Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas Departamento de Serviço Social – SER Programa de Pós-Graduação em Política Social Curso de Especialização em Política Social e Desenvolvimento Urbano ELIANA CRISTINA PEREIRA DA SILVA VILA REAL: A REALIDADE LEGAL DA VILA Participação Comunitária no Projeto de Regularização Fundiária BRASÍLIA-DF 2007 Eliana Cristina Pereira da Silva VILA REAL: A REALIDADE LEGAL DA VILA Participação Comunitária no Projeto de Regularização Fundiária Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Política Social e Desenvolvimento Urbano sob a orientação da Professora Doutora Rosa Helena Stein para obtenção do grau de especialista. Brasília / DF - JUNHO / 2007 3 SUMÁRIO RESUMO .........................................................................................................4 ABSTRACT.......................................................................................................5 LISTA DE FIGURAS.........................................................................................6 LISTA DE TABELAS.........................................................................................7 LISTA DE QUADROS.......................................................................................8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS............................................................9 1. INTRODUÇÃO............................................................................................10 2. ESTADO & SOCIEDADE CIVIL..................................................................15 2.1. A Ação Negativa do Estado.................................................................16 2.2. O Reflexo Ativo da Sociedade Civil.....................................................19 3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM VÁRZEA PAULISTA.........................29 3.1. O Município de Várzea Paulista...........................................................29 3.2. Sujeitos................................................................................................30 3.3. O Projeto de Regularização Fundiária.................................................31 3.4. O Projeto Social...................................................................................33 3.5. Vila Real : Situação Fundiária e Andamento do Projeto......................37 3.6. Instrumentos de Coleta e Registro dos Dados....................................39 3.7. Procedimentos.....................................................................................39 3.7.1. Da Escolha dos Sujeitos.............................................................39 3.7.2. Do Contrato com Sujeitos...........................................................40 3.7.3. Da Coleta de Dados...................................................................40 4. TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS.................................................41 5. CONCLUSÃO.............................................................................................54 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................56 7. ANEXO I – Roteiro de Entrevista................................................................59 4 RESUMO A participação comunitária na gestão de políticas públicas é um elemento historicamente novo no Brasil. No planejamento e gestão das cidades surgem espaços conquistados por meio da reivindicação continuada dos movimentos sociais que lutaram e lutam pela democratização do Estado e pela partilha de poder no espaço público [na máquina administrativa]. A Constituição Federal de 1988, a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 e o Estatuto da Cidade, 2001, legalizam e legitimam a função social da cidade e da propriedade. O presente trabalho tem como proposta investigar de maneira mais apurada a relação da sociedade civil e poder público e como a participação dos agentes diretamente envolvidos no Projeto de Regularização Fundiária ampliou a percepção destes moradores em relação às reivindicações e demandas locais, diferenciando os papéis de cada elemento da relação Sociedade Civil e Estado. A mediação da comunicação entre estas instâncias, foi desenvolvida por uma Organização Não Governamental, a qual, também foi objeto de investigação no que se refere à interlocução das demandas coletivas e à promoção de espaços participativos que promovem a ampliação da cidadania, da justiça social e da inclusão de setores periféricos da cidade na gestão pública. Os resultados indicaram que os moradores que se envolveram efetivamente do processo de cadastro da Vila e das reuniões periódicas promovidas pela ONG, passaram a participar de outras instâncias de participação do bairro. Além disto, através dos dados obtidos por meio dos relatos destes moradores possibilitaram identificar melhoria nos meios de comunicação entre poder público e sociedade civil, após a mediação da ONG. Palavras-chave: