da província. Tratava-se de um
projeto essencialmente ideológico, orientado a fazer dos professores os “apóstolos do
nacionalismo” (ASCOLANI, 2006).
Também foram criadas entidades docentes paralelas apoiadas pelos governos em San
Juan (1932) e Santa Fe (1933)144. Nestes casos as novas organizações não sobreviveram à
descontinuidade política (o golpe conservador em San Juan em 1934 e a intervenção federal
de Santa Fe em 1935). Em Buenos Aires, a Corporación continuou atuando, mas não voltaria
a ter uma relação privilegiada com o Estado.
O caso de Santa Fe é interessante. Em 1933, o governo estabeleceu a filiação
obrigatória dos docentes a uma entidade com o mesmo nome que a existente: Federación
Provincial del Magisterio (FPM). Os professores deviam participar obrigatoriamente das
eleições. A FPM se opôs, rejeitou integrar o conselho eleitoral e convocou os professores para
que votassem em branco. Apresentaram-se três chapas, mas 53% dos 5.643 votantes votaram
em branco. Funcionaram duas FPM, uma independente e uma oficial, mas a diretoria desta
última renunciou e em 1935 realizaram-se novas eleições. A FPM participou dessa vez,
levando como proposta a supressão da filiação obrigatória, e ganhou as eleições. A associação
da cidade capital decidiu continuar a sua vida independente, de forma paralela, e só 85
assinaturas ratificaram a sua filiação à entidade não obrigatória. Nesse mesmo ano (1935) a
província foi colocada sob intervenção federal e o projeto de criar uma entidade oficial, de
filiação obrigatória, desandou (TRUCCO, 2004).
Esse processo apresenta um paralelismo com o que tinha acontecido uns anos atrás na
cidade de Buenos Aires. A Confederación de Maestros reclamava da apatia e do conformismo
dos docentes, mas nas eleições para o conselho de qualificação de 1931 o voto dos
144
Segundo Ascolani (1999), em 1934 houve também uma tentativa de construir uma entidade próxima ao governo no
âmbito da rede federal.
102
professores foi obrigatório e no conselho de qualificação de professores primários, a
confederação obteve mais de 2700 votos, ganhando de duas chapas que não obtiveram mais
de 600 (GINDIN, 2010). Ambos os casos parecem mostrar uma adesão pequena e passiva da
base docente a lideranças com um perfil mais militante, parcialmente herdeiras da tradição
liberal do período anterior.
O arco de associações tradicionais constituídas no período anterior, sem a participação
das novas entidades nacionalistas ou católicas, continuou se encontrando. Mas, dessa vez,
com o retrocesso dos setores mais radicais. Em 1931, constituiu-se a Frente Único del
Magisteiro Argentino (FUMA), impulsionada por associações sindicais e mutualistas para
reclamar pelo atraso salarial, fundamentalmente dos professores da rede federal. Em 1937,
essa frente se constituiu em Federación de Asociaciones del Magisterio Argentino (FAMA).
Existem algumas referências à participação política das principais lideranças docentes
nesse período. Américo Ghioldi tinha participado ativamente da Confederação até meados da
década de 1920, quando passou a se dedicar plenamente à atividade política no Partido
Socialista (NIGRO, 1984). Nigro (1984) e Trucco (2004) mencionaram a presença de Ghioldi
nas atividades promovidas pela confederação, o que indica uma boa relação com o partido e
talvez a presença de mais militantes socialistas. A associação da província de Buenos Aires
também tinha boa relação com o bloco de deputados socialistas e, na Associação de Córdoba,
atuavam lideranças da UCR e socialistas (GINDIN, 2010; GUTIÉRREZ, 2011).
Em termos trabalhistas, houve alguns avanços. Leis de estabilidade e escalafón foram
promulgadas pelo menos em alguns distritos como Santa Fe (1941) e Buenos Aires (1938).
No caso de Buenos Aires, ainda que o ensino religioso promovido pelo governo trouxesse
tensões, a Associação aprovou a regulamentação do ingresso, o estabelecimento da
estabilidade, de escalas de salários e sistemas de promoções, também a unificação das
categorias e a participação dos professores no governo escolar (GINDIN, 2010).
3.2.3 Os docentes e o peronismo
Em junho de 1943 um golpe militar acabou com a presidência de Ramón Castillo.
Juan Domingo Perón foi um dos homens fortes do novo governo, ocupando entre outras
funções a direção do Departamento (depois Secretaria) de Trabalho. O novo regime promoveu
políticas nacionalistas e, progressivamente, Perón – quem procurava nos sindicatos a sua base
de apoio – imprimiu-lhe um caráter trabalhista e pró-sindical.
103
No movimento sindical tinham perdido peso os anarquistas e as principais forças eram
os socialistas, os comunistas e uma corrente mais pragmática, sem laços orgânicos com os
partidos políticos: os sindicalistas. Desde 1943, Perón colocou sindicatos opositores sob
intervenção estatal e, ao mesmo tempo, atuava nos conflitos trabalhistas satisfazendo as
demanda operárias. Com um trabalho sistemático de repressão e cooptação sobre as lideranças
sindicais, Perón aproximou-se de muitos quadros operários, em 1944 e 1945. Só os
comunistas permaneceram impermeáveis, e contra eles foram promovidos sindicatos
(metalúrgicos, na construção civil) que em pouco tempo tornaram-se únicos: em 1946 o PC
promoveu a dissolução das organizações autônomas e a militância dentro das organizações
oficiais. Simultaneamente, em virtude da política trabalhista, crescia a adesão dos
trabalhadores a Perón. Esse foi o antecedente do “17 de outubro”, quando a central operária (a
Confederación General del Trabajo, CGT) e os trabalhadores se mobilizaram para defender
Perón, que tinha sido preso. Em fevereiro de 1946, com o apoio do recentemente criado
Partido Trabalhista e de ex-militantes de outros partidos, Perón ganhou as primeiras eleições
nacionais livres realizadas desde 1928.
O instrumento legal que sustentou a intervenção peronista no movimento sindical foi o
Decreto 23852/45 (ratificado pela lei 12.921/47), que estabeleceu a figura de “personería
gremial”. Esta, ao mesmo tempo, centralizava a ação sindical e permitia a intervenção estatal
na vida sindical. Segundo esse regime, a filiação era automática, mas não obrigatória (um
trabalhador podia se desfiliar) (GODIO, 2000). O Ministério do Trabalho outorga a
personeria gremial à organização sindical mais representativa em determinada atividade e,
como só essa organização é titular plena dos direitos sindicais, o modelo é conhecido como
um modelo de unicidade sindical induzida (PALOMINO; SENÉN, 2006). Rapidamente a
estrutura sindical centralizou-se em sindicatos regionais únicos federados nacionalmente e
sindicatos nacionais únicos. Esta centralização não era só uma política governamental, era
também demandada por setores do próprio sindicalismo, que a viam como uma forma de se
fortalecer no campo político e na negociação perante as empresas.
Perón distinguia, nos seus discursos, os trabalhadores manuais dos intelectuais
(professores, jornalistas, bancários, médicos), mas recomendava a organização de todos. Em
julho de 1944, dentro da órbita da Secretaria conduzida por Perón, criou-se a Dirección de
Acción Social Directa para Profesionales, com sete conselhos segundo a área de incumbência
(uma dessas áreas era a educacional), cada um dos quais devia formular o estatuto que
regulasse a profissão (ADAMOVSKY, 2006). Alguns dos estatutos sancionados nos
104
primeiros anos do peronismo, como o dos jornalistas (1946) ou os dos professores da rede
particular (1947) ainda estão vigentes. A principal reivindicação trabalhista dos professores da
rede federal era a promulgação de um Estatuto; enquanto os professores das redes provinciais
de Buenos Aires e Santa Fe (que já tinham estatutos) demandavam que eles fossem
respeitados e que os seus salários fossem equiparados com os da rede federal. Além das
questões estritamente trabalhistas, existiam grandes diferenças ideológicas entre as
associações tradicionais e o governo. Como parte da aproximação com a igreja, o peronismo
promoveu o ensino religioso nas escolas e, em 1947, acabou-se com a autonomia do Consejo
Nacional de Educación (CNE), colocando-o na órbita do Ministério da Justiça e da Instrução
Pública. Esses elementos empurravam as associações tradicionais de professores à oposição
política.
Os casos da província de Santa Fe e a cidade e a província de Buenos Aires sugerem
que a primeira etapa, até a regularização institucional de começos de 1946, foi bastante
repressiva com as entidades tradicionais dos docentes. José Ignacio Olmedo, nomeado
interventor do CNE em março de 1944, acusou a Confederación de Maestros de comunista e
decretou a suspensão dos professores, particularmente de lideranças identificadas com a
Confederação. Mesmo com um novo interventor no CNE, para dezembro de 1944 a
Confederação denunciava que dos 289 inicialmente deixados fora da rede federal, 175 não
tinham sido reincorporados. Além disso, Olmedo expropriou bibliotecas e cinematecas da
confederação que estavam nas escolas. As autoridades provinciais de Santa Fe, entre 1943 e
1944, proibiram a realização do Congresso da FPM, cancelaram a sua personeria jurídica,
suspenderam a lei 2951/41 de estabilidade e escalafón, acusaram a associação docente da
cidade capital de comunista, detiveram a Marta Samatán (ex-líder docente) e suspenderam 21
professores identificados com a FPM. Uma nova intervenção federal à província de Santa Fe,
em março de 1945, retificou essa política. Na província de Buenos Aires, a relação da
Associação com as novas autoridades foi relativamente melhor, mas também houve tensões
pelas nomeações e suspensões. O governo projetava a criação da Mutualidad del Magisterio e
convidou a presidenta da associação, Josefina Pessacq, a participar da comissão que a
projetaria. Quando foi criada Mutualidad del Personal de la Dirección General de Escuelas,
no final de 1946, a Associação pediu, sem sucesso, que a filiação dos seus sócios não fosse
obrigatória (TRUCCO, 2004; GINDIN, 2010).
As principais organizações eram as católicas e as “tradicionais” (hegemônicas no
período de organização da categoria). Em junho de 1943, as associações tradicionais, com a
105
Confederación de Maestros à frente, constituíram a Unión Argentina del Magisterio (UAM).
Mas, esta teve curta vida e em 1948 estava desintegrada. Aparece nesse contexto um novo
grupo, identificado com o governo, que promove Sindicatos de maestros. Existem elementos
que permitem pensar que, como no movimento sindical tradicional, houve uma política de
cooptação das lideranças tradicionais.145 Os desafios colocados pela política governamental
no período 1946-1948 não impediram que as associações tradicionais de Santa Fe e Buenos
Aires trabalhassem em unidade com outras organizações. De fato, a associação da província
de Buenos Aires, o Sindicato de Educadores e a federação de professores católicos
organizaram uma campanha em defesa do estatuto docente e, em março de 1947, reuniram-se
com a Corporación Mutualista de Maestros e o Sindicato Argentino de Maestros, em uma
tentativa de unificar as entidades docentes da província. Com exceção do Sindicato Argentino
de Maestros, todas concordavam em criar uma federação (GINDIN, 2010). A FPM, junto
com a organização provincial de professores católicos e entidades menores, tinha constituído
uma Comissão Congresso Pró-Melhoras Econômica, que chegou a se reunir com Eva Perón a esposa do Presidente - e o Ministro da Economia pedindo a equiparação salarial.
Aparentemente também teria participado o Sindicato Argentino de Maestros. Sobre essa
experiência, em 1948, realizou-se em Santa Fe o Congresso Nacional Pró-Melhoras
Econômicas. Tratou-se de um Congresso de unidade entre associações católicas e tradicionais,
presidido por um integrante da Asociación del Magisterio Católico e do qual participaram a
associação da província de Buenos Aires e a federação de Entre Ríos, mas não participou o
Sindicato de Maestros da província de Santa Fe. O governo foi aparentemente simpático, ou,
pelo menos, condescendente com o evento (TRUCCO, 2004).
Até 1950/1951 as relações das entidades tradicionais com suas congêneres e com os
governos foram complexas. No contexto da regulamentação do espaço sindical e da afirmação
política da central operária, a Associação da província de Buenos Aires e a Confederación de
Maestros solicitaram ao Ministério do Trabalho a inscrição ou a personería gremial em 1946
e, então, a FPM (Santa Fe) resolveu em 1948 se filiar à CGT (TRUCCO, 2004). A UAM
considerou a possibilidade de se filiar a uma central operária e, também, a possibilidade de
que todas as entidades docentes fossem unificadas (o que incluía as peronistas). Eram duas
questões muito polêmicas (GINDIN, 2010). É difícil, pela própria posição da CGT, que
estava avançando na organização de sindicatos únicos, que tenha se efetivado. Pelo contrário,
145
O citado caso de Josefina Pessacq ou a presença de ex-militantes da FPM entre os criadores do Sindicato de Maestros da
província de Santa Fe (TRUCCO, 2004).
106
o mais provável é que os sindicatos de professores tenham sido os únicos representantes dos
professores na CGT e os únicos com personería gremial. 146
É difícil reconstruir o mapa dos sindicatos promovidos pelo peronismo. Deve-se ter
presente que, nessa primeira etapa, o movimento que sustentava o peronismo era heterogêneo
e a prioridade do governo era a estruturação de uma sólida base de apoio no movimento
sindical tradicional, não no funcionalismo. Em 1946, a Federación Argentina del Personal de
Enseñanza Técnica, que atuava no âmbito das escolas técnicas federais, obteve a personería
gremial.147 Na província de Buenos Aires atuava o Sindicato de Educadores e o Sindicato
Argentino de Maestros (que se negou a se unificar com as outras entidades em 1947). Do
Sindicato Argentino de Maestros, criado em 1944, participavam alguns funcionários
educacionais do governo peronista148. Em 1947, ele obteve a personería para representar os
professores da província de Buenos Aires149, mas aparentemente pretendeu ampliar essa
representação para os professores de todo o país. Em Córdoba existiam Sindicatos de
Maestros por distrito e um Sindicato de Maestros provincial e em Santa Fe atuavam vários
sindicatos provinciais segundo as especialidades (de professores de ensino primário, de
porteiros, de professores de ensino médio) (TRUCCO, 2004; GUTIÉRREZ, 2011). Até 1951
também foram criados Sindicatos de Maestros em La Pampa, Santiago del Estero, Tucumán,
La Rioja e Mendoza. Em 1950, em Salta se constituiu a Asociación de Docentes Provinciales
(ADP) e, em 1951, em San Luis a Agremiación del Magisterio Provincial Puntano y Afines
(AMPPyA). É possível que algumas dessas últimas associações tenham sido originalmente
“Sindicatos de Maestros” (como a AMP de La Rioja ou a ATEP do Tucumán150, que
inicialmente foram Sindicatos de Maestros).
Os instrumentos de regulamentação do trabalho docente nas províncias de Santa Fe e
Buenos Aires foram colocados em questão e finalmente derrogados. A situação de Santa Fe é
eloquente da ambiguidade do governo (porque continuava legitimando lideranças
tradicionais) e da reticência do professorado em relação ao governo. Em 1949, constituíramse o jurado para um concurso de ingresso e o tribunal de disciplina do professorado. No
primeiro caso, o governo nomeou três representantes pelo professorado (um da FPM, outro do
Sindicato e outro da Associação católica); no segundo, o representante foi eleito pelos
146
Em outubro de 1947 o Sindicato de Maestros de Santa Fe anunciou o seu ingresso à CGT (TRUCCO, 2004).
A informação esta consignada no website da regional Buenos Aires da AMET (http://www.ametregional1.org.ar). Acesso
em: 15 setembro 2010.
148
É o caso de Julián Fernández Hutter, indicado pela condução do sindicato para organizar o sindicato em Santa Fe
(PUIGGRÓS; BERNETTI, 1993; TRUCCO, 2004).
149
Segundo a Resolução 190/47 da Secretaria de Trabalho e Previsão, pela qual lhe foi outorgada a personería.
150
Ver, sobre estes casos, Rozenvaig (1993) e Shulman (2002).
147
107
professores, e ganhou o candidato da FPM. As eleições foram anuladas e realizaram-se
novamente em 1950, com idêntico resultado (TRUCCO, 2004). Se o caso é generalizável, a
ideia de que as organizações peronistas tinham dificuldades para se afirmar na base docente
seria confirmada.
A partir de 1950, as características autoritárias do governo se aprofundaram. A FPM e
pelo menos uma das suas entidades de base (a da capital provincial) foram colocadas sob
intervenção. A FPM foi acusada de comunista e 26 lideranças foram suspensas. O Congresso
previsto para dezembro de 1950 não chegou a se realizar (TRUCCO, 2004). A Confederação
dedicou-se basicamente à atividade cultural depois de 1949 e até 1952, quando a polícia não
permitiu mais a realização de assembleias anuais e a entidade deixou de atuar. A Associação
da província de Buenos Aires, diferentemente, constituiu-se em uma associação de ajuda
mútua reconhecida pelo governo e conseguiu continuar funcionando.151 Inclusive continuou
elegendo a mesma presidenta que liderava a organização desde 1940: Josefina Pessacq. A
filiação, que vinha crescendo desde antes da chegada de Perón ao poder (5.300 sócios em
1946), caiu nos biênios posteriores até 5.200 sócios em 1950. Recuperou-se levemente no
período mais autoritário do peronismo e chegou aos 5.400 sócios em 1954 (GINDIN, 2010).
Em dezembro de 1950, foi criada a Agremiación del Docente Argentino (ADA),
entidade peronista filiada à CGT que pretendia organizar os professores da rede federal e
obteve a personería gremial Nº 161 em 1951. O próprio Perón escreveu no primeiro número
da revista da ADA que a tarefa de organização tinha começado pelo operariado, mas que
devia continuar com os trabalhadores intelectuais e os empresários (GINDIN, 2010).
Aparentemente, a ADA decidiu em julho de 1953 se converter em Unión de Docentes
Argentinos (UDA), no marco da reorganização da central operária.152 Perón foi indicado sócio
número um da UDA, e no ato no qual foi constituída, expressou:
Nosotros, desde el gobierno, hemos podido hacer algo por las grandes organizaciones; pero
para hacer un guiso de liebre lo primero que hay que tener es la liebre. Para poder ayudar a las
organizaciones, lo primero que hay que tener es la organización. Entonces yo les pido a los
maestros que inicien esa organización.153
Ainda em 1953 foram constituídas organizações docentes em Jujuy (a atual ADEP) e
Córdoba (a Unión Sindical de Educadores de la Provincia de Córdoba, USEPC). Na USEPC
confluíram o Sindicato de Maestros que atuava no âmbito provincial e sindicatos de
151
Os estatutos da Associação reformados foram aceitos pela Direção de Mutualidades em 1951 (GINDIN, 2010).
Resolución 506/1974, Ministerio de Trabajo.
153
Jornal La Nación, 15/08/1953.
152
108
professores por distrito (GUTIÉRREZ, 2011). Era um ano no qual o governo avançava na
organização corporativa de segmentos sociais que lhe eram remissos: também foi constituída
a Confederación General Económica (CGE) e a Confederación General de Profesionales
(CGP) – integrada por professores, advogados, engenheiros, etc. A CGT pretendia organizar
esse segmento, mas Perón interveio publicamente em abril de 1954 em favor de que a CGP
seja uma entidade autônoma (ADAMOVSKY, 2006). Em 1954, a CGP convocou ao Primeiro
Congresso Argentino de Maestros provinciais e, em abril de 1955, essas entidades
constituíram a Federación Argentina de Maestros Provinciales.154 Chama a atenção a forte
presença, em algumas organizações peronistas, de elementos ideológicos identificados em
associações preexistentes, como a ideia do apostolado e a reivindicação do papel de
Sarmiento na historia nacional (SHULMAN, 2002; GINDIN, 2010).
A lei 14.348/54, que regulamentava as organizações profissionais, não estabelecia a
filiação obrigatória (que aparentemente tiveram tanto a UDA como a USPEC), mas criava
personerías profesionais, outorgadas pelo Ministério da Educação. As associações com
personería profesional tinham direito a negociar coletivamente e outorgavam as matrículas
profissionais (ADAMOVSKY, 2006). A primeira personería profesional foi outorgada a
CGP, e a segunda à UDA.
As organizações peronistas da década de 1950 foram estruturadas a partir da relação
com o Estado e não a partir de um movimento na base da categoria. Desse modo,
conseguiram rapidamente se estender por praticamente todo o país (no caso da ADA e da
UDA) ou toda a província (no caso da UESPC). Os representantes de escolas da ADA seriam
indicados pela direção sindical, não pelos trabalhadores da escola; e as comissões locais no
interior do país exerciam as suas funções até que a direção nacional o determinasse (GINDIN,
2010). Foram organizadas, aparentemente, por alguns funcionários hierárquicos do sistema
educacional. Leónidas Ávila Vázquez, o primeiro Secretario General da USEPC, assumiu a
função de Inspetor Gral de Escolas no mesmo ano de 1953 (GUTIÉRREZ, 2011). A
importância dos inspetores escolares como organizadores sindicais do peronismo no âmbito
do professorado é fortalecida por dois fatos: o estatuto docente da província de Buenos Aires
de 1952 não colocou as funções de inspeção como parte da carreira docente (os inspetores
eram indicados pelo governo, não eram concursados) e, nessa mesma província, a comissão
investigadora criada após o golpe militar de 1955 para perseguir os peronistas se chamou
154
Cfr. os arquivos do Sindicato de Maestros de La Rioja consultados por Shulman (2002).
Participaram da CGP, entre outras organizações, a UDA, o sindicato de maestros de La Rioja, a USPC de Córdoba, a
Asociación de Maestros de San Juan, a Mutualidade del Magisterio e a Unión de Docentes Argentinos de Mendoza
(ADAMOVSKY, 2006).
109
“comissão de investigação do corpo de inspetores” (GINDIN, 2010). Nesse contexto, é
compreensível que as funções de direção da UDA fossem ocupadas basicamente por
homens.155
Também a relação com o Estado permitiu que aparecesse uma característica que o
SNTE mexicano levaria ao extremo: a participação na gestão da força de trabalho. Isso era
uma pressão da própria base em certa medida lógica, à qual se referiu a UDA no editorial da
sua Revista Nº 6 (junho-julho de 1954):
…se da el caso de algunas provincias que han interpretado en forma errónea las conclusiones
de la Asamblea y las Instrucciones remitidas oportunamente, y nos abruman con pedidos de
traslados y ascensos; algunos han llegado a cantidades impresionantes; hay delegaciones,
justo es decirlo, que no nos han creado ninguna carga en este sentido. Al respecto, se dejó
bien sentado en Asambleas, que la Institución debía abocarse a importantísimas cuestiones de
orden general que traería solución para los afligentes problemas que apremian a los docentes.
La atención a asuntos individuales resta un tiempo precioso que en forma indirecta perjudica
al interés de todo el gremio. Por lo demás, no tenemos ninguna autorización legal del
ministerio para tramitar tales solicitudes [...] Podemos anticiparle que el C.D. tiene en estudio
una nueva Reglamentación para pases, ascensos y permutas que será presentado a
consideración del Ministerio, como así también la conformación de una Junta Paritaria, en
cuyo caso sí, tendría injerencia legal en los asuntos planteados (apud GINDIN, 2010), .
É curioso que, como coloca o autor do editorial, a UDA não tivesse atribuições legais,
e, inclusive, que o Estatuto dos professores da rede federal de 1954 significou, a respeito da
presença sindical nos Conselhos de Qualificação, um retrocesso a respeito daquele que
vigorou na Capital Federal em 1928 e 1931. Os representantes dos professores nos Conselhos,
segundo o Estatuto de 1954, seriam designados pelo poder executivo (e não eleitos pelos
professores). Em agosto de 1955, a UDA demandava participar da DOSME (Obra Social), do
Conselho de Qualificação e do Tribunal de Disciplina, o que significa que de fato não
participava. Isso parece expressar uma baixa capacidade de pressão da UDA dentro do
sistema educacional e do próprio governo peronista (GINDIN, 2010). A falta de um projeto
organizacional claro e bem sucedido dos quadros docentes peronistas – que criaram, primeiro,
sindicatos de diferentes tipo; depois, organizações profissionais, e não conseguiram que o
estatuto docente atendesse as suas demandas – também pode ser um indicador de uma débil
estruturação e capacidade de aglutinação.
As tensões com a igreja, acumuladas no segundo governo de Perón, explodiram em
1954. Esse enfrentamento foi a ante-sala do golpe de setembro de 1955, que acabou com o
governo de Perón. Os sindicalistas que tinham sido perseguidos pelo peronismo, com os
155
Dos 21 Conselhos Diretivos locais com Secretário General constituídos em 1955, só em três províncias as máximas
lideranças eram mulheres (em Entre Ríos, Formosa e Catamarca) (GINDIN, 2010).
110
socialistas na frente, organizaram a “Comissão pró-recuperação dos sindicatos livres”.
Segundo Godio (2000), em algumas categorias – como nos gráficos, condutores de trens e
bancários – esse sindicalismo tinha bases reais. Proibiu-se a propaganda peronista;
proscreveram-se as lideranças sindicais do período 1952/1955; e numerosos sindicalistas
peronistas foram aprisionados. De qualquer modo, a debilidade das correntes “democráticas”,
o revanchismo das patronais (que sentiam corretamente o governo como próprio), a adesão
dos trabalhadores a suas organizações sindicais e o surgimento de uma nova camada de
ativistas sindicais originou uma onda de mobilizações sindicais pouco institucionalizadas
identificadas com o governo derrocado.
Paralelamente, dentro do aparelho estatal, começaram as perseguições, suspensões e
demissões de militares e funcionários públicos. Muitos professores peronistas, e
particularmente os que tiveram papéis de destaque nas áreas educacional, política ou sindical,
foram suspensos. Em poucos meses o regime de associações profissionais e o estatuto dos
docentes da rede federal foram derrogados e a CGP dissolvida.
Por outro lado, os que tinham sido demitidos ou suspensos durante o peronismo,
retornaram às aulas. Na província de Buenos Aires foram 98 professores. Em 1956, foi
reinstalado o CNE e sancionado um novo estatuto para os professores da rede federal. As
lideranças tradicionais ganharam posições: participaram da elaboração do estatuto e se
integraram ao CNE Josefina Pessacq (da Associação da província de Buenos Aires), Patricio
López (da Confederação) e Fermín Estrella Gutiérrez (provavelmente também da
Confederação) (NIGRO, 1984). Mas, essas duas experiências foram frustradas: a promoção
do ensino religioso pelo ministro da Educação levou à renuncia das lideranças citadas, e o
estatuto estabelecido pelo governo não satisfez os docentes (GINDIN, 2010).
A política antisindical não continuou muito tempo, porque perante o processo de
normalização institucional, com o peronismo ainda proibido, o radical Arturo Frondizi
aproximou-se do peronismo e ganhou com o seu apoio as eleições de 1958. Sancionou-se a lei
14.455/58 que, em termos gerais, restabelecia o regime sindical que tinha vigorado durante o
peronismo. Os sindicatos sob intervenção estatal foram sendo normalizados, e a década de
1960 começou com um poderoso movimento sindical identificado como o peronismo e se
consolidado como “fator de poder” no país. Nas décadas seguintes, voltaria a aparecer esse
movimento pendular entre tentativas de desagregar a estrutura sindical ou de controlar as
atividades do sindicalismo e restabelecer as garantias organizacionais e a liberdade para a
ação das poderosas organizações sindicais (PALOMINO; GURRERA, 2009).
111
3.3 A implantação na base através da mobilização
Entre o final do governo peronista e o estabelecimento da ditadura militar de 1976 se
desenvolveram duas grandes ondas de mobilizações maciças de professores que
transformaram para sempre a atividade reivindicativa e as organizações da categoria. Estas se
desenvolveram em contextos políticos muito distintos, mas apresentaram uma característica
comum: são mobilizações de massas em um contexto de relativa fragilidade organizacional.
Nesse período podem se reconhecer tendências contraditórias à unificação sindical
(uma demanda da própria ação sindical, e, provavelmente, também de setores da base
docente) e à fragmentação (promovida basicamente por diferenças políticas). As tendências à
fragmentação sindical tinham um solo fértil para se expressar.
Em primeiro lugar, por uma questão institucional. A lei que regulamentava as
organizações profissionais, sancionada em 1954, tinha sido derrogada. Se considerarmos que
os professores da rede federal não tinham um sindicato reconhecido (porque após as
perseguições a personería da ADA foi cancelada em 1958156), e que também algumas
províncias importantes como Entre Ríos e Santa Fe não tinham sindicatos com personeria
gremial, e que algumas das personerías provavelmente só abarcassem o professorado
primário (como era efetivamente o caso de Jujuy), a maioria da categoria encontrava-se “fora”
do regime legal no qual se apoiava a poderosa estrutura sindical do período. Mostrarei que,
mesmo com o enquadramento das organizações dentro da lei sindical nas décadas seguintes,
essa situação não mudaria dramaticamente, basicamente pela falta de articulação entre
regulação do trabalho (via os estatutos docentes) e regulação sindical.
Além da questão institucional, havia, em segundo lugar, uma questão relativa à base
da categoria. É difícil que se organize em uma entidade unitária uma categoria numerosa e
dispersa, que só nesse momento começava a se mobilizar maciçamente, sem disciplina
sindical, e onde atuavam praticamente todas as correntes políticas. Esta afirmação é mais
difícil de provar empiricamente que a anterior, mas o argumento é consistente. Justamente,
nesse contexto, é que a base da categoria começa a aparecer como um elemento com peso
próprio.
156
Resolución 506/1974, Ministerio de Trabajo.
112
3.3.1 Mobilizações de massas no magistério 1957-1960
O panorama das organizações docentes na segunda metade da década de 1950 era
heterogêneo e muito dinâmico. Um primeiro grupo de organizações, integrado por
associações tradicionais, voltou a funcionar (como no caso da FPM e da Confederação) ou
teve a sua atividade normalizada e voltou a realizar demandas trabalhistas, como aconteceu
com a Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos Aires, que depois de ter sobrevivido
como uma associação de ajuda mútua no peronismo cresceu de 5.400 para 7.500 sócios entre
1954 e 1958 (GINDIN, 2010). A Confederação e a Associação da província de Buenos Aires
pouco depois seriam desafiadas pelo surgimento de novas entidades em seus distritos,
enquanto em Santa Fe a Comissão Pró-Melhoras Econômicas – uma frente de organizações
com muito peso da FPM, criada na década anterior – foi reconstituída.
A UDA não pôde sobreviver à repressão, mas outras entidades criadas durante o
peronismo continuaram atuando. Em La Rioja, o Sindicato de Maestros rebatizou-se como
Asociación de Maestros Provinciales (AMP), e, em 1957, a ATEP de Tucumán e a UEPC de
Córdoba reorganizaram-se e escolheram novas diretorias (a UEPC, como a UDA, estava sob
intervenção do governo desde 1955). Em Córdoba, com as principais lideranças peronistas
fora do sistema educacional, os setores liberais da Associação de Professores ingressaram à
UEPC para participar das eleições de 1957 (GUTIÉRREZ, 2011). Também os Sindicatos de
Maestros de Santiago de Estero e Mendoza continuaram atuando na década de 1960.
O golpe militar de 1955 também possibilitou o restabelecimento das associações
católicas, talvez inclusive em uma posição mais privilegiada do que a das associações
tradicionais liberais. De qualquer modo, a importância delas diminuiria na seguinte década. O
elemento fundamental parece ser a impossibilidade de capitalizar a mobilização e o
descontentamento na base da categoria.157 A Federación Católica de Educadores (FCE), a
única entidade com capacidade de disputar a representação da categoria com a UEPC, perdeu
a disputa pela hegemonia em Córdoba. A Asociación Gremial de Educación de Buenos Aires
(AGEBA), católica, também ficou marginalizada da disputa pela hegemonia. Primeiro entre a
FEB e a Asociación de Maestros; depois entre a FEB e os setores mais radicalizados que
integrariam uma nova confederação nacional criada em 1973. As entidades católicas
participavam da Federación de Asociaciones Gremiales de Educadores (FAGE), que, mesmo
tendo aderido a algumas paralisações nacionais, também via retroceder a sua gravitação na
organização da categoria (CORMICK, 2005).
157
Ver Gutiérrez (2011), sobre o caso de Córdoba.
113
Um novo grupo de organizações seria criado após de 1957, no contexto de uma ampla
mobilização social da qual participaram os professores. Exemplos disso são a Unión de
Maestros Primarios (UMP) (1957) da Capital Federal e a Federación de Educadores
Bonaerenses (FEB) “Domingo Faustino Sarmiento” (1959), da província de Buenos Aires.
Considero que isso é indicador de duas questões que tratarei com certo detalhe: um marco
regulatório extraordinariamente flexível e uma relativamente débil implantação das
organizações tradicionais na base da categoria. Esses dois elementos, junto com o contexto
politicamente mais aberto do período 1958-1966, permitiram a constituição de outras
associações, por especialidade ou rede, locais ou provinciais.
Um grupo de entidades tradicionais reconstituídas (encabeçadas pela Confederación
de Maestros, junto com a Associação da província de Buenos Aires e as federações de Santa
Fe e Entre Ríos) se confederou em 1957 e dois anos depois se uniram com duas federações de
professores de ensino médio na Confederación Argentina de Maestros y Profesores
(CAMYP).158 Mas, nesse breve período, novas organizações nacionais foram criadas. À
CAMYP somaram-se a Unión Nacional de Educadores (UNE, com peso da UEPC de
Córdoba), a Federación de Asociaciones Gremiales de Educadores (FAGE, com associações
próximas ao catolicismo) e a Comisión Coordinadora Intersindical Docente (CCID, com peso
da UMP), todas reunidas em 1961 no Comité Unificador Docente de Acción Gremial
(CUDAG).
A mobilização docente do período de 1957-1959 foi, nos principais distritos,
generalizada. Os professores de Santa Fe deflagraram uma greve em março de 1957 (por mais
de um mês); os da Capital Federal no segundo semestre do mesmo ano (por 34 dias), os da
província de Buenos Aires em 1958 (por 21 dias) e os de Tucumán em 1959 (por mais de um
mês). As principais demandas eram a sanção ou a reforma dos Estatutos Docentes, a
equiparação dos salários dos professores das redes provinciais com os das redes federais e
diferentes demandas previdenciárias.
Diferentemente das greves de Mendoza e de Santa Fe (1919 e 1921) aqui as
organizações sobreviveram e saíram fortalecidas. De qualquer maneira, tratava-se de greves
polêmicas. Existem diferentes exemplos. Na greve de Buenos Aires de 1958, uma assembleia
decidiu que alguns professores ficassem na porta das escolas para “… coaccionar a los que
traten de ser rompehuelgas, pero siempre por medios lícitos” (apud CORMICK, 2005, p. 7).
158
Uma dessas entidades de ensino médio era a Federación Argentina de Profesores Diplomados. A CAMYP chamava-se
inicialmente CAMYPD (por “diplomados”).
114
Em uma paralisação de 1963, na mesma província, uma professora escreveu em uma carta de
leitores enviada a um jornal “… nos duele tener que ir a la huelga, pero lo hacemos a
conciencia, cumpliendo un deber de nuestro oficio” (apud CORMICK, 2005, p. 40). O dever
de um bom professor era, nesse contexto, ir à greve.
A questão da legalidade e o status da atividade – visível também no Brasil – superpõese a uma questão política: o fenômeno peronista. A sociedade tinha ficado politicamente
muito dividida entre peronistas e anti-peronistas. As fronteiras de classe entre ambos os
setores eram claras, e o sindicalismo estava claramente identificado com o peronismo. Nesse
contexto, para uma categoria com peso dos setores sociais médios se aproximar do
movimento sindical (pelo método de luta, ou pelo que for) não significa simplesmente se
aproximar dos assalariados. Significava – potencialmente –aproximar-se do peronismo. De
qualquer modo, esse elemento que deve ser considerado, não deve ser levado muito longe. A
CGT apoiou a luta dos professores em 1960 e em novembro de 1961 os professores
participaram de uma greve federal convocada pela central operária, no contexto da luta dos
trabalhadores das estradas de ferro. A Confederación de Maestros, uma das entidades mais
antiperonistas, agradeceu o apoio da CGT na primeira oportunidade e convocou uma
paralisação das atividades docentes na segunda (GINDIN, 2010).
Os Estatutos sancionados nesse período (1957-1958) se constituíram em paradigmas
da regulação das condições do trabalho docente e foram defendidos pelos professores. Muitos
dos conflitos nas décadas seguintes travaram-se em torno desses instrumentos legais (se eram
respeitados, suspensos, aplicados, etc.). O estatuto dos professores da rede federal, por
exemplo, estabelecia um índice de remunerações que seria atualizado anualmente segundo a
evolução do custo de vida. As paralisações da década seguinte foram para pedir que fosse
respeitada essa disposição. Os estatutos significaram a regulamentação da carreira com
participação docente, em termos bastante similares aos estabelecidos no regulamento para os
professores da Capital Federal de 1931. Esses estatutos estabeleceram que representantes
docentes participassem nos conselhos de qualificação e nos tribunais de disciplina; mas esses
representantes seriam votados pelos professores, não indicados por uma organização.
Esse mecanismo de escolha dos representantes docentes dentro do sistema educacional
se repete nos casos em que os professores lograram participação nos Conselhos de Educação.
Desde começos do século os professores demandaram que fossem eles os que administrassem
o sistema educacional, o que podia se expressar por meio do apoio a algum possível
funcionário com formação normalista. Na segunda metade do século, os professores
115
conseguiram ter representação (que não é o mesmo) nos Conselhos de Educação, em alguns
casos em que estes continuaram atuando (porque não todas as jurisdições tem Conselhos de
Educação). Nas províncias de Neuquén, Río Negro e Entre Ríos os representantes docentes
nesses conselhos também são eleitos pelos professores e, aparentemente, em nenhum caso o
representante docente é simplesmente nomeado pelo sindicato com personería gremial.
Entre 1958 e o golpe de Estado de 1976, pelo menos sindicatos de oito províncias
obtiveram a personería gremial. No caso da província de Buenos Aires, a associação
tradicional tinha pedido novamente a personeria gremial em 1958, mas ela só foi outorgada
tempos depois à FEB (em 1972).159 As outras são a ADEP (Jujuy, 1961), ATEP (Tucumán,
1962), UEPC (Córdoba, 1964), ATECH (Chubut, 1966), ADP (Salta, 1966), o Sindicato del
Magisterio de Mendoza (1967)160 e UDAP (San Juan, 1975). Nenhuma federação ou
confederação teve personería gremial até a década de 1980.
A figura da personería gremial garante o controle de recursos econômicos a partir da
administração monopólica dos descontos obrigatórios sobre os salários destinados a financiar
Obras Sociales. As Obras Sociales, às vezes, tem as suas próprias clínicas e, outras vezes,
contratam serviços privados de saúde. No caso dos professores, esse sistema, que é parte do
modelo sindical argentino, funciona deficientemente ou não funciona. A Mutualidad del
Magisterio e a Asociación Pro-maestros de Escuelas, as principais entidades mutualistas que
atuaram na primeira metade do século na rede federal, perderam presença e acabaram
desaparecendo frente à consolidação da Obra Social do setor. Mas, a presença sindical na
Obra Social, até 1990, foi subordinada e teve um papel político marginal na estruturação do
campo das organizações docentes.161 Nas redes provinciais das principais províncias (Buenos
159
Na carta dirigida aos docentes da Província pela Mesa Coordinadora Permanente del Movimiento Pro Dignificación del
Magisterio Bonaerense “Domingo Faustino Sarmiento”, pode se ler “Es necesaria la pronta agremiación, estimado colega,
porque la ley sobre Asociaciones Profesionales de Trabajadores, sólo reconocerá personaría gremial a la entidad más
representativa” (no website da FEB, www.feb.org.ar, acesso em 10 outubro 2010). Nos registros do Ministério do Trabalho
aparece que a FEB obteve a personeria gremial em 1961, mas esta foi obtida em 1972 (CORMICK, 2005). É possível que
alguma entidade de base da FEB tenha obtido a personería em 1961, e à federação tenha sido outorgada uma ampliação
dessa personería.
160
Nos registros do Ministério do Trabalho aparece que o sindicato mendocino, que foi realmente criado na década de 1970,
foi constituído na década de 1950 e obteve a personería em 1967. Certamente, as organizações docentes que se unificaram
em Mendoza mantiveram o registro do Sindicato del Magisterio e assumiram a sua personería.
161
Em 1953 foi criada a Dirección de Obra Social del Ministerio de Educación (DOSME). A DOSME fusionou-se em 1968
com a Obra Social do CNE, que funcionava desde 1957 (GINDIN, 2010). Em 1972 foi criada a Obra Social Para la
Actividad Docente (OSPLAD), sob intervenção do governo até 1993. Desde então é sim administrada pelos sindicatos. Mas,
em um contexto de pluralidade sindical, são vários os sindicatos docentes que administram OSPLAD.
116
Aires, Santa Fe, Córdoba) as Obras Sociales são administradas pelos governos, não pelos
trabalhadores.162
Quais são as vantagens de ter personeria gremial? A personeria gremial facilita
enormemente a vida econômica do sindicato, porque o governo é obrigado a descontar a quota
sindical dos sócios em folha de pagamento. Na década de 1990 e 2000, outra vantagem do
sindicato de professores de Santa Fe ter personería gremial residia na possibilidade de
promover a eleição de representantes por escola, reconhecidos como tais pelo governo, os
quais podiam solicitar licença para participar das atividades sindicais. Essas licenças são
outorgadas pelo sindicato (GINDIN, 2003). Mas, por outro lado, os professores não estavam
incluídos na lei de negociações coletivas de 1953 e as condições de trabalho foram reguladas
por estatutos, independentemente do reconhecimento estatal em relação às organizações que
atuavam na categoria. Ou seja, as condições de trabalho de todos os professores de
determinada
rede
eram
determinadas
por
estatutos
sancionados
pela
legislatura,
independentemente de se nessa rede atuava algum sindicato, se esse sindicato era único, e se
era ou não reconhecido pelo Estado como o sindicato com personería gremial. Os estatutos
docentes também garantiram a estabilidade trabalhista dos ativistas e das lideranças sindicais,
impedindo ou dificultando que fossem demitidas, independentemente deles serem ou não
protegidos pela legislação sindical. Voltando à situação colocada no período de 1957-1976:
em um contexto de mobilizações, liberdade sindical e fortes disputas políticas existiam
grandes incentivos para a criação de novas organizações.
As mobilizações mostraram o surgimento de um amplo ativismo na base docente e
mudaram a maneira com a qual as associações agiam, organizavam-se e legitimavam as suas
demandas. Na etapa da mobilização (1957-1958), a UEPC promovia assembleias por
departamento e legitimava as suas posições em termos da vontade do corpo de professores,
organizando medidas de pressão como greves e manifestações. Essas eram práticas estranhas
e rejeitadas pela sua concorrente, a Federación Católica de Educadores (GUTIÉRREZ,
2011). Em 1958, na província de Buenos Aires, no contexto da disputa com o Movimiento
Pro Dignificación del Magisterio, pela primeira vez apareceram referências a “representantes
de escolas” nos arquivos da Associação criada em começos do século. Inclusive Josefina
162
Uma relativa exceção é Entre Ríos, onde as diferentes categorias de funcionários provinciais administram colegiadamente
a Obra Social. O mecanismo de eleição do representante dos docentes também está desvinculado do regime de personería
gremial. Como no caso dos representantes docentes aos conselhos, dessa e de outras províncias, os docentes votam em
chapas que podem ou não ser integradas por militantes de entidades sindicais reconhecidas.
117
Pessacq esteve presente em assembleias de delegados de escolas em distintos distritos. Meses
depois, a Comissão Central da associação aprovou uma resolução dirigindo-se às Comissões
Locais “… recalcando la necesidad de que se cuente con un delegado de la Asociación en
cada escuela del distrito para poder lograr un permanente contacto entre los afiliados y sus
órganos directivos a los efectos escolares y gremiales” (apud GINDIN, 2010). Pascual
Lértora, presidente da Associação, disse na assembleia de 1960 que tinha se despertado na
maioria da categoria “… la conciencia gremial imprescindible en el individuo para que la
masa que integra tenga un contenido y una actuación uniforme sin discrepancias internas de
fondo, disciplinada para acatar resoluciones de la mayoría” (apud GINDIN, 2010). A
importância que cobra a organização no lugar de trabalho, na base da categoria, aparece
também em uma manchete do jornal da Confederação de 1961. A confederação se opunha à
eleição de representantes únicos por escola, defendendo a pluralidade organizativa e
ideológica.
¿No es más democrático que nos agrupemos con un delegado por turno o por escuela? No, no
lo es. Un representante por turno o por escuela no puede traducir sino la unanimidad para
casos muy limitados, como podría ser el aumento de los índices a lo que por ley corresponde.
En casi todo lo demás, que es tan importante para un educador de verdad, las diferencias de
pensamiento imponen que cada orientación tenga su propio curso, sin estar sometida a una
elección pseudodemocrática, porque es pseudodemocrático lo que ahoga la libertad de pensar
y de expresarse163
Não se trata de que a hierarquia do sistema educacional deixara de ter importância na
organização da categoria e, neste caso, das greves. María Sánchez, importante liderança
docente, lembra que no final da década de 1960 a Unión de Educadores de La Matanza
(grande Buenos Aires) era dirigida por um inspetor e os professores tinham pouco peso na
entidade. Justamente a bandeira da Agrupación Almafuerte – orientada por Sánchez – para
ganhar as eleições de 1970 foi “Los maestros de las escuelas a conducir el sindicato”
(VÁZQUEZ; BALDUZZI, 2000, p. 41-42). Trata-se de um movimento pendular, oscilante,
mas no qual a tendência é clara: a base dos professores tem crescente autonomia da hierarquia
educacional para se organizar e levar adiante as medidas de pressão que considerasse
necessárias.
Existia uma questão geracional que deve ser ressaltada. Na Capital Federal a
Confederação disputava com a UMP a representatividade do professorado. Dos partidos
socialistas, o socialista democrático e o socialista popular, e os professores “mais velhos”,
163
“Mensaje a los maestros. Conozca las razones de la Confederación de Maestros y luego juzgue” (Tribuna del Magisterio
Nº 242, julho de 1961), apud Gindin (2010).
118
tinham muita presença na Confederação. Na UMP reuniram-se jovens comunistas, peronistas
e radicais de centroesquerda. Uma das lideranças da UMP, Juan Carlos Valdez, referiu-se em
uma entrevista realizada posteriormente a uma “outra linguagem” que caracterizaria a UMP e
que “también tenían algunos jóvenes de la Confederación como Alfredo Bravo, Carlos
Rocchi y otros compañeros” (GAMBOA et al, 2007, p. 100). Carlos Rocchi e Alfredo Bravo
seriam lideranças da confederação unitária criada em 1973.
3.3.2 Radicalização da categoria
Ao longo da década de 1960, além da FAGE (católicos), separou-se do CUDAG um
grupo de entidades que se reuniu na Confederación General de Educadores de la República
Argentina (CGERA). Este último segmento estava integrado, entre outras organizações, pela
FEB (Buenos Aires), ADP (Salta), o Sindicato de Educadores Argentinos de Capital Federal
(que integrava a CGT de los Argentinos164), o Sindicato del Magisterio de Mendoza e a ATEP
(Tucumán).
A maioria das organizações com personeria gremial estavam na CGERA. O campo
sindical docente se dividiu entre “profesionalistas” e “gremialistas”. A disputa entre o
CUDAG (e particularmente a CAMYP) e a CGERA foi intensa. Essa divisão foi muito
grande entre os quadros docentes, e assim tem sido recuperada em alguns trabalhos históricos
promovidos pelos sindicatos.165 Esquematicamente, de um lado se encontravam entidades
antiperonistas, afastadas do movimento sindical, herdeiras da tradição liberal do magistério;
do outro lado, encontravam-se organizações que pretendiam se enquadrar na legislação
sindical e participar do movimento sindical, e que pensavam a categoria como uma categoria
de “trabalhadores da educação”. Logicamente, deviam existir elementos na própria categoria
que sustentassem essas posições políticosindicais, mas o papel dessa disputa como chave
explicativa da ação do professorado nesse período tem sido exagerado, como indica Cormick
(2005).
Em 1970, a CAMYP, a CGERA, a UNE e a CCID criaram o Acuerdo de
Nucleamientos Docentes (AND), com a ideia de constituir uma organização unificada em um
futuro próximo. O AND enfrentou o governo militar, debilitado depois de uma revolta
operária e popular na província de Córdoba em 1969, com paralisações federais de
professores. O objetivo principal era impedir a reforma educacional projetada pelo governo, o
que finalmente foi conseguido. O Ministro da Educação acabou renunciando e a projetada
164
165
Em 1968 houve uma divisão na CGT e o setor mais combativo agrupou-se na CGTA.
Ver Vásquez e Balduzzi (2000) e Gamboa et al (2007).
119
“escuela intermedia” não foi implementada. Entretanto, uma nova onda de greves tinha
comovido Mendoza (1969 e 1971), Tucumán (1969-1970) e Santa Fe (1971), dentre outras
províncias. No bojo dessas mobilizações, surgiram novos quadros sindicais que questionaram
às organizações existentes, radicalizaram-nas ou criaram novas entidades.
Na década de 1960 atuavam militantes docentes que se identificavam com o
peronismo. Eles podiam ter alguns acordos com o nacionalismo católico peronista, mas
tinham uma perspectiva política claramente diferente. Tratava-se de professores jovens que
concebiam o peronismo como corrente de libertação nacional e popular e que, no processo de
radicalização política, confluíram com a nova esquerda marxista (trotskistas e maoístas). Esse
segmento protagonizou a criação da Asociación Unificadora de Educadores de Capital
(AUDEC), da Federación Única de Sindicatos de Trabajadores de la Educación (FUSTE, em
Santa Fe) e do Sindicato de Educadores Privados y Particulares de Córdoba (SEPPAC).
Os casos de Rosario, Capital Federal e da grande Buenos Aires tem sido reconstruídos.
Em Rosario em 1970, a principal entidade docente era a velha Sociedad Unión del Magisterio
(SUM), dentro da qual atuava como oposição interna um grupo de militantes comunistas, e
em cuja sede funcionava a delegação da Comissão Pró-Melhoras Econômicas (a frente única
das organizações docentes). A SUM tinha um perfil apolítico. Provavelmente, por isso, não
pôde controlar, na greve de 1971, um forte ativismo docente que levou à frente mobilizações e
uma assembleia de 1500 professores. Um setor dos ativistas não concordou com o desfecho
da greve e não era aceito pelo SUM como novos sócios. Estes criaram no mesmo ano o
Sindicato de Trabajadores de la Educación de Rosario. Os professores católicos de Santa Fe,
ou pelo menos uma parte deles, foram protagonistas da criação de um sindicato análogo na
capital provincial e, finalmente, ambos se federaram com entidades de outros distritos na
Federación Única de Sindicatos de Trabajadores de la Educación (RÍOS, 2005).
No caso da província de Buenos Aires, o apolitismo do qual a FEB tinha feito uma
bandeira não continha a efervescência docente. Em 1972, houve um racha importante. A
entidade de base em La Matanza (o distrito mais numeroso da província, liderado por María
Sanchez) foi suspensa da FEB por participar de uma paralisação nacional em 1971 à qual a
FEB não tinha aderido. A FEB tampouco participou da paralisação nacional de maio de 1972,
porque ainda que a maioria dos delegados apoiasse a medida, estatutariamente a porcentagem
era insuficiente para definir uma medida de força. Havia umas quinze entidades locais
rebeldes, concentradas na grande Buenos Aires, nove das quais foram expulsas da FEB.
Embora existisse certa heterogeneidade política, o núcleo duro dessas associações rebeldes
120
estava constituído pelas de La Matanza e Morón, identificadas com o peronismo de esquerda
(CORMICK, 2005).
Essas organizações da grande Buenos Aires confluíram com os sindicatos que já
atuavam em Mendoza e Santiago del Estero, uma federação docente recentemente constituída
em Rio Negro, a AUDEC, o SEPPAC e a FUSTE na Central Unificadora de los
Trabajadores de la Educación (CUTE), criada em 1972. Na CUTE tinha muito peso do
peronismo de esquerda e, em geral, da nova esquerda. Segundo um observador
contemporâneo, também setores da direita peronista tinham inicialmente participado da
CUTE (cfr. LEIVA, 1973).
Em 1973, a CUTE unificou-se com a AND (por sua vez integrada por todas as
organizações nacionais criadas a partir de 1957, com exceção da federação católica) na
Confederación de Trabajadores de la Educación de la República Argentina (CTERA). Essas
entidades reuniram-se em um Congresso em Huerta Grande (Córdoba), do qual participaram
95 organizações das redes públicas e particulares, de educação básica e superior.166 A maioria
declarou ter menos de 1000 sócios. Um olhar direcionado às entidades que participaram desse
congresso permite os seguintes comentários:
•
Atuavam no magistério entidades provinciais, regionais e por escola,
federadas ou não federadas. Os professores da rede federal apresentaram-se
organizados em entidades provinciais nos casos de Jujuy, Tucumán, Salta, Santa Fe,
Entre Ríos, Mendoza, Córdoba, Buenos Aires e La Rioja (como professores
transferidos);
•
Tinham peso entidades por nível ou por setor (nível médio, educação
manual, etc.), mas a própria participação no Congresso indicava que a tendência
colocada uma década atrás, de unificação, continuava. Vários “centros de professores
diplomados” participaram. Na província de Buenos Aires as associações de
professores secundaristas e técnicos criadas na primeira metade dos anos ‘60
declararam ao congresso, respectivamente, 2.800 e 1.400 filiados;
•
O professorado estava se organizando fora da estrutura sindical,
livremente. E o continuaria fazendo. Seis das sete entidades que tinham personeria
gremial e, pude identificar, todas, com exceção da FEB, participaram do Congresso
(as de Mendoza, Córdoba, Jujuy, Salta, Tucumán e Chubut). Na maioria dos casos,
166
Mesmo participando ao Congresso de Huerta Grande, SADOP, o sindicato federal dos professores da rede privada
finalmente não foi entidade fundadora da CTERA no congresso de um mês depois. Mas um novo grupo de organizações se
incorporou entre ambos os congressos. Estou tomando todas as informações de Vásquez e Balduzzi (2000).
121
compartilhavam a representação com entidades sem personeria das mesmas
províncias. Das seis associações de docentes da rede pública com mais de quatro mil
filiados, quatro não tinham personeria gremial (as das províncias de Santa Fe e
Corrientes, e duas entidades da Capital Federal). Os professores da rede federal, que
ainda era a principal empregadora, apresentaram-se organizados em mais de quinze
organizações divididas por segmento, área de atuação ou identidade políticosindical.
A declaração de princípios de CTERA, adotada no Congresso de Huerta Grande de
agosto de 1973, é uma clara expressão do ambiente político e, ao mesmo tempo, da grande
distância ideológica que separava as lideranças e quadros docentes dos seus antecessores da
primeira metade do século. Começa a declaração:
El profundo proceso de transformaciones políticas, económicas, sociales y culturales que
nuestra patria necesita para eliminar la dependencia, concretar una sociedad justa y el pleno
ejercicio de la democracia, requiere que la educación propenda al desarrollo de la conciencia
y actitudes científicas y críticas de los educandos frente a la realidad y la sociedad, a fin de
que impulsen ese proceso, realizándose así social y personalmente. El docente, trabajador de
la educación, está trascendiendo la condición de transmisor de conocimientos, para actuar
permanentemente como un factor importante del avance social que posibilitará la auténtica
liberación del hombre, la patria y los pueblos (Apud VÁSQUEZ; BALDUZZI, 2000, p. 151)
No Congresso de Unidade, realizado pouco depois em Buenos Aires, três chapas
disputaram a eleição; uma da AND (que ganhou amplamente) e duas da CUTE. A
radicalização dos métodos de luta e das posições políticas do professorado não era
especialmente problemática; mas os setores tradicionais resistiam à integração à CGT e, em
termos gerais, eram receosos do modelo de organização que poderia finalmente adotar a
docência. As associações que participaram da criação da CTERA se propuseram a aprofundar
a tendência à constituição de organizações únicas por distrito, e com esse espírito criaram-se
organizações provinciais unificadas em Rio Negro (1974) e San Juan (1975).
A ditadura instaurada em 1966 chegou ao seu fim em 1973 e nas eleições desse ano foi
eleito Héctor Cámpora, com quem se identificava a esquerda peronista. A AND (CTERA
ainda não estava constituída) entrevistou o Ministro da Educação e apoiou o seu projeto. Mas,
essa boa relação entre a organização docente e o governo seria interrompida. O peronismo no
governo (primeiro Cámpora, depois o próprio Perón, e com a sua morte Isabel Martínez de
Perón) estava enfrentado entre uma ala esquerda e uma ala direita. O peronismo de esquerda
tinha peso na juventude, nas organizações guerrilheiras, etc.; enquanto o peronismo de direita
se apoiava no sindicalismo e ainda em 1973 virou a principal base de apoio do governo.
122
Nesse contexto, um grupo de militantes docentes peronistas, mais conservador,
reconstituiu a Unión de Docentes Argentinos (UDA) a partir do Departamento Docente da
Asociación de Trabajadores del Estado (AMADO; CHECA, 1990). São significativas as
políticas de legitimação e fortalecimento da UDA levadas adiante no biênio 1974-1975. A
UDA incorporou-se às “62 organizações peronistas” (o braço político do movimento sindical
peronista) e no final de 1974 lhe foi “restituída” a personería gremial outorgada à ADA em
1951. Essa resolução expandia a representatividade da UDA, estabelecendo que a sua base era
constituída por todos os professores das redes públicas e particulares, de todos os níveis e de
todo o país (o que incluía os trabalhadores das redes provinciais).167 A UDA também obteve a
administração da Caixa Compensadora de Previsão para a Atividade Docente criada em 1975
e a direção da OSPLAD, que ainda estava sob intervenção do governo (ver nota de rodapé N°
161). Desse modo, a UDA administrava dois organismos beneficiados com descontos
obrigatórios sobre todos os professores da rede federal.168 Segundo Gamboa et al (2007), a
UDA também contou com a filiação obrigatória.
Por outro lado, os sindicatos de base de CTERA continuaram organizando greves e
mobilizações. A confederação organizou três paralisações nacionais em 1974 e oito em 1975
(AMADO; CHECA, 1990); a resposta do governo nacional e dos provinciais foi igualmente
decidida: centenas de professores foram suspensos, dentre eles Alfredo Bravo, liderança
socialista da CAMYP e Secretário Geral da CTERA.169
A violenta repressão da ditadura militar instaurada em 1976 acabou com o processo de
construção da UDA, o sindicato identificado com o sindicalismo peronista e o governo,
minoritário na extensa base da categoria. Ainda mais importante, também acabou com a
intensa atividade sindical que estavam levando à frente os quadros da CTERA. Algumas
entidades importantes que tinham personeria gremial foram colocadas sob intervenção
federal. Alfredo Bravo esteve inicialmente “desaparecido”, e depois colocado sob liberdade
vigiada. Numerosas lideranças e quadros docentes – dentre eles três integrantes da direção da
CTERA– foram assassinados. A CTERA reuniu informações relativas aos assassinatos e às
167
Pela resolução do Ministério do Trabalho 506 de 15/11/74. A Câmara Nacional de Apelações do Trabalho (CNAT), na
sua sentença 4927 de 12/11/75 declararia nula a Resolução 506/74 (cfr. CORMICK, 2005).
168
O desconto para a caixa era de 3% dos salários docentes (AMADO; CHECA, 1990).
169
Entrevista a Héctor Alberto Robles, em Nigro (1984).
123
desaparições de professores e, de acordo com esse levantamento, foram mais de 600 em todo
o país.170
3.4 A consolidação do sindicalismo de base
A experiência do período de 1969 a 1976, parcialmente tributária do ativismo de finais
da década de 1950, tinha colocado no horizonte de um grande número de ativistas o projeto de
constituição de entidades únicas por jurisdição federadas na CTERA. Os estatutos de finais da
década de 1950 continuavam sendo os instrumentos, por excelência, de regulação do trabalho,
e os professores continuaram defendendo-os. Em 1980, quando as entidades docentes
começaram a se reorganizar, existia uma grande experiência sindical acumulada, mas o saldo
em termos de estrutura sindical (prestação de serviços, recursos econômicos, garantias
institucionais, etc.) tinha sido modesto e a desmobilização, por causa da forte repressão, muito
grande.
Toda a efervescência sindical anterior à ditadura militar, que expressava uma maior
participação da base da categoria nas suas entidades representativas, não tinha significado que
a presença feminina passasse a ser preponderante nas funções de direção sindical. Ao analisar
quinze diretorias sindicais no período 1971-1976, Amado e Checa (1990) indicam que só uma
estava presidida por uma mulher (a Unión de Educadores de Avellaneda), e a participação
feminina nas diretorias oscilava entre 15% e 50%. Na primeira Diretoria Executiva de
CTERA (1973) eram homens o secretário geral e os quatro secretários gerais adjuntos.171
3.4.1 Sindicalismo docente e democratização
O governo militar entrou em uma aguda crise política em 1982 que alavancou as
experiências de reorganização do sindicalismo docente e precipitou a convocatória para as
eleições. Em 1983, pela primeira vez em eleições livres, a UCR ganhou do peronismo. O
governo radical, que mantinha tensas relações com o movimento sindical peronista, teve
inicialmente boa relação com a CTERA, tanto pelos ares renovadores e democráticos do
governo, como pelo fato de que o magistério era uma das poucas categorias nas quais os
militantes radicais tinham presença. Alfredo Bravo, militante socialista, renunciou à
Secretária Geral da CTERA e incorporou-se ao governo nacional.
170
Cfr. o website da CTERA (www.ctera.org.ar). Acesso em: 15 setembro 2010. Ver Gudelevicius (2008) e Gamboa et al
(2007) sobre algumas experiências de resistência dos professores nos difíceis anos da ditadura militar.
171
Ironicamente, a UDA, que não expressava a mobilização das bases, teve mais da metade da diretoria eleita em 1974
integrada por mulheres. Mesmo assim, o presidente era homem.
124
A UDA, com o final da intervenção em 1983, nova diretoria e sem apoio estatal,
perdeu a administração exclusiva da caixa complementária172 e ficou, relativamente, à
margem do processo de organização de sindicatos únicos por jurisdição levado à frente pelos
quadros identificados com a CTERA.173 Ex-militantes das experiências mais radicalizadas dos
anos ‘70 como os da AUDEC (Capital Federal), FUSTE (Santa Fe) ou SEPPAC (Córdoba) se
integraram a organizações politicamente mais amplas e institucionalmente mais antigas como
a UMP, AMSAFE e a UEPC, respectivamente. Algumas entidades tradicionais se
reestruturaram (como a federação de Santa Fe, que se converteu em uma organização única) e
novas organizações foram criadas em Santa Cruz (ADOSAC, 1981), Neuquén (ATEN, 1982),
Santiago del Estero (AYSA, 1983), Chaco (ATECH, 1984), Buenos Aires (SUTEBA, 1986),
La Pampa (UTELPA, 1987) e Entre Ríos (AGMER, 1988). Essa criação, às vezes, envolvia
fusão de organizações como em La Pampa (onde atuavam três organizações), Entre Rios
(onde atuavam duas) e Buenos Aires (onde 27 organizações participaram da criação do
SUTEBA).
Entidades tradicionais iniciaram os processos para serem reconhecidas no marco da lei
de associações sindicais (como é o caso da AMP em La Rioja, da AMSAFE em Santa Fe, da
ACDP em Corrientes e das entidades de nível médio de Santiago del Estero e Tucumán),
CTERA obteve a sua personería gremial (1985) e AMET e UDA ratificaram também as suas.
Em alguns casos, as entidades provinciais de CTERA lograram também a representação legal
no âmbito provincial dos docentes empregados pelo estado nacional (por exemplo, em Santa
Fe), dos trabalhadores técnicos e administrativos (por exemplo, em Neuquén) ou dos
professores da rede particular (por exemplo, em Córdoba). Cabe insistir no fato de que essa
representação legal não significava que o sindicato organizasse esses trabalhadores, nem que
participasse da regulamentação de suas condições de trabalho, nem que se beneficiasse com
descontos obrigatórios sobre os seus salários.
Mas, o processo de unificação teve limites: algumas entidades não se unificaram e a
partir de 1988 as fraturas sindicais começaram a aparecer. A fragmentação organizacional é
possibilitada pela falta de regulamentação estatal (não houve, nesse sentido estrito, mudanças
significativas), pelo tamanho e a heterogeneidade ideológica da categoria (onde atuavam
praticamente todos os setores políticos) e por um elemento da cultura sindical: frente ao
espelho da tradição sindical argentina, a ideia de uma organização unitária se consolidava
172
O Conselho de Administração da caixa complementária era integrado por sete membros e a presença sindical era
majoritária. UDA, AMET, SADOP e CTERA integram atualmente o Conselho.
173
Sobre este processo, ver também Nardacchione (2009).
125
lenta e conflituosamente entre o professorado e os quadros sindicais. É plausível que essa
situação que descrevi nos anos ‘70 continuasse tendo certo peso nos anos 80.174
UDA renovou as suas lideranças e se filiou à CTERA, que em 1985 realizou o
congresso mais representativo da história da confederação. CTERA funcionava, de fato, como
uma “coordenadora”: suas entidades de base eram pouco disciplinadas; vivia uma permanente
disputa interna; tomava decisões em Confederales (congressos com mandato específico das
bases, muito sensíveis aos debates do ativismo e ao grau de mobilização da categoria); tinha
recursos irregulares originados de seus sindicatos de base; não tinha nenhum recurso estatal;
nenhum controle sobre a contratação coletiva (inexistente); nem sobre as instituições de
previdência social (administradas pelos governos ou sob intervenção estatal). A CTERA
dependia exclusivamente das contribuições das entidades de base e em um contexto pouco
institucionalizado e de fortes disputas internas, os sindicatos opositores à direção nacional não
realizavam as suas contribuições econômicas (NARDACCHIONE, 2009). CTERA declarava
ter 189.000 filiados em 1986175.
Essa informação é congruente com os dados que apresentou Nardacchione (2009),
segundo os quais a confederação tinha 150.000 filiados em 1984 e 220.000 em 1987. Em
1987 a UDA tinha 30.000 filiados em 25 seções, sendo as mais numerosas as da província de
Buenos Aires (6.800) e as da cidade de Buenos Aires (5.600); e o SUTEBA (província de
Buenos Aires), recentemente criado, 20.300 (AMADO; CHECA, 1990; GINDIN, 2003b). É
provável que os sindicatos de Santa Fe e Córdoba, que já eram sindicatos únicos, reunissem já
mais de 20.000 filiados. Ainda que as organizações docentes crescessem na década de 1980, e
o continuassem fazendo na seguinte, considero que o fenômeno dominante no período 19802000 é a reorganização, unificação e institucionalização das entidades docentes.176 No quadro
174
Vale como exemplo tomar nota das entidades da CTERA da província de Buenos Aires que estavam envolvidas na
criação de uma entidade provincial (que acabou sendo o SUTEBA) em 1986. Estavam alguns dos ex-sindicatos locais da
FEB que tinham participado da fundação de CTERA (como as uniões de educadores de La Matanza e Morón) e também
entidades por “especialidade”, particularmente no ensino médio (a Agremiación Educadores Secundarios de Buenos Aires e a
Asociación de Docentes Técnicos de Enseñanza Diferenciada). A Agremiación Docente Unificadora tinha participado da
fundação de CTERA e, embora tivesse peso no nível médio, não era uma entidade por nível. Além dessas organizações
existiam entidades criadas recentemente, como a Unión Docentes Argentinos de Buenos Aires (uma entidade análoga à UDA
nacional, que participou da fundação do SUTEBA) e a Agremiación de Trabajadores de la Educación de Lomas de Zamora
(talvez originada na União de Educadores de Lomas de Zamora). Estas, junto a três uniões de educadores (as de Quilmes,
Esteban Echeverría e Merlo, Marcos Paz e Las Heras) eram as que reuniam mais de mil filiados (CORMICK, 2005).
175
Declarou essa quantidade ao congresso da CGT (GODIO, 2000).
176
Em 1973, no congresso de Huerta Grande, o conjunto de organizações de professores de Córdoba e Santa Fe declararam,
respectivamente, 15.300 e 12.600 sócios. Segundo dados dos sindicatos únicos de ambas as províncias, em 1990 e 1992 a
quantidade de sócios era de 24.300 e 20.500 respectivamente (GINDIN, 2003b). O crescimento pode ter sido efetivamente
maior se considerarmos que havia grandes incentivos em 1973 para que as organizações declarassem um número de filiados
maior ao que efetivamente tinham. De qualquer modo, em começos da década de 1990 as entidades provinciais únicas já
contavam com desconto em folha de pagamento e delegações em todos os distritos das respectivas províncias, o que lhes
permite atuar de uma maneira radicalmente diferente.
126
abaixo pode-se ver o crescimento da afiliação e a diminuição do número de entidades de base
da CTERA.
Tabela 1. Filiados à CTERA (1973-2001)
Ano
Filiados
Entidades de
Média de filiados
base
por entidade
1973
126.919
95
1.336
1984
150.000
54
2.778
2001
233.585
25
9.343
Fontes: 1973, Vásquez e Balduzzi (2000); 1984, Nardacchione (2009); 2001, eleições da
CTERA.
A militância, na década de 1980, foi absorvida pelas fortes disputas internas dentro do
campo sindical docente. Por outro lado, a politização da sociedade não era tão acentuada
quanto no Brasil. Esses fatores fizeram com que as organizações docentes não participassem
com determinação no debate educacional associado à democratização do país. A igreja e os
setores associados ao ensino particular aproveitaram-se dessa situação.177
A CAMYP, à qual pertenciam os primeiros secretários gerais da CTERA, tinha se
separado da Confederação durante a ditadura militar. Esse segmento tradicional, com peso do
socialismo, que era ainda forte em começos dos anos 70, perdeu posições no processo de
reorganização do sindicalismo docente. No congresso da CTERA após o fim da ditadura
militar, que só foi realizado em 1985, um bloco com a maioria comunista levou a um radical
(Wenceslao Arizcuren, da UNTER, Río Negro) à Secretaria Geral de CTERA
(NARDACCHIONE, 2009). Isso parcialmente expressava uma política interna de alianças,
apoiada pelo governo nacional, orientada a impedir que a chapa Celeste, com fortes laços com
o peronismo, liderasse a Confederação. A boa relação entre CTERA e o governo tinha, não
obstante, bases não muito sólidas. A situação política nacional na qual se sustentava mudaria
rapidamente perante as dificuldades econômicas, a aplicação de políticas econômicas
ortodoxas, a virada do governo para posições políticas mais conservadoras e, finalmente, o
desgaste da sua legitimidade. Os comunistas se radicalizavam e alguns quadros da UCR
acompanhavam a radicalização das suas entidades de base.
177
Sobre o papel do sindicalismo docente no debate educacional na década de 1980, ver Krawczyk (1993).
127
A chapa Celeste recuperou o discurso de ruptura com a experiência das organizações
tradicionais (a identificação dos professores como “trabalhadores da educação”) para
promover a integração à CGT. Também defendeu a necessidade de uma maior disciplina
sindical nas entidades docentes (consequentemente, de uma reforma estatutária na CTERA) e
o estabelecimento de negociações paritárias com os governos. A hegemonia política na chapa
Celeste era da esquerda peronista (que tinha re-emergido, após a ditadura, mais moderada),
mas esse programa sindical aproximou outros setores como os maoístas e o socialismo (em
Santa Fe). A chapa Celeste tinha boas relações com Saúl Ubaldini, Secretário Geral da CGT
entre 1986 e 1989.178 Embora tivesse uma estrutura sindical relativamente frágil, o tamanho
da CTERA a colocava entre os principais sindicatos. Isso ficou claro no Congresso da CGT
de 1986, o primeiro do qual participou. A CTERA declarou 189.000 filiados, colocando-se
como a quarta organização mais numerosa; ficando atrás somente, em termos quantitativos,
da federação dos comerciários (408.000), do sindicato metalúrgico (267.000) e da
confederação dos funcionários das prefeituras (250.000) (GODIO, 2000).
O biênio 1987-1988 esteve marcado por uma divisão da CTERA entre a “CTERA
Garcetti” e a “CTERA Arizcuren” – pelos nomes dos seus respectivos Secretários Gerais,
Marcos Garcetti e Wenceslao Arizcuren – e pela mais longa greve federal de professores, no
início de 1988.179 Nessa disputa sindical, a chapa Celeste teve dois apoios mais pragmáticos:
do peronismo ortodoxo (particularmente da UDA) e de um setor do radicalismo, que a via
como uma CTERA menos radicalizada. Na CTERA Arizcuren revistavam radicais (como o
próprio Arizcuren), comunistas e trotskistas.
Em termos organizacionais, participavam da CTERA Garcetti os sindicatos únicos de
Mendoza, Entre Ríos, Chubut, Neuquén, San Juan, Rio Negro (a entidade de base de
Arizcuren), Córdoba e Tucumán, junto ao recentemente criado SUTEBA (da província de
Buenos Aires), UDA e AMET. A CTERA Arizcuren tinha um peso menor. Ela organizava os
sindicatos únicos de Chaco, Corrientes, Santa Fe e La Rioja, entretanto, gravitava em dois
distritos muito importantes onde a chapa Celeste não tinha hegemonia (cidade de Buenos
Aires) ou onde era contestada (província de Buenos Aires).
As reivindicações de greve eram por um salário mínimo nacional e pelo
estabelecimento de negociações coletivas. A velha demanda de “equiparação” tinha perdido
espaço perante o retrocesso da rede federal. Na greve de 1988, de 42 dias, apareceu clara
178
O V Congresso Ordinário da CTERA, em agosto de 1987, foi realizado na sede da CGT. Garcetti, líder da chapa Celeste,
convocou à greve de 1988 desde a sede da CGT. Ubaldini falou no ato docente de março de 1988 (CORMICK, 2005).
179
Sobre a divisão da CTERA no Congresso de 1987, ver Nardacchione (2009).
128
como demanda de nacionalização o “salário mínimo”, que continua como tema até a
atualidade. A greve foi suspensa, aceitando a “conciliação obrigatória” (um mecanismo legal
que força à suspensão das medidas de força por um prazo determinado), e depois recomeçada,
com a convocatória para uma passeata de professores de todo o país. Tratou-se de um conflito
difícil de conduzir pela fragmentação do campo sindical docente e pelas fortes disputas pela
hegemonia sindical, que significou, em termos de política interna, o fim da CTERA
Arizcuren.
O governo interveio na disputa, ratificando a liderança de Garcetti como a direção
legal da CTERA em 1987. Mas, o que interessa destacar é que essa ratificação teve um papel
marginal e, o fundamental foi a condução real de muitas entidades de base pela chapa Celeste
e o papel deste setor no conflito de 1988. Inclusive militantes comunistas somaram-se à
Celeste durante ou após a greve, rejeitando a política da direção do Partido Comunista. Esta
política tinha evoluído de uma aliança com os militantes da UCR em 1985 para uma frente
com a esquerda trotskista.
Após a greve, a direção de CTERA avançou em uma reforma estatutária. Entre as
principais modificações encontrava-se o fim das reuniões nacionais, nas quais as decisões da
CTERA eram tomadas com mandatos da base docente180, a limitação da proporcionalidade na
diretoria da CTERA e a ênfase em que só participaria da confederação um sindicato por
jurisdição. As lideranças da chapa Celeste arguiam que era necessário ter uma direção
homogênea, que os congressos da entidade eram os espaços de deliberação e que era preciso
uma maior institucionalização. A CTERA se aproximava às práticas hegemônicas do
sindicalismo argentino tradicional.
3.4.2 Os sindicatos docentes frente ao neoliberalismo181
Carlos Menem ganhou as eleições internas do peronismo nas quais se definia qual
candidato disputaria as eleições presidenciais de 1989. Ele ganhou da chamada renovação
peronista (com a qual tinha vínculos a chapa Celeste), depois foi eleito presidente e, quando
começou o seu governo, implementou uma série de políticas que levaram à primeira fratura da
CGT perante um governo peronista. Os confrontadores, com Ubaldini à frente, constituíram a
CGT Azopardo e María Sánchez, Secretária Geral da CTERA, incorporou-se à diretoria dessa
central operária.
180
Essas reuniões eram chamadas de Confederales, e significavam um mecanismo de participação direta da base docente na
tomada de decisões, incomum no sindicalismo argentino.
181
Tratei dessa etapa com mais detalhe em Gindin (2009).
129
No novo contexto político, a lei de negociação coletiva para o setor docente e o piso
salarial nacional - as principais conquistas trabalhistas da década de 1980 - nunca foram
aplicadas, ainda que existissem avanços em algumas províncias com o estabelecimento de
negociações paritárias. Ao longo da década, a maioria das províncias implementou uma
bonificação por assiduidade perfeita (chamada de presentismo) que contribuiu para desalentar
as greves. Como no Brasil, a estabilização econômica e o novo ambiente político e ideológico
fez o resto e – com importantes exceções, como a luta de 1997 em Neuquén e algumas
rebeliões de funcionários públicos no interior do país – tratou-se de um período de
desmobilização.
O novo cenário, dentro e fora da confederação, marcaria o começo de uma nova etapa
crítica para a CTERA. A UDA e a AMET, que se opunham a se dissolver em sindicatos
únicos por distrito, saíram da CTERA em 1988. A UDA integrou a CGT San Martín, o apoio
do governo no movimento sindical. A forte disputa interna de 1987/1988 e o projeto
hegemônico da Celeste levaram a criação de novas entidades na cidade de Buenos Aires e
Corrientes, em 1988, e à saída das entidades únicas de Chaco, Santa Fe, Tucumán, Santiago
del Estero e Santa Cruz, entre 1989 e 1992.
A CTERA participou da criação da Central de los Trabajadores Argentinos
(inicialmente, “Congresso”, CTA) em 1992. A CTA se propôs a formar uma central sindical
paralela ao invés de dirigir a CGT. De fato, foi a experiência sindical mais heterodoxa das
ultimas décadas. Teve, de qualquer modo, muitas dificuldades para avançar no setor privado e
sempre os seus dois pilares foram a CTERA e a Asociación de Trabajadores del Estado.
Paralelamente, lideranças e quadros da chapa Celeste participaram da formação da Frente
Grande, um agrupamento político de centroesquerda, no qual se reuniram muitos militantes de
origem peronista. A redefinição política e sindical era muito grande e a CTERA não tinha
mecanismos de disciplinamento interno. A decisão política da chapa Celeste aproximou
alguns quadros de tradições de esquerda, mas trouxe outra frente de oposição interna: o dos
sindicalistas que se mantiveram no peronismo e na CGT, como aconteceu em Córdoba.
Sustentada em algumas entidades de base (das províncias de Buenos Aires, de San Juan, de
Entre Ríos e de Neuquén e da cidade de Buenos Aires), a condução da CTERA apoiou ou
criou sindicatos minoritários em alguns distritos (Santiago del Estero, Chaco e Corrientes) e
esperou a volta à Confederação das organizações de outros (Santa Fe, Santa Cruz e
Tucumán).
130
Como fica claro, era grande a heterogeneidade do espaço opositor à condução Celeste.
Os ativistas que se identificavam com os partidos de esquerda, mantiveram-se até a atualidade
(com algumas exceções) dentro da confederação. Um segmento de lideranças tradicionais,
mais liberais, com tensões com a chapa celeste desde a década de 1980, promoveu a formação
de uma nova entidade federal. Essa é a origem da Confederación de Educadores Argentinos
(CEA), que não está afiliada a nenhuma central sindical, mas que tem, de qualquer modo, um
claro perfil sindical. Em alguns distritos, como Buenos Aires, cidade de Buenos Aires e
Corrientes, a CEA tem sindicatos de base importantes e a sua relação com os sindicatos de
base da CTERA é variável. A FEB, entidade de base da CEA em Buenos Aires, confluiu no
novo milênio com o SUTEBA em uma frente sindical que negociou com o governo
unificadamente.
Em começos da década de 1990, o governo Menem transferiu para as províncias o que
restava da rede federal de ensino (basicamente, escolas de nível médio), o que motivou um
forte conflito em 1992. Esse movimento não foi dirigido claramente por nenhuma
organização, parcialmente devido a debilidade relativa da CTERA nesse segmento (onde
atuavam UDA e AMET, entre outros sindicatos fora da Confederação). Em 1993, foi
sancionada uma nova lei de educação e, desde então, o cenário institucional de negociação e
conflito entre sindicatos e governos passou a ser basicamente provincial. A CTERA nesse
período parece ter se concentrado mais em disputar alguns artigos pontuais (os vinculados ao
financiamento) do que em se opor em bloco à agenda reformista.182 Foi após 1994 que a
CTERA evoluiria a uma crítica mais global da política educacional do governo de Menem.
Nessa década a OSPLAD (Obra Social dos professores da ex-rede federal) se
normalizou e a CTERA passou a integrar a sua diretoria com outras organizações. Ainda mais
importante, em um contexto de menor mobilização e disputas internas menos acirradas,
algumas das principais organizações da CTERA desenvolveriam uma estrutura de prestação
de serviços aos filiados. Sem a administração das Obras Sociales provinciais, o mecanismo
foi voluntário: houve serviços aos filiados em termos de assistência médica e construção de
centros de saúde (complementários das obras sociais provinciais), assistência jurídica e
formação pedagógica. A importância da formação pedagógica está associada à resposta à forte
interpelação que significou a reforma educacional, interpelação que demandou a reconversão
ou a atualização do professorado e que foi ideologicamente enfrentada pelos sindicatos da
CTERA. Com diferenças no momento de implementação e na ênfase dada a cada questão,
182
Trata-se de um tema polêmico. Ver Delgado (2002), Imen (2005) e Gindin (2009).
131
esse é pelo menos o caso da UEPC (Córdoba), da AMSAFE (Santa Fe), do SUTEBA (Buenos
Aires) e da UTE (cidade de Buenos Aires, herdeira da UMP).
A CTERA, agora uma federação de sindicatos provinciais, fez uma nova reforma
estatutária e estabeleceu que a diretoria seria eleita em eleições diretas (uma prática que não
existia nas restantes federações sindicais). A CTERA passou dos 189.000 filiados declarados
em 1985 para 188.000 nas eleições internas de 1995. Esta relativa estabilidade, no contexto da
saída de muitas organizações (UDA, AMET, AMSAFE, etc), explica-se em parte pelo
crescimento do SUTEBA, que passou de 20.300 sócios em 1987 para 30.200 em 1994
(GINDIN, 2003b). Nos quinze anos seguintes, a filiação cresceu com o produto da expansão
das entidades de base e do regresso à confederação de algumas grandes entidades como a
AMSAFE (Santa Fe) e a ATEP (Tucumán). Interessa destacar que, progressivamente, os
sindicatos obtiveram personeria gremial e se beneficiaram com o desconto das quotas em
folha de pagamento, o que indica (junto ao desenvolvimento da estrutura de serviços) um
fortalecimento muito superior das finanças sindicais. A personeria gremial possibilitou
também que os representantes de escola contassem com licenças para participar das atividades
sindicais (um beneficio que no Brasil não existe) o que, pela sua vez, fortaleceu a
institucionalização das organizações docentes em um contexto de desmobilização.
Considero que no período 1957-1976 forjou-se uma tradição propriamente sindical no
magistério, que seria ratificada na década de 1980 e sobreviveria na de 1990, e que é mais
democrática do que a tradição sindical peronista hegemônica. O peronismo, que contribui
para dar um sentido de dignidade, uma organização e uma força inédita à classe trabalhadora,
enfatizou ideias como as de lealdade, organização e disciplina. A ideia de democracia sindical
foi, geralmente, bandeira dos antiperonistas ou da (derrotada) esquerda peronista. No
professorado, a tradição sindical peronista hegemônica não vingou, pelo peso das lideranças
não peronistas, pela própria experiência de fragmentação e debilidade organizacional, pelo
peso ideológico do liberalismo e pelos vasos comunicantes com as experiências do
movimento estudantil. É difícil mobilizar os suficientes elementos empíricos para provar esta
afirmação, mas considero emblemáticas as consultas promovidas pelo SUTEBA na década de
2000.183
183
O SUTEBA foi criado como o grande projeto da chapa Celeste no principal distrito do país. Em linha com as ideias da
chapa Celeste, os estatutos hierarquizaram o papel na tomada de decisões de instâncias delegativas (os congressos de
delegados), como é comum no caso mexicano e no sindicalismo argentino do setor privado. Em 2008, o SUTEBA reformou
os seus estatutos e incorporou as consultas diretas à base docente. Considero, com as mediações da conjuntura política, que é
uma expressão da tradição democrática da docência (e fundamentalmente de alguns setores de ativistas) no coração da
CTERA.
Sobre o sindicalismo argentino, desde o fim do primeiro governo peronista e até a década de 1990, ver Fernández (1998).
132
Quando comparada com a situação da década de 1970, a participação das mulheres nas
funções de direção sindical parece ser maior nas décadas de 1990 e 2000, embora continue
estando subrepresentada a presença feminina na base da categoria.184 Nesse período,
praticamente, sempre a Secretaria Geral foi ocupada por uma mulher (Maria Sánchez e Marta
Maffei, de 1989 a 2004, e Stella Maldonado, de 2007 até a atualidade). De qualquer modo,
nas cinco Diretorias Executivas, que dirigiram a Confederação de 1995 a 2010, a presença
feminina foi sempre minoritária e, em 2010, a maioria dos Secretários Gerais das entidades de
base da CTERA eram homens (15 de 25).185
Os sindicatos docentes tiveram um grande protagonismo no enfrentamento com as
reformas educacionais que começaram a ser aplicadas na segunda metade da década de 1990,
o que se expressou em um rosário de lutas provinciais e nacionalmente na Carpa Blanca de la
Dignidad Docente.186 Com a Carpa, organizada pela CTERA em 1997 e desmontada dois
anos depois, os docentes demandaram uma lei de financiamento educacional que incluísse
uma recomposição das suas remunerações. Os grupos rotativos de docentes faziam jejum na
Carpa Blanca, como forma de protesto permanente articulada à realização de grandes
paralisações nacionais.
Apoiada em algumas grandes entidades e no prestígio da Carpa Blanca, a chapa
Celeste garantiu a sua hegemonia política interna. Mas, a situação política nacional ficou
incômoda para a direção da CTERA a partir de 1999, quando ganhou as eleições uma
coalizão liderada pela UCR e integrada também pela Frente Grande (isto é, também por
algumas lideranças da CTERA). O forte continuísmo pavimentou o caminho para uma grande
crise política e econômica de 2001 a 2002, crise que encontrou a CTERA politicamente
debilitada.
3.4.3 As práticas sindicais docentes e o kirchnerismo
Após a crise de 2001/2002, abriu-se uma etapa caracterizada pela boa relação
entre a CTERA e os governos peronistas de Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina
Fernández de Kirchner (a partir de 2007). O kirchnerismo capitalizou politicamente o
184
Em 2006, as mulheres representavam 76,89 % da base da categoria em Santa Fe, mas ocuparam 40% das máximas
posições diretivas (Secretaria Geral ou delegado seccional) (ALONSO, 2007).
185
As mulheres ocuparam quatro de dez, três de dez, cinco de treze, seis de treze e novamente cinco de treze espaços nas
direções da CTERA eleitas entre 1995 e 2010 (Memorias Gremiales de CTERA e informação institucional disponível no
website da CTERA (www.ctera.org.ar). Acesso em: 15 outubro 2010. A informação sobre os Secretários Gerais das entidades
de base da CTERA foi feita em outubro de 2010 com base em um levantamento de informação disponível em diferentes
wesites.
186
Sobre a Carpa Blanca e a nacionalização dos protestos docentes nesse período ver Suárez (2005) e Gindin (2009). Sobre o
conflito docente nas províncias de Neuquén, Buenos Aires e Entre Ríos entre 1997 e 2003 ver Suárez (2005). Sobre o caso de
Neuquén, ver também Petruccelli (2005).
133
desgaste das políticas hegemônicas na década de 1990 e aproximou ou reaproximou do
peronismo os setores de centroesquerda cujas experiências políticas na década de 1990 tinham
fracassado.
Os reacomodamentos dentro da CTERA foram muitos. De um lado, o fenômeno
kirchnerista aproximou a maioria dos quadros da chapa Celeste ao governo, junto com as
lideranças que se mantiveram no peronismo nos anos ‘90 e inclusive com alguns militantes da
UCR que passaram a apoiar o governo nacional. Assim, a direção da CTERA passou a ser
mais representativa, mas também menos coesa em termos ideológicos. Por outro lado, a
oposição da esquerda avançou em capacidade de articulação nacional e passou a disputar a
hegemonia em alguns sindicatos grandes como os de Entre Ríos e Santa Fe, assim como na
grande Buenos Aires.
O novo ambiente político (que incluiu o fim do presentismo em muitos distritos) e
uma persistente inflação promoveram um ressurgimento dos conflitos docentes. Tratou-se de
uma etapa na qual o conjunto do movimento sindical se fortaleceu, mas, de qualquer modo, a
incidência dos professores dentro do conjunto de conflitos trabalhistas é impressionante. Entre
2006 e 2009, o setor de educação teve uma incidência estatística pequena na quantidade de
greves e paralisações (apenas 13% das paralisações e greves). Mas esta incidência ampliou-se
em 52,8% quando consideramos as Jornadas Individuais Paradas, porque é um setor com
longas greves e com muitos trabalhadores envolvidos. Ao desagregar os conflitos trabalhistas
por províncias, percebe-se uma grande heterogeneidade: a quantidade de Jornadas Individuais
Paradas no período vai de menos de uma (nos casos de Misiones e Santiago del Estero) até
mais de 40 (nos casos de Chaco, Neuquén e Entre Ríos). Para o meu argumento, é importante
ressaltar que os principais distritos liderados pela chapa Celeste e as províncias nas quais
atuavam alguns dos maiores sindicatos da CTERA (Buenos Aires, Santa Fe, Córdoba,
Mendoza, Capital Federal, San Juan, Rio Negro) eram casos intermediários, representando
entre 9 e 25 Jornadas Individuais Paradas (CHIAPPE; SPALTEMBERG, 2010). Considero
que isso expressa, além de diferenças políticas e econômicas entre as províncias, o peso de
uma tradição sindical confrontadora nos principais distritos. Pelo tipo de estrutura sindical
(com poucos mecanismos de controle interno, fragmentação sindical ou mecanismos muito
democráticos de tomada de decisões) pode-se sugerir que nos casos de Buenos Aires, Río
Negro, Ciudad de Buenos Aires, Santa Fe (e também, claro, em Chaco, Neuquén e Entre
Ríos) atua um ativismo sindical com importante capacidade de pressão sobre as lideranças.
134
O citado trabalho de Chiappe e Spaltemberg (2010) permite ainda um interessante
contraponto entre os conflitos com greve no setor educacional e os dados das restantes
atividades. Entre 2006 e 2009, 5,6% dos conflitos docentes foram convocados sem o apoio
das organizações sindicais (menos que no setor privado, onde foram 9.2%) e 28,4% foram
organizados por frentes e coalizões (mais do que no setor privado, onde a porcentagem é de
6,9%). O primeiro se deve à tradição mais democrática à qual fiz referência, que está
associada à necessidade que tem muitas organizações de conter o ativismo; o segundo,
decorre do pluralismo sindical que vigora em muitas províncias.
Nesse período, avançou-se no estabelecimento de negociações coletivas nas províncias
e em escala federal, com diferentes formatos, mas nunca no marco da lei de negociações
coletivas que vigora no setor privado. Desse modo, é aceita a pluralidade na representação
sindical pelo menos nos âmbitos onde atuam mais de um sindicato (como a província de
Buenos Aires, ou a própria negociação federal). As instâncias de negociação coletiva
representam obrigações e incentivos para os sindicatos (como a possibilidade de se beneficiar
de um desconto sobre todos os professores após a negociação, no caso de Entre Ríos), mas
não há mudanças radicais no padrão de negociação – confronto. Em princípio, os avanços na
negociação coletiva significam basicamente a institucionalização de espaços preexistentes em
um contexto político no qual a CTERA, pela primeira vez na sua história, encontrou-se
apoiando criticamente um governo que tinha um projeto com certa continuidade.
De fato, em escala federal tratou-se de uma etapa com poucos conflitos. A boa relação
entre a CTERA e o governo expressou-se na sanção de uma nova lei de educação e de uma lei
de financiamento a partir da qual (mais precisamente, da sua regulamentação) instalaram-se as
citadas negociações coletivas em escala federal. Essas negociações se concentraram no
estabelecimento de um piso salarial ao começar o ano escolar e nelas participaram (com
diferentes números de delegados) as entidades nacionais com personería gremial: UDA,
AMET, SADOP, CEA e CTERA. Na verdade, a nacionalização da discussão trabalhista tinha
começado antes, informalmente, a partir da negociação de um piso salarial nacional garantido
em última instância com recursos federais. Essa é sim uma mudança significativa, porque
nacionalizou uma parte da negociação trabalhista.
No cenário organizacional, talvez a principal mudança seja a consolidação da CTERA
e da CEA: praticamente não há sindicatos importantes fora das federações. Mas, as bases
institucionais não mudaram. Isso permitiu, na província de Buenos Aires, uma aproximação
políticosindical entre a FEB e o SUTEBA (que tem atuado em bloco) e o recente (e talvez
135
efêmero, mas isso não interessa aqui) fortalecimento de uma terceira entidade, identificada
com a CGT, na grande Buenos Aires (MULCAHY, 2008).187 As “autoconvocatorias”,
movimentos com reivindicações trabalhistas impulsionados à margem do sindicato por
docentes (sindicalizados ou não), que são parte da tradição sindical do sindicalismo docente,
voltaram a aparecer no novo milênio em distritos como Chubut, San Luis e Salta.188 Nesta
última província apresentou-se uma situação heterodoxa, consistente com a ideia de que há
uma grande heterogeneidade quando se deixa de olhar exclusivamente apara as grandes
organizações do centro do país. A ADP, entidade de base da CTERA em Salta, dificultou,
sistematicamente, por meio do controle da comissão eleitoral, que os professores
“autoconvocados” disputassem em eleições pela condução da entidade em 2005 e 2009. A
representatividade desse setor era tão grande que tinham organizado e conduzido greves
provinciais por fora da ADP. A principal liderança dos autoconvocados promoveu a criação
de um novo sindicato em 2010. Movimento com um caráter similar ainda que com menos
continuidade e, aparentemente, menos força, também deram origem a novos sindicatos
docentes em outras províncias periféricas, como Formosa e San Luis na mesma década. O que
interessa destacar aqui é que 1) a falta ou a deficiência de mecanismos de integração de uma
parte do ativismo docente não aparece nos principais sindicatos; 2) que a possibilidade de
criar uma nova organização (reconhecida ou não) está aberta; e que 3) diferente do que
acontece com o sindicalismo docente no México ou no setor privado na Argentina, a
concorrência entre a organização reconhecida e a emergente não será muito desigual. Este
último elemento contribui para explicar os dois primeiros.
187
A Unión de Docentes de la Provincia de Buenos Aires (UDOCBA) foi criada em 1996 e está filiada à CGT. Em 2004
obteve a personería gremial para representar um segmento muito pequeno da categoria. Em 2010, convocou paralisações. É
provável que o seu aparente fortalecimento nos últimos anos também se deva ao retrocesso da oposição de esquerda à direção
do SUTEBA na grande Buenos Aires.
188
Ver, sobre estes movimentos, Migliavacca (2009).
136
4. O CASO DO BRASIL
A república brasileira instaurada em 1889 perdurou até 1930. A profunda
descentralização característica deste período conspirava contra os contatos entre associações
locais de professores e, retrospectivamente, dificultava a reconstrução da realidade nacional
das práticas sindicais docentes. De qualquer modo, existem alguns importantes estudos de
caso sobre experiências levadas adiante por alguns segmentos do professorado. A propagação
das associações da categoria, que foi a primeira conjuntura crítica, ocorreu em duas ondas: a
primeira coincide com os primeiros anos do governo de Getúlio Vargas (de 1930 a 1937); e a
segunda com o momento de redemocratização que seguiu ao fim do período mais autoritário
do varguismo (de 1945 a 1948). Quando as associações de professores brasileiros criadas
nessa etapa foram comparadas com as que tinham sido constituídas na Argentina e no México
no período equivalente, na mesma conjuntura crítica, chama a atenção a ausência de um
caráter militante nas associações do professorado brasileiro. Tratarei deste fenômeno com
mais detalhe, mas considero que a chave explicativa é que a sociedade brasileira estava, nas
décadas de 1930 e 1940, menos mobilizada do que a argentina ou a mexicana nas décadas de
1910 e 1920.
4.1 Primórdios
A partir da década de 1860 foram criadas diferentes associações de professores no
Município da Corte – hoje Rio de Janeiro, naquele momento capital do Brasil. Existia uma
forte vinculação entre essas organizações e os jornais pedagógicos.189 Também está registrada
a existência do Grêmio dos Professores Primários de Pernambuco (em 1879) e do Grêmio dos
Professores Públicos do Estado de Paraná (em 1906) (VICENTINI; LUGLI, 2009). Nas três
primeiras décadas do século XX, enquanto no Rio de Janeiro os professores não conseguiram
construir uma organização estável, em São Paulo atuou a Associação Beneficente do
Professorado Paulista e em 1920 constitui-se uma muito bem sucedida organização docente
em Rio Grande do Norte. A única mobilização recuperada pelos pesquisadores da área foi a
greve de professores de Salvador (Bahia), no contexto da qual foi criado o Centro de Defesa
do Professorado Primário Bahiano (1918).
189
Uma das principais lideranças dos professores do Rio de Janeiro nas décadas de 1860 e 1880 era Manoel José Pereira
Frazão, que dirigia o jornal A Verdadeira Instrucção Publica. Esta publicação fazia oposição a A Instrucção Publica, jornal
representativo das posições de funcionários com cargos hierárquicos tanto na Província do Rio de Janeiro como na Corte: o
diretor de A Instrucção Publica, José Carlos de Alambary Luz, era também diretor da Escola Normal de Niterói, capital da
província do Rio de Janeiro (LEMOS, 2006).
137
A Comissão Permanente Executiva dos Professores Públicos Primários da Corte
(fundada em 1888) pediu incrementos salariais à princesa Isabel através de cartas coletivas,
sempre em tom muito respeitoso, explicando que dos salários ainda tinha que ser descontado
o aluguel das escolas, e era necessário incrementá-los para tornar digno o “sacerdócio”. Os
professores também pediram que um grupo de adjuntos fosse nomeado como efetivo, que
houvesse a abertura de concursos para adjuntos interinos, que professoras pudessem ocupar
cadeiras masculinas, e que fosse a própria categoria a que escolhesse os docentes primários
que integravam o Conselho Diretor de Instrução Pública (LEMOS, 2006). As cartas mostram
a insatisfação trabalhista parcialmente canalizada pelas nascentes organizações de professores
públicos ainda no século XIX. Dirigindo-se à princesa, a Comissão escreveu:
Em resumo, Imperial Senhora, a commissão executiva permanente do professorado publico
primario da côrte, vem pedir a Vossa Alteza Imperial a graça de mandar que sejam elevados
os vencimentos dos professores publicos primarios da Côrte, dando-se-lhes meios decentes e
honesta subsistencia.[...] Ao alto patriotismo e elevada sabedoria de V.A.I. deixa a
commisssão a fixação do quantum sufficiente para que seja devidamente remunerado o
professor primario de um Paiz livre, cheio de aspirações, cujo maior engrandecimento e
prosperidade datam do dia em que V.A.I., magnanima princeza, sanccionando a lei que
libertou os escravos, completou a sua independencia (apud Lemos, 2006, p. 125, 126, 127)
As jovens experiências do professorado carioca não levaram à constituição de sólidas
entidades nas primeiras décadas do século XX. A Associação dos Professores do Brasil,
criada em 1909 no Rio de Janeiro, e que tinha o ambicioso objetivo de reunir os docentes de
todo o país, não conseguiu se desenvolver (VICENTINI; LUGLI, 2009).
A Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo, constituída em
1901, foi a principal experiência organizacional docente desta etapa. A filiação cresceu
rapidamente e, em 1902, a entidade contava com 210 sócios no interior, onde organizaram
filiais, e 110 na capital. Seis anos depois, os sócios eram 704. Os dados eleitorais de 1903
indicam uma baixa participação (participaram 59 dos 403 sócios), ainda que quatro candidatos
disputassem a presidência. A presença feminina na diretoria da Associação era minoritária. A
rigor, nenhuma mulher ocupou as diretorias da entidade que Catani (1989) conseguiu
reconstruir, e na assembleia de 1904 na qual foram aprovados os novos estatutos participaram
seis mulheres de um total de quarenta e cinco pessoas. A Associação prestava aos seus sócios
assistência médica, jurídica e financeira; e editava uma revista (que teve nos primeiros anos
uma razoável circulação entre o professorado primário e as escolas de formação de
professores). Defendeu que correspondia aos professores a gestão dos assuntos educacionais e
demandou a equiparação do salário dos normalistas com os dos docentes formados nas
138
escolas complementares, a instauração de um programa único para as escolas normais de todo
o país, a reativação do Conselho Superior de Instrução Pública, a instauração de carreira
docente e vitalicidade (para que a função de diretor fosse preenchida mediante concursos e
contra a “política do campanário”) (CATANI, 1989).
A Associação teve inicialmente uma boa relação com o governo, que imprimia a sua
Revista. Mas, uma nova diretoria encabeçada pelo socialista Arthur Breves (1904-1907) e o
desconto de 15% dos salários docentes fez com que a entidade assumisse um tom mais crítico.
O governo, em represália, deixou de imprimir a Revista. A Associação voltaria a ter um
caráter menos combativo depois de 1907 e desde 1910 até 1918 aprofundou o seu perfil
assistencialista e perdeu representatividade na categoria, para finalmente deixar de atuar
(CATANI, 1989).
A greve dos professores de Salvador (Bahia), que reclamavam o pagamento de
salários atrasados, foi talvez a atitude mais radical tomada coletivamente pelos professores
nas primeiras décadas do século XX. Em janeiro de 1918, esses docentes lançaram o
“Manifesto do Professorado Público Municipal do Estado da Bahia ao Povo Brasileiro”, onde
pode-se ler: "Não reabrir a escola é um attentado aos direitos do povo que vexatoriamente
contribui; continuar a trabalhar antes de remediadas as nossas necessidades é um suicídio: teremos, fatalmente, de optar pela primeira hypothese, seja qual for a conseqüência”.190 O
movimento ganhou força e o governo respondeu repressivamente, suspendendo o professor
Isauro Coelho. Mas, os docentes responderam com igual determinação e em abril criaram o
Centro de Defesa do Professorado Primário Bahiano. Em agosto, um novo intendente
autorizou o pagamento escalonado da dívida aos professores e Isauro Coelho reintegrou-se ao
quadro de funcionários. Com as demandas satisfeitas, os trabalhadores retornaram às aulas. O
baiano Rui Barbosa, líder oposicionista com projeção nacional, chamou a greve de "Revolta
dos Resignados" (COSTA; CONCEIÇÃO: 2002).
Até onde sabemos, a Associação de Professores do Rio Grande do Norte (APRN),
criada em 1920, foi a mais moderada e mais bem sucedida das organizações docentes
constituídas na primeira república. O eixo do trabalho da APRN foi pedagógico: entre as suas
principais atividades encontravam-se a criação de escolas como meio de combate ao
analfabetismo e, neste sentido, a entidade se colocava como “cooperadora” do Estado. As
referências ao patriotismo e aos heróis nacionais apareceram normalmente nas associações
dos três países, mas a APRN parece ser um caso extremo das continuidades entre o ideário
190
Diário da Bahia, 31-01-1918, apud Costa e Conceição (2002).
139
normalista e o de uma associação de professores. No estatuto da associação se punia os sócios
que, na sua vida social, “… faltarem aos deveres de cavalheirismo e honra, dando-se ao vicio
da embriaguez o do jogo ou cometterem actos infamantes” (apud Cavalcante, 1999, p. 49). A
APRN também tratava os governantes de forma extremamente respeitosa. As observações que
poderiam ser críticas (relativas à insuficiência das verbas, por exemplo) tiveram um peso
pequeno e não apareceram demandas de autoregulação do espaço educacional pelos
normalistas, contra os políticos (CAVALCANTE, 1999).
Infelizmente há poucos elementos para caracterizar o caso baiano, mas a associação
paulista, a APRN e a (efêmera) Associação dos Professores do Brasil, confirmam tanto a
proximidade com os governos quanto o peso dos normalistas.191 O Estatuto da Associação
Beneficiente do Professorado Paulista foi assinado por 31 docentes das melhores escolas
paulistanas; entre eles se encontravam pelo menos cinco diretores de grupos escolares e
quatro inspetores. Inclusive Mario Bulcão, Inspetor Geral de Instrução Pública (1897-1907),
que assinou o Estatuto e esteve presente nas primeiras reuniões (CATANI, 1989). A APRN
foi constituída em uma assembleia realizada no palácio do governo estadual, com a presença
do governador e as principais autoridades educacionais do estado. O governador foi nomeado
presidente honorário da APRN, e as três vice-presidências honorárias correspondiam à
máxima autoridade educacional do estado e aos diretores dos principais colégios de ensino
pós-primário (a escola normal e o Atheneu Norte-rio-grandense). A data escolhida para a
criação da entidade correspondeu com o 10º aniversário da formação da primeira turma de
normalistas (CAVALCANTE, 1999; SANTOS, 2008).
Na década de 1920, foi impulsionada uma série de reformas educacionais identificada
com o movimento escolanovista. A Associação Brasileira de Educação (ABE), uma
organização criada em 1924, teve então muito protagonismo nos debates educacionais
travados. A ABE não pretendia representar a categoria, mas dela participavam educadores e é
possível que o contexto educacional tenha estimulado segmentos do professorado a construir
entidades docentes. Podem ser exemplos disso a constituição da Associação Sul Riograndense
de Professores (1929)192; a possibilidade de criar uma associação docente em Pernambuco em
1929193; e o fato de que a APRN tenha organizado juntamente com a Diretoria Geral de
191
A Associação dos Professores do Brasil foi promovida por dez alunos da escola normal, que receberam na sua tentativa o
apoio de professores dessa escola e do Diretor Geral de Instrução Pública (VICENTINI; LUGLI, 2009).
192
A Associação Sul Riograndense de Professores, criada na cidade de Pelotas, se propôs a representar todo o professorado
do estado. E foi organizada pelos mesmos professores que uns anos antes tinham fundado a Seção Pelotense da Associação
Brasileira de Educação (CARDOSO, 2011).
193
Em 1929, Maria Elisa Viegas, diretora de um grupo escolar de Pernambuco que mantinha contato epistolar com o paulista
Sud Menucci, pretendeu fundar uma associação de professores. Só seria criada em 1951 (LUGLI, 2002)
140
Instrução Pública as Semanas Brasileiras de Educação, instituídas pela Associação Brasileira
de Educação (CAVALCANTE, 1999). Mesmo assim, os desdobramentos do movimento
escolanovista, mais do que na militância dos quadros que se propunham organizar o
professorado, expressaram-se nas discussões educacionais e nas políticas estatais para a área
educacional.
Com a chegada de Getúlio Vargas à presidência do Brasil, em 1930, abriu-se uma
etapa de mudanças importantes em quase todas as ordens da vida política nacional. Os
escolanovistas ganharam posições. O contexto renovador e a simpatia das autoridades
permitiram a constituição e a consolidação de algumas entidades docentes. Ainda assim, a
abertura dos espaços de participação política foi relativamente menor ao que vivenciaram a
Argentina ou o México nas décadas de 1910 e 1920, tanto pelas especificidades da sociedade
brasileira (mais rural e conservadora que a Argentina) como pelas particularidades do próprio
projeto varguista (que, diferentemente do México, não se apoiou em uma forte mobilização
social, muito menos em uma revolução).
4.2 A organização da categoria: almejos corporificados frente aos poderes constituídos
Com o início da Era Vargas criaram-se o Centro do Professorado Paulista (CPP, 1930)
e a Associação de Professores Primários de Minas Gerais (APPMG, 1931). A Associação Sul
Riograndense de Professores, da cidade de Pelotas, organizou filiais em Rio Grande (1930),
Camaquã (1931) e Osório (1931) (CARDOSO, 2011). Na capital do Rio Grande do Sul (Porto
Alegre), em meados da década de 1930, atuava a União dos Professores do Rio Grande do Sul
(DA SILVA Jr, 2004). Na cidade do Rio de Janeiro, foi criado o Instituto dos Professores
Público e Privados (1933) e três organizações se fusionaram na União dos Educadores do
Distrito Federal em 1937194 (ANDRADE, 2001). Na mesma década, também existiam em São
Paulo associações locais em Botucatu e Piracicaba e um centro estadual de professores de
ensino médio (VICENTINI, 1997).
Desde o começo do seu governo, Vargas se propôs a intervir decisivamente nas
relações de trabalho, mas as organizações do funcionalismo ficaram fora do edifício legal que
foi construído nessa etapa. A única tentativa de Vargas de incluir os professores públicos
organicamente na nascente estrutura corporativista não foi via legislação trabalhista, mas via
legislação eleitoral. A constituição sancionada em 1934 estabeleceu um sistema de
representação corporativa, que tinha sido utilizado para eleições dos mesmos constituintes, em
194
As três entidades eram a Ordem dos Professores, a Liga dos Professores e a Associação dos Professores Primários do
Distrito Federal (ANDRADE, 2001).
141
1933. De acordo com este sistema, 40 dos 254 constituintes foram escolhidos por associações
de empresários, operários, profissionais liberais e funcionários públicos. As associações de
funcionários públicos escolheram dois constituintes. O citado Centro do Professorado Paulista
(CPP) nomeou delegados eleitores para escolher deputados classistas a nível estadual e
federal195 e a Associação de Professores Primários de Minas Gerais (APPMG) decidiu não
promover representante da classe à assembleia Constituinte de 1934 (VICENTINI, 1997;
CARVALHEIRO, 1989). Este mecanismo significava, em perspectiva, a promoção e a
regulamentação das associações de funcionários públicos, mas só vigorou até 1937, quando o
regime fortaleceu o seu viés autoritário e decretou uma nova constituição.
As associações docentes apresentavam uma forte ênfase nas atividades de recreação e
lazer, maior do que é visível nas entidades que atuavam contemporaneamente no México e na
Argentina. De qualquer modo, eram o principal veículo das reivindicações trabalhistas. Sud
Menucci, figura chave da organização do professorado paulista, escreveu:
As nossas necessidades são enormes e delas ninguém cuidará com zelo e carinho senão nós
mesmos. As que a administração podia resolver por si mesma, sejamos justos reconhecendo
que ela o fez sem que lhe solicitássemos [...] O professorado não pode esquecer que traz uma
boa porção de aspirações e almejos sepultados no seu íntimo, que os revela em conversas e
palestras, mas nunca chegaram corporificadas em representações juntos aos poderes
constituídos. A justo rigor, não podemos inculpar os nossos administradores de não haverem
atendido ou realizado as aspirações da classe pelo simples e claro motivo de que nunca as
levamos a plenário (apud VICENTINI, 1997, p. 27).
A APPMG, e particularmente o CPP, eram próximas dos governos. O prefeito de Belo
Horizonte esteve presente na assembleia fundadora da APPMG e o Inspetor Geral da
Instrução presidiu a mesa, representando o Secretário de Educação e Saúde Pública. A
primeira diretoria da APPMG foi empossada na Câmara de Deputados, e as autoridades
educacionais cederam um local onde a associação funcionou até 1937. Esta entidade tinha
“procuradoras” nas escolas, que recebiam as mensalidades e gerenciavam os empréstimos da
entidade (uma das principais funções), e quando começou a filiar trabalhadores do interior do
estado, em 1940, pediam indicação da diretora da escola e uma sócia (LUGLI, 2002).
Na assembleia, na qual se constituiu o CPP, estavam presentes, além do Diretor Geral
de Instrução Pública, os inspetores gerais, os inspetores especiais, os inspetores distritais da
capital paulista, e alguns do interior, além dos diretores dos grupos escolares da cidade de São
Paulo (MENUCCI, 2004). Joaquim Álvares Cruz, quem participou dessa reunião, escreveria
anos depois que a máxima autoridade educacional do estado de São Paulo tinha apoiado a
195
Em 1935, uma decisão do tribunal eleitoral reuniu o CPP com as associações de profissionais liberais, e não com as do
funcionalismo (VICENTINI, 1997).
142
criação da entidade, e agregava “não sei se o professorado paulista de hoje é capaz de
compreender o que esse apoio significava naquela época” (apud MENUCCI, 2004, p. 50).
Sud Menucci, presidente da entidade entre 1933 a 1948, foi Diretor Geral de Ensino (DGE)
por dois curtos períodos (em 1931 e em 1933). Os inspetores escolares no interior do estado
atuavam como delegados do CPP e a DGE pediu ao CPP a indicação de três nomes para que,
quando solicitados, pudessem se manifestar sobre questões que afetavam os professores
(VICENTINI, 1997).
As atividades recreativas do CPP e o seu serviço de procuradoria (dos professores do
interior, perante as autoridades educacionais sediadas na capital) eram os principais incentivos
para os professores se filiarem. Posteriormente, seriam incorporados serviços médicos,
empréstimos e descontos em comércios. Em começos da década de 1930, quando Menucci
ocupou o máximo cargo do sistema educacional paulista, as mensalidades dos sócios do CPP
passaram a ser descontadas em folha de pagamento. Nas eleições do CPP de 1937
participaram quase 1200 professores dos quais apenas pouco mais de 100 eram da capital, o
que indica que (em parte favorecida pela estrutura de inspetores e o desconto em folha de
pagamento) o CPP tinha uma presença relativamente significativa no interior do estado. O
Centro contava com aproximadamente 5.000 sócios em 1937, pouco menos de 1/3 da
categoria, e pode-se considerar uma porcentagem expressiva (VICENTINI, 1997). A APPMG
(Minas Gerais) era menor, e em 1940 tinha 685 sócios com as quotas em dia (sete vezes
menos, em termos absolutos). A grande diferença parece decorrer das limitações da APPMG
para se estender para o interior do estado; de fato, 550 dos seus 600 sócios em 1943
concentravam-se na capital (LUGLI, 2002).
A bibliografia sobre associativismo docente não tem recuperado criação de entidades
docentes após 1937, quando o governo de Vargas se reconstituiu com feições mais
autoritárias. Esse contexto político e o projeto centralizador do presidente do CPP fizeram
com que a diretoria do CPP se reunisse só seis vezes entre 1937 e 1943 (contra 56 no período
de 1933-1937, e 79 entre 1943 e 1946). Interessa destacar que, ainda assim, não houve
descenso no número absoluto de sócios (VICENTINI, 1997). Este último vale também para a
associação da cidade de Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul. Na primeira metade da
década, a Associação criou três filiais em outras cidades do estado e conseguiu ter sócios em
outras dez. O número de filiados cresceu até 1939, para se manter estável com em torno de
200 sócios nos anos seguintes (CARDOSO, 2011).
143
Por outro lado, a organização dos professores católicos avançava. Os antecedentes
podem ser encontrados antes da chegada de Vargas ao governo. Em 1919, tinha sido criada
em São Paulo a Liga das Professoras Católicas (que em 1928 mudou o seu nome e permitiu o
ingresso de homens). Essa liga foi promovida pela cúria de São Paulo, e em todas as reuniões
da década de 1920 participava um padre (VICENTINI, 2002). Anos depois, Everardo
Backheuser participou da criação da Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal
e impulsionou a constituição de entidades afins em outros estados até formar em 1933 a
Confederação Católica Brasileira de Educação. A mesma Associação promoveu a celebração
do Dia do Professor em todo o país no dia 15 de outubro, a partir de 1933, com uma missa no
Instituto de Educação. A data, institucionalizada em 1948, foi escolhida porque em 1827 se
sancionou a lei que criou o ensino primário no Brasil independente (VICENTINI, 2002).
A organização dos professores e educadores católicos era uma resposta ao Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova (1932), lançado pelos laicos escolanovistas. Muitos
fundadores da Confederação Católica Brasileira de Educação tinham participado da
Associação Brasileira de Educação (ABE), onde também revistavam os autores do citado
manifesto. Ambos os setores tinham posições encontradas em torno à obrigatoriedade do
ensino religioso e à co-educação. É importante destacar que o CPP não participou dessas
tensões e mantinha boas relações com a Liga do Professorado Católico, embora fosse uma
associação laica (VICENTINI, 1997)
O CPP também se manteve afastado dos debates políticos (pelo menos, tanto quanto
lhe permitia o contexto sociopolítico). Pode-se dizer que as disputas educacionais e políticas
das quais participava Menucci, principal liderança do CPP, eram em boa medida paralelas a
sua atividade como presidente do CPP. Em 1932, o CPP, ainda não presidido por Menucci,
participou da “Revolução Constitucionalista”, um falido levante armado generalizado no
estado contra o governo de Getúlio Vargas. Nessa época houve uma crise, provavelmente
devido ao fato de Menucci participar da varguista Legião Revolucionária. A derrota do
movimento fortaleceu Menucci, que presidiu o Centro desde 1933 até a sua morte em 1948
(VICENTINI, 1997).
Conforme adiantei, o projeto varguista de intervenção no mundo assalariado não
incluiu as organizações de funcionários públicos. O decreto 19770/31 regulamentou os
sindicatos e as disposições trabalhistas se acumularam até chegar à Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), que em 1943 reuniu a legislação trabalhista e sindical. Esse arcabouço
legal sobreviveu, com reformas relativamente menores, por décadas. Tratou-se de um projeto
144
orientado a regulamentar as relações de trabalho no setor privado, e a CLT explicitamente
proibiu a sindicalização do setor público. Por isso, as organizações docentes não tiveram que
se moldar à rigidez da legislação sindical, podendo coexistir associações que representaram a
mesma categoria (enquanto a estrutura sindical se caracterizou pela existência de sindicatos
únicos) e que não contavam com os recursos do imposto sindical obrigatório196 nem com
mecanismos de negociação coletiva estabelecidos legalmente.
O caso dos professores das redes particulares, na órbita da legislação trabalhista, é um
bom exemplo acerca de como esta permitiu, ao mesmo tempo, uma rápida organização da
categoria e mecanismos de controle ao Estado sobre a atividade sindical. Em 1931 foram
constituídas, na cidade do Rio de Janeiro, duas organizações orientadas por professores de
ensino médio das redes particulares. Uma estava se identificava com o anarquismo e teve
existência efêmera. Um dos seus líderes tinha participado do Congresso Operário que
constituiu a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (1929). Outra entidade, que
procurou o reconhecimento estatal, seria o sindicato dos professores da rede particular
(SINPRO). O SINPRO cresceu rapidamente e chegou a filiar 558 professores em 1935, o que
significava mais da metade da categoria. Também se radicalizou politicamente, o que
provocou a perseguição estatal após 1935. A sua carta sindical, figura legal do
reconhecimento estatal, foi cassada (1937) e o sindicato esvaziou-se. Mas a intervenção
estatal, uma nova carta sindical e a volta dos militantes comunistas levaram a que em 1945
tivesse mais de 800 sócios mesmo em um período ainda marcado pelo autoritarismo. O
SINPRO participou do Congresso que criou a Confederação dos Trabalhadores do Brasil em
1946 e assinou o primeiro acordo coletivo de trabalho em 1947 (COELHO, 1988). Também
no interior do país podem-se encontrar exemplos acerca de como a CLT ao mesmo tempo
facilitou a organização desse segmento, inclusive em um contexto de desmobilização, e o fez
sujeito de reivindicações comuns com sindicatos operários.197
4.2.1 A democratização e as organizações docentes
Com a abertura política decorrente do fim da era Vargas, em 1945, houve uma onda de
organização da categoria. A lei orgânica de ensino primário Decreto-Lei nº 8.529/46, primeira
lei federal do século XX que regulamentou o ensino primário, estimulou a reorganização dos
196
O imposto sindical é descontado dos salários de todos os trabalhadores da base representada. Tem caráter compulsório,
não se confunde com a filiação ao sindicato e é creditado nas contas das organizações sindicais de primeiro, segundo e
terceiro grau. Em 1988, a sua denominação mudou para contribuição sindical obrigatória.
197
O Sindicato de Professores de Fortaleza (capital de Ceará) obteve a carta sindical em 1942 e em 1953 tinha 56 sócios
(MOREIRA, 1990). Em 1942, o sindicato de professores de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) assinou uma carta, juntos aos
sindicatos de comerciários, metalúrgicos, pedreiros, bancários, etc, endereçada ao próprio presidente Getúlio Vargas, com
algumas considerações a respeito da aplicação dos recursos do imposto sindical (KONRAD, 2006).
145
sistemas educacionais estaduais e promoveu o debate educacional em uma atmosfera
politicamente aberta. É possível que existissem organizações criadas entre 1930 e 1937 que
não tiveram continuidade, mas em curtos três anos, criaram-se novas organizações de
professores primários nos estados do Rio de Janeiro (estado que circundava a cidade do Rio
de Janeiro, Distrito Federal)198 e Rio Grande do Sul (1945), Bahia e Paraná (1947) e o Distrito
Federal (1948). Nas décadas seguintes, seriam organizadas associações de professores
primários em outras redes estaduais.199 A Liga do Professorado Católico de São Paulo
continuou atuando, mas a presença das organizações de professores católicos, forte na década
de 1930, retrocedeu.
Desde esse momento, e por três décadas, é visível uma forte presença feminina nas
diretorias das associações de professores primários (com exceção do Centro do Professorado
Paulista, sempre presidido por homens).200 Até 1970, as associações de professores primários
de Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia foram, com poucas
exceções, presididas por mulheres (LUGLI, 2002; MIRANDA, 2005; ANDRADE, 2001).201
A expressiva presença de mulheres nas diretorias da confederação nacional de docentes
primários, criada em 1960, contrasta com a situação colocada pelas entidades docentes da
Argentina e do Brasil: dos seis presidentes que teve a confederação no período de 1962-1978,
só um foi homem (Ocyron Cunha, entre 1966 e 1968).202 A partir dessa militância, algumas
lideranças se afirmaram no espaço público, e, particularmente, no espaço eleitoral. A
presidenta do centro de professores de Pernambuco, Maria Elisa Viegas, foi a única mulher
eleita deputada estadual em 1955 e a presidenta da associação docente de Minas Gerais, Marta
Nair Monteiro, foi a primeira mulher eleita deputada estadual em 1962 (LUGLI, 2005).203
198
Em 1960, o Distrito Federal foi trasladado a Brasília. Em 1974, os estados de Guanabara e Rio de Janeiro foram
unificados.
199
Na década seguinte, seriam criadas associações no Acre, Pernambuco (1951), Amapá (1952), Goiás, Piaui (1956) e
Espirito Santo (1958).
200
Na década de 1930, tinha uma cota para as mulheres na diretoria, mas elas geralmente ocupavam as comissões de
“festejos, cultura artística e literatura” e “assistência e socorro” (VICENTINI, 1997).
201
Houve presidentes homens no CPPE do Rio Grande do Sul entre 1960 e 1962 e na SUPP da Bahia entre 1962 e 1964
(LUGLI, 2002).
Também houve muitas mulheres presidentas nas primeiras décadas de atuação da UPPES de Espírito Santo (LOUZADA,
2007).
202
Nas cinco diretorias que atuaram entre 1962 e 1972, a primeira tinha sete mulheres de um total de oito integrantes. As
restantes seis, oito, nove e nove mulheres de um total de nove integrantes (CARVALHEIRO, 1989).
203
Um importante antecedente desta articulação entre participação feminina nas organizações docentes e afirmação no espaço
político foi reconstruído por Rocha Neto (2002). Entre as promotoras da APRN (Rio Grande do Norte) na década de 1920
encontrava-se a professora Júlia Alves Barbosa, eleita vereadora de Natal em 1927. Ela e Celina Guimarães, professora da
Escola Normal de Mossoró, no mesmo estado, estiveram entre as primeiras eleitoras femininas no Brasil (ampararam-se em
uma lei do mesmo ano de 1927).
146
As lideranças das associações docentes recém criadas da Bahia e do Rio Grande do
Sul foram acusadas de serem comunistas. Com efeito, tratava-se de um período de grande
crescimento do Partido Comunista (que seria declarado ilegal em 1947), o PC tinha influência
no CPPE (Rio Grande do Sul) e a principal dirigente da SUPP (Bahia), que era socialista, foi
convidada pelo PC a se candidatar às eleições (PACHECO, 1993; SANTOS, 2006).
A tática comunista de impulsionar sindicatos paralelos no setor privado fracassou e o
modelo sindical foi, em termos gerais, ratificado. Isso significava também a proibição de criar
sindicatos legalmente reconhecidos no setor público. Estudando as associações docentes que
atuavam neste período, Lugli (2002) indica que as entidades da Bahia, São Paulo, Minas
Gerais e Pernambuco realizavam atividades mutuais, de assistência e de recreação e que no
discurso sobre o trabalho docente, existia uma forte presença de elementos religiosos. Essas
características eram compartilhadas pelas entidades do Distrito Federal e do estado do Rio de
Janeiro (ANDRADE, 2001; MIRANDA, 2005), mas não pela do Rio Grande do Sul, onde as
atividades recreativas tinham um peso menor e não apareciam elementos religiosos no
discurso sobre o trabalho docente (LUGLI, 2002).
Comparando com a atuação entre 1930 e 1945, as entidades parecem se voltar mais às
reivindicações trabalhistas. A APPMG realizou uma campanha salarial ainda antes da
democratização do país, em 1944, e o continuaria fazendo nos anos seguintes (LUGLI, 2002).
Na Bahia, os professores estavam desconformes com os seus salários, e quando o governador
decretou o nivelamento salarial dos professores com os auxiliares (faxineiros, zeladores)
fizeram a demanda pública. Não tiveram sucesso nessa reivindicação, mas conseguiram
funções permanentes para os que eram contratados só pelo ano letivo (SANTOS, 2006). A
associação do Rio Grande do Sul combinava as demandas salariais (que incluíam a
equiparação salarial), as reivindicações previdenciárias e o plano de carreira. Clélia Argollo,
liderança docente do Rio Grande do Sul, chamava a lei do magistério vigente (que
regulamentava a profissão) de “Código Penal do Magistério” (PACHECO, 1993). Em São
Paulo, houve um movimento dos professores primários que, em 1948, pediu equiparação
salarial com os professores do Distrito Federal. Esta reivindicação não foi liderada pelo CPP,
mas pela Comissão Pró-equiparação dos Vencimentos, vinculada à Associação dos
Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, que organizou concentrações e passeatas
(VICENTINI, 1997). Esse novo perfil não contradizia o fato de que as formas predominantes
de pressão sobre as autoridades continuassem sendo basicamente protocolares. De fato,
embora a principal liderança da SUPP (Bahia) estivesse identificada com a esquerda, a
147
atividade da Sociedade era em extremo respeitosa do governo e da ordem no sistema
educacional. O grupo fundador da SUPP estava constituído por professoras de uma escola de
Salvador que só falavam da associação fora do horário de trabalho e assim mantiveram o
apoio da diretora, que era solidária ao movimento (SANTOS, 2006).