participação comunitária; processos participativos; políticas públicas; sociedade regularização fundiária. civil; poder público; desenvolvimento urbano; 5 ABSTRACT The communitarian participation on the public politics management is a historically new event in Brazil. In the planning and management of the cities, conquests are obtained through the continuous demand of the social movements that claimed and still claim for the State democratization and the authority share on the government. The 1988 Federal Constitution, the 2000 Fiscal Responsibility Law, and the 2001 City´s Statute, have legalized the social function of the city and propriety. The present project proposes a refined investigation of the relation between the civil society and the Government, as well as to understand how the participation of agents directly involved on the Land Conservancy Regulation Project have enlarged the perception of these citizens, regarding the local claims and demands, distinguishing the role of each element of the relation between Civil Society and the State. In the present project, the communication mediation between these two sectors was developed by a Non Governmental Organization (NGO), and was also investigated regarding the collective demands and promotion of participative spaces leading to the favoring of the citizenship, social justice and the inclusion of outskirts sectors on the public administration. The results indicate that the citizens effectively involved on the register process of the town and on periodic reunions promoted by the NGO, began to participate on other sectors of the district. Moreover, the data obtained by means of the citizens reports, have lead to the identification of an improvement on the communication process between the government and civil society, after the NGO mediation. Key words: communitarian participation, participative processes, public politics, civil society, urban development, land conservancy regulation. . 6 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Vista da Avenida Fernão Dias Paes Leme do Município de Várzea Paulista........................................................................................29 FIGURA 2: Unidades Habitacionais da Vila Real : processo de Regularização Fundiária......................................................................................31 FIGURA 3: Reunião ONG Interação com comunidade...................................35 7 LISTA DE TABELAS TABELA 1: Participantes por Segmentos nas Conferências Nacionais das Cidades........................................................................................24 TABELA 2: Evolução da população de Várzea Paulista.................................30 TABELA 3: Setores e Composição da População – Vila Real........................38 TABELA 4: Perfil da Amostra do Grupo de Representantes de Setores em Vila Real ....................................................................................41 8 LISTA DE QUADROS QUADRO 1: Relatos e opiniões dos entrevistados referentes às vantagens, desvantagens, problemas e percepção de responsabilidades ..................................................................................................42 QUADRO 2: Atividades exercidas pelos entrevistados no Projeto de Regularização e na Comunidade .............................................43 QUADRO 3: Relatos de melhorias e mudanças no cotidiano individual e coletivo .....................................................................................45 QUADRO 4: Visão dos entrevistados em relação ao Poder Público – antes e depois da participação do Projeto de Regularização Fundiária ...................................................................................................47 QUADRO 5: Papel e contribuições da ONG Interação, aprendizados decorrentes das reuniões do Projeto de Regularização Fundiária .................................................................................49 QUADRO 6: Relatos acerca dos papéis da sociedade civil e do poder público em relação aos problemas de Vila Real .................................51 QUADRO 7: Percepções da Vila Real e sugestões de melhorias..................52 9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS • CEF – Caixa Econômica Federal • FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço • MCidades – Ministério das Cidades • MN SA – Manual Normativo Interno CAIXA – Saneamento e infra-estrutura • OGU – Orçamento Geral da União • ONG – Organização Não Governamental • SJS - Sujeitos 10 1. INTRODUÇÃO O Artigo 182 da Constituição Federal, prevê que : “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” A grande aceleração do êxodo rural, o não incentivo crescente às políticas públicas de desenvolvimento urbano, a ausência de locais na cidade para agregar a população que se torna cada vez mais urbana, são processos que dificultam a realização plena do direito constitucional citado