Era normal que os governos reconhecessem e inclusive apoiassem essas entidades. O
Centro de Estudos e Recriação do Magistério Primário do Ceará (CERMAPCE), criado em
1955, funcionava perto da Secretaria, em um prédio alugado por ela, e tinha sido criado por
sugestão das autoridades. Uma diretora do Departamento de Ensino Primário da Secretaria foi
presidente da entidade (MOREIRA, 1990). A APP (Paraná) foi promovida por um grupo de
professores do Instituto de Educação, e o próprio Instituto foi a sua sede provisória. O
governador participou da primeira assembleia (BORGES, 2003). As associações dos
professores primários da Bahia (1950) e de Minas Gerais (1954) foram declaradas de utilidade
pública (CARVALHEIRO, 1989; SANTOS, 2006). Lugli (2002) destacou a proximidade da
SUPP com o poder público na década de 1950, expressada em doações de legisladores e do
executivo estadual e municipal. No mesmo sentido, os congressos nacionais de professores
primários, realizados desde 1953 e que permitiriam a criação de uma entidade nacional de
professores, caracterizaram-se por uma pouca diferenciação entre os professores e os seus
empregadores. Do Congresso de 1955, em Belo Horizonte, participou uma delegação
“oficial” das secretarias de educação – isto é, representantes dos governos que empregavam
os professores (CARVALHEIRO, 1989).
Desde 1945, e até avançada a década de 1950, a proximidade com as autoridades, a
consolidação de algumas dessas organizações e a moderação que elas mostravam facilitaram
que em muitos casos tivessem alguma participação na regulamentação das condições de
trabalho embora a legislação sindical continuasse marginalizando os funcionários públicos. O
CPPE (Rio Grande do Sul) teve um representante (minoria) na comissão que elaborou o
estatuto do professor sancionado em 1954 e a SUPP participava (também sendo minoria) da
comissão que organizava as listas de transferência e as listas de promoção (os escalafones)204
(PACHECO, 1993). A APPMG demandou e conseguiu participar, na década de 1950, do
Conselho Estadual de Educação (CARVALHEIRO, 1989).
O fato das associações docentes não serem reguladas pelo direito trabalhista
possibilitou, em primeiro lugar, que outros segmentos de professores públicos, e
particularmente os de ensino médio e os das redes municipais, criassem as suas próprias
204
Segundo a lei nº 1.002/58 do estado da Bahia.
148
organizações. A mais importante foi a dos professores de ensino médio de São Paulo (a
APESNOESP), criada em 1945. Um ano depois, no Rio de Janeiro, criou-se a Associação dos
Professores do Ensino Médio Oficial205, e o mesmo aconteceria no Rio Grande do Sul206
(1964) e Piauí (1967) (BONFIM, 2000). Também foram criadas as associações de professores
licenciados na Bahia (1952), no Rio Grande do Sul (já atuante em 1956), no Ceará (1962), no
Rio Grande do Norte, em Santa Catarina (1966), no Paraná (1967) e em outros estados. Estas
associações nucleavam os professores formados nas faculdades e que basicamente
ministravam aulas no ensino médio. Em São Paulo, que tinha a maior rede de ensino, em
1952 diretores e vice-diretores organizaram a União dos Diretores do Ensino Médio Oficial
(UDEMO), preocupados com uma nova disposição que ameaçava o direito ao ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos.207 A UDEMO teve muito pouco
peso específico e um funcionamento descontínuo nas décadas seguintes, indo a reboque das
principais associações do estado. Em algumas capitais estaduais, onde se concentravam as
redes de educação municipal, também se criaram associações docentes como as de São Paulo
(1956), Porto Alegre (1964) e Curitiba (1971).
Em segundo lugar, a organização por fora da CLT permitiu que fossem criadas
entidades paralelas por diferenças político sindicais em Minas Gerais (a Casa da Professora
Primária, em 1953) e no Rio Grande do Sul (a União de Professores Primários, em finais da
década de 1940). No Distrito Federal, pelo menos três entidades pretendiam representar os
professores públicos. As lideranças do Instituto de Professores Públicos e Privados eram
próximas ao PSD, as da União de Educadores ao PTB e as da UPP à UDN – os primeiros dois
eram partidos identificados com o varguismo, o último com a oposição de direita
(ANDRADE, 2001). Também apareceram entidades paralelas em outros estados como São
Paulo, onde funcionava uma União de Professores Primários (LUGLI, 2002; VICENTINI,
2002).
Em 1953, delegações de 17 estados e territórios federais reuniram-se no Primeiro
Congresso dos Professores Primários do Brasil; e, em 1960, no 4º Congresso, 26 delegações
criaram em Pernambuco a Confederação dos Professores Primários do Brasil (CPPB). A
CPPB só aceitava uma entidade por estado. O CPP, que era a principal entidade, abandonou a
CPPB em 1966 e nunca mais voltou, reclamando porque os estatutos lhe tiravam o peso na
205
Esta se unificou com o Centro dos Professores do Ensino Técnico Secundário (criado em 1936) na União dos Professores
do Estado da Guanabara (1968). Em 1979, chamava-se Associação dos Professores no Estado do Rio de Janeiro e unificou-se
com outras duas entidades em uma nova organização que liderou as mobilizações dos anos ’80 (ANDRADE, 2001).
206
No Rio Grande do Sul foram criadas entidades específicas de especialidade (de professores de educação física, em 1945, e
de técnicos agrícolas, em 1966), de orientadores (1945) e de supervisores (1969) (ABREU; BULHÕES, 1992).
207
Histórico da UDEMO: 1952 – 2002, no website da UDEMO (www.udemo.org.br). Acesso em 10 outubro 2010.
149
tomada de decisões que, pela quantidade de sócios, iria lhe corresponder (CARVALHEIRO,
1989; LUGLI, 1997; FERREIRA JR., 1998). O legalismo e o respeito às autoridades,
presentes nas associações de base, também apareceram na CPPB. Segundo os estatutos da
Confederação dos Professores Primários do Brasil, aprovados no 4º Congresso (1960), entre
os deveres das entidades filiadas (art. 8) se encontrava “… acatar em tudo a lei e acatar as
autoridades constituídas” (apud CARVALHEIRO, 1989, p. 219).
A quantidade de filiados às organizações docentes era muito heterogênea. A
Associação de professores da cidade de Pelotas, do Rio Grande do Sul, cresceu de pouco mais
de 200 até 800 sócios entre 1945 e 1959 e, depois de uma leve queda, alcançou a casa dos
1.200 em 1964, nas portas do golpe militar que fecharia o interregno democrático. As filiais
que a associação tinha criado em outras cidades em 1930 e 1931 ficaram desativadas na
mesma década. A entidade, concentrada na cidade de Pelotas, dedicava-se, entre outras
atividades, a fornecer o registro profissional que conferia habilitação ao exercício do
magistério, chamada “carteirinha do MEC” (CARDOSO, 2011). A SUPP (Bahia) desde 1949
fundava sedes no interior do estado e, em 1957, tinha presença em aproximadamente 40
cidades, mas na primeira metade da década de 1960 a estrutura de núcleos no interior
desapareceu (LUGLI, 2002). Ainda que a qualidade dos dados não fosse muito boa, Lugli
(2002) sugeriu que o CPPP (Pernambuco) ganhou uma importante presença no professorado
diplomado das redes públicas e particulares e contava com 1000 sócios em 1952. No Rio
Grande do Sul, na década de 1960, o centro de professores da cidade capital organizou alguns
núcleos no interior do estado (PACHECO, 1993). Em Minas Gerais, e para sustentar a
expansão no interior, em 1958, a APPMG estabeleceu nos estatutos que os inspetores
regionais de ensino seriam representantes da Associação nas suas respectivas jurisdições.
Diferentemente da Argentina, no Brasil não foram criadas federações estaduais de centros
locais, mas as dificuldades das entidades sediadas nas capitais de chegar a toda a sua base
eram as mesmas, e no interior dos estados foram constituídas outras organizações.208 Um
elemento que dificultava a organização das entidades em outras localidades era a existência de
redes municipais, que em alguns estados foram muito importantes. Cabe lembrar que um
grande elemento de agregação entre os professores argentinos e mexicanos de diferentes
cidades era o fato deles terem o mesmo empregador (fosse o governo do estado ou o governo
federal). De qualquer modo, também considero que estava operando uma questão
208
Em São Paulo, há notícias de algumas entidades locais paralelas, como a de Marília (que se integrou ao CPP em 1977) e a
do grande São Paulo (que atuava em 1968) (LUGLI, 1997). Em Pelotas (Rio Grande do Sul) continuava atuando a associação
criada em finais da década de 1929.
150
propriamente sindical que distingue o caso brasileiro do argentino. Neste último país, o
caráter mais militante das organizações docentes as estimulava a contar com certa articulação
no interior dos estados, fosse por via da organização de federações ou por meio de filiais da
organização sediada na capital. Esta articulação era importante, justamente, para pressionar
mais os governos. Para o projeto hegemônico da maioria das associações brasileiras, esse não
parece ter sido um objetivo importante. Entretanto, foi sim um objetivo importante para o
CPP, que se fez forte no interior do estado, aproveitando-se do desconto das quotas em folha
de pagamento e da gravitação da rede estadual em São Paulo. Este Centro continuaria sendo a
organização mais numerosa e reunia 14.000 sócios em meados da década de 1950. Cabe
caracterizar a sua vida interna.
O CPP filiava os professores primários (das quatro séries obrigatórias) da principal
rede de ensino do país. Entre 1945 e 1964 ele continuou desenvolvendo atividades recreativas
e estendeu-se ao interior do estado. O Centro estava preocupado em evitar que no interior
paulista surgissem associações locais. Foi um período de crescimento incessante. Sólon
Borges dos Reis assumiu a condução do CPP em 1956 e deu um forte impulso à entidade. Em
menos de uma década, o CPP mais do que duplicou seu quadro de sócios, pois passou de
14.100 em 1956 para 41.800 em 1964. A campanha de filiação de 1962 teve o auxílio das
delegacias de ensino, o que não é estranho porque Sólon era ao mesmo tempo Secretário de
Educação do governo do estado. O CPP contava com uma estrutura muito centralizada: as
sedes locais se concentravam nas atividades de lazer enquanto a sede central, na capital do
estado, focalizava as suas atividades na assistência médica e jurídica. Inclusive nos contextos
de mobilização (como o de 1963) a vida interna era bastante passiva e não houve processos
nos quais as lideranças fossem desafiadas. As mobilizações, algumas das quais foram muito
importantes, destacaram-se pela ordem e pela disciplina com a qual foram seguidas as
indicações da diretoria do CPP. Apenas há notícias de uma chapa opositora (promovida pelo
governo) sem muito sucesso, e Sólon Borges dos Reis esteve à frente da entidade até 1997. As
lideranças do CPP exerciam ou tinha exercido cargos administrativos nos níveis superiores do
governo do estado.209 Este fato estava associado ao reconhecimento estatal: além de ter o
desconto das quotas em folha de pagamento desde a década de 1930 o CPP captava recursos
do estado, mas não o fazia de um modo institucionalizado. Nesse sentido Lugli (1997, p. 38)
concorda com Ribeiro (1984) em que o CPP funcionava como complemento administrativo
da Secretaria Estadual de Educação, o que não significou a ausência de tensões. Quando se
209
Isto continuaria sendo assim nas décadas seguintes. Em 1979, em uma reunião da diretoria, chegou a se propor uma cota
na composição da diretoria para os professores primários (LUGLI, 1997)
151
chegava a conflitos trabalhistas, as diferenças com as autoridades eram colocadas sempre em
termos legais e técnicos, nunca políticos (LUGLI, 1997; VICENTINI, 1997).
Na década de 1950, muitas lideranças docentes se projetaram eleitoralmente a partir da
atuação nas entidades, como “representantes do professorado”, apoiados no peso demográfico
da categoria. Aparentemente, os partidos com maior presença entre as lideranças da categoria
eram o Partido Democrata Cristão, o Republicano e a União Democrática Nacional (UDN, a
oposição de direita ao Vargas).210 Os presidentes das associações docentes de São Paulo,
Pernambuco e Minas Gerais foram deputados estaduais pelo Partido Democrata Cristão
(Maria Elisa Viegas, de 1955 a 1959; Sólon Borges dos Reis, de 1959 a 1964, e Marta Nair
Monteiro, de 1963 a 1964). Além de Sólon Borges dos Reis, que tinha participado da criação
da APESNOESP e da sua diretoria, outros dois integrantes das diretorias da APESNOESP
foram eleitos deputados estaduais, Luiz Augusto de Oliveira (PSD, 1947) e Raul Schwinden
(PSB, 1963) (PAULA, 2007).
Estas lideranças enfatizavam a ideia de “neutralidade” política; justamente defendiam
que a educação fosse tratada com critérios técnicos pelos professores e não pelos políticos
profissionais (LUGLI, 2005). Essa reivindicação é consistente com as demandas dos
professores desde finais do século XIX nos três países, mas no Brasil teve um solo fértil para
se expressar eleitoralmente devido às características do sistema de partidos. Este, no
interregno democrático de 1945-1964, se caracterizava pela atuação de muitos partidos,
heterogêneos e com poucas definições ideológicas. Vargas tinha promovido dois partidos, o
Partido Social Democrático (PSD, mais moderado) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB,
de base sindical). Embora o PTB ganhasse influência e se radicalizasse muito no período,
nunca foi um partido popular de massas do tipo do peronismo na Argentina ou o PRI no
México. A polarização de começos da década de 1960 expressou-se em grupos que
atravessavam os partidos e em pressões dos grupos organizados na sociedade sobre os órgãos
de governo, não em um movimento político com uma identidade definida, muito menos com
projeção eleitoral (COLLIER; COLLIER, 1991). Nesse contexto “as lideranças” – e cabe
também para as docentes – tinham certa autonomia em relação aos partidos dos quais
participavam e era relativamente fácil se apresentar aos eleitores como um representante do
professorado, sem enfatizar por qual partido. Isto se expressou na Liga eleitoral do
210
Dos vinte e dois professores candidatos a deputados federais e estaduais promovidos pela liga eleitoral do professorado
paulista (1950) dos quais se conhece o partido, nenhum era candidato pelo PTB, e os que tinham maior representatividade
eram o Partido Democrata Cristão e o Partido Republicano Trabalhista. Em 1958, a presidenta da SUPP (Bahia) se
apresentou como candidata pela UDN (LUGLI, 2005). A UPP da cidade do Rio de Janeiro estava estreitamente vinculada a
Lygia Lessa Bastos, vereadora e depois deputada federal da UDN (ANDRADE, 2001)
152
professorado, constituída em 1950 em São Paulo e integrada por numerosas entidades
docentes, entre as quais estava o CPP. A Liga apoiou uns quarenta professores candidatos nas
eleições legislativas independente do partido pelo qual fossem candidatos. Entre outros
pontos, a liga eleitora do professorado defendia a “… necessidade de consulta direta à classe,
através das suas entidades regularmente organizadas no estudo e solução dos problemas
educacionais e do magistério” e o “amparo às entidades de classe do professorado para a
realização de seus fins” (apud VICENTINI, 1997, p. 105, 106).
Na década de 1950, houve um grande debate sobre a lei de educação, finalmente
sancionada em 1961. As associações docentes praticamente não participaram dessas
discussões e, a rigor, a relação próxima entre o debate educacional nacional e as associações
docentes, que seria claro na década de 1980, não apareceu nesse período.211 O interesse
pedagógico de muitas dessas entidades não era, por assim dizer, militante. Isso também as
mantinha afastadas da esquerda política e social. Não há notícias, por exemplo, de articulação
com os movimentos educacionais vinculados à igreja católica progressista, ou com a ativa
organização nacional dos estudantes universitários. O caso de Paschoal Lemme é eloquente.
Lemme foi um reconhecido educador de esquerda com grande atuação nesse período, que
integrava a Associação Brasileira da Educação e estava vinculado ao movimento sindical
docente internacional, mas que tinha pouca articulação com as associações brasileiras de
professores da rede pública.212
4.3 Mobilização docente e implantação falida
Vinculados a lideranças situacionistas ou opositoras, as relações com os governos
eram respeitosas e a categoria evitava as demonstrações radicais de desconformidade
inclusive nos momentos de tensão. Mas, esses momentos se fizeram mais frequentes, e uma
profunda insatisfação trabalhista começou na segunda metade da década de 1950 e
acompanhou a agitação sindical e camponesa que caracterizou o governo de João Goulart
(1961-1964).
211
Inclusive este era o caso da Associação da cidade de Pelotas (Rio Grande do Sul), constituída por pessoas que tinham
criado com anterioridade a seção pelotense da Associação Brasileira de Educação, e que por sua vez tinham enviado
representantes em 1927 à I Conferência Nacional de Educação da ABE (CARDOSO, 2011).
212
Lemme tinha boas relações com o sindicato de professores da rede particular do Rio de Janeiro (liderado por comunistas)
e participou das Conferências da Federação Internacional Sindical de Ensino (de esquerda) em 1953 e 1957. Lemme, embora
participasse do Congresso realizado em 1958 pela CPPB em Porto Alegre (cfr.. FERREIRA Jr, 1998), não militava nas
associações tradicionais de professores públicos. Participou da primeira conferência da Federação Internacional Sindical de
Ensino sendo funcionário do Ministério de Educação e considerava que a principal associação dos professores brasileiros era
a Associação Brasileira de Educação (LEMME, 2004). Isso provavelmente decorria do engajamento da ABE nos
movimentos de reforma educacional, mas a ABE não se propunha ser a representante da categoria docente.
153
Os professores se apresentavam como profissionais liberais que mereciam ser bem
pagos e participavam em muitos estados de frentes de associações de funcionários públicos. O
fato da greve no setor público estar legalmente proibida (porque os professores não tinham
direitos sindicais) era usado como um dos argumentos, inclusive dentro do movimento, contra
os professores que demandavam medidas de pressão mais fortes (LUGLI, 2002). Esse
processo expressou-se de maneiras muito diferente segundo o estado. Em São Paulo, as
entidades docentes tinham bastante peso específico (sócios, estrutura, reconhecimento estatal)
e suas lideranças conduziram as demandas trabalhistas sem tensões significativas na base
docente. No Rio Grande do Sul, (ou, mais precisamente, na sua capital) tampouco há notícias
de problemas entre a organização de professores e a base da categoria. Em Minas Gerais,
Bahia e parcialmente no Distrito Federal, aparecem discussões internas e a base ultrapassou e
pressionou as suas lideranças. Setores da categoria se organizaram em entidades pequenas,
mas relativamente mais radicalizadas, no Rio de Janeiro e no Ceará (e provavelmente também
no Mato Grosso). Todo esse processo indica que na base da categoria, nesse período, existiam
setores que demandavam outro tipo de atuação das associações (mais beligerante com os
governos) e que estavam dispostos a participar mais ativamente da vida sindical. As entidades
de São Paulo e Rio Grande do Sul teriam sido consequentes com essa nova situação na base
da categoria e, por isso, apareceram como as mais representativas. Isso é consistente com
outros dados, como o interesse dos sócios nas eleições das entidades.213
No Movimento de desagrado, deflagrado pelo professorado mineiro em 1954 (que não
chegou a ser uma greve), apareceu um dado importante que considero generalizável. Os
professores do Instituto de Educação (a elite do corpo de professores) “aderiram” ao
movimento (não o organizaram); e várias diretoras de grupos escolares compareceram às
assembleias, que foram numerosas (uma das assembleias teve mais de 1.500 participantes)
(CARVALHEIRO, 1989). Mas, o centro de gravidade das práticas sindicais docentes já não
era mais constituído nem pela elite dos professores nem pelos funcionários hierárquicos do
sistema educacional. Com efeito, o Secretário de Educação reuniu-se com as diretoras dos
213
Este interesse também foi promovido por mudanças no regime eleitoral. Nas eleições de 1937, participaram
aproximadamente 1/5 dos 5000 sócios, e nas de 1949 50 dos 1000 eleitores da capital. Nas eleições de 1952, participaram
2.800 dos 7.000 filiados, em 1956 votou praticamente a metade dos 14.000 sócios e, em 1960, 16 mil dos aproximadamente
26.000 sócios (VICENTINI, 1997).
Em 1960, em um momento de inquietude da categoria, 956 professores gaúchos participaram da eleição da diretoria do
CPPE. Só se votou na sede da entidade, que praticamente não estava organizada no interior do estado, pelo qual o número é
significativo (PACHECO, 1993).
154
grupos escolares da capital mineira exigindo que “impeçam a evolução do movimento das
suas subordinadas”.214
A base da categoria era feminina e a situação econômica a empurrava a ter uma atitude
que não só encontrava tensões com algumas imagens associadas à profissão, mas também
com o papel da mulher. Nem no México nem na Argentina apareceram tantas referências à
relação entre o professorado como profissão feminina e as reivindicações sindicais nesse
período, o que é consistente com a mais forte associação do professorado com características
femininas no Brasil.215 Essa imagem do ensino primário como ensino feminino era também
usada pelos professores de ensino secundário para manifestar as suas reivindicações
salariais216. Além disso, as reportagens relativas às mobilizações docentes de São Paulo em
começos da década de 1960, faziam referência a fofocas e ao uso de maquiagem nas passeatas
docentes. Esta era uma maneira de utilizar as atividades consideradas “tipicamente
femininas”, para caracterizar um movimento de reivindicações salariais que era levado à
frente por trabalhadoras do ensino primário (VICENTINI, 2002).
Um exemplo ilustrativo da articulação entre participação das bases da categoria e
participação feminina apareceu no citado “Movimento de desagrado” de 1954. Em uma das
assembleias que as autoridades tentavam desalentar, foi proibida a entrada de homens – com
exceção dos jornalistas que creditassem tal condição. Tratava-se de uma delimitação do
pessoal hierárquico do próprio sistema educacional, e particularmente dos inspetores, que
eram homens (CARVALHEIRO, 1989).
Em Minas Gerais, em 1954, alguns grupos de professores propunham faltar
massivamente 29 dias (o máximo de faltas individuais permitidas de forma não justificada)
como pressão, mas a Casa da Professora Primária e a APPMG se opunham (LUGLI, 2002).
214
Correio do Dia, 23/09/1954 (apud CARVALHEIRO, 1989, p. 298)
As lideranças da associação baiana, criadas em 1947, reuniram-se em uma oportunidade com o Secretário de Educação,
Anísio Teixeira, demandando melhoras salariais. Teixeira lhes disse, em uma reunião: “Vocês deveriam ser dançarinas,
porque dançarinas ganham 30 contos por mês” (apud SANTOS, 2006). A des-legitimação das demandas trabalhistas pela
composição feminina da categoria, que aqui aparece com ironia e em boca de uma autoridade educacional, pode-se
reconhecer também uma década depois, em uma declaração pública de Maria Elisa Viegas, presidenta do CPPP
(Pernambuco) e deputada estadual. Ao concluir o seu mandato legislativo em 1959, Viegas expressou que “… a mulher
brasileira ainda não está capacitada suficientemente para esta luta tão forte e tão distante do aconchego harmonioso e doce
do lar, a mulher ainda não se acostumou às lutas sociais” (discurso de despedida do legislativo estadual, Jornal dos
Professores Nº 38, apud LUGLI, 2002, p. 121).
216
Em 1954, professores do ensino médio paulista reivindicavam melhores salários e Emanuel da Veiga Garcia, em uma
concentração regional em São Carlos, expressou que “Se o governo não tomar providências concretas no sentido de
melhorar, de uma maneira substancial, os atuais padrões de vencimentos dos professores secundários, em um futuro
próximo o ensino secundário estará entregue a mãos femininas, como acontece com o ensino primário. Não queremos com
esta advertência menosprezar o trabalho de nossas dignas e laboriosas colegas que conquistaram a cátedra em brilhantes
concursos, mas entendemos que neste setor, tão importante que é o setor do ensino secundário, também o homem de valor
deve estar presente, para dar a sua contribuição e exercer a sua influência. Mas para que homens de valor dêem a sua
contribuição é de fato imprescindível que o governo lhes proporcione remuneração condigna” “Concentração de professores
do ensino secundário em Bauru”. A Gazeta, São Paulo, 08-06-54, (apud PAULA, 2007, p. 72).
215
155
Em 1956, os professores de Rio Grande do Sul fizeram uma assembleia na qual reuniram em
torno de 1000 professores – fato possibilitado porque a Secretaria de Educação suspendeu as
aulas –, organizada pelo Centro de Professores Primários e o apoio da Associação de
Professores Diplomados. Na assembleia, foi discutida pela primeira vez a possibilidade de
uma greve e, quando acabou, mobilizaram-se, pela primeira vez, até a casa do governo
(PACHECO, 1993). A possibilidade de realizar uma greve de professores também era
discutida esses anos em Minas Gerais e Bahia. Também em 1956, com uma diferença de um
mês, foram deflagradas as greves dos professores particulares em São Paulo (de um dia) e no
Rio de Janeiro (de dois) (VICENTINI, 2002). Perante essa greve dos professores de ensino
privado, o presidente da APESNOESP lamentou a determinação:
Conquanto seja por todos desejada a integral aplicação das dotações destinadas ao fundo
Nacional do Ensino Médio nos precisos termos do seu regulamento, a fim de não se lhe
desvirtuar o mérito nem se lhe comprometer a finalidade, não compreendemos o alcance e a
propriedade de uma “greve de educadores”, cujos reflexos seriam altamente danosos à
formação de nossa juventude. Apelamos, pois, aos nobres professores que com tanta
dedicação e proficiência militam no magistério paulista no sentido de cingirem-se – na
superior defesa de seus interesses – aos meios e recursos que a lei lhes faculta, numa atitude
mais consentânea com a dignidade da cátedra e que comporte a eventual solidariedade de
todos quantos sinceramente aspiram ao aprimoramento e a solidificação do nosso arcabouço
educacional (apud PAULA, 2007, p. 90)
A APESNOESP promoveu “concentrações regionais” na década de 1950, e
particularmente em 1954 e 1958. Estas concentrações eram realizadas em diversas cidades do
interior, e delas participavam entre cinquenta e oitenta professores da respectiva região, e a
pauta era elaborada pelos professores da escola que recebiam as atividades. Participavam
líderes políticos regionais e os professores (em 1958) desfilavam pelas ruas com bandeiras
dos estados brasileiros (PAULA, 2007). Nesse último ano, em 1958, o CPP organizou pela
primeira vez uma manifestação. Como expressão da mesma insatisfação, algumas entidades
paulistas se recusaram a participar das comemorações oficias pelo dia do professor
(VICENTINI, 2002).
O passo a frente foi dado pelo professorado de Minas Gerais. Em 1959, a APPMG
realizou uma greve de quatro dias (LUGLI, 2002). O CERMAP (professores primários de
Piauí) organizou uma greve em começos da década de 1960 (BONFIM, 2000) e, em 1963,
uma passeata de milhares de professores em São Paulo foi o antecedente de uma greve de
cinco dias. O secretário de Educação de São Paulo disse que a greve era de comunistas.217 O
CPP declarava que o professorado tinha chegado a uma situação extrema “… em face da
217
Sólon Borges dos Reis já não era mais Secretário de Educação.
156
necessidade e da humilhação a que vem sendo submetido”, e continuava, chamando à greve:
“Agora, a vitória do magistério depende do próprio magistério” (apud PAULA, 2007, p.
106). Um número de aproximadamente 200 professores de Araraquara, interior do estado,
tinha enviado um memorial ao CPP manifestando que se desligariam da entidade se a greve
não fosse deflagrada. Também participaram do movimento os professores públicos de ensino
médio, representados pela APESNOESP (VICENTINI, 2002).
Sólon Borges dos Reis tinha ocupado a Secretaria de Educação de São Paulo por
alguns meses em 1962, era deputado pelo PDC desde 1958 e presidente do CPP. Segundo
Vicentini, o sucesso político de Sólon se sustentou em boa medida no trabalho sindical
(VICENTINI, 2002). A habilidade de Sólon garantiu a hegemonia do CPP porque ele não
hesitou em organizar medidas de pressão e inclusive romper politicamente com o governo, do
qual o partido pelo qual tinha sido eleito participava (LUGLI, 1997).
A agitação trabalhista também se refletiu em outros distritos. No estado da Guanabara,
professores de ensino médio criaram em 1960 a Associação de Professores do Estado da
Guanabara (APEG), com posições relativamente combativas (RÊSES, 2008). Em 1961, no
contexto tanto de uma certa agitação na categoria quanto do surgimento de dissidências
internas, a presidenta da UPP do Rio de Janeiro apresentou a sua renúncia. Nela deixava uma
“advertência amiga” às colegas:
… não se afastem nunca da linha de acatamento a todas as autoridades, nem se deixem jamais
levar por excessos de linguagem que só podem conduzir ao desrespeito recíproco. Guardem
inalterável linha de equilíbrio, pois a força de um direito tem por si mesma bastante
eloqüência, não a perturben nunca com o direito da força (apud ANDRADE, 2001, p. 154,
155).
Um ano depois, na Bahia, formou-se um comando de greve paralelo ao SUPP e contra
a sua diretoria. Em 1964, na Bahia, seriam as cidades do interior as que pressionaram a
diretoria do SUPP: professores de 33 municípios manifestaram que estavam dispostos a levar
à frente uma campanha salarial sem o apoio das lideranças. Também em 1964, após uma
greve de professores do ensino médio, no Rio Grande do Sul, foi criada a Federação do
Magistério do Rio Grande do Sul (FEMARS) (ABREU; BULHÕES, 1992). Os setores
críticos que enfrentaram as diretorias tradicionais do Rio de Janeiro (UPP) e da Bahia (SUPP)
foram derrotados nas eleições de 1963 e 1964 respectivamente (ANDRADE, 2001; LUGLI,
2002).
O professorado continuava se mantendo, em termos gerais, distante do movimento
sindical. De qualquer maneira, a União Geral dos Trabalhadores Mineiros solidarizou-se com
157
as professoras em 1954 (CARVALHEIRO, 1989); a campanha unitária do professorado
paulista de 1958 foi apoiado por sindicatos operários; e as associações docentes pediram ao
Pacto de Unidade Intersindical (criado em 1953, onde se reuniam lideranças do PC e do PTB)
a divulgação da campanha entre os sindicatos filiados. Reuniram-se cinco mil professores em
assembleia no Teatro Municipal de São Paulo, com a presença de autoridades políticas e
lideranças sociais. A APESNOESP estava mais aberta do que o CPP a essas relações, e com
ocasião da greve de 1963 foram instalados dois comandos (que participavam do Comando
Geral único da greve): um no local do CPP e outro no sindicato dos bancários (este último era
coordenado pela APESNOESP). Nessa ocasião, houve manifestações de solidariedade de
sindicatos identificados com o Pacto de Ação Conjunta (PAULA, 2007). De fato, ainda que a
greve não fosse articulada com outras categorias de assalariados, no mesmo mês de outubro,
no qual foi realizada a greve docente, São Paulo foi o epicentro da greve dos 700.000, um dos
pontos mais altos de luta e de articulação operária nesse período.
Mesmo nesses casos, as associações docentes não se aproximavam do movimento
sindical com um projeto de ação unitária dos assalariados. Interessa destacar que, inclusive
nesse período, o sindicalismo não tinha a centralidade na situação política nacional que tinha
contemporaneamente na Argentina, inclusive no México, ou que teria décadas depois no
Brasil. O fato do professorado se manter afastado do movimento sindical expressava, além de
uma distância social com a classe operária, uma agenda de demandas e um tipo de atividade
sindical construída fora da CLT.
Em 1964, os militares tomaram o poder e tiraram do governo o presidente Goulart, em
um momento em que este anunciava, com o apoio do movimento sindical e camponês, a
implementação de “reformas de base”. A participação da APPMG no Conselho Estadual de
Educação foi abolida, e lideranças da APEG (ensino médio, Guanabara) foram processadas
(CARVALHEIRO, 1989; RÊSES, 2008). De qualquer modo, as organizações de professores
não estiveram no centro da repressão, e inclusive realizaram novos protestos em 1965 (São
Paulo), 1967 (Minas Gerais e São Paulo) e 1968 (Paraná, Piauí e Ceará). A verdadeira ruptura
acontece em 1968, quando o governo militar entra na sua fase mais repressiva.
A insatisfação da base sindical, mais do que a radicalização das lideranças, explica os
conflitos de 1967 dos professores primários de Minas Gerais e São Paulo. A presidenta da
APPMG, Marta Nair Monteiro, e o presidente do CPP, Sólon Borges dos Reis, eram
deputados estaduais. Há um dado interessante que aparece na pesquisa dos arquivos da CPB
158
realizada por Ferreira Jr. (1998): esses dois deputados tinham liderado greves nos estados de
São Paulo e Minas Gerais nos anos de 1963 e 1964. Por isso, a ditadura instalada em 1964 os
ameaçou com a possibilidade de cassar os seus mandatos. Os líderes docentes preservaram as
suas cadeiras nos respectivos congressos somando-se ao governo militar, e passaram a ser
deputados pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA).218 De qualquer modo em ambos os
estados houve conflitos trabalhistas. Em Minas Gerais, o governo devia treze meses de
salário, e um movimento espontâneo do interior do estado começou a paralisar as atividades
docentes. O governo negociou com a APPMG, que fez uma vigília de 43 dias para pressionar
pela resolução do problema, mas os professores do interior, em greve, só regressaram às aulas
em março de 1968. Em São Paulo, diferentemente, o CPP organizou uma mobilização
massiva da qual participaram 15.000 professores, mas se esforçou em manter um tom
respeitoso e os docentes levaram flores como homenagem da mulher professora à esposa do
governador (LUGLI, 2002). A APESNOESP também participou da pressão trabalhista ao
governo paulista, e ele respondeu suspendendo temporariamente o desconto automático na
folha de pagamento das quotas dos sócios dessas duas entidades docentes (LUGLI, 1997).219
Em São Paulo, era claro que as lideranças dos professores de ensino médio estavam à
esquerda dos seus pares do ensino primário. Esse também era o caso de outros estados, como
Piauí e Ceará. Em 1967, em Piauí, foi constituída a Associação dos Professores do Ensino
Médio Oficial do Estado do Piauí (APEMOP), uma organização com reivindicações
trabalhistas e caráter bastante sindical.220 Um ano depois se renovou a condução da
Associação dos Professores Licenciados do Ceará, que se transformou na entidade mais
combativa do setor público e ampliou o quadro da entidade para filiar também os alunos.
Nesse mesmo ano de 1968, esta última associação apoiou uma greve de professores
contratados, pagos pelo Plano Nacional de Educação.221
Interessa destacar que a maioria das direções das associações docentes não mudou, e a
agitação na base sindical, que foi generalizada e tinha começado no final da década de 1950,
218
O governo militar manteve o funcionamento do Congresso, mas a partir de 1966 autorizou o funcionamento somente de
dois partidos: o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), opositor, e a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), a favor
do governo.
219
A Associação de Professores no Estado do Rio de Janeiro – pequena associação que nucleava professores do ex-ensino
médio – também tinha as mensalidades descontadas em folha de pagamento na década de 1970 (ANDRADE, 2001).
220
Sobre esta associação, ver Araújo e Lopes (2011).
221
Moreira aponta um dado curioso e excepcional: “Através de contactos da direção da APLEC com o diretor do
Departamento de Educação da Secretaria de Educação do Estado [...] esse órgão somente contratava professores para o
exercício do magistério mediante o parecer da direção da APLEC, no que se refere à habilitação profissional, para o
exercício do cargo” (MOREIRA, 1990, p. 66). Provavelmente tenha sido mais um reconhecimento do status desse segmento
(status que começava a ser colocado em questão) do que a peça de um projeto corporativo em relação à APLEC e a sua base
de representação.
159
não foi suficiente para que quadros mais combativos protagonizassem uma renovação
igualmente generalizada das lideranças docentes.
4.3.1 Impasse: 1968-1978
As principais entidades docentes, em geral, não sofreram a perseguição do governo;
pelo contrário, dirigentes de algumas associações de professores primários, como as de Minas
Gerais, Piauí e Rio Grande do Sul, participaram dos gabinetes governamentais. A relação
entre a APEOC (Ceará) e o governo estadual também era muito próxima e o CPP teve
representantes na comissão que discutiu o estatuto do magistério na segunda metade da
década de 1960. Uma exceção, pelo menos entre as grandes organizações, foi a perseguição a
Raul Schwinden, da APESNOESP, que era deputado do MDB em 1969, quando o governo
militar cassou o seu mandato (PAULA, 2007). Mas, mesmo obrigada a ser mais moderada, a
APESNOESP continuou atuando e inclusive cresceu nos anos seguintes. Também foi o caso
da Associação pelotense, que entre 1964 e 1969 filiou aproximadamente 200 novos sócios,
chegando à casa dos 1.400 (CARDOSO, 2011).222 Tampouco o crescimento do CPP foi
interrompido pela ruptura política e institucional; a quantidade de sócios cresceu de 42.000
em 1965 para 60.000 em 1970 e mais de 77.000 em 1977. A força derivada desse crescimento
fez com que o CPP tentasse constituir, em 1968, uma organização federal nacional paralela –
a Federação das Associações Brasileiras de Educadores – mas a tentativa não foi bem
sucedida (LUGLI, 1997).
A posição conciliadora da CPPB com os governos se manteve com a chegada dos
militares ao poder, com a tradicional pouca diferenciação entre autoridades educacionais e
representantes docentes. O VIII Congresso de Professores Primários (1967) teve por
finalidade “… reunir Autoridades Educacionais e Professores Primários de todo o Brasil, a
fim de conscientizá-los em relação aos problemas educacionais, com vistas ao
desenvolvimento do ensino” (CARVALHEIRO, 1989, p. 203). As demandas – salariais,
previdenciárias, de titulação – expressaram-se tipicamente por meio de memorandos e
reuniões com as autoridades, e no congresso da CPB de 1974 a Comissão de Honra esteve
integrada, entre outros, pelo presidente e pelo ministro da educação da República. A
debilidade organizacional da CPPB era muito grande: em 1972 tinha 43.309 sócios, a sua
estrutura era mínima e sua sede funcionava na entidade que assumia a presidência em cada
período (CARVALHEIRO, 1989; LUGLI, 1997; FERREIRA JR., 1998).
222
A quantidade de filiados volta a cair entre 1969 e 1972 (CARDOSO, 2011).
160
Ainda que a experiência não tenha sido reconstruída sistematicamente, existia um
segmento mais radicalizado de organizações, muitas das quais eram de “professores
licenciados”, que não participavam da CPPB e aparentemente tinham mais presença nos
estados do nordeste. Algumas dessas organizações continuaram atuando no difícil contexto do
período 1968-1978 e inclusive no Congresso de Professores Licenciados do Brasil (realizado
na Bahia, em 1972) o ambiente político foi crítico ao governo militar.223 Considero que esse
segmento da categoria era politicamente crítico, em parte, porque tinha sido formado em
faculdades na década anterior. Esta hipótese parece confirmada pelo maior dinamismo
político sindical de entidades tradicionais de ensino médio em estados como São Paulo e Piauí
na década de 1970 e 1980. Cabe lembrar que parece ter sido um setor menos conservador e
que justamente representava um segmento com crescente relevância, e não os velhos
professores normalistas.
A reforma educacional de 1971 teve um forte impacto nas associações docentes, pela
reestruturação do sistema de ensino (ao que as entidades da categoria responderam se
reestruturando) e porque estabeleceu a promulgação de planos de carreira (promovendo assim
a discussão dos regimes de emprego e trabalho). Esses elementos potenciaram e deram marco
a dois processos propriamente endógenos: 1) segmentos da categoria estavam dispostos a se
organizar para além das especialidades e dos níveis de ensino; e 2) o professorado brasileiro
atravessava uma profunda insatisfação trabalhista com as condições salariais e com as
condições precárias de emprego dentro das redes de ensino.
A lei 5692/71 ampliou a obrigatoriedade de quatro para oito anos, fusionando o
primário e o ginásio no ensino do 1º Grau; exigiu uma formação maior para os professores; e
ampliou o número de administradores, planejadores, orientadores, inspetores e supervisores
com formação superior. A CPPB deixou de representar exclusivamente os professores das
primeiras quatro séries, mudou seu nome para Confederação dos Professores do Brasil (CPB),
223
Em 1971 e 1972, realizaram-se encontros organizados pelas associações de Professores Licenciados do Ceará e do Rio
Grande do Norte dos quais também participaram professores do Maranhão e do Piauí. A APLEC (Ceará, conduzida por
lideranças radicais desde 1968) viu dificultada a sua ação pelo clima político e em 1972 deixou de funcionar (MOREIRA,
1990).
O presidente da APEOC, entidade conservadora que esteve presente no Congresso realizado na Bahia em 1972, escreveu
anos depois “...qual não foi o nosso espanto, quando no decorrer dos trabalhos notamos que as reuniões estavam tomando
aspectos de revide, de insinuações [...] Comunicamos a retirada da delegação de Ceará e afirmamos em alto e bom som que
‘o Estado de Ceará comparecia para o estudo mais acuado do estatuto do magistério e da Lei 5692, nunca para tomar parte
em assuntos políticos’ e que a mesa estava subvertendo a ordem e por este motivo o Estado de Ceará retirava-se em sinal de
protesto” (Jornal “O povo”, 16-07-1976, apud MOREIRA, 1990, p. 76).
Gumercindo Milhomem, na entrevista transcrita por Ribeiro (1994, p. 105), disse que a Associação de Professores
Licenciados da Bahia (que se afiliaria à CPB nos anos ‘80), era na década anterior a regional Bahia da Associação de
Professores Licenciados do Brasil, uma entidade também organizada em outros estados como Sergipe.
161
e recomendou a todas as associações para adaptar os estatutos no mesmo sentido.
Aparentemente, foi mais comum que as entidades tradicionais dos professores primários
ampliassem as suas bases, ainda que em Goiás, no Rio Grande do Sul e no Paraná
organizações dos professores do ensino primário e do ensino médio tenham sido unificadas.
Em Piauí e São Paulo, as associações docentes de ensino médio expandiram a sua base de
representação e começaram a filiar ex-professores de ensino primário, mudando a sua
denominação para Associação de Professores do Estado do Piauí (APEP) e Associação dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) respectivamente. Estas
entidades passaram a disputar a filiação com o CERMAP e o CPP.224 A UDEMO (diretores
de ensino médio da rede paulista), que tinha em 1969 em torno de cem sócios, modificou os
estatutos para representar também o conjunto de diretores da rede pública em 1977. Os
orientadores, inspetores, etc começariam a criar organizações representativas específicas nos
anos seguintes. Como as associações não estavam incluídas em uma regulamentação
específica, esses processos não precisavam ser ratificados por nenhum organismo estatal.
A lei 5692 também estabeleceu que em cada sistema de ensino haveria “... um estatuto
que estruture a carreira de magistério de 1º e 2º graus, com acessos graduais e sucessivos”
(Art. 36), e um ano depois o decreto 71.244 regulamentou o artigo 54, vinculado ao
financiamento federal dos sistemas educacionais estaduais, que estabelecia quais estatutos
seriam considerados “satisfatórios”.225 Isso deu, inicialmente, esperanças ao professorado de
melhorar as suas condições de trabalho e contribuiu para nacionalizar as discussões, já que era
uma lei federal que estabelecia critérios a serem respeitados pelos estados.
Em 1974, segundo um documento encaminhado ao presidente da república e aos
governadores pela CPB, só treze estados aprovaram os estatutos para o magistério, e destes,
sete contrariavam o estipulado pela lei (CARVALHEIRO, 1989).226 A CPB avançou para
uma atitude mais crítica do governo, ainda que limitada às condições de trabalho dos
professores e sempre muito moderada. Embora existissem estatutos nos quais as entidades
224
Sobre o caso de Piauí, ver Bonfim (2000).
Segundo o Decreto 71.244/72 seriam considerados satisfatórios os estatutos do magistério que estipulassem, entre outros
critérios, a “paridade da remuneração dos professores e especialistas com a fixada para outros cargos de cujos ocupantes se
exija idêntico nível de formação”; o “igual tratamento de professores e especialistas, funcionários ou contratados”; o
“processo de aperfeiçoamento dos professores ou especialistas, e, em particular, o que envolva afastamento do pessoal do
magistério para realização de cursos de especialização e atualização”; os “avanços horizontais por tempo de serviço e por
atividade em locais inóspitos ou de difícil acesso, além dos previstos nos itens anteriores”; etc..
226
Não era o caso do estatuto do Rio Grande do Sul de 1974, considerado pelo professorado como uma grande conquista
(PACHECO, 1993).
225
162
docentes eram contempladas227, isso era marginal e não partia de uma política estatal
orientada a estabelecer relações corporativas com as associações docentes.
A Confederação começou a reivindicar a aposentadoria especial dos professores aos
25 anos de serviço (o que mais tarde conseguiria). Interessa destacar que segundo a
Constituição de 1969, a concessão de aposentadorias especiais era uma prerrogativa exclusiva
da Presidência da República (art. 101). Era, por isso, uma demanda naturalmente federal. A
intransigência do governo perante essa reivindicação fez com que a CPB se aproximasse,
progressivamente, das organizações e do movimento que começariam pouco tempo depois a
ganhar as ruas exigindo o fim do governo militar (FERREIRA Jr., 2011).
Na primeira metade da década de 1970, com a nova legislação e com um ambiente
político repressivo e fechado, a APEOESP avançou nas disputas legais. Com um forte
departamento jurídico, ela interpôs ações na justiça de trabalho, reivindicando direitos
(estabilidade, aposentadoria, 13º salário) para a grande quantidade de professores precários
que, sem serem funcionários públicos nem celetistas, trabalhavam na rede pública paulista. A
Justiça do Trabalho se reconheceu competente em 1973 e, em 1978, a disputa jurídica chegou
ao Supremo Tribunal Federal, que julgou a ação favorecendo a demanda docente (PAULA,
2007). Apoiada nesse trabalho, a APEOESP cresceu, mas isso não refletia uma maior
participação de base da categoria. Nas eleições realizadas na primeira metade da década de
1970, com chapa única, votaram só 68 sócios (PAULA, 2007).
Fora da CPB, o CPP tinha 77.000 filiados em 1977 (LUGLI, 1997). Segundo os
arquivos da CPB, a confederação passou de filiar 43.309 professores em 1972 para 75.783 em
1978. Em 1978, as principais entidades de base da CPB eram a do Rio Grande do Sul (20.000
sócios), São Paulo (a APEOESP, que tinha se integrado à CPB, com 12.000)228, Minas Gerais
(10.500), Goiás (7.000), Paraná (5.000) e Espírito Santo (4.000). A CPB estimava que, desses
casos, os índices de filiação eram maiores em Goiás, Espírito Santo e Rio Grande do Sul,
onde 16% e 22% da categoria estaria filiada. As entidades de São Paulo, Minas Gerais e
Paraná reuniriam menos de 7% da categoria (FERREIRA Jr., 1998). O resultado foi, em
termos gerais, um cenário sindical mais concorrido (pela falta de unicidade sindical e pela
reforma da estrutura do sistema educacional) e mais denso, porque os planos de carreira
contribuíram para a unificação das demandas de diferentes segmentos da categoria.
227
O Estatuto do Magistério de Ceará de 1974 reconhecia a APEOC como representante da categoria e estabelecia que o
presidente da APEOC se afastasse do exercício docente para dirigir a entidade (art. 107) (MOREIRA, 1990).
228
As fontes discordam a respeito da quantidade de sócios da APEOESP. Segundo Ferreira Jr. (1998), quem se baseia nos
arquivos da CPB, a APEOESP tinha 12.000 sócios. Segundo Paula (2007), quem trabalhou nos arquivos da APEOESP, o
quadro de filiados era maior.
163
4.4 O sindicalismo docente de base
Em 1978, existiam numerosas organizações docentes, algumas delas tinham um
número significativo de sócios, e estavam crescendo. De qualquer modo, elas não se
encontravam implantadas na base da categoria e as mobilizações e paralisações da década de
1960 não tinham sido suficientemente fortes para romper com a forma tradicionalmente
protocolar de encaminhar as reivindicações trabalhistas ou para aproximar as lideranças do
classismo ou de qualquer discurso de identificação com o movimento sindical.
Em um breve lapso de tempo as entidades docentes passaram a ser espaços
privilegiados de militância social e política, o que provavelmente contribui para explicar o
avanço dos homens na presidência da confederação docente (que tinha sido até então um
espaço basicamente feminino).229 De fato, parece haver um movimento contraditório: de um
lado, há o avanço masculino vinculado ao novo papel das associações docentes; de outro, há a
presença feminina, que nesse contexto parece corresponder menos à sobrevivência do papel
das mulheres nas entidades docentes do período anterior do que à mudança contemporânea no
papel da mulher na sociedade.230
4.4.1 O “novo sindicalismo” no magistério
A greve dos metalúrgicos da grande São Paulo em maio de 1978 foi o estopim de um
profundo processo de mobilização que atravessou a sociedade brasileira e, particularmente, o
movimento sindical. Era o nascimento do chamado “novo sindicalismo”. A repercussão no
professorado foi imediata: em junho foram à greve os professores da Bahia, e em agosto os de
Paraná e de São Paulo. Em 1979, foi a vez do professorado de Mato Grosso, Rio Grande do
Sul, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, etc. Em todos os casos se tratava de greves quase
229
Entre 1945 e 1979, 133 mulheres e 4 homens participaram das diretorias do CPERS (Rio Grande do Sul). A partir desse
momento houve um crescimento da participação masculina, que nas diretorias das duas décadas seguintes passou a ocupar
entre 23% e 15,6% das funções das diretorias e a maioria das presidências. Esse incremento não guarda relação com a
composição da categoria (87,1% da base do CPERS estava composta por mulheres na segunda metade da década de 1990)
nem com a porcentagem de mulheres filiadas ao sindicato, que entre 1979 e 2000 oscilou entre 84,4% e 93,1% (FERREIRA,
2004).
64,4% dos delegados ao congresso da CNTE de 1991 eram mulheres (RIBEIRO; JÓIA, 1992), mas essa porcentagem, que já
era menor a da própria base, não se repetia nas diretorias da CNTE. Entre 1991 e 2005, atuaram seis diretorias na CNTE e as
mulheres só foram maioria na de 1997-1999, quando ocuparam nove dos dezessete espaços (Cadernos de Resoluções dos
Congressos da CNTE). Se entre 1962 e 1978 só um homem tinha presidido a CPB, desde então a situação se inverteu e só
uma mulher presidiu a CPB/CNTE: Juçara Dutra Vieira (2002-2008).
230
Há contra exemplos nos quais avançam as mulheres nas diretorias. Mesmo que tenha continuado sendo presidida por
homens, a presença de mulheres nas diretorias da APEP-SINTE (Piauí) cresceu entre as décadas de 1980 e 1990. Entre 1972
e 1988, a quantidade de mulheres na diretoria tinha variado entre 27 e 44%. Nas diretorias seguintes passaram a ser 71%
(1988-1991), 42% (1991-1994), 57% (1994-1998) e 75% (1998-2001) (BONFIM, 2000).
164
explosivas convocadas por entidades sem experiência de luta ou por professores que estavam
à margem das organizações do setor.
As greves de Mato Grosso e de Goiás foram deflagradas por novas diretorias, que
ganharam as eleições das entidades tradicionais em 1979. Em Espírito Santo e no Rio Grande
do Sul foram lideranças tradicionais as que comandaram as greves. No Pará e em Minas
Gerais a mobilização estava associada à criação de novas entidades da categoria (em Minas
Gerais a nova entidade foi criada após a greve). No Rio de Janeiro, a greve foi convocada por
uma associação criada em 1977, que em seu transcurso unificou-se com duas entidades
tradicionais de pouco peso. No Paraná, foi encabeçada pela associação de professores
licenciados, que se unificou com outras duas organizações depois, uma das quais era a
entidade de base da CPB que ganhou em 1979 por uma chapa oposicionista. Em Mato Grosso
do Sul, três associações locais se federaram em 1979 e setores de esquerda avançaram na
principal dessas associações (a da capital), ganhando as eleições e organizando a greve de
1981. No Rio Grande do Sul, a associação de Pelotas, criada em 1929, e a FEMARS da
década de 1960 participaram do comando da greve e depois de se incorporarem ao CPERS.231
Com essas greves, crescem correntes radicalizadas de professores que tinham
começado a militar no professorado pouco antes. A greve de 1978, em São Paulo, foi votada
em uma assembleia de duas mil pessoas e o Comando Geral foi instalado na sede da
APEOESP, mas não contava com o apoio da diretoria da entidade. Um ano depois o setor
emergente ganhou as eleições da APEOESP (PAULA, 2007). O Jornal publicado pelos
professores dissidentes, O Precário, era expressão de um fenômeno novo: os setores da
categoria com piores condições de trabalho, os que nem sequer tinham sido concursados,
lideravam o movimento. Eram quadros, muitos dos quais com origem no movimento
estudantil232, que tinham uma nova estética. Diferentemente dos movimentos da década de
1960, os grevistas apareciam (nos jornais, perante a opinião pública e à própria categoria)
como jovens barbudos vestidos informalmente que inclusive evitavam as fotografias por
medo à repressão (VICENTINI; LUGLI, 2009). Não há muitas referências ao papel dos
funcionários hierárquicos nesse contexto233, mas no final da década, no Congresso da
CPB/CNTE de 1991, um limitado 4,4% dos delegados eram diretores e 7,9% desempenhavam
231
Ver, sobre o caso do Paraná, Borges (2003) e Oliveira, Dalila (2005), sobre o de Mato Grosso do Sul, Ferreira Jr. (1991),
sobre o do Rio Grande do Sul, Abreu e Bulhões (1992), sobre o de São Paulo, Ribeiro (1984) e Paula (2007), sobre o do Rio
de Janeiro, Reses (2008), sobre Minas Gerais, Furtado (1996) e sobre Espírito Santo, Louzada (2007).
232
Podem-se consultar entrevistas transcritas a estas lideranças em Ribeiro (1984).
233
As diretoras de Minas Gerais eram funcionárias de confiança e ficaram em uma situação muito delicada na greve de 1979,
porque a apoiaram, mas o governador as pressionou para indicar os nomes dos faltosos (NOVAES, 1984).
165
atividades técnicoadministrativas (orientação, supervisão, coordenação) (RIBEIRO; JÓIA,
1992). Em outras palavras, a base da categoria já era protagonista da sua própria organização.
Se em São Paulo e ainda mais em Minas Gerais a relação entre as velhas lideranças e
as emergentes foi de enfrentamento, isso não pode ser generalizado. A presidenta da CPB, de
Minas Gerais e representante dos setores contrários à mobilização no estado, renunciou e
desde então ocupou a presidência Hermes Zanetti, líder do professorado do Rio Grande do
Sul, presidente do CPERS eleito em 1975. A diretoria da UPP do Rio de Janeiro estava
composta por professoras primárias aposentadas entusiasmadas com o despertar da categoria e
por isso se unificaram com a entidade que estava à vanguarda do movimento, onde se
organizavam professores jovens formados nas faculdades e universidades (ANDRADE,
2001). Como escrevi, em alguns estados a mobilização foi canalizada (com tensões) pelas
associações tradicionais.234 Louzada (2007, p. 47-48) cita um documento da UPES (Espírito
Santo) de 1979, uma entidade que acompanhou a mobilização docente do período. O
memorial é ilustrativo de como os quadros docentes tradicionais que não eram nem
conservadores nem politicamente radicalizados, vivenciaram o processo sindical:
Nos últimos anos, a UPES buscava nova filosofia de união e consagramento.
A União dos Professores Primários do Espírito Santo passou a ser UNIÃO DOS
PROFESSORES DO ESPÍRITO SANTO, reunindo a todos. E foi criado o Clube do
Professor, em Jacaraípe, além da intensificação de todas as vantagens e melhorias na área de
saúde, higiene e lazer para o Magistério Capixaba.
Mais recentemente, viu-se que a questão do Magistério está intimamente ligada com as
questões de direito. Partiu-se com veemência para as reivindicações diretas, objetivas,
subindo escadarias, buscando soluções, pedindo o resguardo da Justiça... A UPES decidiu-se
ser um órgão técnico para servir ao professor, sem matiz político. O presente “Memorial
reivindicatório” demonstra o nosso ponto-de-vista atual: requerer, pedir, consultar, exigir,
manifestar-se publicamente para que possamos, um dia, nos aproximar da dignificação
completa e sem adjetivos do Magistério Capixaba, da melhoria do ensino, pelas melhores
condições de vida. Este documento muito significa para a UPES, pois marca uma fase
histórica para entidade que é, não somente buscar um ponto da educação, mas abrangê-la
como um todo integrante do complexo sistema social em que vivemos, passageiramente
“… uma fase histórica”… na qual a entidade concebe a educação “… como um todo
integrante do complexo sistema social”. O novo não era a participação de lideranças docentes
em política, mas o fim das entidades de professores como associações que tinham uma visão
estritamente técnica e apolítica da educação. No contexto da grande mobilização da sociedade
brasileira, do protagonismo dos trabalhadores nela, e especificamente dos trabalhadores em
educação, a militância sindical politizou-se aceleradamente.235 Como uma expressão do
234
No Rio Grande do Sul, alguns professores renunciaram à diretoria, desconformes com a mobilização encabeçada pelo
CPERS (ABREU; BULHÕES, 1992).
235
Em uma enquete aplicada a 526 professores de Manaus (Amazonas), Diederichs (1992) realizou uma pergunta curiosa.
Perguntou sobre a relação do “movimento dos professores” com a “transformação social”. 47,34% dos professores
166
mesmo fenômeno, na década de 1980, pela primeira vez as associações docentes participaram
maciçamente de greves gerais.
Os
governos
estaduais,
ainda
controlados
pelos
militares,
responderam
repressivamente. Em São Paulo, houve ameaças de demissão (três professores e uma diretora
foram afastados de suas funções por trinta dias por terem participado da greve) e o governo
deixou de descontar as contribuições sindicais para a APEOESP na folha de pagamento
(PAULA, 2007). No Rio de Janeiro, foi anulado o registro legal do Centro de Professores do
Rio de Janeiro e houve demissões de professores em Brasília e no Pará.236 Em Minas Gerais,
líderes do movimento foram presos e o governo decidiu substituir os professores grevistas por
novos professores (NOVAES, 1984). Em Mato Grosso do Sul, a resposta do governo à greve
de 1981 também foi decidida: apoiou a oposição interna da federação sindical na criação de
uma associação paralela e demitiu diretoras de escola que tinham apoiado a greve
(FERREIRA JR., 1991).
Os quadros que se identificavam com o “novo sindicalismo” enfatizavam a ruptura
com as tradições políticas e sindicais do movimento operário brasileiro e se declararam
inimigos do modelo sindical instaurado no governo Vargas, denunciando que significava a
dependência dos sindicatos ao Estado. Além disso, eram contrários ao imposto sindical e à
unicidade, e denunciavam que se tratava de um sindicalismo de “porta de fábrica”, sem
implantação nos locais de trabalho. Essas posições distinguiam os militantes do PT dos
comunistas, que tinham sido grandes atores no movimento sindical antes do golpe militar de
1964.237 Essa disputa sindical se travava junto com uma disputa política, porque enquanto o
“novo sindicalismo” protagonizou a criação do Partido dos Trabalhadores (PT, 1980), o
Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR8) promoviam uma frente única com o PMDB (o
Movimento Democrático Brasileiro convertido em partido) como tática para forçar o fim do
regime militar.
O projeto de construção de uma central unitária encontrava grandes dificuldades; os
militantes identificados com “novo sindicalismo” criaram a Central Única dos Trabalhadores
(CUT, 1983), enquanto os do PCB, do PCdoB e do MR8 se reuniriam com sindicalistas mais
pragmáticos. Os setores da nova esquerda, os militantes católicos identificados com a teologia
responderam que o movimento “tem contribuído/ tem organizado a categoria”, e 36,12% responderam que “todo movimento
contribui”. Respondendo a outra pergunta (Objetivo da luta sindical: para que o movimento?) 26,61% responderam que era a
“luta contra exploração – visa a superação do sistema capitalista”.
236
No Pará, a repressão desestruturou a jovem entidade e os professores só voltaram a se organizar em 1983, em uma
federação estadual à qual se integraram como subseções antigas as associações locais (PALHANO, 2000).
237
Sobre essa disputa política e sobre a interpretação do passado, ver Santana (1999).
167
da libertação e um segmento de lideranças sindicais conhecidas como “sindicalistas
autênticos” confluíam na CUT com muita presença nas indústrias modernas, junto aos
bancários e ao funcionalismo. A reconstituição do movimento sindical brasileiro encontrava o
professorado participando com protagonismo, notadamente em Minas Gerais e São Paulo;
mas também em Goiás, Pará e outros estados. Talvez possa-se dizer que em muitas regiões
periféricas, onde o movimento operário era fraco, o funcionalismo e, particularmente, os
docentes foram os demiurgos da CUT.
No professorado não havia algo parecido com os sindicalistas autênticos (as lideranças
tradicionais não eram cutistas) e o peso da igreja provavelmente era menor. Foram diferentes
tendências de esquerda, de grupos trotskistas ou com origem em rupturas com o PC na década
de 1960, as que impulsionavam o “novo sindicalismo” no magistério. Em 1983, um grupo de
lideranças do PT criou a “Articulação dos 113”, que desde esse momento dirige o partido e a
CUT (como Articulação Sindical). No professorado, a Articulação se construiu com exquadros do Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP), dentre outros.
Os petistas disputavam, na primeira metade da década de 1980, a direção das
associações docentes com o PC, PCdoB e o MR8; e em algumas entidades, com lideranças
tradicionais. Existia o consenso na utilização de mobilizações e greves como forma de pressão
(embora no PT atuassem alguns dos militantes mais radicalizados) e de exigir o
reconhecimento dos direitos sindicais dos docentes, que continuavam atuando fora do direito
do trabalho. Além disso, existia também na incorporação dos técnicos e dos administrativos
(um processo posterior), na expansão para o interior dos estados e na eleição de representantes
de escola. A assembleia, como mecanismo de tomada de decisões não gerava disputas. A
principal diferença era que os militantes petistas promoviam a filiação das entidades à CUT,
enquanto os que não eram petistas, com uma atitude defensiva, argumentavam que a categoria
devia permanecer unida e que a filiação à central dividia a categoria.
Em 1980, a CPB era uma confederação com relativamente poucos sócios, da qual
estava fora a principal entidade docente do país (o CPP paulista) e um amplo leque de
associações, dentre as quais se destacavam algumas das que tinham sido dinamizadas ou
criadas na recente onda de greves. Perante essa situação, em 1981, os professores petistas
criaram a União Nacional dos Trabalhadores em Educação (UNATE), em um Congresso do
qual participaram 32 entidades. Entre estas, cinco sindicatos de professores do ensino
particular (de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de Goiás, da Amazônia e da Bahia) e outros
cinco de professores universitários. Participaram também algumas entidades que tinham
168
pertencido à CPB (as de São Paulo, Goiás), entidades antigas que sempre estiveram fora da
CPB (como a APLB da Bahia), outras criadas no contexto das mobilizações (como a UTE de
Minas Gerais), associações de inspetores ou orientadores (de Bahia e Pernambuco), e
entidades locais ou regionais de professores. O PC tinha mais força nas delegações do Rio de
Janeiro e da Bahia e era contra a formação de uma organização paralela. Zanetti, o novo
presidente da CPB, promoveu uma reforma democratizadora na confederação (com mais
delegados ao congresso e mais peso das entidades de base na tomada de decisões, fazendo do
Congresso o órgão de condução da CPB). Isso fez com que os integrantes da UNATE
integraram-se ou voltaram à CPB nesse mesmo ano de 1981 (FERREIRA JR., 1998).238 O
novo sindicalismo na docência confluiu, desse modo, com os setores que ocupavam a direção
das organizações que conduziam as mobilizações nos seus estados no marco da CPB. Alguns
dos dirigentes máximos desse setor, como Godofredo Pinto (Rio de Janeiro) e Hermes Zanetti
(Rio Grande do Sul), participavam do opositor Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), e Zanetti, inclusive, foi eleito deputado federal em 1982. Nos anos seguintes, pela
primeira vez, a CPB incorporou demandas políticas a sua pauta de reivindicações e organizou
paralisações nacionais.
A nova condução da CPB se propôs a abrir a Confederação para os setores emergentes
e no Congresso de 1985 duas entidades de base da CPB atuavam em muitos estados. Dentre
eles se destacavam os de Minas Gerais, onde tinha sido criada a União de Trabalhadores em
Educação (UTE), e o da Bahia, onde a mobilização docente estava sendo canalizada pela
Associação de Professores Licenciados (APLB). A APPMG e a UTE declararam, cada uma,
entre 10 mil e 10.100 sócios, mas na Bahia a APLB tinha 10.100 contra 1.600 da tradicional
SUPP.239 Nesse mesmo Congresso, as entidades mais numerosas eram o CPERS (Rio Grande
do Sul, 68.400 sócios), a APEOESP (São Paulo, 42.400) e a APP (Paraná, 22.200). Também
no Ceará, em Alagoas, no Distrito Federal e em Goiás as organizações tinham mais de dez mil
filiados (CARVALHEIRO, 1989).
Nos anos ’70, as entidades docentes de ensino primário tinham se transformado para
acompanhar a expansão do ex-ensino pós-primário. Nos anos ’80, incorporaram orientadores,
supervisores – segmentos que tinham crescido com a reforma de 1971 – e funcionários
238
Inicialmente a reforma era ainda mais radical, com votação direta das funções de presidente e vice-presidente da
confederação, mas esta reforma foi desandada e a eleição do presidente da CPB continuou sendo feito de maneira indireta
(CARVALHEIRO, 1989).
239
Em qualquer caso, uma quantidade minoritária de professores estava filiada já que havia mais de 150.000 professores no
estado da Bahia. Havia também duas entidades de base na Amazônia (a Sociedade Amazonense de Professores e a
Associação dos Professores Públicos da Amazônia), no Piauí (CERMAP e APEP), e em Pernambuco (APENOPE e CPP)
(CARVALHEIRO, 1989).
169
técnicos e administrativos sem formação superior. Este último processo teve algumas
limitações: a integração com os técnicos e administrativos foi desigual e em alguns estados as
entidades se mantiveram separadas.240 Também foi desigual a integração com as entidades de
professores das redes municipais, que existiam em muitas das principais cidades. A
organização conjunta com os sindicatos das redes particulares (que esteve colocada,
fundamentalmente em começos da década) não avançou, provavelmente mais pelas diferenças
de regulamentação legal de ambos os segmentos do que por diferenças políticas.241 Outra
entidade nacional que se organizou por fora da CPB foi o atual Sindicato Nacional dos
Servidores Federais da Educação Básica e Profissional (SINASEFE), que representa os
professores da rede federal de ensino básico.
Algumas entidades tradicionais também ficaram por fora do grupo de entidades
organizadas na CPB/CNTE. Isso não foi contraditório com as aproximações entre o CPP e
APEOESP em São Paulo, entre a APPMG e a UTE em Minas Gerais e entre o CERMAP e a
APEP no Piauí. O CPP continuou sendo uma importante entidade e seu presidente foi
Secretário de Educação de São Paulo entre 1993 e 1996 (VICENTINI, 1997).242 A
sobrevivência dessas entidades é explicada por Lugli (2002, p. 210), por elas representarem
“... um espaço de afirmação e reconhecimento de valores tradicionais com relação ao
ensino”. Talvez seja uma explicação insuficiente; também parecem ser “sobrevivências” de
um estágio anterior da organização da categoria que conseguiram se autoreproduzir a partir de
encontrar um espaço de atuação, prestando serviços, no novo contexto. Tem uma pauta de
reivindicações que, às vezes, traduz-se em ações reivindicativas. De qualquer modo, no
contexto brasileiro, a permanência das mesmas lideranças por anos nessas associações
tradicionais (UPPE do Rio de Janeiro, CPP de São Paulo) é um indicador de que tem pouca
240
O primeiro sindicato exclusivo de funcionários foi criado em 1982 no Distrito Federal. Depois foi criada uma associação
deste tipo em São Paulo e outra no Paraná. A do Paraná se unificou com os professores na segunda metade da década de
1990; as outras duas (SAE e AFUSE) se mantiveram como entidades de funcionários e integraram separadamente a CNTE.
Sobre este segmento de trabalhadores em educação, ver Nascimento (2006).
241
A exceção é o sindicato de base do Distrito Federal (Brasília) que organizava os professores das redes pública e particular
e estava filiado à CNTE. Em 2005, esse sindicato se dividiu em duas organizações, uma que atua na rede pública e outra na
rede privada.
242
O CPP convocou greves e mobilizações, mas as suas características internas se modificaram muito pouco. A quantidade
de filiados continuou crescendo e ultrapassou os 100.000. Continuou sendo marcado por uma vida interna pouco agitada,
presidido sempre por Sólon Borges dos Reis, e voltado à prestação de serviços e às atividades recreativas. A participação da
base continuou sendo baixa e, em 1992, o estatuto estabeleceu que 30% das vagas de uma das áreas do conselho superior da
entidade fossem preenchidas por professores de primeira a quarta série. Sintetiza Lugli que o CPP é “… uma associação que
congrega predominantemente professores primários [das primeiras quatro séries, JG] e aposentados, liderada por docentes
oriundos das antigas Escolas Normais, que fizeram carreira na administração do ensino primário” (LUGLI, 1997, p. 159).
170
vida política interna e não constituem um espaço de atuação do ativismo sindical. Estão
documentados casos de dupla afiliação e provavelmente coexistam sem grandes disputas.243
As mobilizações continuaram. Keck (1988), citando dados do DIEESE relativos às
greves de 1984, apresenta um cenário ilustrativo da gravitação dos professores nos conflitos
trabalhistas do período. As quatro categorias com maior presença nas estatísticas foram
metalúrgicos, professores, trabalhadores volantes rurais e funcionários públicos. As greves de
professores eram em média as mais extensas (sete dias, contra seis dos funcionários públicos e
três das outras duas categorias) e as que envolveram mais trabalhadores (492.000, contra
479.000 trabalhadores volantes, 227.000 funcionários públicos e 234.000 metalúrgicos). Uma
nova onda de greves, maior que a de 1979-1981, desencadeou-se a partir de 1986. Os
militares tinham saído do governo, as fundações de direito privado criadas pelos governos que
tinham participação na administração do ensino eram extintas, os planos de carreira eram
sancionados, o país se encaminhava à promulgação de uma nova Constituição Federal (que
significou um grande avanço em termos de direitos sociais e trabalhistas), o plano econômico
para conter a inflação fracassou, e em 1989 se realizariam as primeiras eleições diretas para
presidente desde 1961. Nesse contexto, não houve praticamente repressão a esta nova onda de
greves.244
Nesse período, as organizações e a tradição sindical docente se reestruturam em uma
profundidade maior do que no México e na Argentina, como parte do processo de renovação
sindical encabeçado pelo “novo sindicalismo”.245 A nova tradição sindical foi mais classista e
mais democrática do que nesses últimos países, em parte pelas determinações institucionais,
mas basicamente porque no contexto político e sindical da década fortaleceram-se muito o
classismo e as demandas democratizadoras no movimento sindical.
As associações implantaram-se na base da categoria, o que se expressou na realização
mais periódica de assembleias (associadas aos contínuos planos de luta), na eleição de
representantes de escola e no crescimento dos índices de participação eleitoral.246 Os seus
243
Em 1997, segundo a presidenta da associação tradicional dos professores primários de Piauí (CERMAP), 85% dos cinco
mil sócios eram ao mesmo tempo sócios do SINTE (o sindicato de base da CNTE no estado), que por sua vez triplicava a
quantidade de filiados do CERMAP (BONFIM, 2000). Cruz (2008) também documentou casos de dupla afiliação à
APEOESP e ao CPP em São Paulo. Na capital de Minas Gerais, em 1995, 55% dos professores estavam sindicalizados.
Destes, 79,7% eram filiados ao Sind-UTE (entidade de base da CNTE), 8,1% à APPMG (a associação tradicional), 5,8%, ao
Sindicato da rede particular; e 3,5% a dois sindicatos de funcionários públicos (ROCHA, 2009). Nesse caso não está
discriminada a dupla filiação.
244
Este não foi o caso dos professores da cidade de São Paulo, onde depois da greve de 1987 muitos foram demitidos. Eles se
reincorporaram na gestão municipal do PT dois anos depois (SADI, 2001).
245
O grande impacto das demandas do sindicalismo que emergia no setor privado nas associações docente, ainda que os
contextos nos quais ambos operavam eram muito diferentes, tem sido também notado por Ferraz e Gouveia (2011)
246
Nas eleições da APEOESP de 1979 se apresentaram quatro chapas, e a identificada com a Comissão Pró-Entidade Única
(o setor emergente) obteve uma ampla vitória, porém com uma pequena quantidade absoluta de votos. Participaram nas
171
militantes adotaram o discurso classista da esquerda brasileira e passaram a se chamar de
“trabalhadores em educação”, exigiram direitos sindicais para os professores do setor público
e a institucionalização de “datas base” unificadas (que legalmente só existem no setor
privado247) e assumiram as demandas democratizadoras que atravessavam a sociedade
brasileira (particularmente a democratização da gestão escolar e a eleição dos diretores de
escola)248, e incorporaram o discurso pedagógico de Paulo Freire.249 Todos esses elementos
não tinham aparecido na radicalização de começos da década de 1960 e, de fato, os
pesquisadores destacaram que uma grande transformação estava acontecendo na categoria
(ARROYO, 1980; RIBEIRO, 1984).
A implantação na base da categoria pode se considerar uma necessidade colocada pelo
novo papel que assumiam as organizações, porque elas passavam a se enfrentar e disputar
com os governos e precisavam de uma maior articulação com o conjunto da base,
tradicionalmente pouco concentrada, da categoria. A eleição de representantes de escola no
contexto do surgimento do “novo sindicalismo” e do seu discurso (que enfatizava a
necessidade de superar o sindicalismo de “porta de fábrica”) adquiriu muito destaque. Mas a
implantação na base da categoria também significava avançar no interior dos estados, onde a
maioria das organizações docentes tinha uma presença muito limitada. Essa situação
estimulou pelo menos duas experiências federativas, a de Mato Grosso do Sul (onde ainda
atua uma federação) e a do Pará (que se transformou em sindicato único no final da década de
1980). Mas, de qualquer modo, foram exceções. Os avanços foram basicamente via fusões e
via abertura de sedes ou núcleos das organizações estaduais. Algumas das fusões, mesmo se
não fossem formalmente de associações municipais, representavam a união de entidades que
tinham a sua base de atuação em diferentes regiões dos estados.250
Os exemplos de promoção de representantes de escola e de expansão para o interior
dos estados são muitos. A APEOESP criou a figura de “representante de escola” no final de
1982 (PAULA, 2007). Em 1991, o CPERS (Rio Grande do Sul) tinha 79.000 sócios em 42
núcleos, e cada um desses núcleos contava com um conselho de representantes de escola
eleições pouco mais de 5.691 professores de um total de mais de 40.000 sócios. A chapa que ganhou obteve 4.171 votos. Nas
eleições seguintes participaram 3.950 (1981), 19.210 (1983), 27.000 (1985) e 21.000 (1989) sócios. Só a partir de 1985 a
vitória da Articulação Sindical foi clara (PAULA, 2007). No Rio Grande do Sul, em um contexto de expansão da associação,
cresceu ainda mais a participação nos processos eleitorais. Ela passou de 14% do total de filiados em 1975 para 21% em 1978
e 37% em 1981. Nas eleições de 1984, 1987 e 1990 participaram o 52, 63% e 60% dos sócios respectivamente (ABREU;
BULHÕES, 1992).
247
Os acordos coletivos de trabalho tem duração anual, a data anual na qual se negocia um novo acordo é a “data base”.
248
Freitas (1996) analisou o papel do sindicato docente na democratização da gestão escolar no Distrito Federal. Sobre o caso
do Ceará, ver Almeida (2010).
249
Ver, sobre este ponto, Vale (2002).
250
No Paraná, a Associação de Professores Licenciados, com sede em Londrina, tinha peso no norte do estado. Unificou-se
com a organização de base da CPB, com peso na capital do estado (BORGES, 2003).
172
(ABREU; BULHÕES, 1992). Na Bahia, em 1991, existiam 10 zonais na capital e 35 no
interior, cujos representantes participavam do Conselho Geral de Representantes da APLB
(BORGES, 1997). No Pará, um estado particularmente extenso e de geografia acidentada, na
década de 1990 a entidade de base da CNTE tinha 104 sub-sedes (PALHANO, 2000).
Também em Amazonas a organização que encabeçava as mobilizações estendeu-se ao interior
e promoveu a eleição de representantes de escola (DIEDERICHS, 1992).
A quantidade de filiados às principais entidades mais do que se duplicou na década de
1980. Entre 1979 e 1991, a quantidade de sócios da APEOESP e do CPERS aumentou de
32.000 trabalhadores para 80.000 e 76.000 respectivamente.251 Nas entidades menores o
crescimento foi maior, porque muitas tinham uma atividade muito limitada e tinham passado
a ser o espaço de militância de uma grande camada de novos ativistas. A APRN do Rio
Grande do Norte deixou de ter 600 sócios em 1979 para ter 9.100 em 1989 (SANTOS, 2008).
A associação de professores licenciados de Santa Catarina tinha 800 sócios quando deflagrou
a greve de 1980 (NASCIMENTO, 2007), e cinco anos depois declarou ter 4.200
(CARVALHEIRO, 1989). A associação criada em Amazonas em 1979 conseguiu filiar
aproximadamente a metade dos professores da capital do estado no final da década de 1980
(DIEDERICHS, 1992). A expansão das entidades de base refletiu-se na CPB/CNTE, como
pode-se ver no seguinte quadro:
Tabela 2. Filiados à CPB/CNTE (1978-2002)
Ano
Entidades filiadas
Total de filiados Média de filiados por
entidade
1978
23
75.783
3.295
1985
31
294.656
9.505
1991
S/D
572.400
S/D
2002
30
790.000
26.330
2011
41
1.001.925
24.437
Fontes: 1978, Ferreira Jr. (1998); 1989, Carvalheiro (1989); 1991, 2002 e 2011, Congressos
da CNTE.
251
Website da APEOESP (www.apeoesp.org.br). Acesso em: 15 fevereiro 2006) e Pacheco (1993).
173
Cabe insistir que, diferentemente do que acontece no setor privado, este processo se
desenvolve no marco de um sindicalismo relativamente livre, com pouca intervenção estatal.
O crescimento da filiação, a unificação das entidades e as instâncias reais de negociação com
os governos foram fruto da própria atividade da categoria. Por outro lado, o ambiente político
da saída da ditadura estimulava uma menor, e não uma maior, intervenção estatal.
Uma nova constituição federal foi promulgada em 1988. As organizações docentes,
junto a outros sindicatos, associações e movimentos sócios, se organizaram em um fórum
para participar dos debates (depois seria o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública).
Satisfazendo demandas do movimento docente, a nova constituição permitiu a greve e a
sindicalização dos funcionários públicos, mas ao mesmo tempo acabou com a atribuição
estatal de reconhecer os sindicatos. Também estabeleceu a criação de um plano de carreira
para o magistério público com piso salarial profissional (art. 206), e que sempre na mesma
data seriam revisadas as remunerações dos servidores públicos (Art. 37, inc. X). Essa revisão
anual não fez referência a nenhuma negociação, diferentemente do setor privado, onde essa
revisão anual se deu no marco de uma negociação regulada por uma legislação que
estabeleceu quais seriam as atribuições do Estado nesse processo mediante a Justiça de
Trabalho.
Com as exceções de São Paulo – onde as associações dos professores, diretores,
técnicos e administrativos não se fusionaram – e Rio de Janeiro – onde o SEPE não obteve a
carta sindical252 – na maioria dos estados organizaram-se nesses anos congressos onde
professores, diretores, supervisores, orientadores, técnicos e administrativos passaram a se
organizar em sindicatos reconhecidos por lei. Em 1989, a CPB se converteu na Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e um ano depois unificou-se com a
Federação Nacional de Orientadores Educacionais, com a Federação Nacional de
Supervisores Educacionais e com a Coordenação Nacional de Servidores do Ensino Público.
252
Em São Paulo, a UDEMO (diretores da rede pública) cresceu de 121 para mais de 3.000 sócios entre 1982 e 1985. Era
contra a eleição de diretores. (Histórico da UDEMO: 1952 – 2002, em www.udemo.org.br, acesso em 10 outubro 2010)
UDEMO obteve a carta sindical em 1990 para representar os Especialistas de Educação (diretores, orientadores educacionais,
supervisores, etc.). Na rede pública paulista desde então atuam a UDEMO, APAMPESP (dos aposentados), AFUSE
(funcionários), APASE (supervisores, criada em 1981), APEOESP e CPP. APEOESP, APASE, AFUSE e UDEMO tem carta
sindical. AFUSE e APEOESP participam da CNTE.
No Rio de Janeiro o SEPE, que era a entidade de base da CNTE e que protagonizou as mobilizações dos anos ‘80, não tem
reconhecimento legal como sindicato. Legalmente, atuam no estado um sindicato de professores (a antiga associação
tradicional do estado da Guanabara) e um de funcionários, nenhum dos quais é filiado à CNTE. Sistema de Informações
Sindicais do Ministério de Trabalho (http://sis.dieese.org.br/)
Sobre a trajetória sindical dos funcionários técnicos e administrativos do sistema educacional, ver Nascimento (2006).
174
A transformação das organizações de trabalhadores em educação em sindicatos
legalmente reconhecidos não teve grandes consequências para as práticas sindicais docentes.
É verdade que pode ter peso quando se trata de disputas travadas na justiça, mas em áreas tão
sensíveis como o direito de greve, a negociação coletiva ou as finanças sindicais não houve
modificações substanciais. O direito de greve não foi regulamentado e praticamente não
houve avanços na negociação coletiva. Em termos das finanças sindicais, muitas organizações
já contavam com o desconto automático das quotas sindicais e, em geral, decidiram não
receber o imposto sindical por considerá-lo um desconto coercitivo que gerava dependência
financeira em relação ao Estado.253
Em termos políticosindicais, a tendência de médio prazo é clara e o sindicalismo
docente se consolida como um sindicalismo identificado com a CUT e (majoritariamente)
com o PT.254 Após a APEOESP (São Paulo) e a UTE (Minas Gerais), que eram entidades
fundadores, filiaram-se à CUT as organizações de Santa Catarina (1985), Rio de Janeiro
(1986), Mato Grosso, Espírito Santo, Rio Grande do Norte (1987), Maranhão (1988) e Mato
Grosso do Sul (1989). Os importantes sindicatos do Paraná e Rio Grande do Sul só se
filiariam à CUT em 1995 e 1996.255 Em escala nacional, os cutistas conseguiram que em 1987
a CPB se filiasse à CUT e dois anos depois foi eleito o primeiro presidente petista da
confederação docente: Roberto Felício, da APEOESP.
No Congresso da CNTE de 1991, 58,2 % dos delegados manifestaram aderir ao PT e o
partido que seguia nas preferências era o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), com a adesão
de 8% dos delegados (RIBEIRO; JOIA, 1992). Um ano antes o PCdoB tinha orientado o seu
trabalho sindical dentro da CUT e na década de 1990 se consolidou como a segunda força,
depois de Articulação Sindical, na Central. O espaço sindical opositor à CUT ao longo da
década de 1990 foi Força Sindical, próxima ao governo federal, sem presença no
professorado.
253
As quotas sindicais eram descontadas automaticamente aos sócios das entidades paulistas desde muito antes do golpe de
1964. O mesmo acontecia na década de 1980, ainda sem estar reconhecidas como sindicatos, com a APPAM (Amazonas) e
FEPROSUL (Mato Grosso do Sul) (DIEDERICHS, 1992). No caso da FEPROSUL, também as licenças sindicais eram
negociadas com o governo antes do reconhecimento como sindicato. Sobre FEPROSUL, Amarílio Ferreira Jr., comunicação
pessoal.
Existe pelo menos um sindicato que recolhe o imposto sindical, o de Goiás, mas se trata de uma exceção. Sobre esse caso, ver
Rodrigues (2006).
254
Não se trata de um processo sem contradições. Em Espírito Santo, as agrupações que encabeçaram as mobilizações da
década anterior perderam a direção do sindicato em 1988 frente a uma chapa que não se identificava com o PT (LOUZADA,
2007). Após da greve de 1987, que acabou com demissões, uma direção não petista ganhou as eleições da associação de
professores da cidade de São Paulo (SADI, 2001). A Associação Profissional dos Professores de Amazonas (APPAM), criada
em 1979, tinha uma condução majoritariamente petista ratificada nas eleições de 1981, mas em 1983 ganhou uma chapa que
defendia o apoliticismo (DIEDERICHS, 1992).
255
Elaboração própria baseada em Silveira (2002), Toaldo (2003), Louzada (2007), Nascimento (2007), Santos (2008) e no
website do CPERS (www.cpers.com.br). Acesso em: 15 março 2006.
175
A participação das lideranças sindicais no PT e o acesso, por meio do partido, a
funções legislativas e executivas é radicalmente diferente da participação que tinham no
sistema político as lideranças docentes tradicionais das décadas de 1950 e 1960. A relação das
lideranças tradicionais com os partidos que as promoviam era bastante pragmática. As chapas
que lideravam os sindicatos não tinham identidade política e, embora possa se dizer que havia
partidos mais à esquerda e mais à direita, não eram partidos de massas. O PT, diferentemente,
constituiu-se como um partido de massas, reconhecido e identificado com uma liderança, com
quadros e com organização estável. Uma das principais fontes de quadros foi, justamente, o
movimento sindical, onde as chapas passaram a se organizar com critérios claramente
políticos: Articulação Sindical (direção do PT), Corrente Sindical Classista (PCdoB),
Movimento dos Trabalhadores Socialistas (constituída pelos militantes do PSTU, expulsos do
PT) e as restantes correntes sindicais definem uma política de alianças e, eventualmente, a
partir desse trabalho sindical surgiram futuros candidatos (do PT, do PCdoB ou do PSTU)
para cumprir funções de eleição popular (vereadores, deputados, etc).
4.4.2 Sindicatos docentes e neoliberalismo (1994-2002)
Em 1989, o PT perdeu a eleição presidencial e abriu-se um contexto político e
ideológico difícil para o sindicalismo docente, particularmente nos dois mandatos do
presidente Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2003. Ainda em 1993 realizaram-se
importantes greves em Minas Gerais, São Paulo e em outros estados. Mas os que as
estudaram as colocaram já em um período de “crise” da mobilização.256 Os avanços nos
direitos sindicais dos professores congelaram. Sem lei que regulamentasse a greve no setor
público, a justiça manteve um comportamento fundado na jurisprudência e quando declarou
as greves ilegais, impôs multas aos sindicatos.257 Em geral, as multas não se executam, mas
constituem uma forte pressão sobre as organizações na hora de negociação. A Constituição
também tinha estabelecido um Piso Salarial Nacional para os professores e, mesmo em um
contexto de desmobilização, a CNTE conseguiu assinar o "Pacto pela valorização do
magistério e qualidade da educação" que estabeleceu o valor do Piso Salarial Profissional
Nacional em 1994. Mas o pacto não foi cumprido e uma emenda constitucional em 1998
introduziu uma sutil diferença na redação do inciso V do art. 206 da Constituição Federal, que
256
Cfr. Furtado (1996) sobre o caso de Minas Gerais, Vianna (1996) sobre o de São Paulo e Silveira (2002) sobre o do Rio de
Janeiro.
257
O Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2007, definiu que o direito de greve dos servidores, até que fosse
regulamentado, tem as mesmas regras que vigoram no setor privado.
176
ficou no plural (seriam criados “planos de carreira” com piso salarial). De fato, as tentativas
da CNTE em nacionalizar as discussões trabalhistas não puderam avançar.
Além do retrocesso na nacionalização da discussão das relações de trabalho, as
entidades tiveram de fazer frente a políticas municipalizadoras das redes estaduais. Isso teve,
em termos gerais, uma relevância menor do que as políticas descentralizadoras na Argentina e
no México porque foi realizada de uma maneira progressiva, por meio de uma mudança no
mecanismo de financiamento, e porque, pela própria experiência do movimento sindical na
década anterior, não existia um discurso tão fortemente anti-descentralizador como nos outros
países. Na década de 1980, as exigências por uma maior descentralização foram demandas
dos movimentos sociais e tiveram, pelo menos parcialmente, um conteúdo democrático.
Os retrocessos não se limitavam ao âmbito trabalhista; o mesmo acontecia no debate
educacional. O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, junto a outros movimentos
referenciados na oposição de esquerda ao governo federal, organizaram os Congressos
Nacionais de Educação a partir de 1996. Esses e outros espaços foram importantes para a
formação política dos quadros sindicais, mas em termos políticos e trabalhistas os avanços
foram poucos e as leis de educação (1996) e financiamento (1998) foram sancionadas com a
oposição do Fórum e da CNTE.
O declínio da mobilização da categoria e o contexto político adverso não significaram
um enfraquecimento organizacional e as entidades continuaram crescendo, tanto em termos
de quantidade de sócios como de consolidação no interior dos estados.258 No contexto do
retrocesso ou o estancamento na quantidade de sócios de outras categorias, a presença dos
sindicatos de trabalhadores em educação ganhou importante destaque. No Congresso da CUT
de 1994, de 25 delegações, a dos trabalhadores em educação foi mais numerosa: representou
23,9% dos delegados, seguida pelos trabalhadores do setor financeirobancário, com 13%
(NOGUEIRA, 1999). Três asnos depois, dos dez maiores sindicatos filiados à CUT, seis eram
organizações de base da CNTE e o maior sindicato cutista era a APEOESP (DA SILVA,
2001). Roberto Felício, da APEOESP, foi eleito presidente da CUT no ano de 2000.
O crescimento da afiliação baseou-se, em boa medida, na consolidação das
organizações que aproveitaram os quadros incorporados ao movimento na década de 1980 e
melhoraram a sua estrutura de prestação de serviços aos sócios (estrutura concentrada em
258
APEOESP, por exemplo, passou de 64 sub-sedes e de 80.000 sócios em 1991 para 92 sub-sedes e 135.000 filiados em
2002 (REIS, 2006).
177
convênios médicos e assistência jurídica).259 Esse crescimento organizacional foi colocado em
questão pela municipalização, porque muitas entidades só atuavam na rede estadual. Além do
mais, as que filiavam nas redes municipais eventualmente concorriam com os sindicatos de
funcionários públicos que também representavam professores ou com as entidades locais de
trabalhadores em educação. O CPERS (Rio Grande do Sul), por exemplo, cresceu muito
pouco, parcialmente devido ao fato de não atuar nas redes municipais. Por outro lado, a
municipalização potencializou os sindicatos de base municipal que não integravam a CNTE.
Entre esses, o da cidade de São Paulo é o mais importante. Em dez anos, de 1989 a 1999, o
SINPEEM aumentou, aproximadamente, dez vezes a sua quantidade de sócios (passou de
3.600 para 34.000 sócios) (SADI, 2001). A partir de 2002, a CNTE passou a promover a
incorporação de sindicatos de trabalhadores em educação de base municipal e no congresso de
2011 treze sindicatos de base municipal tinham se incorporado à confederação.260 Esta
incorporação contribui para explicar o crescimento da afiliação após 2002 (de 790.000 para
mais de 1.000.000) e a queda na média de sócios por entidade (de 26 mil para 24 mil).
As práticas sindicais institucionalizaram-se, mas a tradição democrática forjada nos
anos ‘80 foi muito forte e ainda está vigente: as medidas de luta são resolvidas em
assembleias únicas (sem os mecanismos indiretos de tomada de decisões visíveis no México
e, em um grau menor, na Argentina)261 das quais participam eventualmente milhares de
professores. Com ocasião dos congressos, as diferentes correntes apresentam “teses”
(documentos políticosindicais) difundidas em toda a categoria. É comum a representação
proporcional das diferentes chapas nas diretorias e algumas organizações como as do Distrito
Federal e a do Rio de Janeiro inclusive tinham direções colegiadas (não tinham presidente).
A identificação com o PT, e muito mais com a CUT, se estreitou. Assim, os sindicatos
passaram a ser espaços vinculados ao arco de organizações lideradas ou influenciadas pelo
PT, em que as diferentes correntes internas do partido e as agrupações sindicais de outros
259
O sindicato da cidade de São Paulo, além dos convênios médicos e da assessoria jurídica, criou uma cooperativa de
vivenda (SADI, 2001). As atividades recreativas também podem ter certo peso no leque dos serviços oferecidos pelos
sindicatos.
Em 2001, a receita do sindicato de Goiás dependia fundamentalmente das quotas sindicais dos seus sócios. O imposto
sindical aportava 31%, e os serviços pagos oferecidos pelo sindicato 19% da mesma receita (RODRIGUES, 2006).
260
A trajetória das entidades das redes municipais parece ser paralela a das entidades estaduais. A Associação dos
Professores Municipais de Porto Alegre, capital de Rio Grande do Sul, fundada em 1964, transformou-se em 1992 em
Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre. A Associação dos Professores Municipais de
Curitiba, capital de Paraná, foi criada em 1971 e funcionou até 1973. Em 1979, foi constituída uma nova entidade, a
Associação do Magistério Municipal de Curitiba, que em 1988 se converteu em Sindicato. Em 1985, foi criada a Associação
Profissional dos Educadores do Município de Aracaju, a capital de Sergipe. A Associação transformou-se em Sindicato em
1990 e filiou-se à CUT (fonte: websites institucionais. Acesso em: 10 outubro 2010). O mesmo vale para o sindicato da rede
municipal de São Paulo. Sobre este último caso, ver Sadi (2001) e Matos (2010).
261
Esta é uma característica comum no sindicalismo brasileiro, que contrasta com os seus congêneres da Argentina e do
México.
178
grupos (particularmente de esquerda) mediam forças e atuavam finalmente em frentes únicas
contra o governo federal e os governos estaduais.262 O discurso sindical, sempre com um forte
tom classista e destacando a importância da organização autônoma da classe trabalhadora,
perdeu radicalismo, fundamentalmente no caso de Articulação Sindical. A perda de
radicalismo está associada à desmobilização, à institucionalização e à experiência concreta
das dificuldades de consolidar avanços sindicais com medidas radicalizadas frente a governos
de direita e/ou anti-sindicais.
A situação descrita deu cobertura legal e política a governos estaduais que levaram
adiante a agenda de reformas educacionais sem negociá-la com os sindicatos, como nos casos
do Paraná (PITON, 2004) e de Minas Gerais (OLIVEIRA, Dalila, 2005). Quando o PT
chegou aos governos municipais ou estaduais a situação foi, como se poderia esperar,
conflituosa. As expectativas da categoria eram muitas, os sindicatos concentravam militantes
governistas e os seus críticos de esquerda (dentro ou fora do PT), e os mecanismos de controle
interno eram e são relativamente fracos.263
No final da década de 1990, o desgaste da hegemonia das políticas neoliberais e o
ressurgimento da inflação, ainda que com taxas moderadas, promoveu a organização de novas
greves.264 Elas não reeditaram o ativismo dos anos ‘80 e foram conduzidas pelas entidades já
consolidadas do período anterior. Essa situação parece se manter no novo milênio (GINDIN;
FONTOURA; GENTILI, 2009). O movimento docente em linhas gerais acompanhou, desse
modo, o que aconteceu com o conjunto do movimento sindical: depois do auge (1985-1992) e
do declínio (1993-1997) do ciclo de greves iniciado em 1978, produz-se o que Noronha
(2009) chama de normalização das greves.
4.4.3 As práticas sindicais docentes e o governo do Partido dos Trabalhadores265
A chegada do PT ao governo federal, em 2002, foi ratificada nas eleições de 2006 e
2010. Essa aparente hegemonia não foi contraditória com o fato de que o PT governou neste
período poucos estados e cidades e teve dificuldades para lograr a maioria no Congresso.
262
Entre as organizações nacionais que não integravam o PT se encontravam os partidos comunistas (PCB e PCdoB) e o
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU). Todos participavam da CUT e inclusive a corrente sindical do
PCdoB sustentou muitas posições com Articulação, contra as correntes mais radicalizadas.
O grupo de lideranças tradicionais do CPERS, que tinha integrado em começos da década de 1980 dirigentes da esquerda não
petista, acabou no final da década militando no Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB, partido com origem no
PMDB, na direita do espectro político) (ABREU; BULHÕES, 1992). Nunca voltaram a liderar a entidade.
263
Sobre os governos petistas e a sua relação com os sindicatos de trabalhadores em educação ver Gindin (2003b), sobre o
caso do Rio Grande do Sul, Resende (2004), sobre o Distrito Federal e Louzada (2007) sobre Espírito Santo.
264
Sobre os conflitos docentes nesta etapa, ver Oliveira, Dalila (2005) sobre os casos de Paraná e Minas Gerais; e Silveira
(2002) sobre Rio de Janeiro.
265
Esta parte baseia-se em um estudo já publicado sobre a relação entre o sindicalismo docente e o governo do PT; ver
Gindin, Fontoura e Gentili (2009).
179
Essas debilidades estimularam a formação de um governo de coalizão com partidos sem
definições ideológicas, o que por sua vez potenciou ainda mais o forte continuísmo do
governo federal.
Nos estados e cidades, embora experiências de negociação coletiva com o setor
público tenham sido levadas adiante, particularmente em algumas gestões do PT, elas não se
generalizaram (CARDOSO; GINDIN, 2009). Pode-se dizer que o cenário legal no qual atuam
os sindicatos docentes continua sendo pouco formalizado. A principal mudança foi o nível
inédito de interlocução entre a confederação nacional e o governo federal, a partir da
identidade política entre ambos os atores.
A CNTE se concentrou em pressionar o governo desde dentro, a partir da participação
das suas lideranças no PT, para nacionalizar as discussões educacionais e particularmente os
debates sobre as condições de trabalho. Essa política de apoio crítico esteve fortemente
articulada com alguns deputados federais do PT (dentre eles o ex-presidente da CNTE, Carlos
Augusto Abicalil) e uma parte do novo gabinete ministerial.
Duas situações dificultavam a ação da direção da CNTE. Em primeiro lugar, a relativa
desmobilização da categoria. Em segundo lugar, e talvez mais importante, a inexistência de
uma tradição de pressionar o governo federal, como a que existe no México ou mesmo na
Argentina. Ambos os fatores prejudicaram a CNTE e estimularam a sua ação institucional,
como um ator reconhecido pelo governo federal que pela primeira vez tem, com continuidade,
capacidade de incidência nas políticas educacionais e trabalhistas federais.
A nacionalização foi paulatina, pelo citado caráter dos governos do PT e pela
institucionalidade educacional. As resoluções do Conselho Nacional de Educação, por
exemplo, não são resolutivas. Trata-se de um processo em andamento que tem basicamente
duas alavancas: uma nova lei de financiamento educacional (o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica, 2007) e a Conferência Nacional de Educação
(CONAE, 2010).
A agenda de discussão foi, desde o ponto de vista da CNTE, melhorando
progressivamente. De fato, a primeira medida do governo federal de impacto direto sobre o
funcionalismo tinha sido uma reforma previdenciária rejeitada pela CNTE, e significou um
divisor de águas tanto para próprios como para estranhos dentro do sindicalismo docente. A
discussão da lei de financiamento do ensino básico reinstalou a questão do Piso Salarial
Nacional e as dificuldades que enfrentou foram expressivas dos avanços e dos limites da
política da CNTE.
180
Com passeatas e medidas de força, mas basicamente a partir da relação com um
governo federal com responsabilidades no financiamento que tem um papel marginal na
administração do sistema de ensino básico, a CNTE conseguiu avançar sobre o cenário
heterogêneo e fragmentado de relações de trabalho nos estados e municípios. A CNTE
pressionou e, embora mantivesse críticas (uma delas, que o piso se limitasse aos professores e
não incluísse todos os trabalhadores em educação), valorizou como uma conquista a lei
11.738/08 que regulamentou o piso salarial. A lei, além de estabelecer o valor do piso,
diminuiu o número de horas de trabalho em sala de aula e aumentou o tempo para atividades
extraclasse. Mas um grupo de governadores interpôs com uma ação judicial, qualificando a lei
de inconstitucional. Essa interposição teve certo sucesso e, sendo assim, a lei ao
estabelecimento de um piso salarial foi limitada.
O magistério tinha-se consolidado desde antes do governo Lula como espaço de
militância do PSTU, do PCdoB e das diferentes correntes internas do PT. Com efeito, ao olhar
a composição das chapas que concorrem às eleições nas entidades de base da CNTE se
evidencia que é a esquerda política brasileira a que disputa a direção sindical dos
trabalhadores em educação. Provavelmente, possa-se falar de um processo de médio prazo no
qual setores tradicionais que acompanharam as mobilizações da década de 1980 perdem
presença, paralelamente à institucionalização e à perda de radicalismo de Articulação
Sindical.
Com a chegada ao governo federal do PT houve uma profunda recomposição
políticosindical do ativismo docente, que decorre basicamente do acirramento das diferenças
políticosindicais dentro do arco de correntes que participavam da CUT. Até o governo Lula,
toda a esquerda sindical se mantinha dentro da CUT e a maioria dos grupos políticosindicais
que atuava na CNTE integrava o PT. No novo contexto político, algumas dessas correntes
saíram do PT e passaram a promover outros agrupamentos sindicais, como a CONLUTAS e a
Intersindical. Por outro lado, a CSC, que era a segunda força na CUT e cuja referência política
(o PCdoB) era aliada ao governo do PT, decidiu criar uma nova central sindical, a CTB.
Ainda que com algumas críticas políticas, o definitivo para essa ruptura foi a possibilidade de
dirigir uma central sindical (e ter, consequentemente, acesso a recursos) no contexto da
regulamentação das centrais sindicais impulsionada pelo governo federal.
A dinâmica situação políticosindical não esteve associada a um crescimento dos
conflitos trabalhistas. No governo Lula, até 2007, o número total de greves e de grevistas se
manteve estável, enquanto o número de jornadas paradas cresceu em relação ao período
181
imediatamente anterior. Isso devido à maior duração das greves, particularmente no setor
público, que pela primeira vez realizou mais greves que o setor privado (NORONHA, 2009).
Segundo dados do Departamento Inter-sindical de Estudos e Estatísticas Sócio - Econômicas
(DIEESE, 2006), em 2005, por exemplo, 75,5% das horas paradas e 56,1% dos grevistas
corresponderam ao funcionalismo público (nesse último caso tomando como universo 159 das
299 greves registradas). Das 138 greves que o funcionalismo público levou adiante nesse ano,
os professores e trabalhadores da educação realizaram 40, sendo a principal categoria nos
movimentos paredistas da esfera estadual (23 das 66 greves do funcionalismo estadual foram
realizadas por professores).
A recomposição sindical não teve grandes impactos na direção da CNTE, que continua
sendo liderada comodamente por uma aliança composta basicamente por Articulação Sindical
e a CSC. Inclusive, a porcentagem de votos obtidos por essa aliança cresceu em 2008 e 2011,
parcialmente por causa da incorporação dos militantes da CUT Socialista e Democrática à
chapa da posição. 266
Mas, em algumas entidades de base, a nova situação políticosindical teve sim
importantes desdobramentos, como pode indicar um olhar aos que eram os cinco maiores
sindicatos da CNTE em 2005. Na APEOESP (São Paulo), houve um crescimento das
correntes opositoras de esquerda da Articulação Sindical/CSC.267 No CPERS (Rio Grande do
Sul), a Articulação nunca teve a hegemonia que teve em São Paulo ou Minas Gerais, e perdeu
as eleições de 2008 perante uma chapa liderada pela CUT Socialista e Democrática (uma
corrente da esquerda do PT, que não saiu nem do PT nem da CUT). No Sind-UTE (Minas
Gerais), onde a Articulação sempre foi muito forte, professores da rede municipal da capital
do estado se desfiliaram e criaram em 2006 o Sindicato dos Trabalhadores na Rede Pública
Municipal de Belo Horizonte, integrante da CONLUTAS. A APLB (Bahia), dirigida pelos
militantes da CSC, desfiliou-se da CUT e se incorporou à CTB.268 O SEPE (Rio de Janeiro),
onde as correntes de esquerda tinham muita presença pelo menos desde a década de 1990,
saiu da CUT e também da CNTE. A incorporação à CNTE de sindicatos de base municipal
contrapesa a saída de alguns dos segmentos mais radicalizados (como os citados casos do
266
A chapa da posição obteve 67% dos votos nos Congressos de 2002 e 2005; e 82% nos Congressos de 2008 e 2011.
De uma diretoria executiva com vinte e sete lugares conquistaram sete nas eleições de 2002, dez nas de 2005 e onze nas
de 2008. Nestas últimas, a chapa da situação recebeu 35.756 votos (54,18%%) e a da principal oposição 23.213 (35,18%).
Nas eleições de 2002, a situação tinha ganhado com 55% dos votos, mas houve uma outra chapa integrada por uma fração de
Articulação Sindical que tinha obtido 20% (Salomão, 2003).
268
Além do sindicato da Bahia somaram-se à CTB outros dois sindicatos de base da CNTE, o SINTEAM (Amazonas) e o
SINPROESMMA (Maranhão). Somados aos de Pará e Espírito Santo, cinco sindicatos de base estadual que integravam a
CNTE se desfiliaram da CUT. No total, oito sindicatos da CNTE (cinco estaduais e três municipais) não são filiados à CUT
(dados de novembro 2010).
267
182
sindicato do Rio de Janeiro e da nova organização da capital de Minas Gerais). Esse
fenômeno é um novo indicador do potencial desagregador de uma estrutura sindical sem
mecanismos de controle interno que depende da atividade militante da própria categoria. Fora
da CNTE, as entidades docentes da rede federal (a de nível básico, SINASEFE, e a de nível
superior, ANDES) saíram da CUT. Essa recomposição sindical também se expressou na
divisão e na paralisação do principal espaço de oposição às políticas educacionais dos
governos de Fernando Henrique Cardoso, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.
Na base do professorado, conforme sugeri, não parece haver grandes rupturas com a
situação colocada nos últimos anos do mandato de Fernando Henrique Cardoso. Uma
pesquisa recente realizada com os professores públicos de sete estados indica que 38% dos
professores são filiados aos sindicatos.269 É interessante destacar que 8% do total (ou seja,
mais de 1/4 dos sindicalizados) responderam que participavam “ativamente de todas as ações
e tomadas de decisões”. Considero que constitui uma porcentagem alta para uma categoria
grande e dispersa, organizada em sindicatos que atuam em um marco institucional que não
está orientado a garantir a participação sindical na regulamentação do trabalho. O mesmo
pode-se dizer após observar a participação do professorado nas eleições da APEOESP. Esta
caiu, entre a eleição de 1993 e as de 1999 e 2002, de 54% para 44% e 42 % (REIS, 2006; DA
SILVA 2008). Ainda sendo uma queda clara, basicamente explicada pela desmobilização da
categoria, interessa indicar que um segmento significativo continua participando.270 Uma
participação muito superior à da década de 1970, quando o quadro de sócios era muito menor.
Expressa a consolidação na categoria de uma tradição sindical – que identifica a APEOESP
como representante dos professores – e a presença de uma rede de lideranças de base que
garante a participação eleitoral.
269
Foram aplicadas 5.437 enquetes a professores de ensino fundamental e 2.217 a professores de ensino médio do Pará, do
Rio Grande do Norte, de Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo (OLIVEIRA; VIEIRA, 2010).
A taxa de filiação ao sindicato do Distrito Federal, na rede pública, é consideravelmente maior. Foi calculada por Resende
(2004) em 75,7% para 2002.
270
Nas seis eleições realizadas entre 1991 e 2005 a quantidade de votantes nas eleições da APEOESP oscilou entre 41.800
em 1996 e 65.800 em 1993. A queda de 1996 se deveu a que o governo retirou o abono do ponto. Desde esse momento só os
candidatos tem esse direito e a APEOESP organizou urnas volantes (SILVA, 2008).
183
5. O CASO DO MÉXICO
México é, dos países aqui considerados, aquele que vivenciou o fim mais radical dos
regimes oligárquicos que atuavam na virada do século XIX para o XX. Nem todos os grupos
militares que participaram do fim do governo de Porfirio Díaz (1884-1911), na década de
1910, estavam decididos a uma mudança profunda da sociedade mexicana, mas esse foi o
rumo que acabaram tomando os acontecimentos. As investigações historiográficas de Alberto
Arnaut, parcialmente publicadas, permitem caracterizar com precisão a situação do
professorado antes e durante a revolução e concluir que a organização do professorado foi
parte desse processo do qual nascia um novo México.
5.1 Primórdios
Durante o porfiriato foram constituídas diversas associações locais de professores
públicos, tanto no interior do país271 quanto no Distrito Federal. Essas entidades, como as
constituídas nas décadas anteriores, continuaram se caracterizando por uma grande fragilidade
e por uma vida efêmera272. Em 1892, graduados da Escola Normal do Distrito Federal criaram
a Sociedad Mexicana de Estudios Pedagógicos (nas eleições da qual, em 1893, participaram
29 sócios); e, dois anos depois, professores da cidade do México se reuniram na Academia de
Profesores Municipales (academia de caráter oficial, presidida pelo próprio governador do
Distrito Federal). Também no porfiriato, em 1907, constituiu-se uma associação de
professores católicos. As autoridades atuaram com determinação contra a filiação de
professores públicos nessa organização, afirmando que a única religião permitida nas escolas
laicas era a do amor à pátria (ARNAUT, 2008).
Na capital do país, já no século XX, foram criados o Colegio de Profesores
Normalistas e a Asociación Nacional del Magisterio (1908). Esta última foi a tentativa mais
importante de organizar os professores em escala nacional. Alberto Correa, impulsor da ideia,
escreveu aos governadores pedindo uma colaboração para estabelecer comissões locais da
Asociación Nacional del Magisterio nos estados. Dezoito governadores aprovaram a proposta
271
No interior do país, foram criadas a Sociedad de Preceptores Juarez de Socorros Mutuos do distrito de Tenango (estado
de México), a Sociedad Mutua Sociedad Pedagógica ‘Carlos A. Carrillo’ de San Luis Potosí, a Junta de Profesores de
Instrucción Primaria (Monterrey) e a Unión para el Progreso y Protección Mutua de Maestros (Puebla) (ARROYO, 2006;
HERNÁNDEZ, 2006; ARNAUT, 2008).
272
Estas experiências não tinham continuidade com o Gremio del Nobilissimo Arte de Primeras Letras, que controlava o
ensino particular em algumas cidades do México colonial (México, Puebla e Querétaro), e que continuou atuando pelo menos
nas primeiras décadas após a independência (ESTRADA, 2002). Ainda no século XIX, foram criadas organizações docentes,
que não tiveram continuidade, em 1827, 1835 e 1853 (ARNAUT, 2008).
184
e onze deles constituíram tais comissões. Não era o único caminho para organizar a
Associação: Correa também contactou professores do interior do país que organizaram
comissões locais em outros distritos. Em 1909, a entidade contava com 515 sócios e em 1911,
quando foi formalmente constituída, participaram dezesseis grupos de professores do Distrito
Federal e cinco do interior do país (ARNAUT, 2008).
Os principais objetivos das associações criadas nesse período eram a ajuda mútua e o
debate pedagógico. As finalidades da Asociación Nacional del Magisterio eram promover o
mutualismo entre os professores e estudar e resolver questões referentes à instrução pública
(ARNAUT, 1998). Na década de 1910, a Liga de Profesores Racionalistas de Yucatán
propunha um sistema eletivo e rotatório para todas as autoridades educacionais, desde os
diretores de escola até as máximas autoridades estaduais (ARNAUT, 1996). Em termos
ideológicos, as lideranças dessas organizações se identificavam com o anarquismo ou com o
liberalismo (BENAVÍDES, 1992).
A ideia de organizar o professorado despertava a simpatia de importantes educadores.
Em 1877, Gabino Barreda, diretor da Escuela Preparatoria da cidade do México, posicionouse contra algumas políticas governamentais e defendeu a criação de uma organização docente.
Dirigindo-se aos “cidadãos professores”, escreveu:
...nada más justo y urgente como poner en planta la idea que desde hace tiempo germina en el
ánimo de varios profesores, y que, no lo dudamos, está con la conciencia de todos, de formar
una asociación de cuantos se consagran al noble sacerdocio de la enseñanza, con objeto de
promover por todos los medios legales y morales, en pleno día, pero con todas sus fuerzas
intelectuales, la progresiva aunque gradual elevación intelectual y moral del profesorado, su
independencia espiritual y aun material de toda tutela extraña, y por lo tanto, degradante, sin
más apoyo que la libre adhesión y el espontáneo sufragio de los verdaderos amantes del
progreso de la educación y del desarrollo intelectual. [...]
El gobierno no puede [...] sino simpatizar con una asociación, de la cual se encuentra desde
luego excluida toda sospecha de innoble hostilidad, por la franca publicidad de todos sus
actos y de todas sus miras, y porque ella tiende en último análisis a libertar al erario, sin
peligro de retrogradación, de una carga que hoy tiene que llevar a pesar de su notoria
insuficiencia, para no entregar el porvenir de nuestra sociedad al ultramontanismo más retrógrado, más antisocial y más incompetente (apud ARNAUT, 2008, p. 87, 88).
A rigor, os especialistas em educação concordavam em promover a organização do
professorado. Um grupo de delegados do Congresso Nacional de Instrução Primária (1889)
propôs “… la creación de una sociedad o academia de profesores en cada capital del estado,
con facultad de nombrar delegados a las confederaciones generales que, cuando se juzgue
conveniente, se celebrarán en la metrópoli de la nación” (apud ARNAUT, 1998, p. 64).
Nesse contexto, a proximidade entre algumas experiências organizacionais e as principais
autoridades educacionais foi muito grande. Quando Julio Hernández, diretor da Revista El
185
magisterio nacional, impulsionou a criação de uma entidade nacional de professores, o
próprio Secretário de Instrução, Justo Sierra opinou a respeito. Sierra, importante figura da
história da educação mexicana, dirigiu-se a Hernández criticando o projeto, não tanto pela
ideia de organizar o professorado mas pela possibilidade de que criasse enfrentamentos no
âmbito educacional.273 Na década de 1900, o Presidente do Colegio de Profesores
Normalistas de México era Gregorio Torres Quintero, Chefe da Seção de Instrução Primária e
Ensino Normal da Secretaria de Instrução do governo federal; o Colegio de Profesores
Normalistas de México funcionou em diferentes escolas primárias, e a partir de 1908 na
própria Escola Normal; e a Asociación Nacional del Magisterio foi promovida por Alberto
Correa, Diretor da Direção de Ensino Normal da mesma secretaria. O próprio Subsecretário
de Instrução Pública participou do ato no qual foi constituída a Asociación Nacional del
Magisterio, em 1911 (ARNAUT, 1998; 2008).
Segundo Arnaut (1996), mais do que as ainda débeis organizações, os canais de
expressão das reivindicações docentes foram as revistas pedagógicas, os organismos oficiais
de instrução e as escolas normais. Este argumento parece ser generalizável em relação aos
casos da Argentina e do Brasil.
Francisco Madero promoveu uma rebelião contra o regime de Porfirio Díaz em 1910 e
um ano depois, vitorioso, assumiu a presidência. Em 1913, Madero foi assassinado por
Victoriano Huerta, um ex-porfirista que ocupou o governo que, por sua vez, foi desconhecido
e enfrentado pelos constitucionalistas (assim chamados porque defendiam a constituição
liberal de 1857). Os constitucionalistas derrotaram militarmente a Huerta em 1915 e levaram
ao poder a Venustiano Carranza, quem ocupou a presidência do México até 1920. Naqueles
anos de guerras internas, em termos gerais, os professores acompanharam politicamente os
chefes políticos dos distritos nos quais trabalhavam (ARNAUT, 2006). A própria revolução
possibilitou o surgimento de uma nova geração de políticos, de extração social mais popular,
entre os quais havia professores. Plutarco Elías Calles, por exemplo, professor e inspetor
escolar, chegaria a ser presidente e uma das principais lideranças políticas das décadas de
1920 e 1930.
273
Escreveu Sierra a Hernández: “Deseo y espero que saque usted desacertados y erróneos los augurios de cuantos (no sin
fundamento si he de ser franco) creían entrever en la empresa de usted un fin de combate y de discordia, que tan dañoso
sería para todos” (apud ARNAUT, 1998, p. 66).
186
5.2 A organização da categoria: entrar para o controle do Estado ou morrer
Nos primeiros anos do governo de Venustiano Carrranza, entre 1915 e 1917, o
governo dispôs a demissão dos funcionários públicos que não tivessem sido leais ao
constitucionalismo e foi sancionada uma nova constituição federal (1917) (ARNAUT, 1998).
O artigo 123 dessa constituição, relativo ao trabalho, foi muito radical e não excluiu os
funcionários públicos. Estabeleceu o direito à greve e à organização sindical, assim como a
instituição de Juntas de Conciliación y Arbitraje – um organismo tripartite que atuaria no
âmbito das relações de trabalho. Tratava-se de uma aproximação do governo ao movimento
sindical e aos seus ideólogos. Como contrapartida, em 1918 foi criada a Confederación
Regional Obrera Mexicana (CROM). A CROM, setor conciliador do movimento sindical,
participou do governo e confrontou ao mesmo tempo, dentro do campo sindical, com os
setores mais radicais e com as organizações vinculadas à igreja católica.
Nesse contexto, houve repercussões bastante diretas na organização do professorado.
O presidente Carranza esteve presente no congresso convocado pela Sociedad Unificadora del
Magisterio Nacional em 1917; e a constituição da CROM, no ano seguinte, dinamizou a
criação de organizações docentes (ARNAUT, 1998). Vinculadas à CROM foram criadas a
Liga de Maestros del Distrito Federal em 1919 e, pouco depois, a Gran Asociación Nacional
del Magisterio (GANM) que pretendia reunir professores primários e secundários, públicos e
particulares, de todo o país. Somaram-se à CROM professores de Veracruz, Tlaxcala, San
Luis de Potosí e Puebla (PELÁEZ, 2000). A identificação das organizações docentes com
uma central operária era basicamente expressão da situação política e do horizonte ideológico
da sociedade pós-revolucionária, e não significou que os normalistas e os funcionários
hierárquicos do sistema educacional saíssem de cena.274
O formato organizacional vigente durante o porfiriato, de associações profissionais e
mutuais, continuou existindo. Em 1920, no Distrito Federal, foi criada a Liga Nacional de
Maestros – que só filiava professores normalistas e tinha um caráter mutualista e pedagógico
– e, particularmente, nas redes estaduais, foram criadas associações docentes sem perfil
sindical, como a Unión de Educadores de Jalisco ou a Sociedad Mutualista de Maestros
“Ánfora” no estado do México (ambas criadas em 1926) (ARNAUT, 1996; CHAVOYA,
1995; LÓPEZ, 2001). De fato, na década de 1920 alguns normalistas negavam se organizar
como os demais trabalhadores, em sindicatos, e pediam ao governo uma regulamentação legal
274
O vice-presidente da GANM, por exemplo, Luis Medellín Niño, era vice-diretor da escola normal de São Luis Potosí
(HERNÁNDEZ, 2006).
187
especifica. Diferentemente, Vicente Lombardo Toledano, quem promovia dentro da CROM a
organização do professorado, demandava que os direitos trabalhistas e sindicais consagrados
no artigo 123 da Constituição Federal fossem efetivamente aplicados ao magistério
(ARNAUT, 1997). A evolução da situação política favoreceu as entidades sindicais, que na
década de 1930 eram praticamente as únicas. O próprio clima político, a instabilidade
administrativa e a legislação revolucionária pró-sindicalista foram decisivas para essa
afirmação.
Desde que o governo de Porfírio se desmoronou, o professorado começou a participar
mais decisivamente na designação das autoridades educacionais e na discussão da política
educacional. As autoridades governamentais, por sua vez, passaram a intervir mais visível e
diretamente na instrução pública (ARNAUT, 1996). Esse foi o contexto político e educacional
da propagação das associações da categoria, a primeira conjuntura crítica na história das
práticas sindicais docentes.
A conclusão de Hernández (2006), ao tratar das greves de professores na rede estadual
de San Luis Potosí em 1930, 1931 e 1941, é consistente. Estas, além de serem uma resposta
aos atrasos salariais, foram motivadas pela negativa dos professores, e, particularmente, pela
negativa das lideranças docentes, ao avanço da rede federal no estado. Esta oposição tinha um
duplo sentido. Em primeiro lugar, os professores não queriam perder poder sobre o sistema
educacional estatal, que era um meio de ascensão profissional e reconhecimento político. Em
segundo lugar, a inclusão no sistema federal podia significar trabalhar nas áreas rurais.
Conclui Hernández:
En el contexto por mejorar sus condiciones salariales y laborales, pero también de
participación política, se dio forma al arreglo corporativo, entre el sindicalismo magisterial
estatal y los gobiernos potosinos de la Era Radical, para entrar en una etapa de tensiones con
el cedillismo275 favoreciendo a una facción magisterial. Tal vez fue la única opción que les
quedó a los líderes magisteriales, pues en un régimen gubernamental regido por el caciquismo
y las autoridades militares sólo existían dos opciones: entrar al control del estado o morir”
(HERNÁNDEZ, 2006, p. 304).
A presença masculina nas organizações dos professores, que provavelmente foi uma
regra antes da revolução276, confirmou-se. Sabemos que a imprensa criticou as professoras da
greve de 1919 no Distrito Federal, e as chamou de “professoras feministas” (CANO, 1984),
mas é difícil achar referências sobre o gênero (feminino) na produção sobre a história do
sindicalismo docente mexicano. Ocorre que o professorado se fazia menos feminino
275
Saturnino Cedillo foi governador de San Luis Potosí entre 1927 e 1931.
É o que permite afirmar a reconstrução histórica feita por Arnaut (2008). Os sete integrantes da diretoria da Asociación
Nacional del Magisterio, por exemplo, eram homens (ARNAUT, 2008).
276
188
(sobretudo no segmento rural) e as entidades de professores se afirmavam como espaços
masculinos, porque eram instâncias de forte disputa para “entrar para o controle do estado ou
morrer”. Nesse contexto, e por um longo período, as mulheres tiveram uma presença marginal
na direção dessas organizações, inclusive mais marginal do que aparentemente tiveram na
Argentina.277 Em 1943, seria criado o Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación
(SNTE), o grande sindicato docente mexicano, e é notável a hegemonia masculina na direção
sindical. Praticamente não há participação feminina no Comité Ejecutivo Nacional (CEN) do
SNTE até 1977.278
A sociedade pós-revolucionária permitia um trânsito fluido das lideranças políticas
entre as organizações do professorado, as centrais operárias ou camponesas e as diferentes
facções em disputa pelo controle do aparelho estatal. As trajetórias de vida de Graciano
Sánchez Romo e Vicente Lombardo Toledano, duas importantes figuras na história do
sindicalismo docente, permitem ilustrar esse ponto com eloquência.279
Graciano Sánchez Romo formou-se na Normal de San Luis Potosí em 1906. Foi
perseguido pelo porfiriato, participou ativamente na Revolução e posteriormente foi diretor da
escola normal do estado e inspetor escolar. Promoveu o Conselho local da GANM e sua
conversão posterior no Sindicato de Maestros de Potosí. Foi eleito deputado e consolidou-se
como liderança agrária, para chegar a ser em 1935 o primeiro Secretário Geral da
Confederación Nacional Campesina (CNC). Depois de uns anos, em 1940, promoveu uma
dissidência dentro do Sindicato de Trabajadores de la Enseñanza de la República Mexicana
(STERM) que seria o germe da Frente Nacional de Maestros Revolucionarios
(HERNÁNDEZ, 2006).
A figura chave da organização do professorado nesta etapa foi Vicente Lombardo
Toledano. Em 1919, Lombardo Toledano era licenciado em Direito e Secretário da Faculdade
de Direito da Universidade Nacional. Um ano depois, criou e foi Secretário Geral da Liga de
Profesores del Distrito Federal e, ao longo da década de 1920, ocupou cargos públicos (foi
governador e deputado federal) enquanto desenvolvia uma intensa atividade sindical.
277
Só uma mulher atuava na direção da CMM eleita em 1935 (como Secretaria de Estatística) e esse mesmo ano duas das
sete lideranças do Bloque de Trabajadores de la Educación del PNR eram mulheres (PELÁEZ, 1994).
Interessa notar a existência de uma Secretaria de “Asuntos Femeniles” no CEN do Sindicato de Trabajadores de la
Educación de la República Mexicana (STERM) em 1940 (ocupado por Aurora Madinaveyta, a única mulher que participava
do CEN) (PELÁEZ, 1994).
278
Emilia Teja Andrade foi Secretária de Imprensa e Propaganda por um ano, em 1945; e Ana Ma. López Sierra Secretária
de Ação Social entre 1967 e 1971. Nas diretorias eleitas em 1971 e 1974 existiu a função de Comissão Nacional
Coordenadora da Ação Feminina (depois extinta), também ocupada por mulheres (BENAVÍDES, 1992).
279
Sobre a participação de professores primários na revolução mexicana, como ideólogos e agitadores populares, ver
Cockfroft (1967).
189
Lombardo Toledano integrou o Comitê Central da CROM de 1923 a 1932 e foi eleito
Secretário Geral da Federación Nacional de Maestros (1927) e da Federación de Sindicatos
Obreros del Distrito Federal (1932). 280 Na CROM, protagonizou uma forte disputa interna
para finalmente sair e constituir uma central operária alternativa em 1936.
Nesse contexto político as greves docentes foram também mais naturais do que na
Argentina e no Brasil, embora continuasse pesando a ideia de que não correspondia à
categoria paralisar as suas atividades. Em maio de 1919, a Liga de Maestros del Distrito
Federal organizou uma greve contra o atraso salarial, a mais importante do período. O
movimento desafiou a concepção apostólica do professorado, que continuava em certa medida
vigente (com diferentes roupagens ideológicas) nos governos pós-revolucionários. Houve
uma ampla solidariedade do movimento sindical, e o governo respondeu com dureza,
demitindo os grevistas (CANO, 1984). Na década seguinte, foram deflagradas novas greves
em Puebla, Monterrey, Veracruz, Tampico (Tamaulipas) e Juchitán (Oaxaca). Os principais
problemas eram o atraso nos pagamentos dos salários e as demissões e suspensões de
professores.
Como a própria organização da categoria, também as greves estiveram frequentemente
vinculadas às disputas políticas travadas dentro dos próprios governos pós-revolucionários.281
É muito provável que, nesses conflitos, estivesse envolvido o controle sobre mecanismos de
afiliação obrigatória do professorado.282 Não é de estranhar a dureza de algumas greves, como
a de 1931 em San Luis Potosí. Nessa ocasião, o governo acusou os grevistas de comunistas,
deteve professores e reprimiu uma manifestação de estudantes em solidariedade; houve
sequestros e divulgou-se a notícia de que o presidente da comissão de greve tinha sido
fuzilado. Os docentes tentaram realizar uma passeata até a cidade do México, o que foi
impedido pela polícia. Finalmente, os trabalhadores demitidos foram empregados pela rede
federal em outros estados ou criaram escolas particulares (HERNÁNDEZ, 2006).
A partir da CROM, Lombardo Toledano organizou em dezembro de 1926 o Primer
Congreso Nacional de Educación Primaria. Nesse congresso, do qual participaram
delegações de 21 estados, foi constituída, em janeiro de 1927, a Federación Nacional de
Maestros (FNM). Este setor ganhou influência, particularmente, no governo de Emilio Portes
Gil (1928-1930). Liderada por David Vilchis, próximo de Lombardo Toledano, a FNM
280
Ver website da Universidad Obrera Mexicana (www.uom.edu.mx/biografia.html). Acesso em: 10 novembro 2010.
A greve de 1927 em Veracruz, convocada pelo Sindicato de Maestros Jalapeños e a Federación de Trabajadores de Mar
y Tierra del Puerto de Veracruz, foi utilizada pela CROM para derrubar o governador Heriberto Jara (PELÁEZ, 2000).