acima. Com o aumento da referida demanda, a ausência do planejamento administrativo municipal, bem habitacionais, contribuíram como para que da implementação grandes de políticas aglomerados urbanos irregulares surgissem após a década de 70. A população expulsa do campo, ocupa, por hora, espaços não legalizados. Muitas vezes, elegem locais onde a infra-estrutura é inadequada, ou sua oferta é reduzida, promovendo o crescimento de loteamentos irregulares em áreas de risco de erosão, enchentes e deslizamentos, ou mesmo áreas de proteção ambiental, como mangues e mananciais, e conseqüente aumento da pobreza, miséria e violência. Diante do quadro exposto, consideramos que a política habitacional deve estar em acordo com a função social da cidade, garantindo o bem-estar da população. Como sugere Rolnik, a referida política: “não pode ser compreendida simplesmente como política de construção de conjuntos habitacionais, reurbanização e requalificação de edificações. Seu objetivo deve ser satisfazer uma das necessidades básicas da população – um povo com carências habitacionais sérias é um povo amputado na sua capacidade de desenvolvimento e de progresso social e cultural“ (Rolnik, 2004, p.73). 11 Desta forma, a percepção da sociedade em relação ao direito de moradia deve ser expandida para a ampliação da consciência em relação aos direitos de cidadania. Isto é, uma população atendida por um programa de habitação popular ou de regularização de posse e/ou propriedade, deve ter acesso ao conhecimento de seus direitos enquanto cidadãos, com participação efetiva nas decisões referentes à comunidade a que pertence, e capacitação para demandar ao poder público local as questões da coletividade. A Gestão Municipal, incluindo a gestão urbana e rural, passa atualmente por um processo de reestruturação da cultura administrativa das cidades, considerando as exigências contidas na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001, considerados dois grandes marcos da legitimidade da função social da cidade e da propriedade. Neles, a participação popular deve ter lugar efetivo no planejamento e gestão das cidades, espaço esse reivindicado pelos movimentos sociais desde a década de 70. É com base nesse contexto, que o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a relação dialética entre a sociedade e a administração pública municipal, no processo de Regularização Fundiária, e em conseqüência as influências advindas deste processo. Os objetivos específicos são apresentados no sentido de: 1) investigar de maneira mais apurada o papel do poder público nas tomadas de decisão e a incorporação das demandas sociais que caracterize a partilha de poder, bem como a percepção do grupo participante em relação à importância do grupo para a influência nas decisões administrativas; 2) identificar e apresentar as metodologias que contribuem para maior participação da comunidade e sua capacidade de influenciar o processo decisório do poder público municipal; 3) analisar o papel desempenhado pela ONG Interação no fortalecimento da organização comunitária e influência no cotidiano individual dos participantes do Grupo de Regularização; 4) avaliar se houve percepção do grupo de ampliação da cidadania. 12 Para investigação destas questões, foi escolhido o Município de Várzea Paulista, localizado no Estado de São Paulo, distante 54 km da capital. Tal escolha deve-se à existência do contrato para o repasse de recursos do Orçamento Geral da União – OGU este Município por meio da CAIXA, destinado ao Programa Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários, nas modalidades de Projeto de Regularização Fundiária Sustentável de Assentamentos Precários e Atividades Jurídicas e Administrativas para a Regularização Fundiária. É exigência do Programa, segundo o Manual Normativo específico, a realização do Trabalho Técnico Social, cuja finalidade consiste em desenvolver um conjunto de atividades de caráter informativo, visando à sensibilização e à mobilização comunitária, sendo observada a realização das seguintes atividades. (Caixa Econômica Federal, Manual OGU – SA 072, vigência 15.06.2005). • Identificação dos diversos segmentos da sociedade; • Reuniões com os diversos atores sociais e população; • Levantamento dos problemas, conflitos e potencialidades; • Sistematização das informações; • Criação de instrumentos para informação e divulgação do andamento das diversas ações para a população; • Apresentação dos resultados e produtos no final de cada etapa para os atores sociais e população. Para o desenvolvimento deste componente obrigatório do Programa Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários do Ministério das Cidades, a Prefeitura Municipal de Várzea Paulista, em outubro de 2005, firmou o Termo de Parceria junto à ONG Interação – Rede Internacional de Ação Comunitária. Trata-se de uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público / OSCIP, nos termos da Lei 9.790/99, que tem por objetivo de desenvolver o projeto social específico de regularização fundiária e capacitar o corpo técnico permanente para implementação de outros projetos da mesma natureza. 