282
A CROM e o Partido Laborista Mexicano (organizado pela CROM) puderam reunir dinheiro por meio de contribuições
supostamente voluntárias dos funcionários públicos (COLLIER; COLLIER, 1991, p. 216).
281
190
impulsionou a constituição da Confederación Nacional de Organizaciones Magisteriales
(CNOM) em 1929 (ARNAUT, 1996; HERNÁNDEZ, 2006).
O fortalecimento das lideranças docentes que participavam da CROM nesse período é
muito significativo e encontrava-se vinculado a dois fenômenos políticos mais gerais. O
primeiro foi a guerra cristera, que entre 1926 e 1929, enfrentou o governo com guerrilhas
cristãs em algumas áreas rurais do país. Os professores rurais da rede federal eram os
principais promotores do laicismo militante da Secretaría de Educación Pública (SEP). O
laicisimo – também forte, por exemplo, na Argentina – foi para este setor de professores um
anti-clericalismo manifesto e, com tal caráter, sofreram a violência cristera: os cristeros lhes
cortavam as orelhas. O segundo fenômeno político que fortaleceu à CROM foi o assassinato
do recém eleito presidente do México, Álvaro Obregón, em 1928. Ambas as frentes de luta
fizeram com que o governo precisasse do apoio das entidades sindicais (o que, por sua vez,
fortaleceu a posição negociadora do sindicalismo), e a violência dos cristeros contra os
professores rurais legitimou as demandas das organizações docentes perante o governo.
Tanto a FNM como a CNOM baseavam as suas forças no Distrito Federal, e no
governo de Emilio Portes Gil, participaram na elaboração das leis que criaram o Conselho
Técnico da Educação, a Lei de Escalafón, a lei de imobilidade do magistério e a lei do
conselho de educação primária. A comissão de escalafón do Distrito Federal tinha dez
integrantes, indicados pelo Conselho de Ensino Primário (dominado pelos sindicalistas), cuja
função era classificar os professores e canalizar os reclamos sobre como tinham sido
classificados. A mesma lei estabelecia que em cada distrito do interior do país seria criada
uma subcomissão, integrada pelo diretor de educação e dois professores (um rural e outro
urbano) eleitos pela categoria (ARNAUT, 1996).
A ocupação pela CNOM desses espaços motivou a organização, também sindical, dos
funcionários hierárquicos da SEP, que disputaram com a CNOM. Estes criaram a Unión de
Directores e Inspectores Federales de Educación (1930), com muito peso no sistema de
ensino rural em expansão em todo o país, que se reconstituiu como Confederación Mexicana
de Maestros (CMM, 1931) para organizar também os professores rurais. Foi nesse momento
que cresceu a organização sindical dos docentes da rede federal que não atuavam no DF, e
que era o segmento mais disperso da categoria.283 Em meados da década, a CMM se reuniu
com outras oito entidades de professores federais na Federación de Maestros Socialistas.
283
Também em começos da década de 1930 foram criadas novas organizações de professores municipais ou estaduais, assim
como a Sociedad de Educadoras Mexicanas e a Unión de Profesores de Escuelas Técnicas, Industriales y Comerciales. Estas
eram, muitas vezes, promovidas pelos próprios funcionários do governo federal (ARNAUT, 1996).
191
O Secretário de Educação Pública, entre 1931 e 1934, Narciso Bassols, tentou limitar
o crescente poder das entidades de professores dentro da SEP. Bassols propôs em 1932 uma
reforma ao Conselho de Educação Primária, majoritariamente integrado por representantes
docentes, orientada a fazer com que as suas funções passem a ser consultivas e os seus
integrantes não sejam indicados pelas organizações de professores (ARNAUT, 1996). Bassols
também impulsionou uma nova lei de escalafón, segundo a qual as autoridades educacionais
passavam a indicar a maioria dos professores que integravam a Comissão de Escalafón do
Distrito Federal.284 As associações da categoria rejeitaram a modificação da composição da
comissão e a Secretaria respondeu que os professores não estavam unificados e que, por isso,
as disputas intersindicais eram levadas para dentro da Comissão de Escalafón (ARNAUT,
1996). Na carta de renúncia de 1934, direcionada ao presidente mexicano, Bassols escreveu
que as lideranças dos professores “Se consideraban intermediarios forzosos entre el gobierno
y los maestros” e que, sendo que o seu poder não derivava da massa, “tenía que fincarse en la
amenaza y la transacción” (apud ARNAUT, 1996, p. 84).
Estes últimos parágrafos mostram como as disputas de poder dentro da SEP se
canalizaram através de entidades docentes e, inversamente, como as entidades docentes se
organizavam através da SEP. O ponto chave é a estreita articulação entre as nascentes
organizações de professores, o controle do sistema educacional (e do trabalho docente) e a
mobilização eleitoral e política da população em apoio a alguma das facções pósrevolucionárias. É difícil reconstruir historicamente o desenvolvimento dos mecanismos de
controle sindical sobre os ingressos, os traslados, as promoções e, eventualmente, as
demissões dos professores. Mas, pode-se inferir que apareceram nesse período, como
decorrência do próprio processo revolucionário.
5.3 A implantação na base através do Estado
Em 1934, Lázaro Cárdenas ocupou a presidência do México e se iniciou a fase mais
radical dos governos pós-revolucionários mexicanos. Isso provocou uma forte reação política
e, finalmente, uma virada conservadora do governo. Os professores foram protagonistas
destacados em ambos os processos, porque a política de reforma agrária e a promoção da
educação socialista, duas das principais políticas de Lázaro Cárdenas, tinham-nos como
protagonistas.
284
A reforma estipulava que os próprios docentes indicariam quatro, e as autoridades cinco, dos nove integrantes da comissão
(ARNAUT, 1996).
192
As continuidades com o período anterior são muito grandes, e pode-se falar de um
processo de radicalização da categoria e dos seus quadros que começou com a própria
revolução e que na década de 1930 já se encontrava maduro. O caso dos professores da rede
estadual do estado de México reconstruído por López (2001) é ilustrativo. O lema da
Sociedad Mutualista, criada em 1926 por normalistas da capital do estado, era “Amor, Luz y
Progreso”. Em meados da década seguinte (após uma greve, em 1932, e no meio da
realização de uma segunda), as três entidades que atuavam na rede estadual estavam reunidas
no Bloque de Trabajadores de la Enseñanza del Estado de México (BTEEM), com o lema de
“Trabajadores de la Enseñanza, uníos por una sociedad sin clases”. Na pauta de
reivindicações do BTEEM de dezembro de 1935 encontravam-se, entre outros pontos, “Que
el BTEEM tenga injerencia directa en el movimiento de personal” e que “… tenga las
facultades de determinar sanciones que deban aplicarse a los miembros del personal docente
dependiente de ese gobierno previa comprobación de que su conducta gremial o profesional
es contraria a los intereses generales del magisterio” (LÓPEZ, 2001, p. 145). O mesmo
radicalismo pode ser encontrado nos funcionários hierárquicos do sistema educacional
federal. A CMM, na qual tinham muito peso os diretores e inspetores da rede federal, segundo
os seus estatutos, guiar-se-ia pelo critério da “… completa identificación del magisterio con
las clases proletarias” (apud PELÁEZ, 2000, p. 23). O que explica essa acelerada
transformação, inclusive em uma rede estadual (com uma composição social mais tradicional)
é a afirmação da sociedade e dos governos pós-revolucionários.
Muitas das características das práticas sindicais docentes que apareceram no período
anterior, mantiveram: estreita relação com o partido oficial, as centrais operárias e
camponesas; as práticas reivindicativas relativamente agressivas (quando comparadas com as
que contemporaneamente eram desenvolvidas pelos professores argentinos ou brasileiros);
participação orgânica nas disputas travadas dentro do aparelho estatal (e particularmente
dentro do sistema educacional) e utilização de mecanismos de controle sobre o mercado de
trabalho e a carreira docente em um marco de instabilidade trabalhista. As diferenças com a
etapa que vai aproximadamente de 1915 a 1935 são duas. A primeira é a profundidade do
impacto dessa experiência na categoria, que se potencia amplamente. Segundo Peláez (1994),
com as greves e a radicalização política, em 1935 apareceu o sindicalismo de massas no
professorado. Com efeito, as mobilizações docentes nesse período foram maciças e formaram
centenas de ativistas. A segunda, é que a partir de 1938-1940 as diferenças e disputas políticas
se processariam em um cenário político cada vez mais conservador e em um marco
193
institucional e político cada vez mais rígido e fechado. Para a metade do século o sindicalismo
docente – que continua vinculado estreitamente ao partido dominante e as centrais operárias e
camponesas, participando organicamente das disputas travadas dentro do aparelho estatal e
utilizando mecanismos de controle sobre o mercado de trabalho e a carreira docente – já é
claramente outro.
5.3.1 Mobilização e radicalização docente na segunda metade da década de 1930
A partir de 1935, foram realizadas greves e mobilizações, em geral contra os atrasos
salariais e a perseguição sindical. O bloco político partidário do governo era heterogêneo e as
mobilizações, frequentemente, exigiam o fim das agressões e a reposição no trabalho de
professores de demitidos. Uma demanda docente era a proteção dos professores rurais que,
pela sua participação na reforma agrária, sofriam ameaças e assassinatos. Tanto as posições
dos professores como as dos governos eram muito duras. Em uma manifestação organizada
em 1935 pela CMM, à qual foram 18.000 professores, a maioria rurais, um dos cartazes dizia
“El magistério chihuahuense pide que la revolución no sea romántica. Por cada maestro
caído debe fusilarse un cura” (PELÁEZ, 1994, p. 47).285
A radicalização da categoria não significou, naturalmente, uma radicalização de todo o
professorado. José Santos Valdés, um protagonista das mobilizações desses anos, lembra que
muitos professores – em algumas regiões, a maioria da categoria – negavam-se a se considerar
trabalhadores, rejeitavam a ideia de organizar manifestações públicas para pressionar o
governo e desejavam se organizar em entidades que privilegiassem as atividades culturais e
mutuais. Segundo Valdés, essa característica (particularmente entre os professores de mais de
40 anos) e a religiosidade (particularmente entre as mulheres) atrasavam a unidade sindical do
professorado (VALDÉS, 1989).
Tampouco significava uma mudança na relação entre as organizações docentes e os
funcionários hierárquicos do sistema educacional, nem uma oposição ideológica ao governo.
Pelo contrário, Cárdenas tinha incorporado a maioria dos grupos militantes à estrutura da SEP
(ARNAUT, 1996), a mobilização docente era parte da mobilização do próprio governo e dos
quadros da SEP, e inclusive o Partido Comunista (PC) participava dessa mobilização.
Provavelmente, a mensagem que o Secretário de Educação Pública enviou às Jornadas
Socialistas do Professorado, em 1937, foi uma expressão de que a radicalização política da
docência não significava uma ruptura horizontal na estrutura hierárquica da SEP. Nela
285
Um ano depois, houve uma greve em Zacatecas e a repressão foi tal que muitos professores tiveram que se refugiar em
Nueva León (PELÁEZ, 1994).
194
manifestou que os professores deveriam considerar as autoridades que estavam à frente da
Secretaria como “verdadeiros camaradas” (PELÁEZ, 1994, p. 101).
A participação de lideranças docentes na hierarquia educacional é diferente da que
pôde ser observada na Argentina e no Brasil na primeira metade do século. Porque esses
funcionários, frequentemente, operavam como representantes das organizações no governo286
e, em tal sentido, utilizavam mecanismos de controle trabalhista para garantir as mobilizações.
A Federación Socialista de Maestros del Distrito Federal (que integrava a CMM), oposta a
uma paralisação nacional convocada pela CNTE, denunciou a atitude da maioria dos
inspetores do DF de ordenar a paralisação do trabalho para participar a uma manifestação.
Inclusive, um inspetor não deixava que os professores da CMM entrassem em uma escola na
qual queriam trabalhar. Segundo a CMM, por trás da paralisação estava a inimizade de
Gabriel Lucio, funcionário hierárquico da SEP que era contrário à CMM (PELÁEZ, 1994).
Nesse contexto, foi normal que aparecessem demandas sindicais exigindo a saída da
Secretaria de Educação os funcionários que se identificavam com as organizações sindicais
rivais.287
Essa relação entre sindicatos, partido e governo tinha uma dimensão puramente
econômica. Os governos garantiam o desconto automático e obrigatório das quotas sindicais e
os sindicatos contribuíam com o partido oficial. É o que estabelecia, por exemplo, o estatuto
do Sindicato de Trabajadores de la Enseñanza de la República Mexicana (STERM, criado
em 1938). Em abril de 1938, o STERM decidiu que o total do dinheiro arrecadado em
conceito de quotas sindicais fosse dividido em três partes iguais entre a direção nacional do
sindicato, a seção local e o Partido de la Revolución Mexicana. Também denunciou que o
governo de Sinaloa descontava automaticamente do magistério, 2% do salário em conceito de
quota partidária (PELÁEZ, 1994; 2000).
As articulações e disputas entre diferentes organizações de professores avançavam
rapidamente. Elas eram apoiadas na própria mobilização da categoria, amplificadas pelo
contexto político e o papel dos professores rurais no contexto da reforma agrária. Os docentes
primários do Distrito Federal, com maior formação e tempo de serviço, tinham, entre suas
lideranças, David Vilchis, próximo de Lombardo Toledano. Os professores rurais
majoritariamente se identificavam com a CMM, sobre a qual os funcionários hierárquicos
286
Em 1940, Rafael Méndez Aguirre, diretor geral de educação primária, urbana e rural, apresentou a sua renúncia dizendo
que era um “representante da organização docente” (PELÁEZ, 1994).
287
Oito lideranças do Distrito Federal, dentre elas Daivd Vilchis, foram demitidas em 1935. Depois foram repostas no
trabalho, devido às pressões sindicais.
Em 1940, a FRMM anunciou greves pela expulsão de elementos comunistas na hierarquia da SEP e na FSTSE (PELÁEZ,
1994).
195
perderam certo controle em 1936. Os trabalhadores mais radicalizados eram os das Misiones
Culturales e os das escolas normais rurais, que criaram em 1935 o Sindicato Único de
Trabajadores de la Enseñanza Superior Campesina (SUTESC). Os comunistas apoiaram o
SUTESC (ARNAUT, 1996).
A situação política se radicalizava. Em 1935, sessenta e cinco organizações de
professores se organizaram na Frente Único Nacional de Trabajadores de la Enseñanza
(FUNTE), orientadas pelos militantes do Partido Comunista288, e nesse mesmo ano se uniram
à FNM e à CNOM na Confederación Nacional de Trabajadores de la Enseñanza (CNTE). A
CNTE declarava ter mais de 20.000 trabalhadores filiados. Ela organizou greves em Morelos,
Tamaulipas, Zacatecas, Oaxaca, Guerrero e Querétarto e convocou a primeira paralisação
federal de professores em janeiro de 1936 (PELÁEZ, 2000). Foi a primeira organização
unitária dos professores mexicanos.
Setores mais radicais ganharam a direção da CMM, e abriu-se a possibilidade de
construir uma entidade sindical ainda maior. Em fevereiro de 1937, 1.200 delegados
representando 50.000 professores criaram a Federación Mexicana de Trabajadores de la
Enseñanza (FMTE), na qual a CMM, a CNTE e outras organizações se dissolveram. A FMTE
impulsionou a criação de Sindicatos Únicos de Trabajadores de la Educación em 26 estados.
A situação política estreitava os laços dos docentes com outros segmentos de
assalariados, e o peso quantitativo do professorado convertia às federações criadas nesta etapa
em importantes atores do movimento sindical. Em julho de 1935, em uma greve de
professores no estado do México, os operários tecelões de uma importante fábrica paralisaram
as suas atividades em solidariedade. A citada CNTE, criada em 1936, participou, nesse
mesmo ano, da criação da Confederación de Trabajadores de México (CTM), central sindical
que passou a ser a principal interlocutora do governo Cárdenas (PELÁEZ, 1994).
A CTM estava liderada por Lombardo Toledano e o grupo conhecido como los
lobitos, entre os quais a figura mais destacada seria Fidel Velázquez – dirigente da CTM
desde 1941 praticamente até a sua morte, na década de 1990. O Partido Comunista, que tinha
crescido muito após de 1935, participava subordinadamente do governo e da CTM,
destacando-se pelo seu peso no professorado. Perante o desafio que representavam os
288
No pacto de solidariedade no qual foi criada a FUNTE ficou estabelecido, nos três primeiros pontos, que “El Frente Único
Nacional de Trabajadores de la Enseñanza, se constituye para luchar en defensa de los intereses ideológicos, económicos,
morales y jurídicos de todos los trabajadores de la enseñanza”; que “El FUNTE, sector del gran frente de combate de la
clase laborante, apoyará todas las luchas que los obreros, campesinos y demás capas explotadas de la sociedad libren en
contra de sus explotadores” e que “El FUNTE luchará porque en la escuela se imparta una enseñanza de orientación
socialista que apoye la lucha de las masas de trabajadores del país por alcanzar sus reivindicaciones inmediatas y por
transformar el régimen capitalista imperante” (apud PELÁEZ, 2000, p. 24).
196
comunistas na direção da maior entidade de base da CTM, a direção da central operária não
reconheceu a FTME e promoveu, em 1938, a criação do Sindicato de Trabajadores de la
Enseñanza de la República Mexicana (STERM). Lombardo Toledano inaugurou o congresso
no qual foi criado o STERM e, com isso, os comunistas, que provavelmente tinham maior
peso na base, acabaram aceitando uma direção na qual eram minoritários (PELÁEZ, 1994;
2000).
Em poucos anos, os professores deixaram de se organizar em uma confederação (na
qual as organizações e federações não se diluíam), para fazê-lo em uma federação de
sindicatos estaduais e finalmente em um sindicato nacional. O STERM era um sindicato
único, integrado por professores da rede federal, estadual, municipal e particular (PELÁEZ,
2000). A criação do STERM era, também, parte de um processo mais amplo de
regulamentação e centralização das organizações de funcionários públicos federais. Em 1931,
tinha sido sancionada a Lei Federal do Trabalho, que vigorava no âmbito privado. As
organizações docentes demandavam ser incluídas nessa lei (que garantia o direito de greve e o
de negociação coletiva)289 e se opuseram ao projeto de lei de serviço civil impulsionado pelo
governo em 1936. Este incluía todos os funcionários da rede federal (não só os professores) e
era rejeitado justamente porque não respeitava os direitos sindicais dos trabalhadores do setor
público (PELÁEZ, 1994).
Finalmente um novo projeto, sob a forma de um estatuto, foi sancionado em 1938.
Este estatuto garantia e regulamentava direitos sindicais (como o direito à sindicalização e à
greve), mas os restringia, e estabelecia que em cada Secretaria do governo federal só atuasse
um sindicato. O mesmo estatuto de 1938 estabelecia a criação da Federación de Sindicatos de
Trabajadores al Servicio del Estado (FSTSE). Tratava-se de promover a organização dos
funcionários fora da CTM, para dividir parcialmente a base de apoio do regime entre os
assalariados. De fato, quando também em 1938 foi criado o Partido de la Revolución
Mexicana três “setores” o compunham: o “setor operário”, o “setor camponês” e o “setor
popular”, do qual as entidades de funcionários públicos eram a principal base. O projeto
governamental era claro: um sindicato único de professores (o STERM) organizado em uma
federação também única de funcionários públicos (a FSTSE) que era a principal base de um
dos três segmentos do partido oficial. Essa regulamentação permitia que as lideranças do
professorado, ao mesmo tempo, agissem de forma independente das centrais sindicais e
tivessem certo controle sobre os ingressos e as promoções dentro da carreira docente.
289
Inclusive o Sindicato de Maestros Potosinos foi reconhecido legalmente como uma associação sindical e obteve registro
na Junta de Conciliación y Arbitraje em 1935 (HERNÁNDEZ, 2006).
197
5.3.2 A virada conservadora do governo e a sociedade mexicana
A reação à mobilização cardenista não se fez esperar e, em 1939, setores da direita
criaram o Partido Acción Nacional (PAN). O PAN, a Asociación de Maestros Independientes
(também de direita), a igreja e outras organizações se mobilizavam contra a educação
socialista, mas o que estava em questão era o projeto cardenista de conjunto. Essa oposição
forçou uma virada para a direita das políticas governamentais, virada fortalecida quando
Manuel Ávila Camacho, no final de 1940, ocupou a presidência do país.
A grande particularidade mexicana foi que a reação à fase mais radical dos governos
pós-revolucionários, da qual podem se encontrar casos análogos, em outros países, foi
canalizada basicamente dentro do partido e das organizações oficiais. Ainda mais: foi
canalizada em boa medida dentro da herança ideológica da revolução mexicana. O partido
dominante deixou de ser uma frente (o Partido Nacional de la Revolución no final da década
de 1920), para ser um partido de setores (operário, camponês e popular, no cardenismo), mais
que isso, ser propriamente um partido, sustentado no seu próprio aparelho, com a criação do
Partido Revolucionario Institucional (PRI) em 1946. Mas, não deixou de se conceber como o
herdeiro político institucional da revolução mexicana (COLLIER; COLLIER, 1991).
Com a virada conservadora milhares de professores ou perderam o trabalho ou se
viram obrigados a mudar de cidade ou de estado por motivações políticas (ARNAUT, 1996).
No Congresso do STERM de 1940, a direção nacional informou a existência de perseguições
a lideranças sindicais em Sonora, Yucatán, Zacatecas, Durango, Chiapas, Tabasco e
Michoacán (PELÁEZ, 2000). A situação não deixava de ser uma expressão da grande
mobilização dos docentes, como agentes estatais, nos anos anteriores.
Novas frentes de conflito se abriram para o STERM. Em 1940, duas novas
organizações que o denunciavam por ser comunista foram criadas: a Frente Revolucionario
de Maestros de México (vinculada à confederação camponesa) e o Sindicato Nacional
Autónomo de Trabajadores de la Enseñanza. Por outro lado, também era enfrentado por
Octavio Véjar Vázquez, o Secretário de Educação indicado em 1941 pelo novo governo
federal (PELÁEZ, 2000).
A fragmentação organizacional era contraditória não só com a legislação que
promovia sindicatos únicos, mas também com o discurso de unidade nacional (que
identificava as divisões e os enfrentamentos com o cardenismo) e o caráter que tomava o
regime mexicano a partir de encarnar a reação anticardenista. Nesse contexto, a unificação do
198
professorado era tratada como um problema da máxima importância, inclusive pelo presidente
mexicano. Uma tentativa de unificação no final de 1941 não conseguiu acabar com a
fragmentação sindical e, também, o polêmico Véjar Vázquez teve de renunciar em favor de
um ministro mais conciliador que pudesse lidar com os fortes conflitos entre as lideranças
docentes (PELÁEZ, 2000; HERNÁNDEZ, 2006).
Finalmente, em 1943, em um congresso inaugurado pelo presidente mexicano do qual
participaram 1.300 delegados, foi criado o Sindicato Nacional de Trabajadores de la
Educación (SNTE). Dentre as primeiras tarefas do sindicato, teve de negociar a volta ao
emprego dos professores suspensos por Véjar Vázquez; de conseguir incrementos salariais, e
de poder usufruir do desconto automático das quotas sindicais realizado sobre a sua extensa
base de representação (PELÁEZ, 2000). O primeiro presidente do SNTE foi Luis Chávez
Orozco, quem tinha sido Subsecretário de Educação entre 1936 e 1938 e depois embaixador
em Honduras.
As tensões eram, naturalmente, muitas. Mas a criação do SNTE, e muito
especialmente o novo contexto político, indicavam que elas se processariam dentro de uma
mesma organização. Também significava um passo à frente da federalização da educação
básica. Pois, a federalização não era consenso no mundo sindical pré SNTE. Ela era
promovida pelos sindicatos nacionais (como o STERM), mas encontrava oposição de
organizações estaduais que pretendiam manter a sua independência e participar com relativa
autonomia da gestão do sistema educacional estadual (HERNÁNDEZ, 2006).
A solidez sindical, sem paralelo na Argentina ou no Brasil da década de 1940, não era
contraditória a uma estreita vinculação ideológica com o Estado. A declaração de Princípios e
Propósitos do SNTE se abre com o seguinte artigo:
Los Maestros y Trabajadores de la Educación se unifican en primer lugar para cumplir mejor
con su deber ante el pueblo de México y su Gobierno. Esto quiere decir que los Maestros y
Trabajadores de la Educación realizarán esfuerzos constantes por superar sus deficiencias y
mejorar la eficacia de sus labores” (art. 1, Estatutos SNTE 1943 apud BENAVIDEZ, 1992, p.
58).
O segundo artigo fazia sim referências às conquistas e reivindicações da categoria,
mas o articulado continuava expresando que os trabalhadores em educação se unificavam para
“… coadyuvar decididamente a la construcción de la Unidad Nacional permanente” e que
199
“Se unen con el propósito de defender los postulados básicos de la Revolución Mexicana”
(art. 3 e 4, Estatutos SNTE 1943, apud BENAVIDEZ, 1992, p. 58-59).290
Os dez anos que vão de 1938 a 1948 transformaram definitivamente o marco
institucional no qual atuava sindicalmente o professorado da rede federal. O estatuto de 1938,
que tratava das condições de trabalho e das relações de trabalho de todos os funcionários
federais, foi derrogado em 1941 por um novo. Dois anos depois, criou-se, de acordo com essa
legislação, o SNTE. Outras disposições legais significativas dessa etapa são a nova lei de
educação (1942), o regulamento das condições gerais de trabalho da SEP (1946) e a comissão
nacional de escalafón (1947). Em linhas gerais, esse arcabouço legal, no que diz respeito à
atividade sindical do professorado, vigoraria por décadas.291
Os estatutos de 1938 e 1941 estabeleceram que só fosse reconhecido um sindicato em
cada dependência do governo federal, e, também, apenas uma federação como representante
dos funcionários da rede federal, que seria a citada FSTSE. No novo estatuto, foi proibida a
participação em centrais operárias ou camponesas e foram eliminados conselhos arbitrais que
existiam em cada dependência (FEDERACIÓN DE SINDICATO DE TRABAJADORES AL
SERVICIO DEL ESTADO, 1982). Isso significou uma delimitação mais clara das centrais
operárias e uma maior centralização da negociação trabalhista. O estatuto de 1941 não
permitia a cláusula de exclusão no âmbito do funcionalismo (uma cláusula de segurança
sindical comum no setor privado292), nem estabelecia a afiliação obrigatória. De qualquer
modo, segundo o estatuto, em igualdade de condições deveriam preferir os trabalhadores
sindicalizados, e uma vez afiliados aos sindicatos os trabalhadores não poderiam se desfiliar.
A prática da filiação automática – ancorada na relação entre sindicato, Estado e partido
dominante – fez com que, de fato, fosse possível falar de filiação realmente obrigatória. Cabe
lembrar que não era uma novidade. Foi também estabelecido que em cada secretaria atuassem
comissões de escalafon (integradas paritariamente pelo governo e o sindicato, mais um
integrante designado de comum acordo) e que os titulares das secretarias e dependências
devessem estabelecer as condições gerais de trabalho a partir de um acordo com o sindicato.
Muitos artigos tratam e regulamentam a realização de greves, dificultando muito a
290
O contexto político de “unidade nacional” é a chave para entender essas posições ideológicas. A minha hipótese é a de que
elas também expressavam um estágio na qual as organizações da categoria continuavam ideologicamente muito dependentes
do discurso estatal.
291
Em 1960, foi incorporado ao artigo 123 da Constituição um apartado B, orientado especificamente aos trabalhadores
públicos da união e do distrito federal e, em 1963, a Ley Federal de los Trabajadores al Servicio del Estado regulamentou
esse apartado. Em termos gerais, essa Lei continua o estabelecido no estatuto de 1941.
Um novo regulamento do escalafón, que também ratifica em linhas gerais o estabelecido em 1947, foi sancionado por lei do
congresso nacional em 1973.
292
A cláusula de exclusão, incluída em um contrato coletivo, faculta ao sindicato a pedir a demissão de um trabalhador
expulso do sindicato.
200
deflagração de uma greve legal. O estatuto estabeleceu uma instância específica para tratar
dos conflitos individuais e coletivos de trabalho no âmbito do governo federal (posteriormente
chamada Tribunal Federal de Conciliación y Arbitraje, TFCyA), também integrado
paritariamente pelo governo e o sindicato (neste caso, pela FSTSE). Esse organismo, previsto
no estatuto de 1938, determina se as greves são legais ou não legais e registra os sindicatos
(tinha registrado o STERM, e em 1944 registrou o SNTE).
Dentro da Comissão de Escalafón os representantes sindicais e os do governo
dividiram o seu trabalho (e, em certa medida, o segmento da base que priorizariam). O SNTE
ficou com o controle do escalafón dos operários e dos administrativos da SEP e da rede
federal do primário nos estados e territórios nacionais. Eram em torno de 9.000 e 25.000
trabalhadores, respectivamente (ARNAUT, 1996). Em um regulamento posterior, de 1973, o
SNTE assumiu o controle do escalafón da rede federal primária nos estados e territórios
nacionais; assim como do ensino pós-primário, deixando com o governo as comissões de
operários e administrativos e a de professores do Distrito Federal. Nota-se que o SNTE
manteve o controle da rede federal primária no interior do país, e que, na década de 1970,
possivelmente, preferiu o ensino pós-primário em rápida expansão do que o setor de técnicos
e administrativos. É provável que o governo tivesse como prioridade, em ambos os contextos,
limitar parcialmente o poder sindical no segmento mais concentrado da categoria: o Distrito
Federal.
A maneira na qual o SNTE foi criado, através do Estado e de acordo com uma rígida
regulamentação da ação sindical, permitiu uma organização quase administrativa das seções.
Essas estão ordenadas alfabeticamente desde a seção I de Aguascalientes até a XXXIV de
Zacatecas. Nas décadas seguintes, dividiu-se a seção federal do estado de México, criou-se a
de La Laguna (uma região integrada por municípios dos estados de Coahuila e Durango) e se
incorporou uma pequena seção de professores da rede particular do Distrito Federal.293 A
última modificação nas seções de professores federais foi a criação de uma nova seção em
Oaxaca em 2006.
O crescimento centralizado da rede federal fortaleceu ao SNTE. De qualquer modo, o
sindicato avançou também sobre as redes estaduais, promovendo a nivelação salarial e
participando das disputas dentro do sistema educacional, da estrutura de governo e do PRI
para integrar alguns sindicatos estaduais ao SNTE (como aconteceu com os de Querétaro,
Sonora e Guanajuato) (ARNAUT, 1992). O SNTE acabou constituindo 17 seções de
293
Essa última é uma seção pequena, de escolas particulares incorporadas à SEP e sujeitas à lei federal de trabalho. Foi criada
na década de 1950 e, atualmente, praticamente não atua.
201
professores estaduais (que convivem com as seções federais desses estados) e organizando em
outros casos professores federais e estaduais na mesma seção. Ambos os fatos deram ao
sindicato uma presença dominante também nas redes estaduais. Mas, existiam outros
sindicatos que atuavam nessas redes, às vezes, amparados em uma regulamentação menos
rígida. A principal destas organizações é a do estado de México, onde há uma importante rede
estadual e o SNTE não tem presença.294
5. 4 A estabilidade corporativa: o Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación
Na segunda metade da década de 1930, o movimento sindical mexicano tinha
alcançado o seu momento de maior poder. Depois desse período passou a acompanhar a
reconversão política do regime mexicano, liderado por dirigentes de federações que
dependiam, para se sustentar, do apoio do Estado. O SNTE ficou sendo parte do pequeno
grupo, dos chamados “sindicatos nacionais”, junto com os das estradas de ferro, os
eletricitários, os petroleiros, telefonistas e os mineiros e metalúrgicos. Tempo depois, em
1966, foi criado um novo organismo, o Congreso del Trabajo, que reuniu as centrais
operárias, à FSTSE e aos principais sindicatos do país.295 Os sindicatos nacionais, com maior
poder de negociação, tinham uma base constituída por funcionários públicos ou trabalhadores
de empresas estatais. Não casualmente foram onde apareceu o desafio mais sério para o
controle estatal no final da década de 1950. Mas, esse desafio foi contornado pelo regime, e
pode-se dizer que a chave explicativa, desde a década de 1940 até 1980, é a integração de
todas as organizações sociais a um partido dominante poli-classista.
A relação do sindicalismo docente mexicano com o Estado, ratificada com uma
estreita relação com o partido dominante, não mudou essencialmente com a virada
conservadora do governo. Isso significou, inicialmente, uma perda de peso dos comunistas no
sindicalismo docente296, e depois também dos lombardistas. No final da década de 1940, a
hegemonia do PRI na condução do SNTE estava garantida e, desde esse momento, muitas das
disputas internas dentro do professorado passaram a se processar politicamente, basicamente,
como disputas entre diferentes setores do PRI. Jesús Robles Martínez, figura emblemática
daqueles anos, ocupou a Secretaria Geral do SNTE em 1949, aprofundou o controle sobre a
294
A partir da greve de professores de 1940, o governo do estado do México promoveu a divisão do STERM, divisão sobre a
qual em 1952 foi criado o Sindicato de Maestros al Servicio del Estado de México. Sobre o caso, ver López (2001).
295
O Congreso del Trabajo atuou de fato como central operário, mesmo se a integração da FSTSE a uma central sindical
continuasse legalmente não contemplada.
296
Segundo uma liderança desse partido, os docentes comunistas tinham deixado de ser aproximadamente 8.000 em 1938,
para 200 em 1943. Ver Valdés (1989).
202
vida interna e converteu o sindicato em um agente da paz trabalhista no âmbito educacional.
O SNTE passou a participar organicamente das campanhas eleitorais do PRI. Normalmente,
os Secretários Gerais (que não podiam ser reeleitos), ao acabar o seu mandato no sindicato
ingressavam nas chapas do PRI como candidatos a cargos eletivos297, ou continuavam a sua
carreira política como funcionários estatais.
Comunistas e lombardistas unificaram-se em 1951 para recobrar posições e denunciar
o Comité Ejecutivo Nacional (CEN). Nesse contexto, apareceu a demanda de Democracia
Sindical nas disputas internas do sindicato (PELÁEZ, 2000). Isso decorria das características
da própria organização do SNTE na década precedente e, rapidamente, cobraria uma grande
importância pela acelerada centralização do poder na direção nacional do sindicato. O SNTE
tinha inicialmente uma estrutura relativamente descentralizada, com mais autonomia das
seções e maior presença orgânica dos diferentes grupos que compunham a sua base. Mas, uma
série de reformas estatutárias colocou mais e mais poder na direção nacional – incluindo a
representação dos professores estaduais compreendidos nos convênios de nivelação que
equiparavam as suas condições salariais a dos professores da rede federal (ARNAUT, 1997).
Segundo os estatutos, a deflagração de greves, o reconhecimento dos Comités Ejecutivos
Seccionales (CES) e, em termos gerais, o conjunto das decisões organizativas, políticas e
econômicas do sindicato correspondem ao Comité Ejecutivo Nacional (CEN). Inclusive, a
reunião dos representantes de escolas de uma determinada delegação, que devia acontecer a
cada 18 meses, devia contar com a autorização do CEN.298
A expansão do SNTE era impressionante, e deixou de ter 70.000 filiados em 1949 para
180.000 em 1964 e 270.000 em 1971299, mas, este crescimento e a decorrente complexidade
interna não foi suficiente para impedir a supracitada centralização. Na década de 1960,
reformas estatutárias incrementaram a quantidade de anos da antiguidade sindical para
integrar os comitês executivos das delegações (cinco anos), dos CES (dez anos) e do CEN
(quinze anos) e suprimiram secretarias de especialidades (como a de inspetor e diretor de
educação federal), regulando a mobilidade dentro da estrutura sindical e somando
mecanismos de centralização e controle (ARNAUT, 1992).
297
Das 17 pessoas que presidiram o SNTE entre 1943 e 1995, onze chegaram ao congresso federal e vários chegaram ao
CEN do PRI. Jesus Robles Martínez, por exemplo, foi deputado federal e senador federal. Carlos Jonguitud Barrios,
governador de San Luis Potosi e deputado federal em duas oportunidades; além de integrar o CEN do PRI também em duas
oportunidades. Elba Ester Gordillo foi deputado federal em duas oportunidades até 1995. Diferentes presidentes do Congreso
del Trabajo foram professores como Edgar Robledo Santiago (1970), Carlos Olmos Sánchez (1971-1972), Carlos Jonguitud
Barrios (1976) e Jose Luis Andrade Ibarra (1979-1980) (BENAVÍDES, 1992).
298
Segundo os Estatutos do SNTE de 1962, citados por Loyo (1992).
299
Os dados correspondem aos Congressos do SNTE, citados por Peláez (2000).
203
Em termos de política interna, a concentração do poder no CEN do SNTE permitiu: a)
que os grupos locais dominantes geralmente participassem da corrente que dirige o CEN, seja
porque tinham pressões desde as instâncias superiores ou porque se tornaram-se dominantes a
partir do vínculo privilegiado com as lideranças nacionais; b) que a maioria absoluta dos
quadros sindicais, e, particularmente, dos mais pragmáticos, espontaneamente se
organizassem com a corrente dominante (nesse contexto, a maioria das disputas intrasindicais se processa dentro do grupo hegemônico); c) um alto grau de disciplinamento dentro
da corrente dominante, e também em relação aos grupos opositores e, finalmente, d) uma
relativa “impermeabilidade” aos movimentos que o grupo dominante não consegue controlar.
O Estado já tinha garantido certas condições favoráveis para a militância sindical do
professorado nas décadas anteriores, mas ela se desenvolvia em uma sociedade muito
politizada e em um contexto social, político e institucional instável. A situação aberta a partir
da década de 1940 permitiu que aparecessem, com mais clareza, militantes sindicais para os
quais a participação do sindicato no sistema educacional ofereceu uma via privilegiada de
promoção profissional.300 Essa situação, em termos gerais, ainda vigora. Os militantes
sindicais eram também quase que naturalmente militantes do PRI. Entretanto, não se
caracterizavam tanto por uma identificação política com o regime, mas sim por uma utilização
pragmática e legitimadora de ideais como o patriotismo, o nacionalismo e a justiça social
(LOYO, 1992). Os professores com orientações mais pedagógicas foram derrotados no
sindicato ou se retiraram.301
Essa transformação é análoga a que Alberto Arnaut (2004, 2005) identificou em níveis
superiores da estrutura sindical. Vicente Lombardo Toledano foi, desde a revolução e até a
década de 1940, a figura mais importante no sindicalismo docente mexicano. Ainda que o
Estado tivesse proibido a reeleição nas funções sindicais, tanto no estatuto de 1941 como na
Lei de 1963302, três grandes lideranças dirigiram centralizadamente o SNTE desde finais da
década de 1940: Robles Martinez (até 1972), Carlos Jonguitud Barrios (1972-1989) e Elba
Esther Gordillo (desde 1989 até a atualidade). Depois de Lombardo Toledano, houve uma
transformação, e as seguintes grandes figuras (os citados Robles Martínez, Jonguitud Barrios
300
Em 1947, Gaudencio Peraza, Secretário Geral do SNTE, denunciou a ação, dentro do sindicato, de: “… un grupo
constituido casi en su totalidad por personas que [...] han logrado todos sus ascensos mediante el aprovechamiento personal
de la acción sindical [...] de gentes que han hecho de la lucha sindical del magisterio la profesión de su vida y el modus
vivendi permanente que les resuelve su problema”, IV Consejo Nacional Ordinario del SNTE, 29 de setembro de 1947. Apud
Peláez (2000, p. 68).
301
Reuniram-se na Sociedad Mexicana de Estudios Pedagógicos (começos de 1940) e na Academia Mexicana de Educación
(finais de 1950) (ARNAUT, 2004; 2005).
302
Esta proibição está vinculada à cultura política revolucionária mexicana, contrária às contínuas reeleições de Porfirio
Díaz.
204
e Gordillo) não foram importantes intelectuais, políticos ou pedagogos, mas lideranças
sindicais profissionais.
O sindicalismo docente, que tinha começado a participar desde finais da década de
1920 dos mecanismos de ingresso e promoção dentro da carreira docente, institucionalizou-se
definitivamente. Inclusive, houve um avanço legal do controle sindical sobre o emprego
docente quando a Lei Federal dos Trabalhadores a Serviço do Estado (1963) definiu que a
metade das novas vagas fosse provida pelos candidatos propostos pelo sindicato
correspondente (art. 62). A situação real foi ainda mais longe, com o sindicato intervindo
efetivamente na indicação dos professores para preencher praticamente todas as vagas, em
virtude da relação com PRI (ARNAUT, 1996). Ainda que a institucionalização tivesse tido
uma dimensão propriamente legal, ela só foi possível no contexto político no qual o PRI,
partido onde militavam as lideranças sindicais docentes, governou por décadas todos os
estados. Entre os desdobramentos dessa situação encontram-se uma grande articulação entre o
sindicato e as escolas normais e a existência de casos de corrupção sindical.303
Uma característica que aparece nos contextos em que dois ou mais grupos disputam a
representatividade da categoria, possivelmente, teve origem também nessa etapa de forte
institucionalização: é muito difícil que apareçam divisões dentro das escolas. O normal é que
os grupos enfrentados disputem o controle de escolas e regiões, e não a adesão geral da base
sindical – como pode ser o caso da Argentina ou do Brasil. Isso é constitutivo da tradição
sindical e não pode ser entendido sem a operação dos mecanismos de controle trabalhista,
legais ou não, dos quais as lideranças sindicais podem se utilizar. Consequentemente,
considero que a particularidade descrita se explica pela maneira em que se organizou e
implantou na base o sindicalismo docente mexicano.
Segundo Reséndiz (1992, p. 223), entre 1949 e 1972, produz-se um intercâmbio entre
lideranças sindicais e funcionários hierárquicos do sistema educacional nas diferentes
dependências que acabou gerando uma oligarquia. Esse intercâmbio criou um circuito de
distribuição de bens e serviços dentro de um sistema com crescentes componentes
assistenciais, do qual participou o Instituto de Seguridad y Servicios Sociales de los
Trabajadores del Estado (ISSSTE), criado em 1960. Segundo Loyo (1979), na mesma linha
de argumentação, após a estabilização dos anos ‘40 o sindicato se converteu, para a maioria
303
No estudo sobre a greve do Distrito Federal de 1958, Loyo (1979) identificou certo mal-estar na categoria pela existência
de práticas de corrupção nas lideranças sindicais. E, na primeira metade da década de 1970, a oposição sindical denunciou a
venda de funções pelo sindicato em Oaxaca (MARTINEZ; ZAFRA, 2006).
Não é fácil reconstruir a escala nem a gênese desse fenômeno (a corrupção sindical), mas seria fortemente denunciado por
segmentos da própria base docente na década de 1980 e é comum encontrar referências a ele em textos que tratam de
processos contemporâneos.
205
dos professores, em uma organização gestora de incrementos salariais, promoções,
aposentadoria e empréstimos perante as autoridades.
Essa caracterização tem pontos de contato com o discurso proferido por Eloy
Benavídez Salinas, Secretário Geral provisório do SNTE (1972-1974), no V Conselho
Nacional Extraordinário do SNTE de novembro de 1972. Salinas marca com o seu mandato a
ascensão de um novo grupo à condução sindical. Trata-se de uma crítica dirigida às lideranças
que se identificavam com Robles Martínez. Benavídez Salinas disse:
No era posible que nuestro sindicato siguiera por el camino del aislamiento sindical, la ruta a
la que el burocratismo y los intereses creados lo estaban empujando inexorablemente. Nuestro
sindicato se vio arrastrado hacia el burocratismo hasta quedar convertido en un mero medio
de trámites. Como consecuencia del mismo, empezó a surgir una soberbia aristocracia
sindical que amenazó con destruir todas nuestras esencias (apud ARNAUT, 1992, p. 15,16).
5.4.1 As mobilizações docentes de 1956-1960
As greves, incorporadas à tradição sindical nas décadas de 1920 e 1930, foram aceitas
como forma de pressão trabalhista do professorado por boa parte da base da categoria. Mas,
os conflitos perderam o radicalismo visível no período anterior, em greves como as de Nueva
León (1939) ou San Luis Potosí (1941).304 Trata-se de uma característica que apareceu na
virada política dos anos ’40, e que se expressou em paralisações que não foram contraditórias
com uma atitude em extremo respeitosa perante às autoridades e ao PRI.305
A segunda metade da década de 1950 vivenciou uma intensa agitação no mundo
sindical, agitação que se fecharia em 1960 pela combinação da repressão e da cooptação
orquestrada pelo governo. Nesse período, um setor opositor ganhou a direção do sindicato de
ferroviários, um dos principais do país. A efervescência também alcançou o SNTE, em que
um movimento da base sacudiu as estruturas sindicais.
As demandas salariais dos professores eram constantes. Entre 1955 e 1958 o SNTE
apoiou as ameaças de greve dos professores de 17 estados, a maioria dos quais demandava
equiparação salarial com os professores federais (ARNAUT, 1996). Algumas greves
chegariam a se deflagrar em Yucatán (1956), Baja California (1958), Jalisco (1958)306 e no
304
Em 1948, os professores primários do Distrito Federal realizaram duas paralisações e uma mobilização demandando
melhoras salariais. Elas foram canalizadas pelas estruturas já sólidas do SNTE – assembleias de escola e plenários de comitês
executivos delegacionais. Nos anos seguintes também se realizaram paralisações no interior do país (em Baja California,
Coahuila, Tamaulipas) (PELÁEZ, 2000).
305
Após as paralisações de 1948, no Distrito Federal, os professores se mobilizaram para agradecer ao presidente mexicano o
incremento salarial prometido (VEGA, 1989).
306
A greve de Jalisco começou com reivindicações econômicas e acabou demandando democracia sindical. Teve alguns
componentes interessantes. Foi precedida por uma greve na escola normal do estado em 1957, e com esse argumento a
Federação de Estudantes de Guadalajara convocou a greve junto com o Comitê prol-incremento salarial, formado por um
grupo de professores por fora da estrutura da seção estadual do SNTE (CHAVOYA, 1995).
206
Distrito Federal (1958) (LOYO, 1979). Esta última foi estudada por Loyo (1979) e merece
uma análise mais detalhada.
Em 1956, a seção IX do SNTE demandou o incremento salarial de 30% e a
aposentadoria aos 30 anos de serviço sem limite de idade. Tratava-se da seção sindical mais
importante, a que organizava os professores do primário e pré-primário do Distrito Federal. O
grupo que controlava a direção do SNTE (Fracción Revolucionaria) se dividiu, e a racha
permitiu o surgimento de novos ativistas, entre os quais se destacou Othón Salazar. O setor
emergente acabou questionando a direção sindical e criou o Comitê de luta pro-pauta de
reivindicações e democratização da seção IX.
O Comitê funcionou, em certo sentido, como uma organização paralela e se propôs a
ganhar o Congresso Eleitoral da seção IX. É importante sublinhar que o organismo máximo
do Comitê era o Conselho de Representantes de Escolas do Distrito Federal. Este Comitê
constituiu o Movimiento Revolucionario del Magisterio (MRM), e no começo de 1958,
organizou uma greve depois que o governo reprimiu uma mobilização docente. O movimento
foi desqualificado pelo sindicato, que acusou os grevistas de comunistas e os ameaçou,
expressando que perderiam o trabalho com base nos estatutos sindicais. De qualquer modo, a
mobilização se manteve firme e as demandas foram atendidas pelo governo. Fechou-se assim
uma greve de um mês e meio, no centro do país e na seção mais numerosa do SNTE, contra o
governo e o SNTE, sustentada na determinação da base docente e no Conselho de
Representantes de Escolas.
Após a greve o CEN convocou ao Congresso Eleitoral da seção IX, mas as lideranças
identificadas com o MRM, que eram a maioria, foram proibidas de entrar. Elas realizaram um
congresso paralelo no qual foi eleito Secretário Geral da seção IX Othón Salazar. O comitê
paralelo deflagrou uma nova greve em setembro, demandando, entre outras questões, que a
diretoria encabeçada por Othón Salazar fosse reconhecida como direção sindical da seção IX.
O movimento durou poucos dias, foi decretado e foi suspenso pelo Conselho de
Representantes de Escolas, e Salazar e outras lideranças acabaram encarceradas.
A direção nacional do SNTE organizou uma convocatória para as eleições, das qual os
professores presos não puderam participar, em uma assembleia com eleições diretas e
secretas. Como expressão de uma aguda divisão dentro do grupo dominante do sindicato, o
setor opositor ao MRM na seção IX não participou da assembleia. O MRM obteve 9.805 dos
9.866 votos e foi condução reconhecida da seção IX até 1960. Nesse mesmo ano, a diretoria
foi expulsa do sindicato no contexto de uma nova greve, em condições mais adversas, que
207
acabou com centenas de professores suspensos e demitidos. O MRM continuou funcionando,
resistindo a forte ofensiva anticomunista, e decidiu participar dos órgãos de governo sindical,
mesmo em uma posição minoritária. Nos Congressos da Seção IX, em 1965 e 1969, o MRM
obteve quatro das onze secretarias do CES (PELÁEZ, 2000).
A greve de 1958 quase não teve impactos fora da seção IX, em boa medida porque as
seções do interior dependiam muito da direção nacional do SNTE e a base sindical era,
comparativamente, mais débil. Para além de algumas lógicas particularidades, esta greve
apresenta uma grande diferença com as greves e as disputas sindicais das décadas anteriores,
e, ao mesmo tempo, antecipa algumas características que mostrarão as greves de 1979-1983.
As mobilizações docentes dos anos ’20 e ’30 eram parte das disputas que transcendiam a
categoria (entre governos estaduais e o governo federal, entre diferentes lideranças da
burocracia educacional, entre o PC e a condução da CTM, etc.). Na greve de 1958 apresentase, não casualmente no setor de maior concentração e tradição sindical, um fenômeno novo: a
categoria está disposta a enfrentar ao mesmo tempo a direção sindical e o governo em um
contexto no qual o Estado e o partido dominante mexicano eram muito coesos.
A composição do CES, usada como um mecanismo de exclusão e integração da
oposição, voltaria a aparecer nas disputas internas do SNTE. Por isso, interessa descrever esse
mecanismo com certo detalhe. A eleição do CES é indireta e o processo eleitoral encontra-se,
estatutariamente, rigidamente centralizado. A direção nacional do sindicato certifica os
delegados e estabelece quando e onde se realizam os congressos de delegados que escolhem o
CES. Nos contextos de disputa sindical nas seções, o CEN pode oferecer aos setores
opositores uma participação no CES que sub-representa o seu peso real entre os delegados. As
alternativas para os opositores são difíceis. A instância legal à qual denunciar eventuais
irregularidades é o Tribunal Federal de Conciliación y Arbitraje (TFCyA), organismo
normalmente comprometido com a direção sindical e que só se pronuncia contra o CEN
quando é o próprio governo quem tem interesse em promover um novo grupo dirigente (como
aconteceria em 1972). Criar um sindicato paralelo seria uma alternativa mais viável após a
década de 1990, mas até então encontrava-se sérias limitações: os trabalhadores não deixavam
de estar filiados ao SNTE e o Estado não reconhecia nenhum outro sindicato. No contexto
mexicano, no qual o sindicato tem importantes espaços institucionais no sistema educacional,
o não reconhecimento da organização coletiva dos trabalhadores por parte do Estado tem
consequências mais graves sobre o sindicato das que este fato pode ter na Argentina ou no
Brasil. Uma terceira alternativa é funcionar de fato paralelamente, sem se propor em constituir
208
uma nova organização, mas atuando como uma condução paralela, especialmente nas
conjunturas de conflitos trabalhistas. Finalmente, outra possibilidade é negociar a melhor
participação possível nas instâncias de condução. Essa tática é atraente, pois permite
participar, mesmo se fosse desde uma posição sindical minoritária, da lógica corporativa.
Permite contar com quadros dedicados exclusivamente à atividade sindical, recursos
econômicos e influência sobre as promoções e traslados. Em outras palavras, possibilita
acumular forças para o próximo processo eleitoral. Por outro lado, esta última opção legitima
a condução sindical, permite-lhe certo controle sobre a oposição e reproduz a ideia da unidade
da categoria e do SNTE como espaço natural da atividade sindical.
Estas alternativas não são contraditórias e algumas vezes puderam ser combinadas. Os
grupos opositores mais radicalizados estiveram mais dispostos a atuar efetivamente como
organizações paralelas (como o MRM no citado conflito de 1958, ou como faria a
Coordinadora Nacional de Trabajadores de la Educación em alguns estados a partir dos anos
‘80), enquanto os grupos mais moderados (como Acción Revolucionaria Sindical nos anos
‘70 ou Nuevo Sindicalismo na década de 1990) aceitaram mais naturalmente participar dos
CES “de composição”. Mas, as opções das diferentes correntes sempre tem mudado segundo
o contexto político e sindical.307
A greve do Distrito Federal de 1960 também mostra a reedição de uma política estatal
bastante primária para controlar a categoria: a suspensão ou a demissão das lideranças. Esta
prática pôde ser observada nas décadas seguintes, nas mobilizações mais radicalizadas,
mesmo com a garantia de estabilidade trabalhista para os professores e em contextos
formalmente democráticos (no México, diferentemente da Argentina e do Brasil, não houve
ditaduras militares na segunda metade do século XX)308. A suspensão e demissão de ativistas
tem funcionado como um mecanismo de pressão poderoso, mais do que como um mecanismo
sistemático de expulsão de ativistas do sistema educacional, porque aparentemente é normal
que os professores separados das redes de ensino sejam reincorporados (muitas vezes, com a
mediação do SNTE).309
Finalmente, as mobilizações de 1956-1960, no Distrito Federal, também apresentaram
uma característica que não teriam as da década de 1980, porque os professores mobilizados
307
Nos anos ’70, o MRM, que era a principal força de esquerda, demandava o voto direto e a representação proporcional nos
CES. Não se integrou aos CENs eleitos em 1971 e 1974, mas reingressou em 1977, ocupando duas secretarias (PELÁEZ,
2000).
308
Esta medida punitiva voltou a ser aplicada, por exemplo, nas greves do Distrito Federal (1968) (PELÁEZ, 2000) e
Morelos (2008).
309
Muitos dos ativistas suspensos em 1960, mas não todos, foram reincorporados ao longo da década (PELÁEZ, 2000).
209
não enfrentaram o governo abertamente em termos ideológicos. Eles se colocavam próximos
de certo cardenismo e, no manifesto de 10 de maio de 1958, o MRM manifestou a sua
“consideração e estima” perante o governo do México e de seu presidente. Em certa medida
era uma posição taticamente compreensível, mas era mais do que isso. A declaração
continuava afirmando que o MRM
… cree en la revolución mexicana y en su obra emancipadora, declara que cada uno de sus
militantes es un soldado de esa revolución que debe perseguir en forma pacífica una mejor
distribución del ingreso nacional, proporcionar más pan, casa y abrigo al pobre y hacer grande
y respetable de la patria mexicana (Jornal Excélsior, 21-09-1958, apud LOYO 1979, p. 87).
5.5 O SNTE lançado a ser um fator determinante na vida do México
A expansão acelerada do sistema educacional, na década de 1960, fortaleceu
automaticamente a capacidade de ação do SNTE. Mais professores significavam mais
filiados, e o crescimento era protagonizado pela rede federal, onde o SNTE não concorria com
outras organizações e a legislação lhe garantia recursos organizacionais e econômicos de
maneira mais plena. Em termos políticos, foram anos de estabilidade. Após o conflito de
1958, foi criada a Frente de Unidad Nacional Revolucionaria de los Trabajadores de la
Educación, liderada por Robles Martinez, que continuou dirigindo o sindicato.
De qualquer maneira, dois processos começaram a amadurecer. O primeiro, a
progressiva fragilidade do controle do CEN, basicamente pela diferenciação interna do
próprio sindicato e da sua base de filiação. O ensino médio tinha crescido exponencialmente,
e as antes débeis seções do interior do país reuniram milhares de trabalhadores (ARNAUT,
1992). A segunda, a nova esquerda ganhava influência no professorado jovem. Ela tinha
presença nas escolas normais rurais, nas duas principais instituições de formação docente do
Distrito Federal (a que formava professores de ensino primário, e a que formava os de ensino
médio) e em algumas escolas normais estaduais como as de Guerrero, Chiapas e Oaxaca.310
5.5.1 Vanguarda Revolucionária
Em 1972, um novo grupo constituído nas próprias estruturas de condução do SNTE
ocupou a direção sindical. Este setor não chegou à direção do sindicato a partir de uma eleição
estatutária, mas contou com o apoio do governo, que atuou ratificando as novas lideranças por
meio do Tribunal Federal de Conciliación y Arbitraje, controlado pelo PRI. A sua principal
310
A greve parcial do Distrito Federal de 1968 foi protagonizada por militantes identificados com a nova esquerda. Esse ano
houve grande mobilização estudantil que acabou sendo duramente reprimida (PELÁEZ, 2000).
Sobre a influência desses novos segmentos da esquerda docente em algumas instituições de formação de professores, ver
Arnaut (1996).
210
base de apoio era a Seção IX, a mais numerosa, marginalizada da direção do sindicato
nacional desde finais da década de 1950 (ARNAUT, 1992; PELÁEZ, 2000).
A nova condução do SNTE teve como principal liderança Carlos Jonguitud Barrios, e,
em 1974, constituiu uma agrupação sindical chamada Vanguarda Revolucionaria (VR).
Jonguitud Barrios tinha se projetado como liderança sindical a partir de uma demanda
trabalhista motorizada desde a seção IX em começos da década de 1970, e desde a condução
do SNTE conseguiu que fosse permitida a dupla função, o que foi apresentado como uma
grande conquista trabalhista (PELÁEZ, 2000).
Na esquerda do SNTE, o MRM continuava sendo a principal força, mas tinham
aparecido novos grupos identificados com a nova esquerda. Este segmento tinha peso na
seção IX, e convocou duas paralisações nacionais (PELÁEZ, 2000). Mas, esses movimentos
não significaram um desafio sério para a nova condução do SNTE, que se assentava na
mesma seção IX. VR teve sim problemas com duas seções do interior do país, as de
Chihuahua e Puebla.311
Segundo Arnaut (1992), o poder de Vanguardia Revolucionaria dependia 1) do apoio
governamental; 2) da capacidade para realizar novas demandas associadas ao caráter
profissional do professorado (mais capacitação e maior presença dentro da SEP); 3) da
organização de uma corrente paralela e entrelaçada ao sindicato, ou seja, a própria Vanguarda
Revolucionaria que o controlava312; 4) de duas reformas estatutárias que favoreceram a
centralização do poder no Secretário Geral e que, ao mesmo tempo, adaptaram a direção
nacional ao maior tamanho e à maior heterogeneidade da categoria; e 5) de um novo estilo,
mais beligerante, de condução sindical.
O primeiro elemento não indicava, no contexto mexicano, nenhuma novidade. O
segundo era uma maneira de posicionar o sindicato em um contexto de fortes pressões
externas sobre a formação docente e, em termos gerais, sobre a tradição normalista. Foi, em
certa medida, uma reação da tradição normalista.
Os mecanismos de cooptação e repressão das dissidências internas, o controle sobre a
carreira docente e a identificação com o PRI, sem ser novos, ganharam nova dimensão. A
penetração de VR em toda a estrutura do sindicato, na base da categoria e no sistema
educacional era inédita. Segundo Peláez (2000), na seção IX, VR chegou a ter representantes
311
Em janeiro de 1977, no congresso da seção dos professores federais de Puebla, a maioria estava constituída por um bloco
opositor de 64 delegados (sobre 135). O congresso foi realizado sem esses delegados, que escolheram um novo CES e
ocuparam por poucos dias o local sindical. Em Chihuahua houve uma crise e paralisações por problemas de política interna
(PELÁEZ, 2000).
312
Esse fato distinguia VR das direções sindicais anteriores, compostas a partir de acordos entre diferentes lideranças e
orientadas a integrar distintos grupos políticos.
211
em todas as escolas. O sindicato incrementou a sua influência na indicação de diretores e
inspetores, o que ficaria claro no conflito entre o SNTE e a SEP dos anos seguintes
(ARNAUT, 1996).
A projeção alcançada pelo sindicato na vida política também era assombrosa, e pela
primeira vez as suas lideranças participavam como uma corrente com identidade própria
dentro do PRI. Isto teve uma expressão institucional em 1973, quando foi estabelecido, nos
estatutos, a participação do SNTE no PRI (antes participava indiretamente, via a FSTSE).
Interessa destacar que, no contexto de um partido dominante e de um sindicato único, a
participação de VR no PRI pôde ser expressada em termos de “participação do professorado”
no sistema político. Em palavras do próprio Jonguitud Barrios:
No podemos pelear con el secretario de Gobernación porque es el que lleva el timón político
del país y nosotros necesitamos proyectar políticamente a los maestros como síndicos, como
regidores, como presidentes municipales, como diputados locales, como diputados federales,
y si rompemos el puente con quien lleva el timón político, pues, francamente, ¿con quién
vamos a proyectar a nuestros compañeros?, ¿los vamos a dejar que se proyecten solos y se
vayan a buscar de otros rumbos y hagan compromisos con políticos o con grupos, en su
proyección, porque la organización no puede ayudarlos? (JONGUITUD BARRIOS apud
PELÁEZ, 2000, 205).
Também novo era o discurso e a prática potencialmente confrontadora e beligerante de
VR. Potencialmente, porque nos primeiros anos de vida de VR a relação com o governo foi
excelente e porque, em termos programáticos, VR não tinha um projeto de enfrentamento com
o governo. Mas, a férrea organização e a grande capacidade de mobilização313 eram parte de
um projeto de construção sindical bem sucedido e potencialmente confrontador, como
experimentaram os governos quando mediram forças com o sindicato. Longe do trato
respeitoso com as autoridades, com arrogância VR lançou-se a ser, como dissera Jonguitud
Barrios em 1982, “un factor determinante en la vida y rumbo de este país nuestro”314.
Um professorado com uma menor porcentagem de mulheres, e a organização conjunta
com os técnicos e administrativos (em que a presença masculina é alta), permitiram que a
base sindical do SNTE fosse menos feminina da dos seus congêneres na Argentina e no
Brasil.315 Para além dessa base mais masculina, os enormes recursos do sindicalismo docente
313
Em 1977, 100.000 professores participaram do ato no qual se comemorou o aniversário da ocupação do CEN por VR
(PELÁEZ, 2000).
314
A citação é parte de um discurso pronunciado em uma reunião de lideranças de VR em 1982. O contexto é o seguinte: “…
este gremio por su estructura y calidad de sus elementos, por la potencia de organización está destinado a ser un sector de
influencia y ser un factor determinante en la vida y rumbo de este país nuestro” (apud ARNAUT, 1992, p. 23).
315
Em 1979, a quantidade de mulheres filiadas ao SNTE (287.254) era apenas superior a dos homens (261.102) (ARRIAGA,
1981). Em 1987, em muitas das seções, a diferença quantitativa entre homes e mulheres na base sindical não era significativa
212
fizeram do SNTE um espaço compatível com algumas características vinculadas à
masculinidade, como o exercício do poder, a capacidade de liderança, etc. Este último
elemento é o decisivo para entender por que os espaços de condução sindical foram âmbitos
basicamente masculinos.