13 A metodologia realizada para a presente investigação, baseou-se na pesquisa qualitativa para a coleta de dados e informações, entrevista semiestruturada e depoimentos espontâneos dos moradores residentes na área de realização do Projeto de Regularização Fundiária, Vila Real em Várzea Paulista, e que participam efetivamente dos processos propostos pela ONG Interação. O contato inicial com a ONG Interação se deu através de contato telefônico com a Coordenadora e depois com duas Assistentes Sociais que acompanham o projeto de Regularização Fundiária. Para manter relação apropriada com os entrevistados, a pesquisadora esteve presente em quatro reuniões promovidas pela ONG, aos domingos, uma vez por mês. A importância da presença antecipada da entrevistadora foi necessária para manter contato com os moradores e estipular vínculos de confiança para futuros depoimentos terem sucesso de espontaneidade e confiança. O agendamento das entrevistas se deu via telefone, quando foi marcado local e horário comuns a todos, na mesma data, para apresentar o projeto de maneira uniforme e impessoal a todos os sujeitos a serem entrevistados. Por sugestão de uma representante entrevistada, a reunião foi em sua casa, local de encontro comumente utilizado tanto pelo grupo, quanto pela comunidade em geral. No local foi instalado, no último Natal, um presépio emprestado pela Prefeitura, e que após montado no quintal da moradora, esta deixava os portões abertos, todas as noites, durante os dias em que o comércio abriu as portas no período noturno, e recebeu toda a comunidade, bem como seus vizinhos, com plena satisfação, para apreciarem a montagem do referido presépio. No dia agendado, os entrevistados compareceram todos juntos, quando foram apresentados os objetivos da entrevista, bem como a informação sobre à garantia de sigilo quanto à identificação dos moradores em relação às informações prestadas, sendo possível, portanto, relatos de qualquer ordem e de posicionamento sinceros às convicções individuais. 14 Para a formulação teórica contida nesta monografia, foi realizado levantamento bibliográfico sobre o tema bem como de documentos referente aos dados pertinentes ao Município de Várzea Paulista e à ONG Interação. Nesse sentido, a monografia está dividida em cinco capítulos, assim distribuídos: o primeiro, apresenta uma visão global da pesquisa realizada, dos objetivos propostos, delimitando o assunto tratado. O Capítulo 2 aborda sobre a relação Estado e Sociedade Civil, analisando-se a ação negativa do Estado e, em contraposição, o reflexo ativo da sociedade civil. Nele contém análise das políticas públicas e suas relações com o Estado brasileiro, ressaltando um breve histórico sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, sua relação com movimentos sociais, bem como, questões relevantes acerca da participação popular e avaliação do papel das Organizações Não Governamentais a partir da década de 90, quando ocorre uma intensificação neste setor. O Capítulo 3 situa o processo de regularização fundiária em Várzea Paulista, tomando como referência os conteúdos metodológicos do Programa de Regularização Fundiária do Ministério das Cidades. Nele é destacado o objeto de estudo em termos sociais, econômicos e fundiários da Vila Real. O tratamento e análise dos dados são apresentados no Capítulo 4, no qual traz os principais resultados da pesquisa, cujas essenciais conclusões estão no Capítulo 5, intitulado desta forma. 15 2. ESTADO & SOCIEDADE CIVIL A premissa de justiça social está ligada ao conceito de equidade e igualdade, cuja garantia se dá por meio de políticas sociais. O termo política, em seu aspecto moderno, define-se por processos de regulação econômica e social realizado pelo Estado em articulação com a sociedade, através do controle democrático, isto é, o poder coercitivo do Estado é delegado e controlado pela sociedade, pelos cidadãos. Esta participação na formulação e controle, através da relação de antagonismo e reciprocidade, estabelece poder de decisão, representatividade, fazendo com que a sociedade se faça presente, comprometendo tal instância ao Estado, sendo fruto desta interação o que se chama de “res publica”, do latim, coisa de todos. Esta é a premissa principal da política pública, o fato de se caracterizar o conjunto de ações, de decisões pensadas, planejadas e avaliadas, resultantes das relações entre Estado e Sociedade. As principais funções da política pública estão no fato de concretizarem direitos por meio de leis, de alocação e distribuição de bens públicos (de todos) e não ser regida pela lógica do mercado, e sim, pela satisfação das necessidades sociais, através do princípio de soberania popular. Política social, sendo uma política pública, tem como perspectiva