As particularidades do caso mexicano não são um obstáculo para identificar alguns
paralelismos decorrentes da situação análoga na qual se encontravam as mulheres nas três
sociedades. Na década de 1960, a seção do SNTE com maior presença feminina (a seção IX)
se interessava em atrair a base sindical organizando celebrações no Dia das Mães, cafés da
manhã e lanches (CORTINA, 1985). Estas atividades mostram uma política sindical diferente
para um setor da base que era efetivamente diferente. Mas, o ponto importante a destacar é
que cada vez seria menos diferente, embora não possa ser identificada uma ruptura
significativa nos âmbitos de condução sindical. Porque, ainda que na década de 1970 as
mulheres começassem a participar do CEN do SNTE316, esta participação continuou sendo
muito limitada. O mesmo acontecia, inclusive, no CES da seção IX, um espaço mais próximo
à base sindical e de uma base mais feminina.317
5.5.2 Mobilizações no magistério e ruptura no SNTE (1979-1992)
O SNTE manteve uma boa relação com a gestão do presidente Luis Echeverría (19701976), quando foi sancionada uma nova lei de educação apoiada pelo sindicato. Mas, tratavase da calma que antecede às tormentas porque, no governo seguinte, a política de
desconcentração da SEP e as discussões em torno às características que deveria ter a
Universidade Pedagógica Nacional, desencadearam o principal enfrentamento com o governo
na história do SNTE. Os novos funcionários hierárquicos da SEP estavam distantes da
burocracia educacional tradicional, do normalismo e do sindicato, e decidiram inicialmente
avançar sem negociar com o sindicato.
A disputa entre VR e a hierarquia educacional refletiu-se, como era de esperar, na
própria administração do sistema educacional e no PRI. Os inspetores escolares se
posicionaram junto ao sindicato e a estrutura de mandos rachou. A oposição à SEP expressouse em boicotes, falta de cooperação, paralisações e outras medidas orientadas em conseguir a
renúncia de alguns funcionários que promoviam a reforma e, estrategicamente, a bloqueá-la.
e inclusive a maioria era masculina em seções como a III (Baja California Sur), a XII (Durango), a XV (Quintana Roo) e a
XXXIV (Zacatecas) (Prontuario de la Secretaria de Estadistica y Planeacion, SNTE. Resumen General, 1987)..
316
Em 1977, integraram-se mulheres às Secretarias de Trabalho e Conflitos de Pré-escolar, Previdência e Assistência Social e
à Comissão Nacional Política.
317
Nas duas diretorias do período 1976-1982 só cinco de 28 integrantes do CES foram mulheres (CORTINA, 1985).
213
O poder acumulado em décadas pelo sindicato, e a tradição sindical associada, voltaram-se
contra as autoridades educacionais para mostrar que não podia ser feita nenhuma reforma
significativa sem negociar com o SNTE. Politicamente, VR impugnou as políticas
educacionais desde dentro mesmo do partido, identificando-se com os setores mais
conservadores em uma etapa na qual o PRI começava a se colocar como agente das reformas
de mercado. Vanguardia Revolucionaria organizou grandes atos e comemorações, acabando
com o “perfil administrativo” das conduções sindicais imediatamente anteriores.
O discurso no qual se fundamentou a ação sindical continuou sendo “revolucionário”,
enfatizando o importante papel na realidade nacional do professorado organizado em um
sindicato único. Mas, essa retórica agora contradizia o caminho empreendido pelo Estado.
Podem se identificar claramente duas etapas. Uma primeira entre 1979 e 1989, e outra que vai
de 1989 a 1992. Entre 1979 e 1989, foram deflagradas greves de massas fora do controle de
VR enquanto esta, ainda que de maneira diferente e utilizando muito mais da pressão
institucional, também se mobilizou contra as políticas de reforma ao governo. Nesses anos,
nasceu e se consolidou uma oposição nacional à condução do SNTE. A segunda etapa
começou com o fim do domínio de VR sobre o SNTE e culminou com a consolidação de uma
nova direção sindical mais pragmática, menos beligerante e mais permeável às dissidências
internas.
Dois elementos relevantes para a perspectiva da presente tese merecem ser destacados.
Em primeiro lugar, não eram as primeiras greves e mobilizações combativas do professorado
mexicano. De qualquer modo, diferentemente das lutas da era radical dos governos pósrevolucionários, dessa vez os professores não expressavam nem eram parte de disputas dentro
do estado ou o partido dominante (nesse sentido, as lutas de 1979-1989 se parecem com a
greve do DF de 1958).
Em segundo lugar, a ruptura geracional, pelo tipo de sindicalismo, foi menor do que
na Argentina e no Brasil. Mas, também está documentada. Na greve de Oaxaca de 1980,
confluíram jovens que surgiram do movimento estudantil universitário com militância
esquerdista, praticamente sem legitimidade legal, com os Secretários Gerais das Delegações
do SNTE, de uma geração anterior, que não tinham aceitado a imposição do Secretário Geral
do CES no Congresso de 1980. A diferença geracional também se expressava dentro da
esquerda sindical. O MRM estava integrado pela velha guarda comunista e atuava em Oaxaca
desde 1961, mas participou no movimento sem coordenar a sua ação com os quadros jovens
do mesmo Partido Comunista (MARTINEZ; ZAFRA, 2006).
214
O primeiro movimento fora do controle da direção sindical aconteceu no sulino estado
de Chiapas, em 1979. No final do mesmo ano o Foro Nacional de Trabajadores de la
Educación y Organizaciones Democráticas del SNTE, com a participação de delegações de
Chiapas, Guerrero, Tabasco e Valle de México, criou a Coordinadora Nacional de
Trabajadores de la Educación (CNTE). Nesse congresso foi discutida a possibilidade de criar
uma organização paralela, posição finalmente minoritária, e os professores opositores
tentaram avançar dentro do SNTE demandando democracia sindical (COOK, 1996).
O ano de 1980 foi um ano chave. Realizaram-se greves e paralisações em Chiapas,
Oaxaca, Guerrero, Yucatán, Jalisco, Puebla La laguna, Campeche, Morelos, Tlaxcala, no
estado do México, em Guanajuato, Querétaro e Chihuahua. Ainda que muitas destas greves
fossem dirigidas por oposicionistas, em Jalisco, Aguascalientes e Nayarit elas foram dirigidas
por VR (COOK, 1996; STREET, 1992). Com esses protestos, os docentes demandaram ao
governo o incremento salarial, o aumento das gratificações e a regularização dos pagamentos.
Simultaneamente, exigiram ao SNTE o reconhecimento dos processos de democratização de
algumas seções. O governo, que tinha acordado com o SNTE um incremento salarial em
maio, foi forçado por essas mobilizações a outorgar uma nova reposição salarial.
Os professores de Oaxaca marcharam para o Distrito Federal e acamparam em frente
ao edifício do SNTE, exigindo o reconhecimento das suas autoridades sindicais. Esta forma
de protesto se denomina “plantón”, tinha sido usada pelos professores do Distrito Federal em
1958, e agora era apropriada por professores do interior do país. Ainda hoje se mantém, e
caracteriza a CNTE. Nos plantones, contingentes numerosos de professores dos estados
viajam ao Distrito Federal e acampam para pressionar nas negociações com o SNTE, a SEP e
o governo.
Nas greves dirigidas pela esquerda sindical confluíam diferentes tradições: a educação
socialista dos anos ’30, a experiência das escolas normais rurais (que tinham participado em
conflitos agrários nas décadas de 1960 e 1970), a luta dos professores do DF na segunda
metade dos anos ‘50 (com o MRM ainda ativo), a mobilização sindical dos próprios anos ’70
em outras categorias e o movimento estudantil de 1968 (COOK, 1996, p. 107-108). A normal
rural Macumatzá em Chiapas era um foco de formação político de esquerda dentro do
professorado, como a Universidade Benito Juárez em Oaxaca e a Normal Superior na cidade
do México. Em Oaxaca, Chiapas e Guerrero os professores indígenas bilíngues tiveram um
papel importante e em Morelos tinha peso o trabalho de base desenvolvido pela igreja
215
(COOK, 1996). Cook (1996) estima que a base da CNTE estivesse integrada por
aproximadamente 100-150.000 professores em começos da década de 1980 e por 300.000 no
final.
Realizaram-se paralisações nacionais de 24 ou 48 horas, convocadas pela CNTE, mas
a principal força do movimento se encontrava nos estados que deflagraram greves fora do
controle da direção do SNTE. Entre os estados mais radicalizados se encontravam Chiapas,
Guerrero, Hidalgo, México e Morelos, onde foram criados Comités Centrales de Lucha
(CCL). Em Oaxaca, a direção do processo de renovação sindical era mais heterogênea, mas
acabou se integrando à CNTE em 1982. Tratava-se de estados rurais pobres com grande
composição indígena (Chiapas, Oaxaca, Guerrero) e de alguns estados do centro do país,
próximos do DF (Hidalgo, Morelos e México) (COOK, 1996). Em todos os casos, como
aconteceu historicamente no professorado mexicano – e continuaria acontecendo – os
professores da rede federal foram os mais radicalizados.318
Para o movimento opositor à direção do SNTE, a democracia foi, simultaneamente,
uma estratégia e um elemento que definiu a sua própria identidade. As seções paralelas
constituídas, as seções opositoras reconhecidas e os professores mobilizados com a CNTE se
chamaram de “democráticos”. Em 1981, as duas seções de Chiapas e, em 1982, a seção única
de Oaxaca lograram que a direção do SNTE reconhecesse CES integrados totalmente
(Chiapas) ou majoritariamente (Oaxaca) por professores. Em Hidalgo, Morelos e Valle de
México os CES foram expandidos para incorporar os CCL. Em Valle de México e Hidalgo, a
CNTE promoveu a escolha de novas conduções em congressos de massas, fora dos estatutos
do SNTE, e depois exigiu o reconhecimento da direção sindical. A acumulação de forças da
CNTE em alguns estados se expressaria parcialmente em escala nacional, quando no XVIII
Congresso do SNTE (1983) a Coordenadora obtivesse duas Secretarias no CEN. Os debates
políticos em torno de como atuar eram acirrados. Algumas forças da CNTE (como o Partido
Comunista e a Coalición de Izquierda) aceitavam participar como minoria dos Comitês
Executivos do sindicato, enquanto outras (como a Frente Magisterial Independiente
Nacional) eram contra (COOK, 1996; PELÁEZ, 2000).
O reconhecimento de uma direção seccional opositora pelo CEN do SNTE outorga
uma importante capacidade de auto-reprodução às lideranças emergentes porque possibilita
318
Na década de 1990, a esquerda moderada tinha presença nas seções federais de Puebla e particularmente de Chihuahua
(onde tinha alcançado primeiro cinco e depois oito secretarias do CES), mas não tinha nenhum peso nas seções estaduais do
SNTE desses mesmos estados. Muñoz (2005) indica que isto se deve a que a esquerda tem presença nas escolas normais
federais e não nas estaduais; e a uma maior insatisfação trabalhista produto da “saturação escalafonaria”, como é chamado o
fato que o subsistema (e consequentemente o sindicato) tem poucos benefícios para oferecer, e particularmente não pode
oferecer migrar para as áreas urbanas. Essa insatisfação trabalhista se canaliza parcialmente contra a condução do SNTE.
216
certo controle sobre os inspetores, diretores e docentes; a utilização da estrutura sindical e o
dinheiro das cotas sindicais encaminhado pela condução nacional do SNTE. A desvantagem
dos comitês paralelos nesse âmbito é clara, ainda que pode ser minguada em contextos de
muita mobilização ou quando os governadores apoiam, aberta ou veladamente, os
oposicionistas. Inversamente, nesses casos, o controle das promoções e dos traslados é usado
pelas lideranças identificadas com a condução nacional para bloquear a capacidade de
organização dos opositores.319
O SNTE acusou alguns governadores e à SEP de apoiar os rebeldes. Segundo Peláez
(2000), a direção do sindicato estava disposta a ter uma política radical contra a dissidência,
mas teria sido contida pelo governo. É verdade que houve repressão e perseguição à CNTE:
uma liderança do estado do México foi assassinada (1981), os professores de Oaxaca que
estavam acampando no DF foram tirados forçosamente em caminhonetes e dois professores
morreram em enfretamentos intrasindicais (1982) (PELÁEZ, 2000). De qualquer modo,
quando se comparam estas mobilizações com as de 1958-59, é evidente que a repressão foi
menor (COOK, 1996).
A tensão entre o governo e o sindicato começou a diminuir em 1982, um ano eleitoral
no qual ambos se precisavam. Pouco depois, em 1984, o conflito praticamente se fechou
mediante um decreto segundo o qual não se descentralizava o emprego e se mantinham a
negociação bilateral centralizada das condições de trabalho (ARNAUT, 1992). Com a relativa
desmobilização e a normalização das relações entre o governo e o SNTE, VR consolidou as
suas posições dentro do PRI, nas câmaras legislativas e nos governos estaduais e municipais.
16 deputados federais respondiam a VR em finais dos anos ‘80 (LOYO, 1992).
Os últimos anos da década de 1970, e os primeiros da década seguinte, foram
testemunhas de que, para além de certo controle formal sobre a carreira docente, o SNTE
tinha atingido um alto grau de controle informal sobre a gestão do conjunto do sistema
educacional. Com modificações conjunturais, essa situação se manteve até a atualidade. Uma
das chaves desse poder reside no crescimento incessante do emprego docente, que
automaticamente significa um incremento na quantidade de filiados ao SNTE. Em vinte anos,
entre 1970 e 1990, o quadro de sócios do sindicato quase se quadriplicou.
319
Um excelente estudo etnográfico sobre esta questão, realizado em uma seção mobilizada na qual a condução de VR foi
ratificada, é o de Sandoval Flores (1985).
Foram documentados casos nos quais a opressão de gênero se articula com a estrutura hierárquica dentro do sistema
educacional e o controle político dentro do sindicato. Tipicamente estão envolvidos funcionários hierárquicos homens,
comprometidos com a direção sindical, e professoras de base. Ver, entre outros, Street (1992).
217
Tabela 3. Filiados ao SNTE (1964-1990)
Ano
Filiados
1964
180.000
1971
270.000
1979
548.356
1990
1.059.477
Fontes: 1964 e 1971, Peláez (2000); 1979, Arriaga (1981); 1990, Benavídes e Velasco (1992).
As mobilizações de 1979-1983 deixaram como herança uma grande experiência de
luta em muitos distritos, confiança em segmentos do professorado de que podiam se mobilizar
sem o apoio da direção do SNTE e uma frente oposicionista consolidada: a CNTE. O caráter
regional da rebelião sindical320 e a heterogeneidade da esquerda docente nesta etapa
contribuíram para que a CNTE não se institucionalizasse, mantendo-se como frente única de
organizações combativas. A rigor, nunca uma corrente alcançou a hegemonia dentro da
CNTE em escala nacional, e é comum que as disputas internas se expressem mais como
disputas entre lideranças de diferentes seções do que entre facções internas com presença
nacional. Esta característica, por sua vez, dificultou a cooptação orgânica da CNTE pelo
governo ou pela direção do SNTE.
Em 1988, escolhia-se um novo presidente do México, e um ano depois o SNTE
renovaria as suas autoridades. Como em outras oportunidades, esta dupla situação criou
tensões tanto dentro do PRI como dentro do sindicato. A eleição presidencial de 1988 foi
muito polêmica e pela primeira vez o partido dominante pôde perder, diante de uma coligação
liderada por ex-militantes do PRI (que depois se converteria no Partido de la Revolución
Democrática, PRD). As acusações de fraude eleitoral pairavam no ar e as tensões dentro da
direção do SNTE eram muito fortes quando começou 1989.
A CNTE convocou duas paralisações nacionais e deflagrou uma greve no dia 17 de
abril. Além dos estados com presença da esquerda (Chiapas, Oaxaca, Valle de México,
Chihuahua e Guerrero), a greve foi forte onde a esquerda parecia derrotada (Morelos, Hidalgo
e Michoacán) e em outros onde era fraca (Zacatecas, Jalisco, sur de Veracruz, etc.). Como não
320
Sobre este ponto, ver Arnaut (1992).
218
acontecia desde 1958, os professores do Distrito Federal também foram maciçamente à greve
(ARNAUT, 1992).
Como balanço do movimento, que se estendeu até 16 de maio de 1989, o professorado
conseguiu uma recomposição salarial superior a que foi inicialmente oferecida pelo governo,
Carrera Magisterial321, o reconhecimento dos opositores em algumas seções e a renúncia de
Jonguitud Barrios.322 Elba Ester Gordillo, quem tinha logrado controlar a conflituosa seção
XXXVI do Valle de México em começos dos anos ‘80 e integrava o CEN desde 1980,
ocupou a Secretaria Geral com o apoio do governo. Era a primeira vez na história do SNTE
que a principal liderança sindical era uma mulher. De qualquer modo, ainda que a tendência
de meio prazo fosse o crescimento da presença feminina nas instâncias de direção sindical, as
mulheres continuaram estando sub-representadas e a ruptura que significou a eleição de
Gordillo não deve ser exagerada.323
Gordillo trabalhou rapidamente para se consolidar no SNTE, separando lideranças
identificadas com VR e mostrando-se inicialmente mais aberta à CNTE. Duas lideranças da
Coordenadora se incorporaram ao CEN (ainda que a Coordenadora não se integrasse
organicamente) e a CNTE voltou a liderar seções reconhecidas como a VII (Chiapas), a XXII
(Oaxaca) e a IX (Distrito Federal) (ARRIAGA, 2002). Perante a essa maior abertura do CEN
da SNTE, nos anos seguintes cresceram as divisões dentro da CNTE e dois setores saíram
para criar Fracciones Democráticas e Nuevo Sindicalismo. A hegemonia do novo grupo
dominante progressivamente se ampliou, e em 2010 só a seção XXII de Oaxaca tinha um CES
opositor reconhecido.
A direção liderada por Gordillo se identificou como “institucional”. Em começos da
década de 1990 tinha na frente externa o Ministro de Educação, Manuel Bartlett, decidido a
avançar na descentralização; e na frente interna uma oposição fortalecida demandando uma
atitude menos negociadora. Nesse contexto, em 1991 o SNTE organizou oito paralisações e
três mobilizações (MURILLO, 2001). Mas, estas medidas de pressão eram conjunturais: os
321
Sobre o programa Carrera Magisterial, ver página 222.
Em 1984, a seção de Chiapas tinha logrado o reconhecimento de um novo CES, mas em 1987 a direção do SNTE
desconheceu essa direção. Isto dividiu o movimento, pois Linha Proletária (a organização majoritária) se integrou a uma nova
condução com maioria da VR, tática rejeitada por outros grupos. Em Oaxaca, a direção do SNTE não autorizou o congresso
eleitoral originalmente previsto em 1985, e chegou a cortar o envio das verbas sindicais para a seção (COOK, 1996).
323
Quando Gordillo ocupava a Secretaria Geral do SNTE, em começos da década de 1990, só três Secretarias Secionais do
SNTE, e de seções pequenas, eram dirigidas por mulheres (as das seções estaduais de Chiapas e Sonora, e a de professores
particulares) (BENAVÍDES; VELASCO, 1992). Dez anos depois, no triênio 2000-2003, quatro dos 54 integrantes do CEN, e
quatro dos 55 Secretários Gerais Seccionais, eram mulheres (menos de 5% em ambos os casos).
Os dados de uma das duas seções do estado do México do período de 2000-2003 permitem inferir que a porcentagem
feminina cresce conforme se descende na hierarquia sindical. Mesmo que fossem 56,12% dos 21.500 integrantes da seção
XVII do SNTE, as mulheres representavam menos de 10% dos 21 integrantes do CES, 21,18% dos 239 integrantes das
delegações sindicais e 35,75% dos 193 representantes de centros de trabalho (ALBA, 2005).
322
219
institucionais assumiram um discurso “modernizador” e estavam abertos a negociar as
reformas educacionais.
Uma ampla reforma estatutária foi realizada em 1992. Tiraram-se do estatuto sindical
as referências à VR e ao PRI, permitiu-se a representação proporcional na composição dos
Comitês Executivos e criou-se um Comitê de Ação Política. Este Comitê está destinado a
apoiar os professores que se candidatam para cargos de eleição popular, independentemente
do partido pelo qual se candidatam. Na década de 1990, a instalação desses comitês, nos
estados de Chihuahua e Puebla, permitiu ao mesmo tempo legitimar o SNTE como um
sindicato “plural” – porque não só apoiaram professores do PRI – e continuar apoiando o PRI
– porque a maioria dos candidatos continuaram se candidatando por esse partido (MUÑOZ,
2005).
É importante destacar que alguns elementos da tradição sindical hegemônica também
podem ser reconhecidos na CNTE.324 Isso pode-se reconhecer, por exemplo, no fato de que os
setores de esquerda também tendem a controlar os espaços hierárquicos do sistema
educacional. Em Chiapas, no contexto do ciclo de mobilizações aberto em 1979, os inspetores
chegaram a ser (informalmente) eleitos pelos professores (STREET, 1992). O caso de Oaxaca
é ainda mais cristalino. Era prática comum que o sindicato indicasse a metade dos chefes dos
departamentos e diretores de área (funcionários que estão fora do escalafón e são nomeados
pelas autoridades educacionais). Frente à pluralidade política do professorado em Oaxaca, na
década de 1990, decidiu-se que os chefes de departamentos fossem eleitos pelos inspetores de
cada departamento em eleições livres, diretas e secretas; e que com idêntico método, os chefes
de departamento escolhessem os diretores de área. Para administrar a rede federal transferida
na década de 1990, foi criado o Instituto Estatal de Educación Pública de Oaxaca (MUÑOZ,
2005). A direção deste Instituto parece com uma comissão paritária onde o governo e o
sindicato distribuem os espaços de poder e estabelecem as políticas educacionais do estado.
Também as práticas de controle trabalhista, fosse para mobilizar os professores ou
para impedir que se mobilizassem, atravessam tanto à direção do SNTE como à oposição325.
Há, de qualquer modo, duas diferenças significativas. Em primeiro lugar, os contingentes da
CNTE ou próximos da CNTE, nas seções onde não são reconhecidos ou tem pouco poder,
324
Não poderia ser de outra forma, mas as pesquisas realizadas sobre os segmentos de esquerda do sindicalismo docente
mexicano muitas vezes exageram as diferenças.
325
Sobre a utilização de práticas de controle trabalhista em Oaxaca, ver Cortés (2006).
Ver também a “Memoria del Primer Congreso Político de la Sección XXII” (2006), onde a própria seção XXII criticou a
existência de “Nepotismo, abuso de poder, favoritismo, amiguismo, compadrazgo, regionalismo, pago de facturas a los
grupos que los apoyan, divisionismo de las bases, violación recurrente de los derechos de los trabajadores y anarquía en la
asignación de nuevos cargos”.
220
naturalmente tem menos capacidade de levar a frente essas práticas (essas seções, por isso
mesmo, ordinariamente se mobilizam menos). Em segundo lugar, as tradições sindicais que
ambos os setores reproduzem são parcialmente diferente, porque os discursos que legitimam a
sua ação são antagônicos e porque efetivamente a CNTE organiza sistematicamente
manifestações, passeatas e greves.326
5.5.3 O SNTE frente às reformas educacionais e o fim do regime de partido dominante
O movimento sindical mexicano ficou em uma situação muito difícil perante a
implementação das reformas de mercado, já que, pela sua própria estrutura e a sua tradição,
não conseguiu fazer muito mais do que acompanhar o regime no seu projeto. Este projeto
teve, entre outras consequências, o enfraquecimento das bases de sustentação do próprio
sindicalismo. Mas, o SNTE constituiu uma exceção. A contínua expansão da base docente e a
manutenção da estrutura sindical foram duas chaves. A outra foi que o poder executivo do
governo mexicano debilitou-se de maneira associada ao fim da hegemonia do PRI. O SNTE
continuou participando do Congresso do Trabalho, e de suas internas, mas o grande campo de
atuação do SNTE passou a ser a arena política.
Após a resolução do impasse de 1989-1992, dois processos reestruturaram o cenário
no qual o SNTE atua: a reforma educacional e a transformação do sistema eleitoral mexicano
em um sistema competitivo. Ambos os processos estavam em agenda desde tempo atrás e
foram parte de uma mudança mais global da sociedade e do sistema político mexicano,
orientada a uma maior liberalização. A reforma educacional significou a transferência da
administração da rede federal de ensino aos estados, isto é, a ampla maioria do sistema
educacional. Houve também mudanças na carreira docente (com o citado programa de
Carrera Magisterial) e no sistema de ingresso ao professorado. O SNTE foi protagonista
dessas modificações na arena educacional, mas as mudanças no regime político foram um
processo que excedeu largamente o sindicato. Elas começaram em finais da década de 1980.
O PAN ganhou as eleições dos estados de Baja California (1989), Guanajuato (1991) e
Chihuahua (1992) e o PRD as do Distrito Federal (1997) e Michoacán (2001). Em 1997, o
PRI perdeu a maioria no Congresso e em 2000 e 2006 o PAN ganhou a presidência da
República.
326
Quando o SNTE em Puebla e Chihuahua se enfrentou com greves e mobilizações aos governos estaduais, na década de
1990, tratou-se de uma situação inédita. Eles não tinham “experiência” em confrontar, organizar greves ou protestos
violentos; não era o seu “estilo” e tinham uma “cultura” de “boa relação com o governo” (MUÑOZ, 2005, p. 112 e 152).
221
Em 1992, o SNTE, o presidente mexicano e os governadores de toda a república
assinaram o Acuerdo Nacional para la Modernización de la Educación Básica (ANMEB). No
acordo, o SNTE aceitou a descentralização e participou das negociações de uma nova lei de
educação promulgada em 1993, garantindo em ambos os casos (no acordo e na lei) o seu
caráter como o representante sindical dos professores transferidos. A situação gerou
ambiguidades legais que até o momento não tem afetado o SNTE. Alguns estados tiveram,
pela primeira vez, que administrar sistemas estaduais; enquanto os que já tinham sistemas
estaduais passaram a gerir dois subsistemas, porque em geral as redes federais transferidas e
as redes estaduais não se integraram.327
O orçamento federal para manter as redes descentralizadas é enviado aos estados
depois da negociação com o SNTE, e os descontos sindicais continuam sendo automáticos.
Por isso o poder financeiro do sindicato não foi afetado e inclusive aumentou, porque cresceu
a base sindical e provavelmente também cresceram outras vias de financiamento sindical.328 A
estrutura do SNTE não sofreu modificações de importância, pelo que o centralismo ainda é
muito pronunciado. Inclusive é normal a presença permanente de um integrante do CEN nos
estados, controlando a atividade dos CES.
A negociação salarial se desdobrou em uma etapa federal (na qual o principal ator é o
CEN, mas na qual também participa a CNTE, que organiza mobilizações nacionais) e outra
etapa estadual. Na etapa estadual, o salário dos professores da ex-rede federal não pode ser
modificado, mas são negociados os complementos salariais e as gratificações. Trata-se de
uma novidade, porque antes os estados podiam ter uma intervenção política nos conflitos
locais da rede federal, mas não econômica. Agora eles tem a pressão das seções federais
transferidas, e, muitas vezes, também as pressões das redes estaduais tradicionais. As
demandas niveladoras ressurgem constantemente e os estados incrementaram a sua
participação no pagamento de gratificações e componentes não salariais das remunerações dos
professores das redes transferidas.
A grande maioria das seções do SNTE continuou agindo de maneira unificada com o
CEN, mas setores oposicionistas (tradicionais e novos) ganharam uma maior capacidade
“estrutural” de incidência, pois é mais fácil pressionar no âmbito local e porque alguns
estados passaram a ser governados por partidos que favoreceram a oposição sindical ao
SNTE. O governo, por sua vez, ganhou maior capacidade de gestão sobre os conflitos
327
Para um balanço da descentralização (chamada federalização), ver Arnaut (2010).
Ainda que se tratasse de um tema opaco, o SNTE controla um fideicomisso de apoio à moradia dos professores, criado em
torno de 1990, que administra fundos de origem estatal. Antes, estas políticas dependiam diretamente de um organismo
desconcentrado do ISSSTE, criado em 1972, que continuou existindo. Ver Maldonado (2009).
328
222
docentes devido à possibilidade de desdobrar ou negociar de maneira diferenciada com os
setores mais mobilizados. A conclusão é que os cenários de negociação se diversificaram, mas
isto parece ter beneficiado o SNTE.
No ANMEB, foi estabelecido um sistema de avaliação voluntário associado a
incentivos econômicos, Carrera Magisterial. O programa é dirigido por uma comissão
nacional integrada por sete membros do sindicato e oito do governo e, como não estabelecia
punições, a maioria dos professores tinha se inscrito para ser avaliado. O sindicato perdeu
poder no programa a partir de uma reforma implementada em 1998329, mas alguns analistas
avaliam que o próprio programa promoveu a individualização das relações de trabalho e a
perda de poder do SNTE, que não reeditou em Carrera Magisterial o controle que teve e tem
sobre as promoções escalafonarias.330 Mas nenhum desses elementos parece ter ido muito
longe. O primeiro, porque existe uma forte cultura burocrática do professorado (frente à qual
a cultura da avaliação dificilmente se consolida); o segundo, porque o SNTE encontrou outras
fontes de poder, e particularmente um poder executivo mais fraco frente ao qual se afirmar.
Carreira Magisterial é semelhante a um escalafón horizontal cujo alcance se define nas
negociações SEP-SNTE.
Em 2008, o SNTE e a SEP assinaram a Alianza por la Calidad de la Educación,
segundo a qual, entre os temas mais sensíveis, as novas funções seriam preenchidas por
concursos. Isto provocou uma rebelião docente em vários estados e, particularmente, em
Morelos. Os professores foram à greve defendendo a prática tradicional segundo a qual a
função pode ser herdada quando o professor se aposenta. Esse acordo, diferentemente do
ANMEB, foi assinado pelo SNTE no contexto de uma relação de força muito favorável.
Provavelmente, tratou-se de uma resposta do sindicato à forte pressão pública porque no
debate político mexicano, diferentemente do que acontece na Argentina ou no Brasil, distintos
agentes culpam o sindicato pelos problemas educacionais. Essa reforma mostra um avanço
claro, mas inicialmente muito limitado do governo. Um segmento pouco significativo de
funções tem sido concursado.
A abertura do sistema político mexicano, isto é, o fim da situação na qual os conflitos
e negociações se processavam exclusivamente dentro do PRI, teve importantes efeitos sobre o
SNTE. De um lado, deu-lhe mais autonomia e capacidade de negociação. Os presidentes não
329
A reforma diminuiu o peso da avaliação do Conselho Técnico Escolar, conselho do qual participam o diretor da escola, o
representante do sindicato e outros docentes. Este Conselho qualifica o “desempenho profissional” do professor, item do qual
inicialmente dependiam 35 dos 100 pontos máximos que poderia obter o docente avaliado.
330
Ver Street (2000).
223
tem mais a força que teve Carlos Salinas de Gortari em 1989 quando conseguiu intervir no
mundo sindical com tanta determinação como para destituir as lideranças dos petroleiros e dos
professores. O parlamento se fortaleceu. Por outro lado, criou incentivos para que fosse
promovida a fragmentação do SNTE. Poderia se sintetizar a situação falando de um
fortalecimento político do SNTE, que é o elemento dominante, e de elementos de
fragmentação institucional.
Gordillo inaugurou um pragmatismo inédito que a levou estabelecer uma ótima
relação com o governo do PAN e a se relacionar também com lideranças do PRD. Em certa
medida, tem continuado a tarefa de Jonguitud Barrios, “fazer do SNTE um fator determinante
na vida de México” em um contexto político diferente e favorecida pela debilidade do poder
executivo. No novo milênio, Gordillo, quem era Secretária Geral do PRI, enfrentou-se com o
presidente do partido e perdeu. Voltou a se apoiar no SNTE, promovendo em 2004 a criação
de um novo cargo – “presidente” do SNTE – que ocupa desde esse momento. Paralelamente,
Gordillo se aproximou ainda mais do PAN e impulsionou a constituição de um partido
político identificado com o SNTE (o Partido Nueva Alianza, PANAL) e uma federação de
funcionários pública paralela à priista FSTSE (a Federación Democrática de Sindicatos de
Servidores Públicos, FEDESSP).
Nas eleições de 2006, que foram muito disputadas, a participação do SNTE foi
destacada. Ela envolveu a negociação com governadores do PRI e a mobilização eleitoral,
rigidamente centralizada e disciplinada, de milhares de quadros e muito dinheiro para garantir
a eleição do candidato do PAN finalmente eleito (MUÑOZ, 2010). Para dimensionar o que
significou a mobilização de quadros, basta dizer que o SNTE tem milhares de
“comissionados”; isto é, trabalhadores em educação liberados de suas responsabilidades
trabalhistas para se dedicar à atividade sindical.
A FEDESSP foi reconhecida em junho de 2005 pelo Tribunal competente, e continuou
ganhando espaços até que em 2009 a quantidade de espaços no TFCyA foi duplicada para
integrar à FEDESSP. Desde esse momento a representação dos trabalhadores nesse tribunal
ficou dividida (quatro para o FSTSE e quatro para a FEDESSP). Por outro lado, beneficiados
pela mesma abertura, diferentes setores (desde militantes do PRI até setores independentes
que queriam mais autonomia) promoveram sindicatos paralelos entre a base do SNTE. Não é
nova a existência de pluralidade sindical nas redes estaduais331, mas dessa vez, de maneira
331
Na rede estadual de Puebla, dois sindicatos (criados na década de 1980, que somavam dois mil filiados) disputavam a
representatividade da seção estadual do SNTE (com mais de 15 mil sócios). Esses sindicatos também estavam vinculados ao
PRI, e mesmo sem estarem registrados legalmente realizaram as gestões normais dos sindicatos docentes. São reconhecidos
224
inédita, as novas organizações foram criadas entre ex-professores da rede federal. Duas
resoluções legais da década de 1990 deram o marco legal para esse processo político
sindical.332 Em 2007, o TFCyA reconheceu dois sindicatos de trabalhadores que pertenciam à
seção X e XI (os do Instituto Politécnico Nacional e os dos técnicos e administrativos do
Instituto Nacional de Antropologia e Historia), ambos filiados à FEDESSP.333 Em 2006, o
TFCyA reconheceu o Sindicato Independiente de Trabajadores de la Educación de la Ciudad
de México, filiado à FSTSE, e também foram reconhecidos sindicatos estaduais formados em
sua maior parte a partir de rupturas do SNTE (como o de Tabasco e o de Yucatán). Alguns
destes novos sindicatos ainda são pequenos e podem ter pouca influência, mas a ruptura
institucional não deve ser menosprezada.334
Na base docente, a mobilização sindical em escala nacional que marcou os inícios, e
particularmente o final da década de 1980, não se reeditou. Os últimos vinte anos foram anos
de recuperação do salário docente e foi muito mais difícil organizar mobilizações nacionais no
cenário de descentralização descrito. A CNTE, que tinha sido o grande ator dessas
mobilizações, debilitou-se parcialmente. Isso se deve a que a sua institucionalização mostrou
a reprodução de práticas rejeitadas pelas mobilizações docentes dos anos ’80, à própria
abertura do novo CEN (que promoveu a divisão e integrou alguns setores que participavam da
Coordenadora), a certo desgaste das táticas de mobilização permanente e ao ceticismo em
setores de ativistas a respeito da política de conquistar espaços institucionais no SNTE.335
Mas, a CNTE continuou se mobilizando e atuando nacionalmente, consolidando esse certo
paralelismo estrutural ao qual tendem os movimentos radicalizados no SNTE. A constante
presença da CNTE paradoxalmente fortaleceu a capacidade negociadora do CEN do SNTE,
que aparece perante as autoridades como um ator comprometido com a paz trabalhista que é
garantia da governabilidade do sistema educacional.
pelas autoridades e o seu papel político era basicamente o de fragmentar o poder do SNTE (MUÑOZ, 2005). Também nas
redes estaduais de Tlaxcala, Veracruz e México atuam sindicatos independentes.
332
Duas sentenças da Corte Suprema de Justiça, na década de 1990, estabeleceram que o princípio segundo o qual em cada
dependência do governo federal atua só um sindicato viola a liberdade sindical e que é inconstitucional a aplicação da Lei
Federal dos Trabalhadores a Serviço do Estado (1963) aos funcionários dos organismos descentralizados.
333
Informação do website do Tribunal Federal de Conciliación y Arbitraje (www.tfca.gob.mx/tfcawhst/regsind.html).
Acesso em: 10 agosto 2010.
334
Segundo fontes jornalísticas, haveria 23 novos sindicatos reconhecidos atuando no âmbito das redes estaduais. Ver
“Crecen sindicatos contrarios al SNTE”, Agencia Reforma 09/02/2011.
335
Os trabalhos de Street (1997, 2000) são eloquentes de alguns dos debates dentro da CNTE.
Ver também Arriaga (2002) sobre as limitações do trabalho da CNTE dentro do SNTE.
225
O ambiente político cada vez menos repressivo336, a chegada aos governos de novos
partidos e a descentralização fizeram com que as velhas disputas entre setores internos do
SNTE e os governos fossem mais explosivas e que o SNTE tivesse relativamente menor
capacidade de disciplinamento. A situação foi aproveitada por militantes opositores ao CEN.
Em Michoacán, por exemplo, atuava um comitê democrático não reconhecido pelo CEN do
SNTE, mas apoiado pelo PRD, que governou o estado desde 2001. A descentralização
também beneficiou os professores da CNTE de Oaxaca, e talvez possa-se dizer que a
capacidade de ação de todos os contingentes da CNTE, em escala estadual, foi potenciada
pelo novo contexto.
Diferentes exemplos indicam que o controle sobre a gestão da força de trabalho
continua sendo uma característica relevante do SNTE e da sua relação com o Estado e com as
bases docente. Na década de 1990, os governos de Chihuahua e Puebla enfrentaram o SNTE.
Em Chihuahua se criaram Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento Educacional,
ocupadas por funcionários independentes do SNTE. Estes substituíram os diretores de escola
na administração das cooperativas e lojas de consumo escolar e tomaram funções que
realizavam as seções do SNTE, colocando sob questão o controle do sindicato sobre as novas
funções. O governo trocou os funcionários da comissão estadual mista de escalafón e, como
ficou com a metade da comissão e com o presidente, o sindicato perdeu o controle das
promoções escalafonarias. No âmbito da tradicional rede estadual de Puebla foram divididas
as funções de inspeção entre os inspetores acadêmicos (os tradicionais) e os administrativos,
que tinham responsabilidades sobre o outorgamento de funções, promoções, sanções
disciplinárias e autorização para mudar de escola ou cidade. Estes inspetores administrativos
eram nomeados diretamente pelas autoridades e não promovidos a partir do escalafón.337
Os professores tinham uma ampla tradição de participação no PRI, levada muito longe
pela Vanguardia Revolucionaria. As novas lideranças institucionais promoveram uma
abertura legal associada progressivamente a uma grande dose de pragmatismo real, mas se
mantiveram inicialmente no PRI. Isso se reproduzia nos níveis intermediários, porque em
muitas áreas rurais os professores e os camponeses continuavam sendo fonte importante de
336
Que o ambiente fosse menos repressivo não impede que os conflitos mais importantes (como as recentes greves de
Oaxaca em 2006 e Morelos em 2008) se caracterizassem por uma dureza repressiva, e uma resistência simétrica nos
docentes, difícil de encontrar na Argentina ou no Brasil.
337
Muitas das reformas foram desandadas quando o PRI voltou a ganhar o governo de Chihuahua (1998) e um setor do PRI
substituiu à facção anti-SNTE do mesmo partido em Puebla (MUÑOZ, 2005).
Também em Tlaxcala (com um governo do PRI) debilitaram-se inicialmente as funções de intermediação do sindicato
(ÁVILA, 2003).
226
quadros do PRI.338 Deve ser ressaltado que a participação orgânica do professorado no
sistema político (via sindicato) continua presente, embora agora em face de um cenário
eleitoralmente competitivo.339 A ruptura entre Gordillo e o PRI não significou a reedição com
o PAN dos vínculos que tinha o SNTE com o PRI, mas o começo de uma nova etapa na qual
as lideranças do SNTE utilizam o seu poder para estabelecer alianças pragmáticas com
qualquer partido. Essa estratégia tem morigerado os impactos negativos das transformações
educacionais, sociais ou políticas sobre a estrutura sindical e o regime de emprego docente.
A incidência do SNTE na política educacional colocou o sindicato e a sua condução
no centro de críticas e acusações. Também estimulou a reflexão acadêmica. Os pesquisadores
coincidem em que essa incidência é um fenômeno de larga data que ganhou nova dimensão e
relevância nas últimas décadas frente às mudanças políticas, ao projeto reformista e ao inédito
poder sindical.340 Para o problema da presente tese, é relevante destacar duas questões, uma a
respeito da relação com o governo, outra em relação à base docente.
A primeira questão é que a relação entre o sindicato, as bases docentes e o governo
continua sendo importante para a governabilidade política, porque o SNTE contribui para a
estabilidade do sistema educacional (MUÑOZ, 2008). As alternativas não parecem seduzir o
governo: um enfrentamento análogo ao de 1977-1983 seria realizado em condições muito
mais desvantajosas para o poder executivo, e uma eventual descentralização do poder sindical
não diluiria o poder sindical, mas produziria no futuro imediato atores poderosos
provavelmente concorrentes ou muito difíceis de controlar. Não deve se esquecer que
tradicionalmente o apoio dos governos às grandes lideranças docentes teve, também, o
fantasma da radicalização docente encarnada no Partido Comunista até a metade do século, e
na CNTE desde 1980.
A segunda questão é que as bases docentes – embora críticas de algumas condutas
sindicais341 – mantêm um espírito de corpo relativamente forte. As críticas públicas ao
sindicato e ao professorado, responsabilizando-os dos problemas educacionais, provavelmente
338
Em Puebla, na década de 1990, havia 27 professores que eram prefeitos, dos quais 22 eram militantes do PRI (MUÑOZ,
2005).
339
Isto não vale para Oaxaca. Em Oaxaca, na década de 1980, o partido político com mais professores prefeitos era o PRD
(MUÑOZ, 2005).
340
Ornelas (2008) caracteriza como de “colonização” e Reséndiz (1992) como “imbricação” a relação do SNTE com o
sistema educacional.
De maneira que não considero contraditória, porque se trata de uma análise de outra ordem, Street (1992a) colocou que o
poder do SNTE se exerce como controle sobre o próprio professorado, em uma parceria com o Estado.
341
Em uma enquete realizada a 131 professores primários de Morelos em 2006, 76% dos professores disseram que o
sindicato não representou os seus interesses, 46,6% opinou que o SNTE funcionou regularmente e 41,2% que funcionou mal
ou muito mal e 72% gostaria que o SNTE fosse reformado. A confiança nos dirigentes é muito baixa e a principal qualidade
que os trabalhadores valorizaram nas lideranças sindicais foi a honestidade (84,1%) (GÓNGORA, 2008).
227
reforcem esse espírito de corpo. Em um cenário trabalhista cada vez mais incerto, o SNTE é
reconhecido como o principal garantidor dos direitos trabalhistas dos docentes.
O reconhecimento da dimensão controladora do sindicato sobre os professores não
deveria obscurecer que a) favorecida pela consolidação de lideranças alternativas, herança da
década de 1980, os docentes tem canais de manifestação alternativos à condução sindical
(como pode-se ver em Michoacán, onde atuavam realmente dois sindicatos, um reconhecido e
outro “democrático”) e b) que existe, pelo menos em alguns segmentos, capacidade de
mobilização autônoma (como pode-se ver no conflito de 2008 de Morelos).
Como descrevi, embora potencialmente questionado pelo novo contexto político e
legal, o poder do CEN parece inclusive maior e mais incontestável do que dois ou três
décadas atrás. Um olhar superficial deixa a impressão de que o CEN faz com o SNTE o que
bem entende. De fato, os últimos Congressos foram quase clandestinos, sem que nem sequer
muitos dos delegados soubessem até pouco tempo antes onde seriam realizados. Uma
pergunta que fica pairando no ar depois do estudo do caso mexicano é se o pragmatismo de
uma condução efetivamente muito pragmática e com um grande poder interno sobre a própria
base, as lideranças de base e os quadros médios tem algum limite.
É verdade que a existência da CNTE (mais precisamente, o fantasma de uma potencial
mobilização maciça canalizada pelos quadros da CNTE) atua como uma pressão externa
sobre o CEN. Mas, considero que há outros dois mecanismos internos mais importantes. O
primeiro é o limite, pouco visível e processado dentro da própria agrupação que dirige o
SNTE, que impõe a própria base sindical. Este limite se expressa nas recomposições internas,
porque os diferentes grupos dentro da fração dominante disputam a representação da mesma
base e a adesão dos mesmos quadros. De fato, Carlos Jonguitud Barrios e Elba Esther
Gordillo ascenderam desde dentro dos grupos dominantes tradicionais levantando demandas
sindicais. O segundo é um limite cultural, que impõem os quadros sindicais. Eles estão
educados na defesa da educação pública, na pressão por mais orçamento, por mais salário, por
melhores prestações; aprenderam que a estabilidade trabalhista está fora de discussão, que a
unidade sindical é um grande valor, que a negociação trabalhista não deve ser descentralizada,
etc. Ainda que não contradiz o verticalismo e a grande capacidade de disciplinamento interno
que tem o CEN, este elemento da tradição sindical e a cultura política é um segundo limite,
localizado dentro mesmo, no coração da fração dominante. Esses dois mecanismos são
relativamente opacos, provavelmente difíceis de estudar, mas sem eles é difícil de entender
porque o CEN do SNTE não avalizou políticas mais radicais de reforma trabalhista.
228
6. COMPARAÇÃO SOCIOLÓGICA E ARGUMENTOS CAUSAIS. RETOMANDO O
MODELO ANALÍTICO
O presente capítulo retoma a estratégia analítica proposta no começo do trabalho e
assume a leitura da reconstrução histórica, tanto das características e condições de existência
dos docentes nos três países, como das práticas sindicais que levaram à frente. Debruço-me
simultaneamente sobre a Argentina, o Brasil e o México, porque a potencialidade do caminho
que escolhi para realizar a pesquisa reside na ponderação sistemática das diferenças e
semelhanças entre diferentes casos.
Organizei esta seção em três partes. Na primeira (6.1), retomo o processo de
surgimento e afirmação do sindicalismo docente de base. As ideias de “conjuntura crítica”,
“legado da conjuntura crítica” e “dependência da trajetória” ganham contornos históricos e
revelam-se como ferramentas analíticas que contribuem para entender os paralelismos, os
contrastes, as rupturas e as continuidades em três histórias nacionais. Além disso, volto a
caracterizar as diferentes modalidades de organização de categoria e de implantação na base
das entidades de professores.
Na segunda e na terceira parte do capítulo, trato da capacidade explicativa do marco
analítico que desenvolvi depois de estudar a história das práticas sindicais docentes na
Argentina, no Brasil e no México (Gráfico 1, p. 9). Estas práticas podem ser, e efetivamente
são, objeto de pesquisas orientadas por problemas diferentes daquele que guiou esta tese.
Consequentemente, a reconstrução que fiz dos elementos estruturantes e das mediações das
práticas sindicais provavelmente seria inadequada ou insuficiente para outras investigações.
De qualquer modo, o que me interessa nos pontos 6.2 e 6.3 é ilustrar a potencialidade
do marco analítico que desenvolvi para explicar as práticas sindicais docentes. Em outras
palavras, mostrarei que as características e as condições de existência do corpo de professores
permitem compreender algumas particularidades nacionais e históricas das práticas coletivas
dos professores públicos na Argentina, no Brasil e no México no século XX. Também que,
em idêntico sentido, para explicar essas particularidades foi decisivo conhecer as mediações
que operaram entre as práticas coletivas e os elementos que as estruturaram. Este marco
analítico pretende ter valor independentemente das lacunas no corpus de informação no qual
me baseei, dos possíveis erros na reconstrução histórica que apresentei e, inclusive, dos
eventuais desacordos com a procedência ou a relevância do problema de pesquisa que
construí.
229
6.1 Conjunturas críticas no surgimento e na afirmação do sindicalismo docente de base
As conjunturas críticas são períodos nos quais o fenômeno estudado muda de
qualidade e são a ele associadas características que tendem a reproduzir-se. Quando o objeto
de estudo é olhado em retrospectiva, essas características constituem os “legados” das
conjunturas críticas. Os legados tendem a se reproduzir – o que é chamado de “dependência
da trajetória”. Na presente pesquisa, que teve como objeto as práticas coletivas através das
quais os professores públicos se relacionam com os governos – que concentram as funções
econômicas e políticas a respeito dos assalariados docentes – identifiquei três conjunturas
críticas.
A primeira conjuntura crítica é o momento no qual se propagam as associações de
professores. Independentemente da capacidade dessas entidades levarem à frente ações
coletivas, ou de sua representatividade, a sua existência muda definitivamente as práticas
sindicais. A partir desse momento existem organizações que pretendem ser atores coletivos.
Conforme expliquei no capítulo 1, há uma tendência lógica a que estas organizações, que se
propõem a representar a categoria, canalizem as práticas sindicais.
A segunda conjuntura crítica é a implantação das organizações na base da categoria.
Nessas conjunturas as entidades docentes, tradicionais ou novas, ganham presença nas
escolas, na periferia das grandes cidades e no interior dos estados. A rigor, a eleição de
representantes de base sempre, e a extensão para o interior dos estados ou a federação de
entidades preexistentes às vezes, são expressões desse processo.342 A implantação das
organizações docentes na base da categoria é solidária aos processos de mobilização com
reivindicações trabalhistas, e os docentes ganham, nessas conjunturas, uma presença, até
nesse momento, inédita nas associações que pretendem representá-la.
A terceira conjuntura crítica é a consolidação do sindicalismo de base. A qualidade das
práticas coletivas docentes muda porque a gravitação da base de trabalhadores nas
organizações de professores, que aparece nos processos de implantação, afirma-se
definitivamente. Esta afirmação se expressa na Argentina e no Brasil em uma capacidade de
interpelar quase permanentemente os governos (com certa independência da mobilização da
base) e, de maneira associada, em um intenso processo de reorganização sindical. A
existência de uma rede de lideranças de base é uma condição de possibilidade para ambos os
342
As associações docentes argentinas, em termos gerais, federaram-se ou se expandiram para o interior das províncias mais
cedo do que as brasileiras. Dois elementos contribuem para entender esta diferença. Em primeiro lugar, os professores
argentinos mostraram, até a década de 1970, um maior ativismo e um perfil mais trabalhista nas suas associações. A
expansão da organização para o interior dos estados era, por isso, uma necessidade imperiosa para as entidades sindicais ou
proto-sindicais que se propunham a pressionar os governos. Em segundo lugar, no Brasil, existiam redes de ensino que
dificultavam a agregação de interesses entre professores das diferentes cidades de um mesmo estado.
230
elementos. No México, a consolidação do sindicalismo de base expressou-se mostrando uma
autonomia política inédita da direção sindical do SNTE frente ao governo. Nos três países, a
categoria já tem a capacidade de organizar greves nos estados periféricos, o que indica que
inclusive nesses segmentos o professorado tem a capacidade de enfrentar-se coletivamente
com os seus empregadores.
As conjunturas críticas caracterizadas deixam legados que podem ser reconhecidos
quando se estuda a história das práticas sindicais docentes. Isso não significa que os legados
permaneceram invariáveis, sem serem questionados. Inclusive, foram historicamente
possíveis modificações qualitativas nos legados, que finalmente não vingaram. Quem olhasse
a realidade do professorado argentino em 1953-1954, por exemplo, com as entidades liberais
tradicionais desativadas e o peronismo promovendo organizações afins, poderia com razão
pensar que se encontrava em um divisor de águas na história das práticas sindicais docente.
Mas, hoje, podemos entender a realidade pós 1956 praticamente sem analisar esse biênio,
porque as políticas de organização docente, promovidas pelo peronismo, não tiveram legados
duradouros. Esforcei-me em reconstruir essa experiência por outras questões: porque ela
apresenta semelhanças e diferenças com o caso mexicano; além disso, porque mostra como o
peronismo pensou a organização do professorado; e, finalmente, porque foi sim um capítulo
na história das associações docentes argentinas.
O mesmo cabe para as mobilizações do professorado brasileiro de 1956-1968. Nesse
período, realizaram-se, em alguns estados, as primeiras paralisações de professores, e as
entidades docentes foram tencionadas pela insatisfação de setores da base da categoria e de
algumas lideranças. Mas, as práticas sindicais não mudaram qualitativamente fundando uma
nova tradição sindical. Trata-se de uma etapa na qual a tradição forjada no período da
organização do professorado foi colocada em questão, modificou-se parcialmente (as
paralisações são, justamente, um dado novo) e acabou sendo ratificada. As lideranças e as
organizações, com exceções pontuais, praticamente não sofreram a repressão pós 1968,
justamente porque continuou vigente o paradigma segundo o qual as organizações docentes
eram entidades apolíticas respeitosas dos governos que encaminhavam as suas reivindicações
protocolarmente.
Identifiquei dois mecanismos que permitem entender como, em determinados
contextos políticos, sociais e educacionais, os legados das conjunturas críticas se projetaram
231
na história: 1) a regulamentação do trabalho e a atividade sindical docente; e 2) a tradição
sindical.
A regulamentação do trabalho e da atividade sindical docente é a parte mais estrutural
da “política estatal perante a atividade organizacional e reivindicativa da categoria”, e
contribui para explicar a “dependência da trajetória” das práticas sindicais docentes. O caso
mexicano é ilustrativo, porque algumas características das práticas sindicais docentes da
primeira metade do século XX (e particularmente o controle sindical do mercado de trabalho
e a carreira docente) só puderam se projetar na história porque foram ao mesmo tempo
parcialmente modificadas e consagradas na legislação do trabalho e da atividade sindical no
âmbito da rede federal. “Parcialmente modificados”, porque o Estado promoveu, por
exemplo, a unicidade sindical, que não era um elemento hegemônico na tradição sindical
docente. O mesmo vale para a simples exclusão ou a deficiente incorporação dos funcionários
públicos no edifício legal trabalhista do varguismo e do peronismo, para os estatutos docentes
sancionados na Argentina na segunda metade da década de 1950 e os promulgados no Brasil
na década de 1970, respectivamente. Nestes casos, a política estatal consagrada em leis
permitiu que se reproduzissem nas práticas sindicais docentes características presentes desde a
metade do século XX até a atualidade: a interpelação direta às autoridades (por métodos
diferentes, é verdade) como mecanismo de negociação trabalhista; a fragmentação
organizacional como realidade sempre presente e nunca totalmente conjurada pelos processos
de unificação; e uma participação informal, não regulada e limitada na regulamentação das
condições de trabalho e na carreira docente.
A tradição sindical, presente como “sentido da ação sindical”, constitui um elo entre
diferentes gerações de quadros docentes, e, eventualmente, entre distintas gerações de
professores. O sentido da ação sindical se constrói com elementos do contexto social, político
e educacional; potencia-se e se consolida nos processos de mobilização; e se corporifica nas
organizações da categoria. Isto é, constrói-se com elementos do contexto social, político e
educacional, como se pode ver claramente na década de 1920 nos elementos liberais,
revolucionários ou apolíticos identificáveis nas práticas sindicais dos professores da
Argentina, do México e do Brasil, respectivamente; e potencia-se e se consolida nos processos
de mobilização, que formaram centenas de quadros e aproximaram milhares e mostraram um
papel produtivo sobre as práticas sindicais das futuras gerações de trabalhadores; corporifica-
232
se nas organizações, por isso, é comum que as conjunturas críticas estejam associadas a um
profundo processo de reorganização do campo sindical docente.343
A associação entre tradição e organização não deve ser considerada de maneira rígida,
porque podemos achar continuidade institucional e profundas transformações nas práticas
sindicais (como é o caso da APRN, constituída em 1920 no Brasil). De qualquer modo, a
“dependência da trajetória” realiza-se no mesmo campo propriamente político, no qual
operam as mediações das práticas sindicais. Isto é devido tanto ao vínculo entre tradição e
organização quanto ao fato dos instrumentos de regulamentação do trabalho e da atividade
sindical expressarem, de certa maneira, a política estatal perante a atividade reivindicativa e
associativa da categoria.
6.1.1 A organização da categoria
Nas décadas de 1910 na Argentina e no México, e na década de 1930 no Brasil, a
existência de associações docentes começou a deixar de ser um fenômeno relativamente
marginal. Na Argentina e no Brasil, as formas de reivindicar melhoras trabalhistas
continuaram sendo basicamente protocolares. No México, diferentemente, a situação
pósrevolucionária possibilitou que o professorado confrontasse abertamente – concretamente,
com greves – com as autoridades.344
Os contextos políticos foram peças chave para que a se propagassem as organizações
docentes. Na Argentina, já existia pelo menos uma entidade relativamente importante, a
associação da província de Buenos Aires criada em 1900. Mas pode se dizer que entre 1912
(quando começou o fim do regime oligárquico) e 1919 (quando entidades de praticamente
todos os distritos se reuniram em um congresso) se propagaram as organizaçãos da categoria.
Os quadros que protagonizaram esse processo defendiam o projeto educacional liberal de
Domingo Sarmiento, a educação laica e o governo autônomo – com a participação docente –
do sistema educacional.
No México, a criação de associações foi principalmente obra dos docentes
revolucionários, aproximadamente entre 1915 (quando Venustiano Carranza ocupou o
343
Este foi o caso da Argentina (1957-1960 e 1982-1988) e do Brasil (1978-1980 e 1980-1990). Também do México, entre
1935 e 1943, mas depois da criação do SNTE o cenário organizacional do professorado mexicano ficou muito rígido. Mesmo
assim, na conjuntura na qual no México se consolidou o sindicalismo de base, surgiu um novo e importante ator do
sindicalismo docente mexicano: a CNTE.
344
Quando se reconstroem as greves, manifestações públicas, atos ou outras formas de pressão, em diferentes momentos do
século XX, não se deve esquecer que o seu significado muda nos distintos períodos e em cada país. As greves e as
manifestações eram estigmatizadas em começos do século XX nos três países, enquanto na Argentina do primeiro peronismo,
no México em boa parte do século XX ou no Brasil até 1964 os próprios governos organizavam manifestações e atos muito
numerosos. Nesse sentido, não tem o mesmo significado a greve de professores de Salvador de 1918 do que as greves
contemporâneas do professorado mexicano.
233
governo) e 1927 (quando se criou a Federación Nacional de Maestros). Nesse contexto, os
quadros docentes mais influentes participaram das centrais operárias, foram militantes
políticos dos governos pósrevolucionários, e aproveitaram essa situação para ter influência
sobre a carreira docente e certo controle sobre a sua base de representação.
A ruptura é menos clara no caso brasileiro, em que não houve uma onda de criação de
organizações docentes comparável a dos outros dois países. A partir de 1930 constituíram-se
algumas associações, mas esse processo, aparentemente, congelou-se com o Estado Novo
(1937), para florescer com a redemocratização do país (1945). Assim, a propagação das
associações da categoria, a primeira conjuntura crítica, produziu-se no Brasil em duas fases:
1930-1937 e 1945-1948. A tradição sindical constituída nessa conjuntura mantinha as
associações afastadas tanto da militância política como da educacional345, o que não era
contraditório com a destacada participação pública das lideranças docentes.
Considero que a heterogeneidade dos ambientes sociais e políticos, nos quais se
produziu essa onda generalizada de criação das organizações docentes, é o principal
argumento explicativo das diferenças no vigor da ruptura e nas tradições sindicais constituídas
nessa conjuntura crítica. O varguismo, aparentemente, foi, nos primeiros anos, simpático com
a ideia de organizar o professorado. Mas não teve um projeto de mobilização dos funcionários
como base de apoio, que foi o que aconteceu no México em um contexto sóciodemográfico
similar. Na Argentina, a propagação das associações docentes entre 1912 e 1919 pode ser
explicada pela existência de uma sociedade urbana, uma classe média relativamente
importante e um contexto político aberto.346 Provavelmente, o contexto análogo identificável
no Brasil, na segunda metade da década de 1940, contribuiu para explicar a intensa atividade
dos quadros docentes nesse período.
É difícil ponderar o papel da igreja católica na organização da categoria, que
efetivamente existiu tanto na Argentina quanto no Brasil. No México, diferentemente, os
enfrentamentos entre a igreja e os governos pós-revolucionários fizeram com que essas
experiências, caso existissem, fossem pouco relevantes. Na Argentina e no Brasil, o peso da
igreja na organização do professorado retrocede fortemente na segunda metade do século e,
no caso da Argentina, está claro que as entidades impulsionadas pela igreja perderam a
disputa pela representação da categoria quando o processo de mobilização da segunda metade
345
Inclusive, era comum que, tal vez com a parcial exceção do Rio Grande do Sul, as organizações de professores
hierarquizassem, entre as suas funções, as atividades recreativas.
346
Uma breve digressão fortalece este argumento. No Chile, na década de 1920, atuou uma forte entidade docente, com
alguns paralelismos com as organizações mais radicalizadas da Argentina do mesmo período (com as quais inclusive
organizou uma convenção internacional em 1928). A criação da Asociación General de Profesores é explicada por Núñez
(1986) como parte do processo da ascensão e irrupção das classes médias na sociedade chilena.
234
da década de 1950 deslanchou. Infelizmente, a vida interna dessas organizações não tem sido
estudada, mas o fato delas retrocederem quando a base docente entra em cena parece indicar
que, embora tivessem reivindicações trabalhistas, não tinham capacidade de canalizar as
demandas do professorado. Provavelmente, um conhecimento mais profundo nos levaria a
concluir que eram organizações da igreja, e não propriamente de professores católicos, que
atuaram (em condições muito favoráveis) no magistério.
Se excluirmos as organizações católicas, podemos concluir que a categoria se
organizou em duas formas típicas: as agrupações de ativistas e as entidades paralelas à
estrutura do sistema educacional estatal. Exemplos da primeira forma são as organizações que
promoveram as greves de Salvador (Brasil), Mendoza (Argentina) e o Distrito Federal
(México) em 1918-1919. Estas eram organizações estruturalmente débeis e só a mexicana –
pelas condições particulares da situação política pós-revolucionária – pôde sobreviver.
Exemplos da segunda forma são a Asociación Nacional del Magisterio do México (1911), a
Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos Aires praticamente durante as primeiras
três décadas do século XX e o Centro do Professorado Paulista desde a sua criação (1930),
pelo menos, até a década de 1960. A organização do professorado em associações paralelas à
estrutura do sistema educacional, nas primeiras etapas, era natural porque a organização da
categoria era, em parte, um projeto estatal. Os normalistas, que eram especialistas em
educação e ocupavam funções hierárquicas nos governos, viam com simpatia a criação de
associações docentes. De fato, o relativo reconhecimento estatal que tiveram muitas dessas
associações não decorria da capacidade de mobilização das bases docentes. Baseava-se na
interlocução com os governos, na articulação com os políticos e na presença nos debates
públicos.
No caso mexicano, após a revolução, estes dois formatos típicos se fusionaram porque
apareceram condições (que não existiram nem na Argentina nem no Brasil) para que ativistas
radicalizados se organizassem paralelamente ao Estado e fossem apoiados pelos governos.
Esses quadros protagonizaram o que chamei de organização através do estado, valendo-se da
relação com os governos pós-revolucionários para organizar rápida e, às vezes,
compulsoriamente o professorado. Esse fenômeno contribuiu decisivamente para explicar a
força que rapidamente adquiriram as entidades docentes no México.
Nos três casos, a tradição sindical docente se forjou tomando elementos ideológicos do
contexto social, político e educacional. É destacável, particularmente, a vinculação com os
235
projetos estatais de cada país.347 Essa se apresenta no radicalismo do professorado mexicano
(que é, na verdade, um desdobramento do discurso de legitimação da revolução mexicana) e
no peso do liberalismo e do projeto sarmientino (mesmo entre os quadros docentes da
esquerda argentina). As críticas das associações tradicionais argentinas ao governo de Perón e
dos setores do professorado mexicano aos governos conservadores da década de 1950 se
faziam, ideologicamente, em termos dos projetos educacionais e políticos de finais do século
XIX (Argentina) ou das décadas de 1920-30 (México). No Brasil, não existiu nem um
liberalismo radical com um projeto educacional audacioso (como na Argentina), nem um
governo que mobilizasse operários e camponeses (como no México). Nesse contexto,
aparentemente, o segmento mais significativo de docentes com um claro projeto
políticoeducacional não se organizou nas associações que pretendiam representar a categoria,
mas fora delas – por exemplo, na Associação Brasileira de Educação. Essa hipótese sobre o
caso brasileiro é arriscada, mas considero sugestivas as opiniões de Paschoal Lemme citadas
na página 152.