a igualdade e a justiça, exigindo atitudes ativas e positivas do Estado. É por meio das políticas públicas que os direitos sociais são concretizados. Os direitos sociais (que juntamente aos direitos civis, políticos e difusos, formam os direitos de cidadania, segundo Pisón, 1998) são referenciados no princípio de igualdade com a reivindicação do direito de acesso ao conhecimento historicamente construído, caracterizado pelo usufruto ao progresso e oportunidade de participação, direito à informação, à convivência comunitária e familiar saudáveis, além dos direitos de acesso à moradia, à educação, à saúde, ao trabalho, à cultura, à seguridade social, à aposentadoria, entre outros. Porém, esta não é uma constatação explícita e generalizada na realidade brasileira, pois o contexto histórico no qual o Brasil formou suas 16 políticas sociais identifica a supremacia dos princípios neoliberais com características de ação negativa do Estado em relação à expansão da cidadania, isto é, muitas políticas foram desenvolvidas para minimizar a pobreza extrema, porém o foco não se estabeleceu no conceito de igualdade e equidade dos cidadãos. 2.1 A AÇÃO NEGATIVA DO ESTADO Segundo Pereira (2006, p.3) nas últimas duas décadas houve uma difusão e valorização de três grandes tendências de política social que surgiram em resposta à crise do Estado Social1 do pós-guerra, com o fim dos governos totalitários da Europa Ocidental, como o nazismo e o fascismo. Derivadas da matriz ideológica neoliberal, as três grandes vertentes de política social são: a) supremacia do ideal de liberdade, autonomia e emancipação individuais sobre o ideal de igualdade e justiça social; b) defesa da renovação e reconstituição da sociedade civil, cujas funções sociais teriam sido usurpadas pelo poder excessivo do Estado, especialmente o Estado de Bem-Estar; c) reativação e revitalização das instituições voluntárias e de sua ativa participação no processo de provisão social, substituindo responsabilidades do Estado pelos setores informal (família), comercial (mercado) e voluntário (grupos de prestação de serviços sem fins lucrativos), com caráter solidário e altruísta. Identificada como sistema de proteção periférico, com base no sistema de produção capitalista, a política social brasileira foi instaurada tendo como base as tendências acima mencionadas, que tem como pano de fundo, a idéia de individualização das responsabilidades. Nela, está explícita a defesa da liberdade do cidadão para traçar seus planos e seus projetos, condenando qualquer ação de intervenção mais efetiva por parte do Estado. Este, por 1 O conceito de Estado Social ou Estado de Bem-Estar (Welfare State), está embasado na concepção de que existem direitos sociais indissociáveis à existência de qualquer cidadão e que a provisão destes recursos tem origem no Estado ou indiretamente através de sua regulamentação sobre a sociedade civil. 17 outro lado, cede ao mercado e ao setor voluntário parte de sua regulação, impondo a estes a responsabilidade na provisão social. Foi justamente após a promulgação da Constituição da República, momento pelo qual foi incorporada, tardiamente, a concepção universalista de políticas sociais, que o país testemunhou o fortalecimento do ideário neoliberal, conduzido por correntes contra-reformistas conservadoras aliadas às antigas forças remanescentes da ditadura militar. A partir de 1990 foi gradativo o esvaziamento das políticas sociais que constava da Constituição de 1988, com claro posicionamento dos governos de centralizar as decisões sem a participação efetiva da sociedade, de incentivo às privatizações e de retardar a implementação de novos direitos, principalmente nos âmbitos da educação, da saúde pública e da propriedade urbana. Porém, a política de desenvolvimento urbano no País e em especial a política habitacional tem hoje conseqüências que remontam à própria história do Brasil. Já no século XIX, segundo Maricato (1997), a sociedade republicana, frente às mudanças significativas diante do crescente preço dos escravos devido à proibição do tráfico em 1850 e à Lei do Ventre Livre de 1871, expulsam a massa trabalhadora pobre e em especial os negros desempregados para as periferias, subúrbios, morros e para várzeas. O problema habitacional já emerge como questão social. Após a Revolução 1930, há um incremento no processo de urbanização e industrialização no Brasil, seguido, nos anos 60 e 70 da primazia da globalização, internacionalização da economia devido ao desenvolvimento crescente do capitalismo. O Brasil cresceu a taxas médias de 7% ao ano entre 1940 e 1980, mas deixou como herança desse período cidades marcadas por uma desigualdade social cada vez mais agravada pelas crises financeiras dos anos seguintes. O Banco Nacional de Habitação (BNH), criado em 1964, apesar de ser responsável pelo maior movimento de construção do Brasil, revelou um modelo financeiro inadequado em uma economia com processo