A necessidade dos governos pós-revolucionários de contar com quadros docentes
militantes no México; a pouca determinação dos governos que promoveram organizações
alternativas de professores e a legitimidade do projeto educacional liberal na Argentina; e o
rápido e efetivo controle da agitação política pelo governo militar no Brasil, foram os
principais elementos políticos, externos à atividade das associações e ativistas docentes, que
permitiram que as tradições sindicais constituídas na primeira conjuntura crítica pudessem
sobreviver até 1935 (México), 1957 (Argentina) e 1978 (Brasil).
6.1.2 A implantação do sindicalismo na base docente
O segundo processo que defini como uma conjuntura crítica é a implantação das
organizações docentes na base da categoria.348 A implantação é solidária à consolidação das
demandas trabalhistas como o eixo da atividade das organizações, ainda que a existência de
reivindicações trabalhistas não seja suficiente para indicar implantação.349 Os elementos estão
associados porque o que unifica os professores como categoria profissional é o fato de que
347
A data na qual se comemora o dia do professor na Argentina e no Brasil se relaciona a esta vinculação ideológica: na
Argentina é o dia da morte de Sarmiento e no Brasil é a data na qual se sancionou a lei que criou o ensino primário, no século
XIX.
No México, o dia do professor se comemora em 15 de maio desde 1833, sem que seja claro o motivo da escolha da data.
348
A implantação na base docente não deve ser confundida com a existência de organizações com uma taxa de afiliação
significativa na sua base de representação. Existiram organizações estendidas e com uma importante quantidade de filiados,
mas que não estavam insuficientemente implantadas na base (como as organizações do professorado paulista entre 1968 e
1978, ou a associação da província de Buenos Aires em alguns momentos das primeiras três décadas do século XX).
349
Entidades com fortes reivindicações trabalhistas, inclusive com quadros radicalizados à sua frente, estavam
insuficientemente implantadas na base da categoria. Este era o caso de algumas associações argentinas na década de 1920.
236
eles foram assalariados pelo estado para sustentar, com o seu trabalho, o sistema educacional.
É expressiva a manchete do jornal da Confederación de maestros, citado na página 117: “Un
representante por turno o por escuela no puede traducir sino la unanimidad para casos muy
limitados, como podría ser el aumento de los índices a lo que por ley corresponde”.
Efetivamente, as demandas econômicas “limitadas” são as que unificam qualquer categoria e,
por isso, a estabilidade no emprego e os incrementos salariais são demandas que naturalmente
aglutinam a base docente em qualquer contexto social e histórico, independentemente das
suas ideias políticas ou educacionais.
Nos primórdios das praticas sindicais, existiam associações docentes com
preocupações eminentemente pedagógicas, ou que se dedicavam a organizar atividades
recreativas. Considero que este fato expressa pelo menos duas circunstâncias. Em primeiro
lugar, que as associações não estavam implantadas na base. Por isso, as lideranças podiam
levar a frente os seus projetos com poucas pressões do professorado para fazer da melhoria
das condições de trabalho e emprego o eixo da sua atividade. Em segundo lugar, expressa o
peso que tinham nesse período elementos que perderam importância ao longo do século XX:
um segmento da categoria era reconhecido socialmente como “especialista em educação”; e
as mulheres – particularmente as mulheres que trabalhavam em empregos feminilizados – não
estavam legitimadas como sujeitos de reivindicações trabalhistas. Em síntese: os dois
elementos que defini como característicos do sindicalismo docente de base (entidades o
movimentos com demandas eminentemente trabalhistas que legitimamente podem se
confrontar com os governos e que baseiam a sua ação em uma rede de lideranças de base)
estão conectados.350
A implantação na base das organizações docentes encontra-se estreitamente associada
aos processos de mobilização docente, porque é neles que os trabalhadores participam mais
ativamente da vida sindical; que novos ativistas surgem; e que as lideranças se formam. E
também é neles que as organizações tem de se fortalecer para negociar com os governos. O
sindicalismo docente implantou-se na base da categoria de duas maneiras típicas: através do
Estado ou através da mobilização do magistério.
O sindicalismo docente mexicano implantou-se na base através do Estado entre 1935 e
1943. As mobilizações dos professores em 1935-1940 foram parte das mobilizações do
350
Cormick (2005), estudando as entidades da província de Buenos Aires entre 1958 e 1988, caracteriza a associação
tradicional como uma entidade próxima do profissionalismo “estamental”; enquanto as principais organizações que atuassem
nas etapas seguintes (entre as que se encontrava a FEB, constituída em 1959, e o SUTEBA, criado em 1986) seriam
“corporativistas”. Interessa destacar que, segundo Cormick (2005) as organizações corporativistas nascem nesta etapa e que a
tendência dessas três décadas mostra um avanço da concepção corporativista. Isso expressa, nos termos nos quais eu
trabalhei, o surgimento e a consolidação do sindicalismo docente de base.
237
funcionalismo, normalmente apoiadas por alguma facção do partido ou da coalizão
dominante, na etapa mais radical dos governos pós-revolucionários. Cabe lembrar que os
docentes eram agentes da reforma agrária e da educação socialista, duas das mais
controvérsias políticas cardenistas. A minha hipótese é a de que a implantação na base da
poderosa e sólida estrutura burocrática e administrativa do SNTE, na década de 1940, não
pode ser entendida sem a mobilização docente da década anterior, e, muito menos, sem as
centenas dos quadros que se formaram e a experiência que se consolidou na categoria. Essas
eram uma formação e uma experiência que consagravam a organização da categoria através
do Estado, processo cujos antecedentes podem ser identificados na década de 1920.
Na Argentina, o peronismo tentou organizar o professorado através do Estado,
particularmente entre 1950 e 1955, mas esse projeto fracassou. Em um ambiente
cronologicamente próximo, mas politicamente muito diferente, as associações docentes
argentinas implantaram-se através da mobilização entre 1957 e 1960. No Brasil, o processo de
mobilização aberto no final da década de 1950 não chegou a implantar as organizações na
base, e o caracterizei como de implantação falida através da mobilização. As entidades
brasileiras de professores implantaram-se na base da categoria nas greves de 1978-1980.
Na segunda metade da década de 1950, importantes mobilizações docentes nos três
países apareceram. Pelo fato de serem contemporâneas, analisá-las permite olhar o diferente
grau de desenvolvimento do sindicalismo docente de base e as particularidades nacionais que
ele assumia.
As mobilizações no Distrito Federal mexicano mostraram, ao mesmo tempo, a forte
herança sindical das décadas anteriores, corporificadas no professorado da cidade do México,
e a grande contribuição do SNTE à governabilidade do sistema educacional, expressada nos
recursos e na política da direção sindical. A greve pré-anunciou algumas das características
que assumiriam as práticas sindicais docentes no México quando o sindicalismo de base se
consolidasse. Em primeiro lugar, isso ilustra o fato de que o segmento mais concentrado da
categoria pode se enfrentar em bloco com o governo e com as lideranças nacionais baseado na
sua própria rede de lideranças de base (diferente das greves da década de 1930). Em segundo
lugar, mostra as dificuldades que enfrentou um movimento opositor em relação à direção
sindical para controlar a direção sindical local ou criar uma organização paralela. Essa
mobilização fundou uma tradição relativamente marginal, mas com continuidade, que se
expressou em uma organização vinculada ao Partido Comunista: o Movimiento
Revolucionario del Magisterio.
238
Entre 1957 e 1960, na Argentina, muitas das organizações e dos quadros tradicionais
estiveram dispostos a encabeçar a mobilização da categoria, como ocorreu em Córdoba e em
Santa Fe. Em outros casos, como na província de Buenos Aires e talvez, parcialmente, na
cidade de Buenos Aires, o ativismo promoveu a criação de novas organizações. A tradição
sindical forjada no período de 1913-1919 foi em certa medida reabilitada, porque o contexto
era justamente de reabilitação das lideranças tradicionais e do liberalismo após o golpe que
acabou com o peronismo. É expressivo que a principal organização criada nesta etapa, a FEB
(Buenos Aires), identificava-se com o ideário de Domingo Sarmiento tanto como a associação
tradicional com a qual disputava a representatividade da categoria.
As práticas sindicais docentes mudaram qualitativamente entre 1960 e 1976? É um
tema a ser discutido e, além disso, falta sistematizar informação empírica para ser conclusivo.
Estou argumentando que não. O que encontramos, a partir de 1969, é 1) uma nova onda de
mobilizações docentes; e 2) a radicalização política de quadros jovens que confluíam com um
setor das lideranças tradicionais para integrar, subordinadamente, a mesma organização
nacional (a CTERA). Nem a mobilização nem a radicalização são, no contexto deste trabalho,
critérios suficientes de ruptura. Considero que o que aconteceu é que se repetiu o processo de
implantação na base das mobilizações de 1957-1960. Formaram-se centos de quadros e,
talvez, a consolidação do sindicalismo de base tenha começado em alguns distritos. O perfil
militante de alguns quadros tradicionais, uma mobilização mais profunda no final da década
de 1950 e o fato do interregno de desmobilização repressiva ter sido muito limitado (19661969) contribuem para explicar uma confluência que não existiu (ou existiu muito
parcialmente) no caso do Brasil.
No Brasil, o sindicalismo docente não se implantou na base das mobilizações de 19561968. Em outras palavras: a relação com a base da categoria não mudou qualitativamente,
embora aparecessem elementos novos (pressão da base docente, disputas pela liderança em
alguns distritos e dirigentes tradicionais que canalizaram a insatisfação trabalhista
organizando protestos coletivos). Com o fechamento repressivo da situação política, em 1968,
a tradição sindical prévia foi ratificada e a maioria das lideranças continuou atuando durante o
governo militar.
Essa situação é um dos elementos que contribui para entender por que em 1978
pareceu que uma panela de pressão explodiu. Nessa panela estavam a fragilidade de todas e o
conservadorismo da maioria das organizações tradicionais; a descontinuidade entre uma nova
camada de ativistas e as lideranças tradicionais; e a debilidade das mobilizações da década de
239
1960 (que não tinham criado tradição). O autoritarismo do governo, um forte discurso
renovador na esquerda brasileira, o protagonismo desta esquerda no processo de
democratização, um crescimento acelerado do sistema de ensino e provavelmente as piores
condições de emprego dos três países contribuiriam para agigantar a ruptura.
6.1.3 A consolidação do sindicalismo de base
Nas décadas de 1970 e 1980 o sindicalismo docente de base consolidou-se nos três
países. Além da evolução dos elementos estruturais das práticas sindicais (à qual farei
referência no ponto 6.2), a existência de grandes mobilizações docentes e de uma onda
“longa” de normalidade institucional contribuiu para essa consolidação, com políticas
repressivas moderadas, abertura política e funcionamento dos estatutos docentes. Uma
mudança ideológica, associada ao surgimento e à consolidação do sindicalismo de base,
permitiu a afirmação pública dos professores como funcionários que podiam se opor ao
mandato estatal (liberal, revolucionário ou tecnocrático). Ainda que existam antecedentes de
atitudes desse tipo, a escala e a persistência dessa ruptura caracterizou a etapa e a distinguiu
das anteriores.
No México, a consolidação do sindicalismo de base pode se datar entre 1977, quando
assumiu o poder um governo que o sindicato enfrentou, e 1983, quando as mobilizações
retrocederam fora do controle da direção sindical. As rupturas nas práticas sindicais foram
duas. A primeira é muito visível. Como tem sido amplamente estudado, surgiu uma corrente
com presença no centro e no sul do país, hegemônica em alguns estados, que promoveu
mobilizações de massas e identificou-se com a esquerda (a CNTE). Este segmento pode ser
comparado com o das novas lideranças da Argentina (1969-1976) e do Brasil (1978-1983),
pois expressa a radicalização política de setores dos quadros docentes, mas no México teve
condições muito difíceis para se desenvolver e participou parcialmente de uma cultura
trabalhista e sindical da qual não há paralelos nos outros dois países. Desse modo, uma parte
do sindicalismo docente passou a canalizar as demandas de maior enfrentamento da base. A
CNTE preservou, recriou e reelaborou uma tradição sindical forjada nesse contexto e é, nesse
sentido, um legado da consolidação do sindicalismo docente de base no México.
Em relação à segunda ruptura, também reconhecida pelos especialistas mexicanos,
estou tentando lê-la em uma chave diferente. A condução do SNTE, pela primeira vez,
enfrentou o governo apoiando-se em uma mobilização docente maciça. Mobilização, nesse
contexto, não quer dizer exclusivamente “confronto aberto e coletivo”. O SNTE mobilizou a
240
sua base de diferentes maneiras, boicotando funcionários, bloqueando diretivas educacionais
e, também, com greves e passeatas; e conseguiu que o governo negociasse a descentralização.
No conflito, os quadros docentes não mostraram lealdade nem ao partido político do qual
participavam nem às autoridades educacionais, mas ao sindicato. Nesse contexto a
implantação na base, que tinha adquirido um forte caráter administrativo nas décadas
precedentes, sem perdê-lo, ganhou caráter sindical. A capacidade de se enfrentar com o
governo, que o SNTE mostrou naquela oportunidade, se manteve, em termos gerais, até à
atualidade, e não precisou se manifestar. A mobilização é relativamente alheia à tradição
sindical hegemônica e, embora tenham existido conflitos abertos, as forças entre ambos, o
sindicato e o governo, medem-se muito mais nas oficinas e dentro da burocracia educacional
do que nas ruas e no cenário público.
A bibliografia mexicana tem insistido nas características das direções sindicais (da
Vanguardia Revolucionaria e dos militantes “institucionais”), na sua relação com o Estado e
com as políticas estatais, no seu enfrentamento com os “modernizadores” e no pragmatismo
(no caso dos institucionais). O sindicalismo, que tinha se construído através do Estado,
apoiado nos governos do Partido Revolucionario Institucional, ganhou crescente
independência e poder de negociação frente aos governos a partir de uma (ratificada) relação
privilegiada com o Estado. A minha hipótese é a de que essa mudança não pode ser
compreendida cabalmente sem considerar a existência de uma base sindical diferente; uma
base sindical maior e mais concentrada (que se sente mais forte frente ao seu empregador);
que praticamente não depende dos políticos, mas sim do sindicato; consolidada como base de
sistemas burocratizados; que já não é um modelo de conduta cívica e que tem mais demandas
para com o sindicato. Qualquer projeto sindical precisa de uma base coerente para se realizar.
Na Argentina e no Brasil, o sindicalismo docente de base consolidou-se na década de
1980. Na Argentina, em alguns distritos, talvez tenha começado antes do golpe militar de
1976. Mas se afirmou entre 1982, com a retomada da atividade sindical, e 1988, com a
consolidação de uma nova direção na CTERA. No Brasil, a consolidação do sindicalismo de
base começou logo depois das mobilizações de 1978-1980 e se estendeu até 1989, quando a
CPB transformou-se em CNTE e a hegemonia da nova direção de confederação, eleita em
1987, foi ratificada. As unificações e rupturas sindicais, a organização de mobilizações
nacionais, as duras disputas pela direção das confederações nacionais, a organização de
núcleos no interior dos estados e a eleição de representantes de escola (processos que
caracterizaram a conjuntura em ambos os países) foram possíveis pela existência de uma rede
241
de lideranças de base relativamente forte. Este é um fenômeno novo, presente até à atualidade,
que explica porque, mesmo em um sistema de negociação trabalhista institucionalmente
inexistente ou muito fraco, as entidades conseguem ser interlocutoras ou interpelar os
governos inclusive nos contextos de desmobilização da categoria.
No Brasil e no México transformou-se também a articulação entre docentes (e
particularmente quadros docentes) e partidos. No Brasil, muitos quadros sindicais, talvez a
maioria, formaram-se confiando no fato de um governo do PT ser condição importante para
ver atendidas as suas reivindicações trabalhistas. Estes, consequentemente, fizeram da sua
militância sindical também uma militância política. Porém, houve outros que fizeram o
caminho inverso e, da sua militância política, fizeram um projeto sindical. Essa dinâmica
possibilitou grandes tensões internas dentro do sindicalismo quando o PT chegou ao poder.
No México, a tendência é inversa, no sentido em que o sindicalismo docente ganhou uma
crescente autonomia e decidiu com pragmatismo como intervir no sistema de partidos.
Entretanto, tal pragmatismo e autonomia não podem ser totalmente compreendidos sem
considerar o alto grau de centralização do poder sindical.
As greves e as manifestações como métodos de luta dos professores consolidaram-se
na etapa aberta por essa conjuntura. Nas últimas três décadas, quando contamos com dados
que permitem comparar os movimentos grevistas dos professores públicos com os das outras
categorias de assalariados, as greves dos professores públicos na Argentina e no Brasil
envolveram mais trabalhadores e foram mais longas. A situação mexicana – para a qual não
encontrei material estatístico – é mais heterogênea e a existência de greves docentes depende
da tradição sindical de cada estado. Na maioria dos lugares, elas são um fenômeno raro, que
aparece em contextos particularmente críticos da relação com os governos ou da mobilização
docente de base. Isso se expressa em escala nacional, pois os protestos nacionais convocados
pelo SNTE são igualmente raros e o núcleo que dirige o SNTE se apóia em um setor com
pouca tradição de mobilização. Com efeito, se considerarmos os casos de SUTEBA (Buenos
Aires, principal sindicato de base de CTERA), APEOESP (São Paulo, principal sindicato de
base da CNTE) e da seção XXXVI do SNTE (da ex-rede federal do Valle de México, a
periferia do Distrito Federal) o contraste fica mais claro. Os três agrupam segmentos análogos
e são os sindicatos de base dos atuais presidentes das três organizações (Stella Maldonado,
Roberto Franklin de Leão e Elba Esther Gordillo). Mas, a seção XXXVI raramente organiza
242
paralisações, mostrando que as medidas de ação direta não formam parte da tradição sindical
do núcleo dirigente do SNTE. Isso não vale nem para a Argentina nem para o Brasil.
Alguns autores consideram que a gravitação das greves do setor público, na Argentina
e no Brasil, decorre basicamente de um sistema de negociação trabalhista deficiente.351
Considero que é um argumento insuficiente. A institucionalização da negociação coletiva,
demandada a partir da década de 1980, só tem avançado significativamente na Argentina, na
última década. Ate agora, ela não parece ter significado uma queda significativa dos conflitos.
Dificilmente os avanços nesse sentido mudarão o cenário sindical docente em uma escala
comparável à que aconteceu quando o estado regulamentou a negociação coletiva no setor
privado, porque existem outros elementos que devem ser considerados para entender os
conflitos trabalhistas docentes.
O emprego docente ainda está muito concentrado, embora pode se identificar uma
tendência recente à sua des-concentração. Enquanto no setor privado a maioria dos
trabalhadores labora em pequenas e medianas empresas, a maioria dos professores, nos três
países, ensina em redes nas quais trabalham milhares de docentes. A existência destes
“grandes empregadores”, e a agregação de interesses (entre trabalhadores, possibilitada pelos
estatutos), estimulam que milhares de docentes participem dos conflitos.
Os instrumentos de regulamentação do trabalho não só agregaram interesses entre
diferentes segmentos da categoria, também garantiram a estabilidade de emprego para uma
parte importante dos trabalhadores e foram parte de uma tradição (ratificada no contexto da
estabilidade institucional post-democrática na Argentina e no Brasil) na qual não há
demissões de professores concursados. O mecanismo mais primário de controle trabalhista,
que é a demissão seletiva de ativistas, não opera, ou opera muito deficientemente no caso do
professorado.352 Como as greves docentes não afetam as contas fiscais, para os governos é
uma alternativa sem custo econômico, realista, ir ao conflito sistematicamente nos casos da
Argentina e do Brasil e apostar no desgaste do sindicato. O sindicato mexicano é mais
poderoso, e nesse caso sim um enfrentamento é mais arriscado, porque o sindicato pode
negociar utilizando a sua potencial capacidade de desgastar fortemente o governo. Estes
últimos dois elementos (a estabilidade trabalhista dos trabalhadores e o custo econômico
351
Noronha (2009, p. 138), referindo-se ao caso brasileiro, indica que a “ incapacidade que todas as esferas de governo têm
demonstrado em profissionalizar as negociações é o principal fator que explica a diferença, cada vez mais acentuada, do
tempo médio necessário à solução dos conflitos entre os setores público e privado”.
352
Existiram demissões de ativistas na década de 1970 na Argentina, nos últimos anos da ditadura no Brasil e no México
inclusive recentemente (Morelos, 2008). Mas, em todos esses casos os governos permitiram o reingresso dos ativistas ao
sistema (no caso da Argentina, após a redemocratização do país).
243
inexistente das greves) não estão presentes na rede privada, e isso contribui para entender por
que existem menos conflitos trabalhistas.353
6.2 Os elementos estruturantes das práticas sindicais como elementos explicativos
As práticas sindicais se explicam, parcialmente, pelos elementos que as estruturam.
Apresentei-os no primeiro capítulo e os descrevi no seguinte. Estes elementos, em geral, não
se transformam por rupturas. Trata-se de processos de mudança de médio ou longo prazo, ou
de condições que não se modificaram ao longo do século XX. Interessa-me reconsiderá-los
após a reconstrução dos casos nacionais, justamente para mostrar que efetivamente pode se
reconhecer historicamente como estes elementos estruturaram as práticas sindicais.
6.2.1 Relação política entre o professorado e os governos
Identifiquei três características vinculadas ao emprego e ao trabalho docente que
estimularam os vínculos dos professores às instituições estatais e à política. Em primeiro
lugar, a capacidade do governo, como empregador, de controlar e mobilizar politicamente a
categoria; em segundo lugar, a vinculação natural dos professores com legisladores e
políticos, porque os regimes de emprego, as condições trabalhistas e o conjunto do projeto
educacional é um projeto estatal; finalmente, os sentidos políticos, que são parte da tarefa
docente e expressam projetos educacionais específicos.
A capacidade governamental de controlar e mobilizar a categoria estava associada,
desde o ponto de vista dos professores, a uma grande dependência dos governos em todas as
questões relativas à carreira docente. Essa capacidade e essa dependência perderam
importância com a expansão e burocratização do sistema e com a regulamentação do trabalho
docente. Essa situação permitiu que os quadros e ativistas docentes atuassem com mais
liberdade. Na Argentina e no Brasil, praticamente, não há demissões nem perseguição sindical
a partir da redemocratização de ambos os países, e, no México, (onde sim houve, embora não
353
O caso dos professores das redes pública e particular de Brasília, estudado por Resende (2004), fortalece este argumento.
Eles estavam organizados na mesma entidade sindical – o que impossibilita explicações exclusivamente políticas, em termos
do tipo de condução sindical, porque era a mesma. A taxa de afiliação, maior na rede pública, cresceu na década de 1990 em
ambos os segmentos.
Entre 1991 e 2002 não foi deflagrada nenhuma greve dos professores da rede privada. A Convenção Coletiva de trabalho dos
professores da rede particular, em 1997, estabeleceu um Foro conciliatório para os conflitos, no qual se resolviam mais de
60% dos problemas trabalhistas. Além disso, o sindicato patronal se preocupava em cobrar das empresas o respeito à
legislação para evitar a concorrência desleal. Do lado dos trabalhadores, o temor à demissão era tão grande que a principal
demanda judicial trabalhista era o pagamento de verbas rescisórias; isto é, tratava-se de demandas estabelecidas depois do
fim da relação trabalhista. Em termos salariais, 80% dos professores (porque os salários são negociados diferencialmente
dentro da categoria) as perdas devidas à inflação entre 1995 e 2001 recompuseram-se e inclusive esse setor ganhou aumento
real de 3,2.
No setor público, em idêntico período de tempo, foram decretadas cinco greves que somaram 224 dias. Só na última, em
2002, conseguiram um incremento salarial, de 10%.
244
na escala das décadas de 1930 e 1940, por exemplo) os ativistas separados do sistema em
geral conseguiram se reincorporar.
A mobilização política do professorado não significava necessariamente mobilização
por meio de acordos com lideranças sindicais (como foi sim o caso do México). O
normalismo, por exemplo, pode ser visto como um projeto de mobilização política do
professorado. De fato, o normalismo foi alavancado com intervenções muito diretas das
autoridades no corpo de professores, nomeando diretores e inspetores, trasladando, demitindo
ou punindo docentes, etc. Interessa ressaltar que, também nesse sentido, a capacidade
governamental retrocedeu. O tamanho da categoria, a burocratização (da administração
educacional, do próprio estado e dos regimes de trabalho docente) e a própria ação coletiva
dos professores constituíram importantes limitadores da capacidade de mobilização política
do professorado pelos governos.
A pressão reivindicativa do professorado se exerceu sobre parlamentos, governos e
ministérios. Trata-se de um elemento estrutural, decorrente da própria situação como
funcionários públicos. Mas, podem se identificar importantes diferenças entre os países e
mudanças históricas no tipo de relação com as instituições estatais, não só pela radicalização
das formas de pressão, mas pela transformação dos vínculos entre os quadros docentes e o
sistema de partidos. Na Argentina, as lideranças da categoria foram frequentemente opositoras
aos governos354, enquanto no México a situação foi exatamente inversa. Esta é uma das
chaves para entender que a pressão sobre os governos seja normalmente externa no primeiro
país e interna no segundo, fato constitutivo da diferente tradição sindical dominante em cada
país, particularmente. A Carpa Blanca, na Argentina, e o ANMEB, no México, dois
principais processos de negociação encarados na década de 1990 pela CTERA e o SNTE,
ilustraram ambos os casos. Ressaltei, no ponto anterior (6.1.3, p. 240), as importantes
mudanças que podem se identificar na relação entre lideranças docentes e o sistema de
partidos, no Brasil e no México, nas últimas décadas do século XX. Aqui cabe destacar que
estas se encontram articuladas ao fenômeno estrutural dos professores pressionarem com
demandas trabalhistas às instituições estatais. No Brasil, a identificação das lideranças e dos
quadros docentes com o PT fez com que a pressão sobre os governos petistas fosse maior do
que a que mostraram outras categorias de assalariados e, além disso, fez com que o governo
federal do PT, a CNTE conseguisse conquistar o piso salarial nacional sem um processo de
354
As principais lideranças docentes argentinas foram opositoras aos governos do período 1930-1950. Também o foram entre
1966 e 2003, com algumas exceções conjunturais (como a aprovação da gestão educacional de 1973, as vinculações com a
maioria legislativa peronista eleita em 1988 e a breve participação no governo eleito em 1999).
245
mobilização particularmente profundo. No México, a agressiva, pragmática e bem sucedida
política do SNTE em relação aos partidos políticos lhe permitiu limitar consideravelmente os
impactos da descentralização e o fim da hegemonia do PRI, assim como pressionar por maior
orçamento educacional e garantir certa recuperação dos salários docentes.
Os sentidos políticos, que expressam projetos educacionais específicos, participam da
tarefa docente. Na prática sindical docente contemporânea, por exemplo, normalmente
aparecem combinados alguns sentidos vinculados ao normalismo (porque a defesa da
capacidade de autoregulação da profissão docente é sempre parcialmente uma herança do
normalismo), à educação popular (com ênfase no fato de que a educação é uma das chaves da
emancipação da população pobre) e às perspectivas mais economicistas (segundo as quais a
educação é importante para o desenvolvimento econômico do país). Considero que estes
sentidos constituem, para os professores, outras trincheiras não especificamente trabalhistas
desde as que se deve enfrentar, ou outros espaços a partir dos quais se pode acordar com as
políticas promovidas pelas autoridades de ensino. Esse elemento estrutural pôde ser visto, na
década de 1940, na oposição das associações tradicionais argentinas ao peronismo, e da
esquerda docente mexicana à virada conservadora do regime. É uma das chaves para
compreender as diferenças entre o sindicalismo docente mexicano pós-revolucionário e os
casos contemporâneos da Argentina e do Brasil, porque no México o radicalismo ideológico
da política educacional das décadas de 1920 e 1930 teve um correlato muito claro na
radicalização política dos quadros docentes. Assim, para um segmento do ativismo docente, a
disputa pelo projeto educacional de um país – a promoção da educação socialista e da reforma
agrária no México dos ‘30; a democratização da escola no Brasil dos ‘80; a oposição às
reformas educacionais neoliberais na Argentina e no Brasil na década de 1990 – outorgou à
militância sindical um sentido transcendente dos problemas econômicos dos trabalhadores. É
comum, no movimento sindical, que demandas econômicas se politizem, ou que determinadas
condições ou posições políticas sejam parte das disputas trabalhistas. O específico, na
categoria docente, é que a disputa pela orientação e o sentido do trabalho tem muita
importância nessa politização da atividade sindical.
6.2.2 Expansão e desenvolvimento do sistema educacional
O constante crescimento da categoria encontrou-se estreitamente associado, de um
lado, ao crescimento populacional e, de outro, à expansão da cobertura do sistema escolar e
dos anos de escolarização. Este crescimento contribuiu para que o professorado tivesse uma
246
menor dependência organizacional do pessoal hierárquico e se sentisse com mais força para
enfrentar as autoridades. Não é casual que as greves de finais da década de 1950 eclodissem
nos principais distritos, nos quais a categoria estava mais concentrada. O ritmo desse
crescimento foi muito importante para o desenvolvimento das organizações docentes. No
Brasil e no México, o aumento do número de professores entre 1960 e 1980 foi realmente
explosivo, o que permitiu neste último país (pelo mecanismo da afiliação obrigatória) um
fortalecimento econômico e organizacional automático do SNTE. A expansão acelerada do
corpo de professores no Brasil, junto com a debilidade das organizações docentes na década
de 1970, contribuiu para explicar o maior crescimento dos sindicatos brasileiros quando
comparados com os argentinos na década de 1980.
Diversos exemplos ao longo desta tese mostram como o grau de descentralização da
gestão do sistema (e, especificamente, do emprego docente) estrutura as práticas sindicais
docentes. A comparação entre o México e o Brasil mostra que as dificuldades do professorado
brasileiro de nacionalizar as suas lutas dependem basicamente de uma política educacional
(articulada, naturalmente, ao sistema político e ao conjunto do aparelho estatal) e não decorre
naturalmente das dimensões do país. É interessante tomar nota que quando se definiam que
segmentos do estado protagonizariam a expansão das redes públicas, na primeira metade do
século, as organizações docentes tinham pouca capacidade de intervenção. Mas acabaram
sendo, na Argentina e no México, atores que limitaram as reformas descentralizadoras das
décadas de 1980 e 1990.
Alguns segmentos que cresceram com o próprio crescimento do sistema educacional,
e, particularmente, os professores de ensino médio, colocaram um desafio para as tradicionais
associações que nucleavam os professores primários na Argentina e no Brasil. Mas, a própria
expansão continha o germe da construção de organizações únicas. De fato, pode se falar de
uma “primarização” dos professores de ensino pós-primário tanto em termos de formação,
como de prestígio, controle estatal, feminização e massificação. No México, a situação foi
resolvida institucionalmente pela própria legislação do período 1938-1941, segundo a qual
todos os funcionários da SEP foram representados por uma única organização. Essa resolução
não implicou a ausência de tensões entre diferentes segmentos de trabalhadores que se
processaram, na segunda metade do século XX, basicamente dentro do SNTE.
247
6.2.3 Locais de trabalho
O sindicalismo docente é, em certa medida, um sindicalismo de fora da escola. Não
porque não tenha representatividade ou presença real na base da categoria, mas porque uma
parte significativa das disputas e das negociações com o empregador trava-se fora dos locais
de trabalho. Locais de trabalho que acompanham a distribuição da população, esparsos em
bairros, cidades e povoados. Locais de trabalho aos quais todas as pessoas devem, durante
uma etapa das suas vidas, estar presente obrigatoriamente todas as semanas. Sintetizando: os
professores são trabalhadores muito sensíveis à relação com a comunidade que tem de
transcender os seus locais de trabalho para confrontar ou negociar com os seus empregadores.
Esta situação empurra os quadros sindicais para percorrer diferentes bairros e cidades, para
apelar constantemente à imprensa, para disputar com o governo a adesão da comunidade
escolar. Provavelmente, também se expresse em uma maior capacidade do que outros
segmentos de assalariados, inclusive dentro do funcionalismo, para catalisar a oposição social
aos governos (como foi, por exemplo, o caso de muitas greves no Brasil na década de 1980,
da Carpa Blanca argentina entre 1997 e 1999 e do conflito de Oaxaca no México de 2006).
As mudanças na organização do trabalho, e, particularmente, as que estiveram
associadas à expansão dos grupos escolares, tiveram uma importante influência na atividade
sindical. Essa expansão está associada à urbanização, porque a existência dos grupos
escolares só se justifica nas cidades ou nos povoados de certa importância. É plausível que no
mundo rural os vínculos entre professores fossem basicamente decorrentes da afinidade
ideológica, mesma afinidade que os leva a se relacionar com qualquer outra pessoa. Houve
um fato ilustrativo no México: os professores primários que participaram da revolução,
fizeram-no como ideólogos e organizadores populares, não a partir da sua militância em uma
organização docente.
A concentração da categoria em grupos escolares fortaleceu os vínculos de
socialização entre professores. Criou-se, então, um novo tipo de relação entre professores
(pois aparece o “companheiro de trabalho”), e foi possível a existência de representantes de
escola ou delegados sindicais. Talvez a principal consequência desse fenômeno, para o
problema da presente pesquisa, seja a sua contribuição para o estabelecimento de laços
horizontais entre professores que trabalham em sala de aula. Consequentemente, contribui
para explicar que a base do professorado está disposta a se enfrentar com as autoridades
educacionais e com os funcionários hierárquicos do sistema educacional. Este tipo de
enfrentamento, conforme destaquei, pode ser visto com clareza na segunda metade da década
248
de 1950 no Distrito Federal mexicano. Tratava-se, não casualmente, do segmento mais
concentrado da categoria. Considero improvável que as greves de professores rurais
mexicanos na década de 1930 se reeditassem vinte anos depois, sem nenhum setor do governo
e das autoridades educacionais no qual pudessem se apoiar.
6.2.4 Trabalho e emprego docente
Existe uma tendência, de longo prazo, à melhoria das condições de emprego dos
professores, difícil de reconstruir em detalhe na escala da presente tese. Essa tendência
expressou-se em diferentes instrumentos legais que, entre as suas consequências, agregaram
interesses de diferentes segmentos do corpo de professores e outorgaram diferentes direitos
trabalhistas. O surgimento e a consolidação do sindicalismo docente de base foram
estimuladas por essa crescente regulação do trabalho e pela cultura trabalhista associada.
As reflexões sociológicas sobre as causas e consequências da regulamentação das
relações do trabalho tiveram por foco a situação do setor privado. Estes estudos permitem
reconhecer que os setores do movimento sindical que apoiaram a intervenção estatal no
mundo do trabalho, fizeram-no porque avaliaram que esta limitaria a arbitrariedade
empresarial e permitiria o fortalecimento das organizações sindicais – protegendo a ação
sindical, garantindo recursos organizacionais e econômicos, etc.
Muitas lideranças docentes tinham demandas análogas. A grande diferença é que a
limitação da arbitrariedade patronal, no âmbito da educação pública, significava limitar, e não
ampliar, a capacidade de intervenção estatal. A rigor, os avanços na regulamentação do
trabalho docente, particularmente entre 1930 e 1980, fizeram com que o Estado perdesse
parcialmente controle da força de trabalho docente.
A possibilidade de que uma regulamentação estatal do trabalho docente fortalecesse as
organizações de professores e a sua capacidade de ação apareceu de maneira ambígua na
história das práticas sindicais docentes. Esta ambiguidade estava estreitamente associada à
referida demanda de limitar o poder dos governos no âmbito do ensino e à cultura trabalhista
do professorado. Em primeiro lugar, a militância dos quadros e lideranças docentes foi
protegida por uma regulação do trabalho que limitou a capacidade dos governos de demitir,
trasladar ou promover trabalhadores. Ou seja, a atividade sindical dos professores não foi
protegida por uma regulamentação sindical, mas sim por garantias “universais” estabelecidas
para todos os professores titulares ou concursados.
249
Em segundo lugar, o estado poderia ter fortalecido as associações docentes mediante a
participação informal, e em última instância institucionalizada, na gestão da força de trabalho
docente. Isso foi efetivamente assim no caso do México. Ali, como ocorreu no setor privado
nos três países, a regulação do trabalho docente foi entrelaçada à regulação da atividade
sindical. O determinante é a política estatal, porque nem na Argentina nem no Brasil os
governos estiveram dispostos, em nenhuma circunstância, a outorgar à organização sindical
de professores o poder que os governos mexicanos garantiram às entidades docentes nas
décadas de 1930 e 1940. De qualquer maneira, deve-se sublinhar que tampouco foi
demandando pelos professores desses países. Considero que a diferente cultura trabalhista dos
professores da Argentina e do Brasil, tratada no segundo capítulo, permite entender por que os
sindicatos dos professores não reivindicavam essa participação. A crescente regulação do
trabalho docente pôde conviver nesses países com um sindicalismo mais livre, e também
menos poderoso.
6.2.5 Recrutamento dos professores
É muito difícil se apoiar em generalizações empíricas para tratar do papel das
modificações no recrutamento dos docentes nas práticas sindicais da categoria. A origem de
classe do professorado sempre foi heterogênea, mas pode se supor que os professores rurais
mexicanos nas décadas de 1920 e 1930 tinham uma origem mais popular do que os
professores rurais nos outros países. Isso obedeceria às políticas de recrutamento dos
governos pós-revolucionários e a uma ampliação do ensino rural, mas este argumento não
deve ser levado muito longe porque também no Brasil (outro país rural nas décadas de 1920 e
1930) existiam dificuldades de radicar normalistas no meio rural e uma alta presença de
professores sem formação docente.
Nas últimas décadas na Argentina e no Brasil uma percentagem cada vez maior de
pessoas de origem social menos favorecida parece se incorporar ao professorado.
Provavelmente, isso indique processos parcialmente diferentes. No Brasil, essa tendência foi
promovida basicamente pela expansão do sistema de ensino, nas condições nas quais ele foi
expandido; e na Argentina, a expansão pode se combinar com um empobrecimento de
camadas da população em que tradicionalmente se recrutavam os professores. Em ambos os
países, a deterioração das carreiras e dos salários fez com que o professorado fosse menos
atrativo para as classes médias.
250
No México, a categoria mostra, na atualidade, a origem de classe menos heterogênea e
mais popular dos três países. O retrocesso salarial da década de 1980 foi muito significativo,
mas poderia se tratar do empobrecimento de uma categoria que mantém as suas bases de
recrutamento. Esta não pode se entender completamente sem considerar as particularidades do
mercado de trabalho docente, em que muitos professores primários viraram professores
secundários, o sindicato controlava parcialmente o mercado de trabalho e existia uma cultura
de herança de funções.
Considero que o empobrecimento da categoria nos três países, e a mudança nas bases
de recrutamento, fundamentalmente no Brasil, contribui para explicar as transformações na
ação sindical. Uma categoria com origem social em setores mais baixos da sociedade é uma
categoria que está mais disposta a utilizar as formas de pressão coletiva clássicas da classe
operária.
Os espaços de formação docente são importantes para reconstruir os circuitos de
socialização e politização do professorado. As escolas normais são um exemplo meridiano,
em um contexto no qual esses circuitos eram fracos no exercício cotidiano do trabalho
docente. As escolas normais rurais mexicanas tiveram um idêntico papel, inclusive após a
virada conservadora da década de 1940; e, da mesma forma, as universidades da Argentina e
do Brasil nas décadas de 1970 e 1980. Provavelmente, o sindicalismo docente foi o segmento
da classe trabalhadora no qual mais diretamente se refletiu a agitação estudantil dos anos ‘60 e
os seus desdobramentos, porque muitos quadros formados nesse processo se incorporaram
posteriormente ao professorado.
Aparentemente, a influência da radicalização política dos estudantes universitários foi
maior no Brasil e menor no México. No Brasil, a reforma educacional de 1971 estimulou o
ingresso de professores com formação universitária ao corpo de professores, e as entidades
tradicionais eram fracas, ou não tinham um perfil ativista e combativo. No México, está
documentada a influência do movimento estudantil universitário (cfr. Oaxaca), mas os
grandes centros de recrutamento docente que se radicalizaram politicamente foram as escolas
normais do Distrito Federal, particularmente a normal superior.355 O caso argentino poderia
ser intermediário. As associações docentes já tinham um importante ativismo e, tanto pela
expansão mais moderada do sistema como pela continuidade do sistema de formação não
355
É importante destacar que nela se formavam, como professores de ensino médio, basicamente professores que estavam
trabalhando no ensino primário. Não se tratava, propriamente falando, do movimento estudantil. A manutenção de um forte
sistema não universitário de formação docente, inclusive de formação em serviço, em parte devido às pressões sindicais,
contribui para explicar esta diferença.
251
universitária, a chegada de universitários à categoria provavelmente não foi tão importante
quanto no Brasil.
6.2.6 O sexo e o gênero dos integrantes da categoria
A composição da categoria em termos de sexo, e o que esta composição significa em
cada contexto, pode ser vista como parte do problema mais geral do recrutamento do
professorado. Ao diferenciá-la pretendo hierarquizá-la, justamente porque a considero um
elemento particularmente importante como estruturante das práticas sindicais do magistério.
Com efeito, a crescente igualdade entre homens e mulheres estimula que uma categoria
feminilizada tenha legitimidade para irromper no espaço público, confrontando aberta e
coletivamente com os seus empregadores para demandar melhores condições trabalhistas.
Trata-se de dois elementos constitutivos da definição do sindicalismo docente de base.
Em começos do século XX estava em marcha uma tendência à feminilização do corpo
de professores, particularmente nas séries iniciais, principalmente dos professores em sala de
aula, sobretudo nas cidades e, especialmente, entre os que tinham estudado em escolas
normais. O segmento da categoria mais homogêneo e em processo de concentração estava,
assim, excluído da cidadania política e deslegitimado como sujeito de reivindicações
trabalhistas, porque o mercado de trabalho se consolidava como um espaço eminentemente
masculino. É nesse contexto que as formas protocolares para reivindicar melhoras
trabalhistas, certo apoliticismo e o peso das recompensas simbólicas adquiriram muita
importância. O confronto aberto e coletivo com os empregadores, o perfil político mais claro
da atividade sindical e a gravitação das recompensas econômicas no trabalho assalariado, na
primeira metade do século XX, eram caracteristicamente masculinos.
No México, a revolução habilitou simbolicamente, e com destaque, um papel
masculino para o professorado: promotor da reforma agrária, organizador dos camponeses e
agente do Estado revolucionário. Efetivamente, a feminização parece ter retrocedido nas
décadas de 1920 e 1930. Considero que esta habilitação simbólica, com o seu correlato na
composição da categoria, contribuiu para legitimar as reivindicações trabalhistas do
professorado.
As mulheres, além de sofrer com a desigualdade de gênero, foram protagonistas da sua
transformação até chegar aos patamares (ainda desiguais, mas certamente muito menos) nos
quais hoje nos encontramos. O próprio trabalho docente, e a militância sindical nas
associações da categoria, foram momentos desse processo pelo qual as mulheres foram
252
protagonistas da mudança do seu papel na sociedade. Esta mudança, pela sua vez, influenciou
a ação sindical do professorado.
O exemplo mais claro, pela sua dimensão e o seu impacto, é a incorporação da mulher
no mercado de trabalho, na segunda metade do século XX. Isso legitimou as reivindicações
trabalhistas da categoria e fez com que as mulheres precisassem, efetivamente, mais do seu
salário. Por isso, a desvalorização salarial da década de 1980 foi muito mais grave do que
outros processos de desvalorização salarial que sofreu a categoria, porque as professoras
dependiam mais dos seus salários.
Considero que a transformação na própria base da categoria, mais do que a eventual
ampliação da participação feminina nas diretorias das associações docentes, é a principal
consequência nas práticas sindicais docentes da crescente igualdade entre homes e mulheres.
Cabe, de qualquer modo, fazer algumas referências à situação das mulheres como lideranças
sindicais.
Tradicionalmente, a presença feminina nas diretorias das organizações docentes
mexicanas era muito limitada. Tratava-se de um professorado com maior presença masculina,
mas o fundamental parece ser a imagem mais masculina do professorado e, particularmente, o
poder do sindicalismo docente mexicano. A disputa pelo poder era uma atitude tipicamente
masculina, e fazia com que a carreira sindical fosse atrativa para muitos homens. Não é casual
que a presença feminina fosse amplamente majoritária nas diretorias das associações
brasileiras antes de 1970, quando as associações se caracterizavam por um forte apoliticismo
e muitas eram particularmente débeis. No Brasil, as organizações mais poderosas, as
paulistas, sempre foram presididas por homens.
Nos capítulos correspondentes, apresentei dados sobre a participação de homens e
mulheres nas diretorias das associações de professores. Esses dados parecem indicar um
crescimento da presença masculina no caso brasileiro após a década de 1970 e, inversamente,
crescimento da presença feminina na Argentina e no México. No Brasil, o crescimento da
presença masculina na liderança das associações pode obedecer à politização destas, ou
melhor, ao fato delas terem virado espaços de disputa pelo poder político e a hegemonia no
movimento sindical. Considero que, nos três países, a participação feminina nas últimas
décadas (crescente no México e na Argentina, decrescente no Brasil) expressou uma
aproximação entre os papéis de gênero de homens e mulheres nas nossas sociedades. Para
voltar ao caso brasileiro: atualmente, as mulheres que participam das diretorias sindicais se
dedicam basicamente às tarefas clássicas de um militante sindical, e não a organizar
253
atividades recreativas para os filiados (que era um eixo importante da atividade das
organizações de professores antes de 1970).
6.2.7 Imagem social dos professores e da escola pública
Em começos do século XX, o docente era um modelo de conduta cívica (tanto nas
suas variantes conservadoras como revolucionárias). O segmento com maior visibilidade
social e capacidade organizacional da categoria estava constituído por “especialistas em
educação” (os normalistas) que dirigiam os sistemas de ensino ou disputavam o seu controle.
A base docente, pela sua vez, encontrava-se deslegitimada como sujeito de reivindicações
trabalhistas. Quando se compara a situação atual com a apresentada neste momento,
claramente podem se identificar que, ao longo do século XX, erodiu-se a imagem docente
como modelo de conduta cívica, legitimou-se o professorado como sujeito de reivindicações
trabalhistas, e consolidou-se o papel dos docentes como trabalhadores de base de sistemas
burocráticos dirigidos por especialistas.
No México, o retrocesso da participação feminina na categoria, e o ambiente político
pós-revolucionário, contribuíram para legitimar a base docente como sujeito de reivindicações
trabalhistas. De qualquer modo, em meados do século XX, o peso do professorado como
modelo de conduta cívica e o seu papel hierárquico na condução do sistema educacional eram
muito fortes.
A tripla condição simbólica do magistério à qual fiz referência foi deteriorada, nos três
países, por transformações sociais transcendentes da intencionalidade política de
trabalhadores e empregadores, e por reformas educacionais promovidas pelos governos que
deslegitimaram os próprios professores como especialistas em educação. Nota-se que a defesa
da educação pública continua operando (como meio para deslegitimar as greves, ou para
legitimá-las), mas nem professores nem governos se referem mais ao “espírito de sacrifício do
professorado”.
Essas transformações simbólicas na imagem social do professor, que estão associadas
a transformações na escola pública, contribuem para entender o maior destaque das demandas
trabalhistas, e o confronto aberto e coletivo como forma legítima de demandar melhoras
trabalhistas. É comum que sejam os trabalhadores mais jovens, em qualquer categoria, os que
estão dispostos a sustentar posições políticas e/ou formas de ação coletiva mais radicalizadas.
No caso do professorado, a esse fenômeno geral se soma um fenômeno particular: as novas
gerações encarnam as transformações simbólicas na imagem social do professorado. Os
254
“jovens” da década de 1960 ou 1970 sentiram menos o peso da imagem tradicional do
professor, construída basicamente pelo normalismo, do que os “jovens” das décadas de 1930
e 1940.
6.3 Políticas estatais, organização da categoria e tradição sindical como elementos
explicativos
Diferentemente dos elementos estruturais das práticas sindicais docentes, as mediações
que as canalizam, orientam e limitam reconhecem rupturas relativamente abruptas e se
desenvolvem em uma temporalidade propriamente política. Por isso, tratei dessas mediações
nos capítulos dedicados a cada país. Cabe aqui recuperar o seu papel explicativo.
6.3.1 O papel da política estatal
A política do Estado perante a atividade reivindicativa e associativa dos docentes é
uma mediação entre os elementos estruturantes do corpo de professores e as suas práticas
sindicais. Em tal sentido, contribui para explicá-las. Provavelmente, é um dos argumentos
mais fáceis de defender, porque a sociologia latino-americana mostrou abundantemente que a
atividade do movimento sindical foi profundamente reestruturada a partir da intervenção
governamental nas relações de trabalho em diferentes contextos históricos nacionais.
Os processos de incorporação da classe trabalhadora, na América Latina, tiveram um
papel muito importante na estruturação do movimento sindical e do conjunto da arena
política. Argentina e México são casos os quais essa incorporação foi feita por um partido.
Isso implicou a mobilização dos trabalhadores urbanos (na Argentina) ou dos trabalhadores
urbanos e dos camponeses (no México). Como consequência, o movimento sindical
identificou-se majoritariamente com as ideologias dos partidos que promoveram esses
processos. A virada conservadora do governo mexicano (1940), e o golpe que acabou com o
governo de Perón (1955), colocaram um ponto final nessa etapa. No Brasil, diferentemente, a
incorporação não implicou mobilização e foi feita através do Estado, o que significou,
inicialmente, a despolitização e o controle do movimento sindical pelo Estado. A construção
de um sindicalismo relativamente débil e uma ideologia igualmente débil como sustento
político da relação entre o governo e o movimento sindical (fenômenos decorrentes da
incorporação através do Estado) são chaves para entender o fortalecimento do Partido
Comunista entre 1945 e 1964. Também iluminam as características, na década de 1980, do
255
movimento de renovação sindical mais profundo dos três países aqui considerados
(COLLIER; COLLIER, 1991).
O caso do professorado apresenta algumas particularidades. No México, a partir das
experiências das décadas de 1920 e 1930, apareceu um fenômeno que pode chamar
inicialmente a atenção: um forte sindicalismo docente em um país rural com grandes
deficiências em termos de cobertura educacional. A diferença com o caso argentino é abismal.
Mesmo em um país urbano e com um sistema educacional mais desenvolvido, em uma
sociedade politizada e mobilizada pelo peronismo, o professorado era em 1956 uma categoria
desorganizada e sem forte tradição sindical. Por quê? A resposta inclui a força da herança
normalista liberal em um setor significativo dos quadros docentes, a maior polarização
política (porque no México a polarização se expressava dentro do mesmo discurso
revolucionário e inclusive dentro do mesmo partido), provavelmente a inexistência de um
processo prévio de grande mobilização sindical, a menor determinação governamental nas
suas políticas perante a organização docente e, finalmente, a derrocada de Perón. Esta “menor
determinação governamental” pode estar associada ao fato de que o governo não precisasse de
quadros estatais nas áreas rurais na escala que os governos mexicanos precisavam.356
A falência das políticas estatais na Argentina para estruturar a organização docente,
fez com que a categoria se organizasse, como no Brasil, livremente. Isso não é sinônimo de
algum programa político ou sindical específico. Tampouco significa ausência de relação (de
apoio ou enfrentamento) com o Estado. Simplesmente significa que as políticas estatais tem
um papel secundário nos tipos de organizações que a categoria cria, na sua expansão e
consolidação. Na Argentina e no Brasil, as características do sindicalismo docente decorrem
da própria atividade da base, dos quadros e das lideranças da categoria. Um exemplo
meridiano é que a própria categoria define os seus limites, unificando-se com os professores
de ensino médio, com os trabalhadores sem formação docente do sistema educacional,
tentando reunir também os professores da rede particular em ambos os países. Como era de se
esperar, muitos desses processos ficaram incompletos ou foram ambíguos.
A política estatal re-estrutura a atividade sindical, cria tradição, reproduz-se e tem
desdobramentos inicialmente não previstos. Considero que é a chave fundamental, mais do
que a composição por sexo e classe social do professorado (mais masculina e mais popular no
caso mexicano), para entender as grandes diferenças entre o sindicalismo docente mexicano e
as experiências dos outros dois países. O poder do sindicalismo docente, tanto antes como
356
Um caso que apresenta interessantes pontos de contato com o mexicano é o da Bolívia, não casualmente outro país rural,
que foi palco de uma revolução. Tratei este ponto em Gindin (2011).
256
atualmente, está garantido por uma relação com o Estado estabelecida inicialmente nas
décadas que precederam a revolução.
6.3.2 O papel das organizações da categoria
As estruturas de representação do professorado e o poder das suas entidades coletivas
canalizam, limitam, orientam e dão forma às práticas sindicais. Esta mediação, em algumas
ocasiões, encontra-se estreitamente articulada com as políticas estatais tratadas no ponto
anterior.
O papel principal do Estado, nos casos da Argentina e do Brasil, foi, basicamente, o de
se omitir da possibilidade de enquadrar o professorado em organizações por ele reconhecidas.
De qualquer modo, isso não significa que não intervieram no campo sindical docente. A rigor,
parte da capacidade de ação do CPP, que foi por cinco décadas a organização mais poderosa
do professorado brasileiro, explica-se pelo desconto em folha de pagamento que facilitou a
expansão da associação para o interior do Estado. O reconhecimento estatal foi importante
para a institucionalização das organizações sindicais argentinas e brasileiras nas décadas de
1980 e 1990 (talvez também antes, ainda que a informação é escassa), porque permitiu o
desconto em folha de pagamento e a liberação de lideranças para as tarefas sindicais. Também
pode se identificar esta potencial incidência do reconhecimento estatal na organização da
categoria na possibilidade (não explorada) de recolher a contribuição sindical obrigatória no
Brasil pós 1988, e na parcial participação no sistema previdenciário na Argentina. Mas esta
intervenção, diferentemente do caso mexicano, não foi essencial na estruturação do
sindicalismo docente. Provavelmente, a política estatal só possa ser essencial para a
organização da categoria quando a vincula à regulação do trabalho docente (que foi o que
aconteceu no México, e que tratei no ponto 6.2.4, p. 249).
Os movimentos de oposição à direção sindical no México mostram, a partir da década
de 1940, muitas dificuldades para se expressar. Pois, a relação com o Estado garante uma
rígida organização sindical que apresenta certa impermeabilidade frente aos movimentos que
o grupo dominante não controla. A esses movimentos, no marco da institucionalidade
sindical, a única alternativa real que se lhes apresenta é a integração subordinada a alguma
instância de liderança sindical. A contraparte dessa impermeabilidade é o paralelismo ao qual
naturalmente tendem os quadros opositores (os “comitês democráticos”, “movimentos de
base”, etc.). “Paralelismo” porque pretendem constituir instâncias alternativas de organização
da categoria e negociação com as autoridades. O contraste com os casos da Argentina e do
257
Brasil é evidente, porque nesses últimos países as organizações tiveram mais incentivos para
conter os quadros opositores, e menos força para resistir às mudanças quando estas tem o
apoio da base da categoria.
Mas, a organização da categoria não só dependia da articulação com o Estado. As
práticas sindicais do professorado apresentam atualmente um nível de amadurecimento
incomparavelmente maior do que cinco ou seis décadas atrás, porque a experiência sindical
cristalizou-se em organizações sólidas presentes em todos os distritos. Organizações que
podem, com relativa facilidade, organizar assembleias, protestos, delegações sindicais no
interior dos estados, etc.; que podem incorporar os novos ativistas. Esse processo de
amadurecimento vale para os três países, mas é possível de se identificar primeiro no México.
As desigualdades históricas e regionais são muito grandes, mas me interessa destacar o papel
explicativo geral do tipo de organização que tem a categoria. A consolidação das
organizações docentes desestimula a típica espontaneidade dos estágios iniciais da ação
sindical e permite entender a maior capacidade de ação das lideranças docentes nas suas
negociações com os governos e partidos políticos.
6.3.3 O papel da tradição sindical
A tradição sindical, finalmente, também opera como uma mediação que permite
entender as práticas sindicais. A tradição sindical pode ser definida como os sentidos e os
valores que as orientam e lhes servem de parâmetros, e encontra-se estreitamente associada
aos sentidos que circulam na sociedade.
Da tradição sindical participam significados que podem ser chamados de educacionais,
vinculados à atividade docente. Trata-se de um elemento difícil de vincular ao processo de
surgimento, afirmação e consolidação do sindicalismo de base em cada país; e não fiz um
trabalho que me permita ponderar as suas particularidades nacionais ou as suas
transformações históricas com cuidado. Provavelmente, a dimensão civilizadora da ação
pedagógica perdeu peso na tradição sindical e a defesa da escola pública consolidou-se como
sentido educacional dominante nas práticas sindicais. No discurso sindical docente, “defesa da
escola pública” significa, concretamente, incremento orçamentário, nacionalização das
principais definições em termos de matéria educacional, promoção da igualdade e
participação docente (via as suas organizações ou por outros mecanismos) na tomada de
decisões relativas à política educacional. Que a educação hoje seja considerada um bem
público ou um direito social é um desdobramento de um projeto capitalista específico – o da
258
construção do Estado nação – mediado pela pressão da própria sociedade demandando a
expansão do ensino. Defendendo a educação pública, o professorado usa essa imagem contra
os próprios Estados que a tinham promovido. Defendendo a educação pública, o professorado
usa essa imagem contra os próprios Estados que a tinham promovido. Não se trata,
evidentemente, de uma especificidade docente. Os operários e trabalhadores dos hospitais
defendem a indústria nacional e o sistema de saúde, respectivamente.
As transformações muitas vezes análogas, e inclusive contemporâneas, nas práticas
sindicais de outras categorias de trabalhadores, com origem nas classes médias, intelectuais
e/ou de funcionários públicos, fortaleceram o surgimento, a afirmação e a consolidação do
sindicalismo docente de base. Concretamente, é mais fácil desencadear uma greve de
professores em um mundo onde os bancários, médicos e empregados da administração
pública organizam greves. De qualquer maneira, conforme destaquei (p. 24), não realizei uma
pesquisa que me permitisse tratar da história associativa e reivindicativa dos professores como
um reflexo ou um desdobramento da proletarização das classes médias. A mesma ideia de
proletarização das classes médias deveria ser tratada com cuidado, para que, assim, possa se
distinguir: a pauperização dos trabalhadores de determinado setor, as mudanças da base de
recrutamento de uma categoria, as modificações no processo de trabalho e as transformações
na cultura política da sociedade.
A tradição sindical pode ser pensada como um legado de conjunturas críticas, e
particularmente de processos de mobilização, nos quais determinados sentidos são associados
às práticas sindicais. Os processos de mobilização colocam desafios e possibilidades inéditos
às lideranças e quadros, e fazem com que uma parcela significativa da categoria participe da
atividade sindical. São, por isso, chaves para a re-elaboração da tradição sindical. Tomemos,
por caso, as mobilizações de 1920-1940 no México. O radicalismo que as caracterizou perdeu
progressivamente gravitação na tradição sindical. Mas, a participação informal na gestão do
sistema educacional, e formal em todas as questões relativas à carreira docente, que também
as caracterizou, fortaleceu-se nas décadas seguintes. Isso excede à direção do SNTE e forma
parte da tradição sindical. Inclusive essa participação é independente do reconhecimento
legal, como mostram as práticas dos professores opositores em âmbitos não reconhecidos pela
direção nacional. Outro exemplo é o das mobilizações de finais da década de 1950 na
Argentina. Estas reabilitaram velhos quadros docentes, marginalizaram as experiências
peronistas e conseguiram a promulgação de estatutos que sancionaram os velhos princípios
normalistas liberais. Isso foi mérito dos quadros e das organizações tradicionais, e
259
particularmente da Confederación de Maestros, que eram depositários dessa tradição.
Finalmente, também pode se reconhecer esse papel dos processos de mobilização nas greves
do professorado brasileiro de 1978-1980 e o classismo ainda visível no seu discurso sindical.
Os vínculos entre ativistas de diferentes regiões e distintas gerações, e as suas
trajetórias político sindicais, são também muito importante para reconstruir como a tradição
sindical se reelabora. Enquanto no México as lideranças das mobilizações de 1957-1960
foram marginalizadas e perseguidas, na Argentina confluíram (com tensões) com uma nova
camada de ativistas que surgiu na década seguinte, e, particularmente, após de 1969. No
Brasil, as mobilizações prévias ao aprofundamento das características repressivas do regime,
em 1968, não fizeram emergir uma nova grande camada de líderes. Atualmente, o programa
sindical dos professores brasileiros é, em termos gerais, o programa do “novo sindicalismo”
de finais da década de 1970 e começos da seguinte. O contraste com a Argentina, onde há
talvez mais paralelismos do que com o México, é ilustrativo. Porque na Argentina houve
elementos de forte continuidade, o que pode ser entendido pelo perfil militante de um
segmento de quadros, pela mobilização mais profunda no período 1957-1959 e pelo
interregno “curto” de desmobilização repressiva (1966-1969).
O sindicalismo de base na Argentina e no Brasil consolidou-se em um contexto de
grande mobilização social e política – a democratização de ambos os países – e sem uma
firme intervenção estatal no campo sindical docente. Um segmento muito significativo das
lideranças formou-se mobilizando a categoria, sem depender da relação com o Estado,
construindo organizações, negociando unificações, disputando a adesão da base. Na década de
1990 existiu um refluxo na mobilização, mas os sindicatos mais importantes se colocaram em
termos gerais na oposição aos governos. Nesse contexto, os sindicatos fortaleceram a sua
estrutura, particularmente ampliando a prestação de serviços aos sócios, e a militância sindical
se institucionalizou mais. De qualquer modo, para enfrentar os governos na década de 1990, e
formar quadros, a tradição encarnada no ativismo formada em processos de mobilização
anterior teve de ser estimulada e constantemente recriada.357 Por outro lado, os governos não
tiveram um projeto consistente de abrir mão de certos mecanismos de controle sobre o
sistema educacional (participação na carreira docente, por exemplo) ou de garantir recursos
organizacionais (afiliação obrigatória, por exemplo) para cooptar as organizações existentes
ou promover organizações paralelas.358 No México, em termos gerais, a possibilidade de
357
Este argumento vale especialmente para os segmentos mais ativistas do professorado. Desenvolvi-o a partir de uma
etnografia sobre o professorado da cidade de Rosario, Argentina (GINDIN, 2003).
358
Isto foi o que fizeram os governos mexicanos na década de 1940.
260
confrontar-se aberta e coletivamente com os seus empregadores permanece sempre aberta à
categoria. Mas, a própria história das práticas sindicais permitiu a consolidação, na segunda
metade do século XX, de uma forte tradição que privilegia a negociação e a pressão
institucional sobre os governos.
261
7. CONCLUSÕES
Em começos do século XX, os professores públicos, eram convocados para
desempenhar um importante papel na construção da nação, recebiam homenagens em atos
públicos e usufruíam de certo status social. Tratava-se de um contexto particularmente hostil
para o movimento sindical, porque a dignificação do trabalho pelos governos revolucionários
ou reformistas foi posterior. Mas esses professores eram assalariados, e eis a chave para
entender as práticas sindicais docentes e, consequentemente, os primeiros paralelismos entre o
professorado e as restantes categorias assalariadas.