inflacionário, incapacidade em atender a população de mais baixa renda, generalizada 18 padronização dos conjuntos habitacionais populares e instalação destes em locais segregados e isolados da malha urbana. Nos anos 80, a chamada “década perdida”, o país pára de crescer, impactando fortemente o financiamento público e privado, recuando investimentos. Em agosto de 1986, o BNH é extinto e suas atribuições são transferidas para a Caixa Econômica Federal. Na década de 90, o governo Federal incentivou a conclusão de obras iniciadas, como prioridade, através dos Programas Habitar Brasil e Morar Município, com recursos do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras - IPMF, que integra como uma das fontes do Orçamento Geral da União – OGU. No entanto, foi imposta a restrição dos aportes de recursos do OGU ou impedimento da utilização dos recursos do FGTS para este fim, e com isto, houve restrição de possibilidades de financiamento federal à regularização e urbanização de assentamentos precários. Com a instauração do modelo neoliberal, a partir da década de 90, tem-se uma fragilidade na proteção social universal, pois em sua perspectiva, há que se defender o Estado como cedente ao mercado e ao setor voluntário, fatias consideráveis do seu papel enquanto executor de políticas públicas sociais. O corte de investimentos públicos e a restrição de crédito para o setor público, conforme orientação o FMI, promoveram um forte recuo das ações nas áreas do saneamento ambiental, especialmente entre 1998 e 2002. No mesmo período, 70% os recursos federais para a habitação, especialmente do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), foram destinados à população com renda superior a 5 salários mínimos, quando o acúmulo de décadas de exclusão nas cidades criou um déficit habitacional composto em 92% por famílias com renda abaixo destes mesmos 5 salários mínimos. (Maricato, 2004, p.11). Como decorrência deste cenário, o Brasil enfrenta índices de desigualdade social e de miséria semelhantes aos países da África, sendo que em termos de índices econômicos, o país assemelha-se às nações da Europa. Este paradoxo demonstra e evidencia a ação negativa do Estado em 19 relação às políticas sociais, dando o caráter de injustiça social como característica do país. 2.2 O REFLEXO ATIVO DA SOCIEDADE CIVIL Ao lado das mudanças significativas na estrutura das cidades, ocasionado pela intensificação do processo de urbanização a partir da década de 70 e sendo o espaço urbano produto da vida social e parte integrante dela advindas das relações sociais, ocorrem também alteração na estrutura das relações que seus indivíduos estabelecem entre si e com o meio no qual estão inseridos. O Estado, por abranger todas as dimensões da vida social e por relacionar-se com todas as classes sociais para legitimar e preservar o próprio poder, também propicia a formação de novos poderes quando exime sua responsabilidade ou exacerba o seu poder para algum grupo ou classe da sociedade. Nesta lógica que os movimentos sociais assumem novas identidades a partir dos anos 80, incitados pela busca na conquista do espaço urbano, recuperando a idéia de capacidade ativa do povo e de participação popular, especialmente no movimento de luta pela Reforma Urbana. A institucionalidade organizativa da Igreja Católica, de agrupamentos de esquerda e de organizações não-governamentais, passam a ser a alternativa de organização diante da possibilidade ineficaz de participação em canais institucionalmente fechados. São movimentos representativos deste período: O Movimento do Custo de Vida (MCV), o Movimento de Moradia (MOM), o Movimento de Luta contra o Desemprego (MDC), o Movimento de Saúde (MOS) e o Movimento de Transporte Coletivo (MTC), os quais têm em comum, ações reivindicatórias diante de carências decorrentes da ocupação do espaço urbano e de questões de sobrevivência e qualidade de vida nas cidades. 20 Os movimentos sociais populares defendem e articulam-se em torno de lutas comuns, produzindo reivindicações de direitos sociais capazes de suprir as carências e interesses comuns. Para Gohn (1995, p.44), movimentos sociais: "são ações coletivas de caráter sóciopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses comuns. Esta identidade decorre da forma do princípio de solidariedade e é constituída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo." Esta identidade coletiva, citada pela autora, conquistada através do processo de luta, concretizada na relação de complemento entre o movimento social e o Estado, torna-se pano de fundo no processo de conquista da cidadania. A retomada da bandeira da Reforma Urbana, em meados da década de 80, incorpora o acúmulo teórico sobre a questão urbana e o avanço político dos movimentos populares e dos municípios. A emenda popular pela Reforma Urbana é encaminhada ao projeto de Constituição Federal, propondo princípios, diretrizes e mecanismos capazes de garantir a função social da terra e o direito à cidade com gestão democrática. O novo texto constitucional em seus artigos 182 e 183, finalmente faz referência à função social da propriedade e da cidade para ser efetivada no Plano diretor e cria instrumentos que possibilitam o enfrentamento da especulação imobiliária e da concentração de terra urbana ociosa. (Maricato, 2004, p.12) A cultura da participação é recente nos canais institucionalizados, porém, o caminho trilhado pelos movimentos populares na conquista de espaços de reflexão e ação é exemplar para a sociedade civil neste novo desafio de tornar as cidades, no contexto urbano e rural, em local de políticas públicas efetivas para atendimento às necessidades reais da população. 