O assalariamento era um elemento de agregação entre os professores, porque mesmo
os que trabalhavam em escolas isoladas tinham o mesmo empregador, e instituía atores
responsáveis pelas suas condições trabalhistas: os governos. Essa situação pressionava as
lideranças e os quadros que se propunham a organizar a categoria a reivindicar melhores
condições trabalhistas, salariais e previdenciárias. Isso, inclusive, quando os projetos coletivos
não eram sindicais, mas pedagógicos ou mutuais. As demandas se expressavam em termos
protocolares e o trato com as autoridades era normalmente muito respeitoso. As lideranças e
os quadros que impulsionavam as nascentes organizações e os jornais de professores eram
normalistas, este era o segmento que tinha melhores condições para organizar a categoria.
Mas, também, os normalistas constituíam a camada do professorado mais privilegiada e mais
comprometida ideologicamente com o projeto educacional estatal.
Para captar as mudanças fundamentais que, desde esse momento, ocorreram nas
práticas coletivas dos professores, propus, na presente tese, a categoria “sindicalismo docente
de base”. Este se caracteriza pelo fato de que a base do professorado tem uma grande
gravitação no campo sindical docente, e porque organiza a sua atividade em torno da defesa
dos interesses trabalhistas da categoria. Ambas as questões são logicamente interdependentes,
pois o trabalho assalariado é, por definição, politicamente subordinado (embora essa
subordinação possa se manifestar de maneiras distorcidas, ou com menor força em
determinados contextos). Nesse sentido, a própria estrutura da nossa sociedade determina que,
se a base do professorado tem um grande peso em uma organização, as atividades políticas e
educacionais da organização devem ser subordinadas as suas práticas sindicais.
A afirmação e a consolidação do sindicalismo docente de base encontram-se também
vinculadas à capacidade da categoria confrontar aberta e coletivamente com os governos,
particularmente mediante greves. Capacidade propriamente organizacional e, também,
262
simbólica, por considerar que esse confronto seja legítimo. A paralisação das atividades
docentes como método de protesto é uma atitude coletiva extrema de um grupo de
trabalhadores que, justamente, é empregado para exercer a docência. Mas, é mais. As
paralisações significam uma apropriação das formas de lutas do movimento sindical
tradicional, um desafio aberto ao governo e uma atitude da organização que a promove para
com a base docente (orientada a garantir o sucesso do movimento). Quando as greves
começaram a ser incorporadas ao repertório da ação coletiva da categoria, apareceu uma
tensão entre essas medidas de protesto e o relativo status social da atividade docente: a
tradição organizacional relativamente fraca e o ethos profissional respeitoso da legalidade e
comprometido com a tarefa de ensinar. Esta tensão foi, por motivos que expliquei
oportunamente, menor no México. Mas, isso não significou mais greves nesse país na
segunda metade do século XX, porque uma tradição sindical negociadora afirmou-se e, ainda
que fosse contestada, manteria a sua hegemonia até a atualidade.
Na pesquisa, debrucei-me sobre o seguinte problema: por que ao longo do século XX
o sindicalismo docente de base consolidou-se na Argentina, no Brasil e no México? e, além
disso, como se explicam as particularidades nacionais desse processo? Parte da explicação
decorre das mudanças, ao longo do século XX, dos elementos estruturantes das práticas
sindicais – das características do corpo de professores e das suas condições de existência.
Algumas das modificações que destaquei foram o crescimento e a concentração da categoria,
o estabelecimento de regimes de emprego que garantem a estabilidade de um setor da
categoria, a incorporação maciça da mulher ao mercado de trabalho e à esfera política, a base
de recrutamento mais popular da categoria e as transformações na imagem social do
professorado (com a maior legitimidade das suas reivindicações trabalhistas, a erosão do seu
papel como modelo de conduta cívica, e a sua consolidação como trabalhador de base de
sistemas burocráticos dirigidos por especialistas).
As particularidades nacionais podem ser, às vezes, entendidas a partir da consideração
de que os elementos estruturantes das práticas sindicais docentes foram distintos em cada
país, inclusive quando se tratam etapas análogas ou contemporâneas. De fato, alguns
elementos que distinguem o professorado da Argentina, do Brasil ou do México podem ser
parcialmente explicados a partir do conhecimento da expansão mais precoce do sistema
educacional argentino, da descentralização mais acentuada do sistema educacional brasileiro e
de uma carreira docente parcialmente controlada pelos professores e as suas organizações no
México. Ao tratar da influência das características do corpo de professores e das suas
263
condições de existência nas práticas sindicais docentes fiz uma tripla contribuição.
Sistematizei e mostrei a capacidade explicativa de uma séria de elementos que a maioria dos
pesquisadores da área reconhece como relevantes para a compreensão da ação coletiva dos
professores. Propus uma caracterização acerca das mudanças na imagem social do
professorado ao longo do século XX. Finalmente, reuni informação empírica sobre os três
casos que permitiu reconstruir (em termos gerais, mas suficientes para a presente pesquisa; às
vezes, de maneira hipotética, mas logicamente fundada) as características e as condições de
existência da docência nos três países ao longo do século XX.
Os argumentos explicativos que desenvolvi completam-se ao considerar elementos
propriamente políticosindicais, como a maneira na qual está organizada a categoria em cada
contexto, a sua tradição sindical e a política estatal perante a sua ação associativa e
reivindicativa. Esse é o mesmo campo das práticas sindicais (os processos de mobilização, as
greves, as negociações com os governos) e a minha contribuição é mais original.
Em primeiro lugar, para reconstruir as histórias nacionais tive de sistematizar uma
grande quantidade de bibliografia sobre o caso brasileiro, avançar na compreensão das
particularidades do caso mexicano e produzir e sistematizar informação empírica sobre o caso
argentino. O resultado são três histórias que pretendem captar as principais transformações
nas práticas sindicais em um período amplo de tempo e que, com os seus limites, sintetizam
boa parte do conhecimento empírico acumulado na área.
Em segundo lugar, mostrei como, em três conjunturas críticas, as práticas sindicais
mudaram de qualidade nos três países. Esse tipo de operação analítica, estimulada pelo
método comparativo, levou-me a outras distinções como a de “implantação na base através do
estado” e “implantação na base através da mobilização” (justamente para distinguir duas
modalidades de implantação das organizações docentes na base). E, também, propor que há
basicamente dois mecanismos pelos quais as características das práticas sindicais definidas
nas conjunturas críticas tendem a se reproduzir: a tradição sindical e a regulação estatal do
trabalho e a atividade sindical.
A definição do problema de uma pesquisa é, como se sabe, uma das partes mais
importantes de uma investigação. Por isso, gostaria de voltar à questão do sindicalismo
docente de base. Este se caracteriza pela gravitação da base da categoria nas organizações de
professores, a consolidação das reivindicações trabalhistas como eixo da atividade coletiva da
categoria e a legitimidade do confronto aberto e coletivo com os governos. O surgimento, a
264
afirmação e a consolidação do sindicalismo docente de base é o grande processo que, com os
retrocessos parciais e as particularidades que caberia esperar, transformou as práticas sindicais
dos professores da Argentina, do Brasil e do México ao longo do século XX.
Construí a categoria do sindicalismo docente de base a partir da análise das
implicações e dos desdobramentos de um discurso que David Kraiselburd, presidente da
Asociación de Maestros de la Provincia de Buenos Aires, pronunciou em dezembro de 1926.
Trata-se do discurso de abertura da assembleia anual da Associação. Nessa reveladora peça
oratória, da qual utilizei alguns parágrafos na epígrafe da presente tese, aparecem os
elementos que definem o sindicalismo docente de base.
Kraiselburd era parte de um setor emergente, mais combativo, de quadros docentes.
Ao começar a assembleia de 1926, afirmou que a Associação era uma entidade “defensora de
los intereses de los maestros”, e que isso não era compartilhado por professores que tinham
como projeto louvar as autoridades. Mas, essas autoridades se negavam a declarar a
tuberculose como uma doença profissional, pagavam salários baixos e com meses de atraso. A
Associação, para defender os interesses dos professores, em vez de louvar as autoridades,
tinha de enfrentá-las. Depois de enumerar o descaso do governo, e apelando para a plateia de
mais de cem delegados, concluiu Kraiselburd: “Y bien, señores maestros: todo ello nos
demuestra que nadie vela por nosotros y que los que deben velar por nuestra felicidad no
pueden ser otros que nosotros mismos”.
O que estava em jogo, desde o meu ponto de vista, não era a relação com o governo
nessa conjuntura, mas sim um problema mais amplo e mais profundo. Concretamente, os
docentes dependeriam de agradar o seu empregador, da boa vontade dos governos, ou
dependeriam da sua força coletiva? Ao apostar no próprio professorado, Kraiselburd era, além
de protagonista, profeta do processo que transformou as práticas sindicais da sua categoria ao
longo do século XX. Anunciava o sindicalismo docente de base.
265
8. REFERÊNCIAS
ABREU, Mariza; BULHOES, Maria da Graça. A luta dos professores gaúchos –1979/1991:
O difícil aprendizado da democracia. Porto Alegre: L&PM Editores, 1992.
ABREU, Mariza et al. Plano de Carreira e Remuneração do Magistério Público: LDB,
FUNDEF, Diretrizes nacionais e nova concepção de carreira.Brasília:
Fundescola/MEC, 2000.
ADAMOVSKY, Ezequiel. El régimen peronista y la Confederación General de Profesionales:
orígenes intelectuales e itinerario de un proyecto frustrado (1953-1955). Desarrollo
Económico, Buenos Aires, v. 46, n. 182, p. 245-265, jul./set. 2006.
ALBA, Elida Lucila Campos. La participación femenina en la dirigencia del Sindicato
Nacional de Trabajadores de la Educación en el valle de Toluca. In: VIZCARRA,
Ivonne (Comp.) Género y poder: diferentes experiencias, mismas preocupaciones.
Toluca: Universidad Autónoma del Estado de México, 2005
ALMEIDA, Danusa Mendes. “O papel da APEOC/Sindicato na construção do projeto de
gestão democrática nas escolas públicas estaduais cearenses”. In: II SEMINÁRIO DA
REDE DE PESQUISADORES SOBRE ASSOCIATIVISMO E SINDICALISMO DOS
TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2010, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro,
IUPERJ, 2010.
ALONSO, Luciano. Mujeres militantes en la historia del gremialismo docente. In: RÍOS,
Guillermo (Comp.) La cita secreta: encuentros y desencuentros entre memoria y
educación. Santa Fe: Asociación del Magisterio de Santa Fe, 2007.
ALLIAUD, Andrea. Los maestros y su historia: los orígenes del magisterio argentino. Buenos
Aires: CEAL, 1993.
AMADO, Ana; CHECA, Susana. Participación Sindical femenina en la argentina. Sindicato
docente. Un estudio de caso. Buenos Aires: Instituto Latinoamericano de Estudios
Transnacionales, 1990.
ANDRADE, Teresa Ventura de. A União dos professores do Rio de Janeiro: um capítulo da
história da organização docente (1948-1979). Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2001.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.
APPLE, Michael. Education and power. New York: Routledge, 1982.
ARAUJO, Gilda Cardoso de. Município, federação e educação: historia das instituições e
das idéias políticas no Brasil. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2005.
ARAÚJO, Romildo de Castro; LOPES, Antonio de Pádua. Associativismo e movimento de
professores no Piauí: em busca de um sonho prometido (1950- 1970). In: III
SEMINÁRIO DA REDE DE PESQUISADORES SOBRE ASSOCIATIVISMO E
SINDICALISMO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2011, Rio de Janeiro.
Anais… Rio de Janeiro, UERJ, 2011.
ARCHER, Margaret. Introduction: Theorizing about the expansion of educational system. In:
ARCHER, Margaret (Ed.) The sociology of educational expansion. Take-off, growth
and inflation in educational system.Beverly Hills: Sage, 1982
ARNAUT, Alberto. La evolución de los grupos hegemónicos en el SNTE. México: CIDE,
1992.
ARNAUT, Alberto. Historia de una profesión: Los maestros de educación primaria en
México, 1887-1994. México: CIDE, 1996.
ARNAUT, Alberto. La federalización educativa y el sindicato nacional de trabajadores de la
educación. México, mimeo El Colegio de México 1997.
266
ARNAUT, Alberto. La federalización educativa en México: historia del debate sobre la
centralización y la descentralización educativa (1889-1994). México: El Colegio de
México/CIDE, 1998.
ARNAUT, Alberto. El poder tras el trono en el Sindicato Nacional de Trabajadores de la
Educación. México, mimeo El Colegio de México 2004.
ARNAUT, Alberto. Origen, evolución y situación actual de la profesión docente en México.
In: LA RENOVACIÓN DEL OFICIO DEL DOCENTE: VOCACIÓN, TRABAJO Y
PROFESIÓN EN EL SIGLO XXI, 2005, Anais… Buenos Aires. IPPE-UNESCO, 2005.
ARNAUT, Alberto. Burocracia educativa, profesión docente y asociaciones de maestros en
el porfiriato (1887-1910) (versión preliminar). Tese (Doutorado em História) –
Universidad Nacional Autónoma de México, México, 2008.
ARNAUT, Alberto. Gestión del sistema educativo federalizado. México, mimeo El Colegio
de México 2010
ARRIAGA, María de la Luz. El magisterio en lucha. Cuadernos Políticos, México, n. 27, p.
79-101, abril/jun. 1981,
ARRIAGA, María de la Luz. Impacto político de las luchas magisteriales en México (19792000). Tese (Mestrado em Ciências Políticas) – Universidad Nacional Autónoma de
México, México, 2002.
ARROYO, Miguel. Operários e educadores se identificam: que rumos tomara a educação
brasileira? Educação & Sociedade, Campinas, n. 5, p. 5-23, jan. 1980.
ARROYO, Antonio Padilla. Academias de preceptores en el estado de México: espacios de
construcción del saber pedagógico en el porfiriato. Perfiles Educativos, México, v. 28,
n. 114, p. 37-70, 2006.
ARTIEDA, María Teresa. El magisterio en los territorios nacionales: el caso de misiones. In:
PUIGGRÓS, Adriana (Dir.). Historia de la Educación Argentina v. IV. Buenos Aires:
Galerna, 1993.
ASCOLANI, Adrián. Apóstoles laicos, burocracia estatal o sindicalistas: dilemas y prácticas
del gremialismo docente en la Argentina 1916-1943. Anuario de Historia de la
Educación, Buenos Aires, n. 2, p. 87-102, 1999.
ASCOLANI, Adrián. Control ideológico de los sectores populares y reforma educativa en la
Argentina de los años ’30: apoyos sociales al gobierno filo fascista de Manuel Fresco en
la provincia de Buenos Aires. Estudos do Século XX, Educação contemporânea ideologias e dinâmica social, Coimbra, n. 6, p. 111-126, 2006.
ASCOLANI, Adrián. Las convenciones internacionales del magisterio americano de 1928 y
1930. Circulación de ideas sindicales y controversias político-pedagógicas. Revista da
Sociedade Brasileira de Historia da Educação, Curitiba, n. 23, p. 71-96, maio/agosto
2010.
ÁVILA, Norma Ilse Veloz. El SNTE y la descentralización de la educación básica en
Tlaxcala. Revista Mexicana de Investigación Educativa, México, v. VIII, n. 18, p. 339378, maio/agosto 2003.
BAZANT, Mílada. Historia de la educación durante el porfiriato. México: El Colegio de
México, 2006 (ed. or. 1993)
BENCOSTTA Marcus Levy Albino. Arquitetura e Espaço Escolar: reflexões acerca do
processo de implantação dos Grupos Escolares de Curitiba (1903-1928). Educar em
Revista, Curitiba, n. 18, p. 103-141, 2001.
BENSUSÁN, Graciela. El modelo mexicano de regulación laboral. México: UAM /
Fundación Friedrich Ebert / FLACSO/ Plaza y Valdés, 2000.
BENSUSÁN, Graciela (Org.). Instituições trabalhistas na América Latina. Desenho legal e
desempenho real. Rio de Janeiro: Revan.
267
BENAVÍDES, María Eulalia. Trayectoria histórica del sindicalismo magisterial. In:
BENAVÍDES, María Eulalia; VELASCO, Guillermo (coord.) Sindicato Magisterial en
México. México: Instituto de Proposiciones Estratégicas, A. C., 1992.
BENAVÍDES, María Eulalia; VELASCO, Guillermo (coord.). Sindicato Magisterial en
México. México: Instituto de Proposiciones Estratégicas, A. C., 1992.
BIRGIN, Alejandra. El trabajo de enseñar. Entre la vocación y el mercado: las nuevas reglas
de juego. Buenos Aires: Editorial Troquel, 1999.
BONFIM, Maria do Carmo Alves. Movimento de docentes da educação básica pública
piauiense: heterogeneidade. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2000.
BORDONARO, Nora Garro; HUITRÓN, Ignacio Llamas. Los trabajadores urbanos de la
educación en los sectores público y privado, 1996-2002. In: DE LA GARZA TOLEDO,
Enrique; SALAS, Carlos (Comp.) La situación del trabajo en México, 2006. México:
Plaza y Valdéz, 2006.
BORGES, Celma. Movimento dos professores estaduais da Bahia: as lutas dos anos 80.
CADERNO CRH, Salvador, n. 26/27, p. 255-289, jan./dez. 1997.
BORGES, Leonir. Sociedade, estado e sindicato no Brasil: quem está educando o educador?
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá,
2003.
BRAVERMAN, Harry. Trabajo y capital monopolista. La degradación del trabajo en el siglo
XX. México: Editorial Nuestro Tiempo, 1984.
BRITTON, John. Moisés Sáenz: nacionalista mexicano. Historia Mexicana, México, v. 22, n.
85, p. 77-97, jul./set., 1972.
CANO, Ruth Gabriela. El movimiento magisterial de 1919: Del mayo rojo a la concepción
apostólica del magisterio. Tese (Licenciatura) – Universidad Nacional Autónoma de
México, México, 1984.
CARDOSO, Adalberto. A Filiação Sindical no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 44, n.,1, p.
15-52, 2001.
CARDOSO, Adalberto. A década neoliberal e a crise dos sindicatos no Brasil. São Paulo:
Boitempo, 2003.
CARDOSO, Adalberto. Industrial Relations, Social Dialogue and Employment in Argentina,
Brazil and Mexico. ILO Employment and Strategy Papers No. 7. Geneva: ILO.
2004
CARDOSO, Adalberto; GINDIN, Julián. Industrial Relations and Collective Bargaining.
Argentina, Brazil and México compared. Working paper No 5.Industrial and
Employment Relations Department, Geneva, ILO, 2009.
CARDOSO, Sérgio Ricardo Pereira. Associação Sul-Riograndense de Professores: um nicho
de desenvolvimento da consciência de classe docente em Pelotas e arredores (19291979). Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas,
2011.
CARVALHEIRO, Hermengarda de Carvalho. A organização dos professores públicos e a
realidade brasileira: uma perspectiva histórica e sindical, dos estudos de caso: APPMG
e UTE. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 1989.
CATANI, Denise Bárbara. Educadores a meia-luz: um estudo sobre a revista de ensino da
Associação Beneficiente do Professorado Público de São Paulo (1902-18). Tese
(Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.
CATANI, Denise Bárbara. Estudos de História da Profissão Docente. In: FARIA FILHO,
Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive; LOPES, Eliane Marta Teixeira (Org.).
500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
268
CAVALCANTE, Francisca Wilma. Associação de Professores do Rio Grande do Norte: a
missão de educar (1920-1933). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal de Rio Grande do Norte, Natal, 1999.
CHAVOYA, María Luisa. Poder sindical en Jalisco: la sección 47 del SNTE. México:
Universidad de Guadalajara, 1995.
CHIAPPE, Mercedes; SPALTENBERG, Ricardo. “Una aproximación a los conflictos
laborales del sector docente en Argentina durante el período 2006-2009”. In: II
SEMINÁRIO DA REDE DE PESQUISADORES SOBRE ASSOCIATIVISMO E
SINDICALISMO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2010, Rio de Janeiro.
Anais… Rio de Janeiro, IUPERJ, 2010.
CIVERA, Alicia. La coeducación en la formación de maestros rurales en México (19341944). Revista Mexicana de Investigación Educativa, México, v. XI, n. 28, p. 269-291,
jan./março 2006.
COCKFROFT, James. El maestro de primaria en la Revolución Mexicana. Historia
Mexicana, México, v. 16, n. 4, p. 565-587, abril/-jun.1967.
CODO, Wanderley. Educação: carinho e trabalho. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1999.
COLLIER, Ruth Berins; COLLIER, David.Shaping the political arena: critical junctures, the
labor movement, and regime dynamics in Latin America. Oxford: Princeton University
Press, 1991.
COOK, María Lorena. Organizing Dissent: Unions, the State and the democratic Teacher’
Movement in México. Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 1996.
COOPER, Bruce. Labor relations in education – an international perspective.Greenwich, CT:
Greenwood Press., 1992.
CORMICK, Daniel. Sindicalismo docente bonaerense 1958-1988. Tese (Mestrado em
Ciências Sociais) – Universidad Nacional de Luján, Luján, 2005.
CORTÉS, Joel Vicente (coord.). El movimiento magisterial oaxaqueño. Una aproximación a
sus orígenes, periodización, funcionamiento y grupos políticos sindicales. Educación,
sindicalismo y gobernabilidad en Oaxaca, Oaxaca, SNTE. (2006),
CORTINA, Regina. Power, gender and education: unionized teachers in Mexico City. Tese
(Doutorado em Educação) – Stanford University, Stanford, 1985.
COSTA, Ana Alice Alcantara; CONCEPÇÃO, Hélida. As mulheres na ‘revolta dos
resiguinados’: a greve dos professores municipais em 1918. Orbis, Salvador, n. 4,
setembro 2002.
COSTA, Daianny Madalena. Tensões e influências no contexto das políticas de avaliação em
larga escala: uma analise da participação das confederações de trabalhadores em
educação do Brasil e da Argentina. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2010.
CPERS/Sindicato. CPERS/Sindicato. 50 anos. Compromisso com a cidadania plena. Porto
Alegre: Tchê!, 1995.
CRUZ, Hélvia Leite. Condições de construção histórica do sindicalismo docente de educação
básica. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação como desafio na ordem jurídica. In: FARIA
FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive; LOPES, Eliane Marta Teixeira
(Org.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
DALIGAULT Mr. Curso de pedagogia destinado aos alunos mestres das escholas normaes
primarias. Rio de Janeiro, Livraria Popular, 1874 apud TAMBARA, Elomar. A
feminilização da feminização do magistério no Brasil. In: VII CONGRESSO
LUSOBRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 2008, Actas…, Porto,
Universidade do Porto, 2008.
DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho! São Paulo: Boitempo, 2008.
269
DAL ROSSO, Sadi. Condições estruturais de emergência do associativismo e sindicalismo do
setor de educação. Leitura a partir de dados censitários brasileiros. In: II SEMINÁRIO
DA REDE DE PESQUISADORES SOBRE ASSOCIATIVISMO E SINDICALISMO
DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2010, Rio de Janeiro. Anais… Rio de
Janeiro, IUPERJ, 2010.
DA SILVA, Antonio Ozai. História das tendências no Brasil (origens, cisões e propostas).
São Paulo: Proposta editorial, 1987.
DA SILVA Jr., Adhemar Lourenço. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas
e públicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul–Brasil, 1854-1940). Tese (Doutorado
em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2004.
DA SILVA, Reni Gomes. Educação: campo de luta. Um estudo sobre os congressos do
Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – APEOESP
(1997-2006). Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2008.
DA SILVA, Sidney Jard da. Companheiros servidores: poder político e interesses
econômicos do sindicalismo do setor público na CUT. Dissertação (Mestrado em
Ciência Política) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
DE LA GARZA, Enrique. Del concepto ampliado de trabajo al de sujeto laboral ampliado. In:
DE LA GARZA, Enrique (comp.) Sindicatos y nuevos movimientos sociales en América
Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2005
DE LA VEGA, Jacinto Bernardo. Mendoza 1919: Huelga! El nacimiento de la
sindicalización del magisterio mendocino. Mendoza: Ediciones culturales de Mendoza,
1997.
DELGADO, Marta. El sindicalismo docente frente a la aplicación de las políticas
neoliberales en educación: el caso de CTERA y las transferencias de servicios
educativos a las jurisdicciones provinciales. Disertação de mestrado em Ciencias
Sociais. Buenos Aires: FLACSO Argentina, 2002.
DIEDERICHS, Arminda Raquel Mourão. Movimento de professores de primeiro e segundo
graus: Uma análise crítica. Dissertação (Mestrado em Educação) – Un-Amazonas,
Manaus, 1992.
DIESSE. As greves em 2005. Estudos & Pesquisas Ano 2, Nº 20. São Paulo: DIESSE, 2006.
DOMINGUES, José Maurício. A América Latina e a modernidade contemporânea. Uma
interpretação sociológica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
DONAIRE, Ricardo Martin. La posición social de los docentes en la actualidad: una
aproximación a partir del estudio de los docentes de la Ciudad de Buenos Aires. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais) – Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2009.
DO VALE, Ana Maria. Diálogo e conflito: a presença do pensamento de Paulo Freire na
formação do sindicalismo docente. São Paulo: Cortez, 2002
DUCOING, Patricia. Origen de la escuela normal superior de México. Revista de Historia de
la Educación Latinoamericana, Tunja, v. 6., p. 39-56, 2004.
DUSSEL, Enrique. The Catholic Church in Latin America since 1930. In: BETHELL Leslie
(Ed.). The Cambridge History of Latin America, vol VI. Cambridge: Cambridge
UniversityPress, 1986.
DUSSEL, Inés. Curriculum, humanismo y democracia en la enseñanza media (1863-1920).
Buenos Aires, Ed. CBC/UBAFLACSO, 1997.
ESPINOSA, Autora Ma. Eugenia. La escuela primaria en el siglo XX: consolidación de un
invento. In: GALVÁN, Luz Elena (coord.) Diccionario de historia de la educación en
México. México: CONACYT/CIESAS/UNAM, 2002.
270
ESTRADA, DorothyTanck de. El gobierno municipal y las escuelas de primeras letras en el
siglo XVIII mexicano. Revista Mexicana de Investigación Educativa, México, v. VII, n.
15, p. 257-268, maio/agosto 2002.
ETZIONI, Amitai (Ed.). The semi-professions and their organization.Teachers, nurses, social
workers. New York: The Free Press, 1969.
FANFANI Emilio Tenti; STEINBERG, Cora.Hacia un mayor conocimiento de los docentes
en América Latina. Características sociodemográficas y posición en la estructural social
de los docentes de Argentina, Brasil y México (http://www.iipebuenosaires.org.ar).
Buenos Aires, IIEP / UNESCO, 2007.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardeiros aos palácios: cultura escolar e urbana
no Belo Horizonte na primeira república. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo,
2000.
FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando. Brasil e Argentina Um ensaio de história comparada
(1850-2002). São Paulo: Paralelo 34, 2004.
FEDERACIÓN DE SINDICATO DE TRABAJADORES AL SERVICIO DEL ESTADO.
Testimonios históricos. México: FSTSE, 1982
FERNÁNDEZ, Arturo. Crisis y decadencia del sindicalismo argentino. Buenos Aires:
Editores de América Latina, 1998
FERNÁNDEZ, Silvia Karla. Los juegos del poder: los dirigentes del SNTE, 1989-2005. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais) – Universidad Autónoma Metropolitana-Xochimilco,
México, 2010.
FERRAZ, Marcos; GOUVEIA, Andréa Barbosa. Sindicalismo docente e conjuntura política:
um estudo comparativo entre o Mato Grosso do Sul e o Paraná. In: III SEMINÁRIO DA
REDE DE PESQUISADORES SOBRE ASSOCIATIVISMO E SINDICALISMO DOS
TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2011, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro,
UERJ, 2011.
FERREIRA, Márcia Ondina Vieira. Mulheres e homens em sindicato docente: um estudo de
caso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 122, p. 391-410, maio/ago. 2004.
FERREIRA, Marcia Ondina Vieria. Sindicalistas docentes y sus representaciones sobre
género: problematizando prácticas culturales. In: GINDIN, Julián (Comp.) Pensar las
prácticas sindicales docentes. Buenos Aires: Herramienta, 2011.
FERREIRA Jr., Amarílio. A Feprosul, a luta sindical dos professores públicos estaduais e
atransição democrática em Mato Grosso do Sul: 1979-1986. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1991.
FERREIRA Jr., Amarilio. Sindicalismo e proletarização: a saga dos professores brasileiros.
Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
FERREIRA Jr., Amarílio. “A Confederação dos Professores do Brasil e a aposentadoria aos
25 anos”. In: III SEMINÁRIO DA REDE DE PESQUISADORES SOBRE
ASSOCIATIVISMO E SINDICALISMO DOS TRABALHADORES EM
EDUCAÇÃO, 2011, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro, UERJ, 2011.
FREITAS, Leda Gonçalves de. A contribuição do movimento sindical dos professores para a
construção da gestão democrática nas escolas públicas do Distrito Federal. Período
1985-1994. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Brasília, Brasília,
1996.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. Um (re) exame das relações
entre educação e estrutura econômico-social capitalista. São Paulo: Cortez, 2001.
FURTADO, João Pinto. Trabalhadores em educação. Experiência, imaginário e memória
sindical nos anos 80 e 90. Ouro Preto: Editora Universidade Federal de Ouro Preto,
1996.
271
GAMBOA, Ana Vázquez et al. Uemepé. Historia del sindicalismo docente porteño. Tomo I
(1957- 1992). Buenos Aires: UTE, 2007.
GANDULFO, Alberto. La expansión del sistema escolar argentino. Informe estadístico. In:
PUIGGRÓS, Adriana (Dir.). Historia de la Educación Argentina v. II. Buenos Aires:
Galerna, 1991.
GARCÉS, Luis Javier. La escuela cantonista: educación, sociedad y estado en el San Juan de
los años 20. San Juan: Fundación Universidad de San Juan, 1992.
GERRING, John. Social ScienceMethodology: A Criterial Framework.Cambridge:
Cambridge University Press, 2001.
GIL, Natália de Lacerda. A dimensão da educação nacional. Um estudo socio-histórico sobre
as estatísticas oficiais da escola brasileira. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
GINDIN, Julián. Sindicalismo docente. Democracia y participación gremial en el magisterio
rosarino. Tese (Licenciatura emAntropologia) – Universidad Nacional de Rosario,
Rosario, 2003.
GINDIN, Julián. Sindicalismo docente, estado y reforma educativa en América Latina. Un
aporte a la discusión desde una perspectiva histórica. Informe final Beca para
Estudiantes Universitarios Destacados. Concurso 2001 de Becas y Subsidios para las
Ciencias y las Humanidades. Buenos Aires: Fundación Antorchas, 2003b.
GINDIN, Julián. Sindicalismo docente e Estado. As práticas sindicais do magistério no
México, Brasil e Argentina. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
GINDIN, Julián. Argentina: growth, height and crisis of the teacher’s opposition to neoliberal
reforms (1991-2001). In: HILL, Dave; ROSSKAM, Ellen (Ed.) Globalisation,
Neoliberalism, Education and Resistance v. III. London/New York: Routledge, 2009.
GINDIN, Julián. Fuentes primarias para el estudio de las asociaciones y sindicatos docentes
argentinas. Documento inédito, 2010.
GINDIN, Julián. El desarrollo del sindicalismo docente en América Latina. Un ensayo
sociológico. In: FORNILLO, Bruno; ABAL MEDINA, Paula; WYCZYKIER, Gabriela
(Comp.) La forma sindical en debate. Miradas latinoamericanas. Buenos Aires: Biblos,
2011.
GINDIN, Julián; GENTILI, Pablo; FONTOURA, Joana, Os sindicatos docentes e as
reformas educacionaisna América Latina. O caso brasileiro. Rio de Janeiro: Fundação
Konrad Adenauer, 2009.
GINDIN, Julián; MELO, Savana Diniz Gomes. A internacionalização do debate sobre o
sindicalismo dos trabalhadores em educação na América Latina. In: DAL ROSSO, Sadi
(Org.) Associativismo e sindicalismo docente em educação. Organização e lutas.
Brasília: Paralelo 15, 2011.
GODIO, Julio. Historia del movimiento obrero argentino. Buenos Aires: Corregidor, 2000.
GOERTZ, Gary. Social Science Concepts: A User’s Guide. Princeton: Princeton University
Press, 2005.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. São Paulo: Cortez, 1992.
GÓNGORA, Janette. Ciudadanía y cultura política: docentes de educación primaria del
estado de Morelos. Tese (Doutorado em Educação) – Universidad Autónoma del Estado
de Morelos, Cuernavaca, 2008.
GOUVEIA, Aparecida Joly. Professoras de amanhã (um estudo de escolha ocupacional). Rio
de Janeiro: INEP, 1965.
GUDELEVICIUS, Mariana. Argentina, 1976-1983: historias de solidaridad, oposición y
resistencia a la dictadura en el ámbito escolar. In: VII SEMINÁRIO DA REDE
272
LATINO-AMERICANA DE ESTUDOS SOBRE TRABALHO DOCENTE. 2008.
Buenos Aires, Anais… UBA, 2008.
GUTIÉRREZ, Gonzalo. Política-Pedagogía y Sindicalismo Docente. Análisis de sus
relaciones y transformaciones entre 1953-1958. Dissertação (Mestrado em Investigação
Educativa) – Centro de Estudios Avanzados / Universidad Nacional de Córdoba,
Córdoba, 2011.
HERNÁNDEZ, Armando René Espinosa. La institucionalización de la escuela rural
mexicana y la sindicación del magisterio en San Luis Potosí, 1921-1943. Tese
(Mestrado em História) – El Colegio de San Luis, San Luis Potosí, 2006.
HYPÓLITO, Álvaro Moreira. Trabalho docente, classe social e relações de gênero.
Campinas: Papirus, 1997.
IBARROLA, María de; RUIZ, Gilberto Sillva; CEDILLO, Adrián Castelán. ¿Quiénes son
nuestros profesores? Análisis del magisterio de educación primaria en el Distrito
Federal, 1995. México: Fundación SNTE para la cultura del maestro mexicano, 1997.
IBGE. Anuário estatístico do Brasil 1965. Rio de Janeiro: IBGE, 1965.
IBGE. Anuário estatístico do Brasil 1975. Rio de Janeiro: IBGE, 1975.
IMEN, Pablo. La escuela pública sitiada. Crítica de la transformación educativa. Buenos
Aires: Ediciones del Centro Cultural de la Cooperación, 2005.
INEP. Censo do professor 1997: perfil dos docentes de Educação Básica. Brasília: INEP,
1999.
INEP. Sinopse do Censo dos Profissionais do Magistério da Educação Básica: 2003.Brasília:
INEP, 2006.
IÑIGUEZ, Alfredo. El salario docente: un síntoma del estado de la educación en Argentina.
Buenos Aires: CTERA, 2000.
JAFELLA, Sara. Escuela nueva en Argentina y Brasil: retrospectiva de un ideario pedagógico
en la formación docente. Revista de Pedagogía, Caracas, v. 23, n.67, p. 333-344, maio
2002.
JIMÉNEZ, Rosa María González. De cómo y por qué las maestras llegaron a ser mayoría en
las escuelas primarias de México, Distrito Federal. Revista Mexicana de Investigación
Educativa, México, v. XIV, n. 42, p. 747-785, jul./set. 2009.
JONGUITUD BARRIOS, Carlos. Teoría y acción del sindicalismo magisterial. Discursos.
1975, Editorial del Magisterio Benito Juárez, 1976 apud PELÁEZ, Gerardo. Historia
del Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación. México: STUNAM, 2000.
JUNQUEIRA, Célia; MULS, Leonardo. O processo de pauperização docente.
Contemporaneidade e Educação, v. 2, n. 2, p. 130-142, set. 1997.
KATZ, Ricardo. Historia de la educación en la provincia de Buenos Aires. La Plata: el autor,
1996.
KECK, Margaret. O ‘novo sindicalismo’ na transição política brasileira. In: STEPAN, Alfred
(Org.) Democratizando o Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
KONRAD, Gláucia Vieira Ramos. Os trabalhadores e o estado novo no Rio Grande do Sul:
um retrato da sociedade e do mundo do trabalho (1937-1945). Tese (Doutorado em
Historia) – Universidade de.Campinas, Campinas, 2006.
KRAWCZYK, Nora. A utopia da participação: a posição dos movimentos docentes na
formulação da política educativa na Argentina. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade de.Campinas, Campinas, 1993.
KRAWCZYK, Nora Rut; VIEIRA, Vera Lúcia. A Reforma Educacional na América Latina.
Uma perspectiva histórico-sociológica (Argentina, Brasil, Chile e México na década de
1990). São Paulo: Xamã, 2008. 137 p
LEIVA, Lisandro. Argentina 1973, movimiento docente. Los libros. Para una crítica política
de la cultura, Buenos Aires, n. 32., 1973
273
LEMME, Paschoal. Memórias de um Educador. Brasília: Inep, 2004.
LEMOS, Daniel Cavalcanti de Albuquerque. O Discurso da Ordem: A constituição do campo
docente na Corte Imperial. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
LYNCH, John. The Catholic Church in Latin America, 1830-1930. In: BETHELL Leslie
(Ed.). The Cambridge History of Latin America v. IV.Cambridge: Cambridge
University Press, 1986.
LOBATO, Mirta Zaida. Historia de las trabajadoras en la Argentina (1869-1960). Buenos
Aires: EDHASA, 2007.
LOCKE, Richard; THELEN, Kathleen. Apples and oranges revisited. Contextualized
comparison and the study of comparative labor politics. Politics & Society, v. 23, n. 3, p.
337-367, Set. 1995.
LÓPEZ, Norberto. Ya es tiempo de actuar. El proceso de organización de los profesores del
Estado de México 1921-1959. México: El Colegio Mexiquense, A.C. Zinacantepec,
2001.
LORA, María Esther Aguirre. Una invención del siglo XIX. La escuela primaria 1780-1890.
In: GALVÁN, Luz Elena (coord.) Diccionario de historia de la educación en México.
México: CONACYT/CIESAS/UNAM, 2002.
LOYO, Aurora. El movimiento magisterial de 1958 en México. México: Era, 1979.
LOYO, Aurora. Los ámbitos de negociación del magisterio. In: BENSUSÁN, Graciela;
LEÓN, Samuel (Org.) Negociación y conflicto laboral en México. México:
FLACSO/Fundación Friedrich Ebert, 1992.
LOYO, Aurora. La reforma educativa en México vista a través de los maestros: un estudio
exploratorio. Revista Mexicana de Sociología, México, v. 64, n. 3, p. 37-62, jul./set.
2002.
LOYO, Aurora; MUÑOZ, Aldo. Sindicalismo magisterial. Estado del arte de una década. In:
DUCOING, Patricia (Coord.) La investigación educativa en México 1992-2002 n. 8.
México. Consejo Mexicano de Investigación Educativa-SEP-Centro de Estudios sobre
la Universidad (CESU-UNAM), 2003.
LOYO, Aurora; RODRÍGUEZ, María de Jesús. Maestras activistas de la ciudad de México.
Subjetividad y contextos de interacción. Revista Mexicana de Sociología, México v.69,
n. 1, p. 139-169, jan./mar. 2007.
LOUZADA, Maria Aparecida Figueiredo. Análise das práticas da direção do SINDIUPES e
o que estas práticas produziram no coletivo de trabalhador@s em educação na década
de 90. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade federal de Espírito Santo,
Vitória, 2007.
LUGLI, Rosário Genta. Um estudo sobre o CPP (Centro do Professorado Paulista) e o
movimento de organização dos professores (1964-1990). Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
LUGLI, Rosário Genta. O trabalho docente no Brasil. O discurso dos Centros Regionais de
Pesquisa educacional e das entidades representativas do magistério (1950-1971). Tese
(Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
LUGLI, Rosário Genta. As representações dos professores primários: estratégia política e
habitus professoral. Revista Brasileira de História da Educação, São Paulo, n. 9, p. 231262, jan/jun. 2005.
MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello; NEVES, Carla Villanova.Valores católicos e
profissão docente: um estudo sobre representações em torno do magistério e do “ser
professora” (1930-1950). Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 15,
p. 99-116, set./dez. 2007.
274
MAGRONE, Eduardo. Mudança no perfil sócio-profissional dos professores do ensino
fundamental do município do Rio de Janeiro: a passagem da escola tradicional para a
escola popular de massa. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
MAHONEY, James; RUESCHEMEYER, Dietrich (Ed.). Comparative Historical Analysis in
the Social Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
MALDONADO, Romeo Valentín. Fideicomiso de apoyo a la vivienda magisterial. El
Cotidiano, México, v. 24, n.154, p. 101-106, mar./abril 2009.
MARENGO, Roberto. Estructuración y consolidación del poder normalizador: el Consejo
Nacional de Educación. In: PUIGGRÓS, Adriana (Dir.). Historia de la Educación
Argentina v. II. Sociedad Civil y Estado en los Orígenes del sistema educativo
argentino. Buenos Aires: Galerna, 1991.
MARTINE, George (coord.). O mercado de trabalho para professores de primeiro e segundo
graus: a evolução na década de ‘80. Brasília: MEC/INEP, 1994.
MAROTTA, Sebastián. El movimiento sindical argentino - Su génesis y desarrollo (tomo II).
Buenos Aires: Lacio, 1961.
MARTÍNEZ, Deolidia; VALLES, Iris; KOHEN, Jorge. Salud y Trabajo Docente. Tramas del
malestar en la escuela. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1997.
MARTÍNEZ, Isidoro Yescas; ZAFRA, Gloria. La insurgencia magisterial en Oaxaca 1980.
Oaxaca: Fondo Editorial IEEPO, 2006 [1985].
MATOS, Alessandro Rubens de. Trajetória do Sindicato dos Profissionais em Educação no
Ensino Municipal (SINPEEM): 1986-2004. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
MECYT. A cien años de La ley Láinez. Buenos Aires: MECyT, 2007.
MECYT. El Perfil de los Docente en la Argentina. Análisis realizado en base a los datos del
Censo Nacional de Docentes 2004. Temas de Educación Nº 4. Año 2, noviembrediciembre 2007. Buenos Aires: MECyT, 2007.
MECYT. El Perfil de los Directores de Escuela en la Argentina. Una revisión de los datos
del Censo Nacional de Docentes 2004. Temas de Educación Nº 5. Año 3, noviembrediciembre 2008. Buenos Aires: MECyT, 2008.
MECYT. Informe Indicativo de Salarios Docentes. Periodo Octubre/Diciembre 2009. Buenos
Aires: MECyT, 2010.
MELO, Savana Diniz Gomes. Trabalho e conflito docente: experiências em escolas de
educação profissional no Brasil e na Argentina. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
MENDONÇA, Erasto Fortes. A regra e o jogo: democracia e patrimonialismo na educação
brasileira. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2000.
MENUCCI, Palmiro. CPP- Um pouco da história de uma grande entidade.São Pablo: CPP,
2004.
MERRICK, Thomas. The population of Latin America, 1930-1990. In: BETHELL Leslie
(Ed.). The Cambridge History of Latin America, v. VI. Cambridge, Cambridge
University Press, 1986.
MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA. Estatística do ensino primário fundamental
comum 1957. Principais resultados, por municípios.Rio de Janeiro: MEC, 1960.
MIGLIAVACCA, Adriana. La protesta docente en la década de 1990. Experiencias de
organización sindical en la provincia de Buenos Aires. Tese (Mestrado em Política e
Gestão Educacional) – Universidad Nacional de Luján, Luján, 2009.
MIRANDA, Kenia. A organização dos trabalhadores em educação sob a forma sindicato no
capitalismo neoliberal. O pensamento pedagógico e o projeto sindical do SINPRO-Rio,
275
da UPPES e do SEPE-RJ. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2005.
MORAIS, Maria Arisnete Câmara de; SILVA, Francinaide de Lima. História da profissão
docente em Natal/RN (1908-1920). Diálogo Educativo, Curitiba, v. 9, n. 27, p. 267-278,
maio/ago. 2009.
MORALES, Ernesto. Tendencias educativas oficiales en México 1911-1934. México: Centro
de Estudios Educativos/Universidad Iberoamericana, 1998 apud HERNÁNDEZ,
Armando René Espinosa. La institucionalización de la escuela rural mexicana y la
sindicación del magisterio en San Luis Potosí, 1921-1943. Tese (Mestrado em História)
– El Colegio de San Luis, San Luis Potosí, 2006.
MOREIRA, Maria Laura. História da luta sindical do magistério cearense: 1942-1985.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Ceará, Fortaleza, 1990.
MULCAHY, Ana. Interacciones entre sindicatos docentes y estado. La provincia de Buenos
Aires entre 2000 y 2007. Tese (MestradoemEducação) – Universidad de San Andrés,
Buenos Aires, 2008.
MUÑOZ, Aldo. El sindicalismo mexicano frente a la reforma del Estado. El impacto de la
descentralización educativa y el cambio político en el Sindicato nacional de
Trabajadores de la Educación 1992-1998. México: Universidad Iberoamericana. 2005
MUÑOZ, Aldo. Escenarios e identidades del SNTE. Entre el sistema educativo y el sistema
político. Revista Mexicana de Investigación Educativa, México, v. XIII, n. 37, p. 377417, abril/jun. 2008.
MUÑOZ, Aldo. El sindicalismo mexicano y el voto corporativo: el SNTE y su alianza con el
PAN en las elecciones de 2006. In: HERNÁNDEZ, Juan Luis; MUÑOZ, Aldo (coord.)
Democracia reprobada: la elección presidencial de 2006. México: Benemérita
Universidad Autónoma de Puebla/Universidad Iberoamericana Puebla/ Universidad
Iberoamericano Ciudad de México, 2010
MURILLO, María Victoria. Labor market, partisan coalitions and market reforms in Latin
America. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.
NASCIMENTO, José Roberto Carvalho do. Estratégias de ação política do sindicato dos
trabalhadores em educação de Santa Catarina – SINTE/SC – e a sua relação com a
Central Única dos Trabalhadores – CUT – entre a década de 1980 e inicio dos anos
2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2007.
NARDACCHIONE, Gabriel. Les arrêts et réouvertures des disputes politiques. Analyse du
conflit enseignant en Argentine (1984-1999). Tese (Doutorado em Sociologia) – École
des Hautes Études en Sciences Sociales, París, 2009.
NARODOWSKY, Mariano. El lado oscuro de la luna. In: CUCUZZA, Héctor Rubén
(comp.)Historia de la Educación en debate. Buenos Aires: Miño y Dávila, 1996.
NASCIMENTO, Francisco das Chagas Firmino do. Os funcionários da educação: da
constituição da identidade à ação como co-gestores de escola. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
NEVES, Maria Fátima. O método lancasteriano e o projeto de formação disciplinar do povo
(São Paulo, 1808-1889) Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual
Paulista, Assis, 2003.
NEWLAND, Carlos. Buenos Aires no es pampa: la educación elemental porteña 1820- 1860.
Grupo. Editor Latinoamericano. Bs. As. 1992
NIGRO, Juan Carlos. La lucha de los maestros. Buenos Aires: Confederación de Maestros,
1984.
276
NOGUEIRA, Armando J. F. Mazzei. Emergência e crise do novo sindicalismo no setor
público brasileiro. In RODRIGUES, Iram Jácome (org). O novo sindicalismo. Vinte
anos depois. Petrópolis: Vozes, 1999
NORONHA, Eduardo. Ciclo de greves, transição política e estabilização: Brasil, 1978-2007.
Lua Nova, São Paulo, n. 76, pp. 119-168, 2009.
NOVAES, Maria Eliana. Professora primária: mestra ou tia. 5ª ed., São Paulo, Cortez:
Autores Associados, 1992.
NUNES, Clarice. Formação docente no Brasil: entre avanços legais e recuos pragmáticos.
Teias, Rio de Janeiro, ano 1, n.1, p.16-30, jan./jun. 2000.
NUNES, Clarice. (Des) encantos da modernidade pedagógica. In: FARIA FILHO, Luciano
Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive; LOPES, Eliane Marta Teixeira (Org.). 500 anos
de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, v. , p. 585-599.
NÚÑEZ, Iván. Gremios del magisterio. 70 años de historia 1900-1970, Santiago, Programa
Interdisciplinario de Investigaciones en Educación, 1986.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização e
flexibilização. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, set./dez.
2004b.
OLIVEIRA, Dalila Andrade de. Estudo dos conflitos nos sistemas educacionais da região:
agendas, atores, evolução, manejo e desenlaces. Relatório de estudo de caso do Brasil.
Buenos Aires: LPP, 2005.
OLIVEIRA, Dalila Andrade; ASSUNÇÃO, Ada Ávila. Intensificação do trabalho e saúde dos
professores. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p. 349-372, maio/ago.
2009.
OLIVEIRA, Dalila Andrade; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Pesquisa trabalho docente
naeducação básica no Brasil. Sinopse do survey nacional. Belo Horizonte, 2010.
OLIVEIRA, Dilma Maria Andrade de. Legislação e educação. O ideário reformista do
ensino primário em Sergipe na primeira república 1889-1930. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2004.
ORNELAS, Carlos. El SNTE, Elba Esther Gordillo y el gobierno de Calderón.Revista
Mexicana de Investigación Educativa, México, v. XIII, n. 37, p. 445-469, abril/jun.
2008
OSSANA, Edgardo et al. Una aproximación a la educación argentina de 1885 a 1945 en Santa
Fe. In: PUIGGRÓS, Adriana (Dir). Historia de la Educación Argentina v. IV La
educación en las provincias y territorios nacionales (1885-1945). Buenos Aires:
Galerna, 1993.
OZGA, Jennifer; LAWN, Martin.Teachers, Professionalism, and Class: A Study of Organized
Teachers.London: Falmer Press, 1981.
PACHECO, Eliezer Moreira. Sindicato e projeto pedagógico. A Organização e as lutas dos
Professores Públicos Estaduais do Rio Grande do Sul, de 1945 a 1991. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1993.
PAGE, Carlos. Los simbólicos edificios de las escuelas normales de Córdoba (Argentina).
Revista de Historia de la Educación Latinoamericana, Tunja v. 6, p. 87-104, 2004
PALHANO, Eleanor Gomes da Silva. O Movimento Sindical dos Professores do Ensino
Público no Estado do Pará suas Lutas e Conquistas. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000.
PALLEROSI, Guillerme Guimarães. As Políticas Educacionais da Década de 1990 e o Perfil
Ocupacional dos Docentes da Rede Pública de Ensino Fundamental Paulista em 2002.
Mercado de trabalho e modernização do setor terciário brasileiro: estudo
277
DIEESE/CESIT/ organizado pelo DIEESE. São Paulo: DIEESE, Campinas:
CESIT/UNICAMP, 2005.
PALOMINO, Héctor; SENEN, Cecilia. Desenho legal e desempenho real: Argentina. In:
BENSUSÁN, Graciela (Org.), Instituições trabalhistas na América Latina. Desenho
legal e desempenho real. Rio de Janeiro: Revan. 2006
PALOMINO, Héctor; GURRERA, María Silvana. Caracterización de las nuevas
inscripciones y personerías gremiales en la historia argentina (2003-2008). In:
MINISTERIO DE TRABAJO, EMPLEO Y SEGURIDAD SOCIAL. Estudios
Laborales 2008. Buenos Aires: MTEySS, 2009.
PARO, Vitor Enrique. Por dentro da escola pública. São Paulo: Xamã, 1995.
PAULILO, André Luiz. A estratégia como invenção. As políticas públicas de educação na
cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
PAULA, Ricardo Pires de. Entre o sacerdócio e a contestação: uma história da APEOESP
(1945-1989). Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual Paulista, Marília,
2007.
PELÁEZ, Gerardo. El sindicalismo magisterial 1935-1943. México: SNTE, 1994.
PELÁEZ, Gerardo. Historia del Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación.
México: STUNAM, 2000.
PETRUCCELLI, Adrian. Docentes y piqueteros. De la huelga de ATEN a la pueblada de
Cutral Có. Buenos Aires, El cielo por asalto / El Fracaso, 2005.
PESSOA, Robertônio Santos. Sindicalismo no setor público. São Paulo: LTr editora, 1995.
PINCINATO, Daiane Antunes Vieira. Homens e masculinidades na cultura do magistério:
uma escolha pelo possível, um lugar para brilhar (São Paulo, 1950-1989). Tese
(Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
PINHEIRO, Antonio Calos Ferreira. Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares
na Paraíba. Campinas: EDUSF/Autores Associados/Braganca Paulista, 2002.
PINEAU, Pablo. La escolarización en la provincia de Buenos Aires. Una versión posible.
Buenos Aires: FLACSO, 1997.
PINEAU, Pablo; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A educação e a questão da construção
de identidades modernas no século XIX: os casos de Argentina e do Brasil. In: VIDAL,
Diana; ASCOLANI, Ascolani (org.) Reformas educativas no Brasil e na Argentina.
Ensaios de história comparada da educação (1820-2000). São Paulo: Cortés, 2009.
PINKASZ, Daniel. Los orígenes del profesorado secundario.In: BIRGIN, Alejandra;
BRASLAVSKY, Cecilia (Comp.) Formación de profesores: pasado, presente y futuro.
Buenos Aires: Miño y Dávila Editores, 1992.
PITON, Ivania Marini. Políticas educacionais e movimento sindical docente:
reformaseducativas e conflitos docentes na Educação Básica Paranaense. Tese
(Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.
POULANTZAS, Nicos. O estado, o poder, o socialismo. São Paulo/Rio de Janeiro, Paz e
Terra/Graal, 4º edição, 2000 (ed. or. 1978).
PUIGGRÓS, Adriana; BERNETTI, Jorge Luis. Peronismo: Cultura política y Educación
(1945-1955). Buenos Aires: Galerna, 1993.
RAGIN, Charles.The comparative method.Moving beyond qualitative and quantitatives
strategies.California: University of California Press, 1987.
REIS, Rute Rodrigues dos. O movimento docente e o debate sobre financiamento
educacional: o caso da APEOESP (1995-2002). Dissertação (Mestrado em Educação) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
RESÉNDIZ, Raciel Trejo. Presencia del SNTE en el aparato burocrático y sus consecuencias
en el ámbito educativo.In: BENAVÍDES, María Eulalia; VELASCO, Guillermo
278
(Coord.) Sindicato Magisterial en México. México, Instituto de Proposiciones
Estratégicas, A. C., 1992.
RÊSES, Erlando da Silva. De vocação para profissão: organização sindical docente e
identidade social do professor. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de
Brasília, Brasília, 2008.
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. A formação política do professor de 1° e 2° graus. São Paulo:
Cortez, 1984.
RIBEIRO, Ricardo. Professoras de outrora: escola primária paulista. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade de São Paulo São Paulo, São Paulo,1996.
RIBEIRO, Vera Masagão; JOIA, Orlando. Trabalhadores em educação: perfil e
representação dos delegados ao 23° Congresso da CNTE (1991).São Paulo:
CEDI/CNTE, 1992.
RÍOS, Guillermo. Identidad y protesta docente: el caso del Sindicato de Trabajadores de la
Educación de Rosario (1971-1976).Tese (Mestrado em Ciências Sociais) –Universidad
Nacional del Litoral, Santa Fe, 2005.
ROCHA NETO, Manoel Pereira da. Jornal das Moças (1926-1932): Educadoras em
manchete. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2002.
ROCHA, Maria da Consolação. Políticas de valorização do magistério: remuneração, plano
de carreira, condições de trabalho - uma análise da experiência de Belo Horizonte.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
RODRIGUES, Fernanda Belo. As mudanças no mundo do trabalho e a ação sindical dos
trabalhadores em educação. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal de Goiás, Goiânia, 2006.
RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do sindicalismo. São Paulo: EDUSP/FAPESP,
1999.
RODRIGUEZ, María Guadalupe et al. Síndrome de burnout en maestros de educación básica,
nivel primario de Guadalajara. Investigación en Salud, Guadalajara, v. 5, n. 1, p. 11-16,
abril 2003.
RODRÍGUEZ, Laura Graciela. Los trabajadores del sector público durante la última
dictadura militar. El caso de los docentes, las reformas al Estatuto y los sindicatos.
SEGUNDAS JORNADAS NACIONALES DE HISTORIA SOCIAL13, 14 y 15 de
mayo de 2009. La Falda, Córdoba - Argentina
ROZENVAIG, Eduardo. La oruga sobre el pizarrón (Francisco Isauro Arancibia, maestro).
Buenos Aires: Ediciones del pensamiento nacional, 1993.
SADI, Renato Sampaio. Projeto das direções sindicais da educação de São Paulo-SP. Tese
(Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2001.
SAFORCADA, María Fernanda et al. Reformas neoliberales, condiciones laborales y
estatutos docentes. Buenos Aires: Centro Cultural de la Cooperación, 2004.
SALINAS, Werfield. El magisterio argentino y su organización. La Plata: Asociación de
Maestros de la Provincia de Buenos Aires, 1910.
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Nicolás.The population of Latin America, 1850-1930. In:
BETHELL Leslie (Ed.). The Cambridge History of Latin America v. IV.Cambridge:
Cambridge UniversityPress, 1986.
SANDOVAL-FLORES, Etelvina. Los maestros y su sindicato. Relaciones and procesos
cotidianos. México: DIE-Instituto Politécnico Nacional, 1985.
SANTANA, Marco Aurélio. Política e história em disputas: o ‘novo sindicalismo’ e a idéia de
ruptura com o passado. In RODRIGUES, Iram Jácome (org). O novo sindicalismo.
Vinte anos depois. Petrópolis: Vozes, 1999.
279
SANTANA, Marco Aurélio; RAMALHO, José Ricardo (Org.). Trabalho e tradição sindical
no Rio deJaneiro: a trajetória dos metalúrgicos. Rio de Janeiro, DP&A /Faperj, 2001.
317 páginas.
SANTOS, José Maximiano dos. A transformação da Associação de Professores do Rio
grande do Norte (APRN) em Sindicato dos Trabalhadores em Educação (1986-1990).
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Rio Grande do
Norte, Natal, 2008.
SANTOS VALDÉS, José. El movimiento sindical magisterial mexicano. In: Obras
completas. México: Asociación nacional de ex-alumnos de San Marcos, Zacatecas, AC,
1989.
SCOBIE, James. The growth of Latin American cities, 1870-1930. In: BETHELL Leslie
(Ed.). The Cambridge History of Latin America v. IV.Cambridge: Cambridge
UniversityPress, 1986.
SHULMAN, José Ernesto. La Rioja que resiste. Educación y lucha de clases. Historia de la
Asociación de Maestros y Profesores de la Rioja. La Rioja: AMP ediciones, 2002.
SHUSTER, Félix Gustavo. Explicación y predicción. La validez del conocimiento en ciencias
sociales. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
SOUTO, Rosiley Teixeira. Recrutamento e qualificação de professores primários na
instrução pública paulista (1892 – 1933). Um estudo das tecnologias de estado. Tese
(Doutorado em Educação, História, Política e Sociedade) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
STREET, Susan. Maestros en movimiento. Transformaciones en la burocracia estatal 19781982. México: CIESAS. 1992
STREET, Susan. El SNTE y la política educativa, 1970-1990. Revista Mexicana de
Sociología, México, v. 64, n. 2, p. 45-74, abril/maio 1992a.
STREET, Susan. Los maestros y la democracia de los de abajo. In ALONSO, Jorge;
RAMÍREZ, Juan Manuel (Coord.) La democracia de los de abajo en México. México:
La jornada, UNAM, Colegio electoral del estado de Jalisco, 1997.
STREET, Susan. Trabajo docente y poder de base en el sindicalismo democrático magisterial
en México. Entre reestructuraciones productivas y resignificaciones pedagógicas. In
GENTILI, Pablo; FRIGOTTO, Gaudêncio (Comp.) La ciudadanía negada. Buenos
Aires: CLACSO, 2000.
STREET, Susan. El género como categoría para repensar al sujeto popular: dos generaciones
en el activismo femenino del magisterio democrático. In: GALVÁN, Luz Elena;
LÓPEZ, Oresta (Coord.) Entre imaginarios y utopías: historia de maestras. México:
CIESAS/UNAM/El Colegio de San Luis, 2008.
SUÁREZ, Daniel. Conflicto social y protesta docente en América Latina. Estudio de caso: El
conflicto docente en Argentina (1997 - 2003). Buenos Aires, Laboratorio de Políticas
Públicas.
SYNOTT, John. Teacher Unions, Social Movements and the politics of Education in
Asia.South Korea, Taiwan and the Philippines. Hampshire: Ashgate, 2002.
TAMBARA, Elomar. A feminilização da feminização do magistério no Brasil. In: VII
CONGRESSO LUSOBRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 2008, Actas…,
Porto, Universidade do Porto, 2008.
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. Expérience, interactions humanies et dilemmes
professionnels. Laval: De Boeck Université, 1999.
TEORIA E EDUCAÇÃO Nº 4. Porto Alegre: Pannonica, 1991.
TILLY, Charles. Big structures, large processes, huge comparisons.New York: Russell Sage
Foundation, 1984.
280
TRUCCO, María Amelia Martínez. Acción Gremial del Magisterio de Santa Fe. Santa Fe:
Universidad del Litoral.
UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que
almejam...São Paulo: Editorial Moderna, 2004.
VÁZQUEZ, Juan Manuel Hernández. Inseguridad laboral en el mercado de trabajo docente.
Un análisis comparado de los mercados público y privado del nivel primaria en
México, 1996-2001. Tese (Doutorado em Estudos Sociais) –Universidad Autónoma
Metropolitana – Iztapalapa, México, 2005.
VÁZQUEZ, Silvia; BALDUZZI, Juan. De apóstoles a trabajadores. Luchas por la unidad
sindical docente (1957-1973) Buenos Aires: IIPMV/CTERA, 2000.
VEGA, Carmen Imelda Valdez. El salario y la situación profesional de los maestros de
primaria del distrito federal (1948 - 1958). Dissertação (Mestrado em História) –
Universidad Autónoma Metropolitana – Iztapalapa, México, 1989.
VIANNA, Cláudia. Os nós do “nós”, Crise e perspectiva da ação coletiva docente em São
Paulo. São Paulo: Xamá, 1999.
VIANNA, Cláudia. A produção acadêmica sobre organização docente: ação coletiva e
relações de gênero. Educação & Sociedade, Campinas, v. 22, n. 77, p. 100-130,
Dezembro 2001.
VICENTINI, Paula Perin. Um estudo sobre o CPP (Centro do Professorado Paulista):
profissão docente e organização do magistério. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
VICENTINI, Paula Perin. Imagens e representações de professores na história da profissão
docente no Brasil (1933-1963). Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2002.
VICENTINI, Paula Perin; LUGLI, Rosário Genta. História da profissão docente no Brasil:
representações em disputa. São Paulo: Cortés, 2009.
VIDAL, Diana; ASCOLANI, Adrián (Org.). Reformas educativas no Brasil e na Argentina.
Ensaios de história comparada da educação (1820-2000). São Paulo: Cortés, 2009.
VIEIRA, Juçara Dutra. Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro. Brasília:
CNTE, 2003.
WIÑAR, David Leonardo; FERNÁNDEZ, María Anita; LEMOS, María Luisa. La Argentina
Fragmentada.El caso de la Educación. Buenos Aires: Miño y Dávila, 1997.
WHITEHEAD, Lawrence. State organization in Latin America since 1930. In: BETHELL
Leslie (Ed.) The Cambridge History of Latin America,vol VI. Cambridge: Cambridge
University Press, 1986.
XAVIER, Libania. Ação coletiva, oportunidade política e identidade docente nos jogos de
poder: um ensaio a partir dos movimentos docentes brasileiro e português. In: DAL
ROSSO, Sadi (Org.) Associativismo e sindicalismo docente em educação. Organização
e lutas. Brasília: Paralelo 15, 2011.
YANNOULAS, Sivia Cristina. Educar: una profesión de mujeres? La feminización del
normalismo y la docencia en Brasil y Argentina (1870-1930).Tese (Doutorado em
Estudos Comparativos sobre América Latina e o Caribe) – Faculdade Latino-Americana
de Ciências Sociais, Brasília, 1994.
Download

Universidade do Estado do Rio do Janeiro