21 O espaço composto pelo Estado e sociedade civil, possibilitou o surgimento de críticas ao caráter centralizador revigorando o conceito de participação popular no processo de formulação das políticas públicas, marcado pelo acompanhamento, pelo poder nas tomadas de decisão, caracterizando-se, assim, controle social e democrático das referidas políticas. Frentes reformistas surgiram na década de 90, contrapondo ao ideário neoliberal, na qual prioriza o controle democrático e participação na sociedade, descentralizando poder com vistas a soberania popular. Carvalho (1998) define dois grupos de participação da sociedade civil, distinguindo-os entre os canais institucionalizados e os não- institucionalizados, como práticas entre Estado e sociedade civil, como: Orçamentos Participativos, Conselhos Gestores e Parcerias entre Estado e sociedade, e aqueles onde não há participação efetiva do Estado, e que emergiram de reivindicações dos movimentos populares sociais e são voltados a produzir impactos em temas de inclusão social. São exemplos: MST e demais movimentos ligados à reforma agrária, movimentos de moradia e fóruns de iniciativa civil, campanhas. É importante ressaltar que a participação efetiva requer consciência política para que os agentes envolvidos se apropriem do direito de construção democrática do destino das cidades, dos espaços que ocupam, e que ampliem a compreensão sobre o processo que estão vivenciando. Participação consciente é aquela em que os envolvidos possuem a compreensão sobre o processo que estão vivenciando. A participação é instrumento de acesso à cidadania e possibilidade de efetiva democratização dos processos. Há um processo de alargamento da democracia, que se expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão relacionados com as questões e políticas públicas. A legitimidade da participação está na conscientização sobre a sua importância, na negociação dos espaços para o exercício da democracia. Porém, isto demanda tempo, ação continuada, aperfeiçoamento dos instrumentos de real controle social. capacitação, e 22 No bojo a redemocratização nacional e da ampliação dos canais de participação na gestão da coisa pública no Brasil, emerge o conceito de participação cidadã que supera a idéia de participação social comunitária, no qual prioriza o desenvolvimento comunitário e sua organização. (Teixeira, 2002) Para a efetiva participação cidadã, o grupo ou comunidade interfere, decide, avalia, acompanha e controla os processos como co-responsáveis de todo o andamento do projeto, partilhando poder através de canais efetivos de comunicação onde ocorrem a negociação, a transparência e o controle das ações e resultados. O desafio é reformular o conceito de participação comunitária embasado na perspectiva da participação cidadã, na qual ocorre um processo contraditório da sociedade civil e a lógica de mercado, influenciando o Estado nas ações e formulações de políticas públicas, através do controle social e político, exercendo a função política sobre o Estado e não no lugar dele. “A participação citadina representa sempre a combinação entre o ambiente político que a permeia e a vontade individual de participar, sendo que estas derivam das múltiplas formas e possibilidades e da densidade do próprio processo. A noção de participação está direta e inevitavelmente vinculada a condições específicas e a condicionantes político-institucionais, que produzem uma complexa conjunção de fatores que permeiam cada dinâmica social. O contexto político, social e econômico e as características específicas dos grupos de indivíduos que se organizam, constituem as forças motrizes da participação.” (Jacobi, 1996, p.27) Outro marco legal de extrema importância na história do capítulo urbano no Brasil, depois do processo de participação na Constituinte, e que desse continuidade e implementasse os artigos constitucionais, foi a aprovação da Lei Federal 10.257, em 10 de julho de 2001. O Estatuto da Cidade é um instrumental de regulação do uso do solo e foi resultante do Projeto de Lei n. 5.788/90 fruto de intensa mobilização das organizações sociais ligadas ao movimento de Reforma Urbana, que durou mais de dez anos de incessante atuação e de difícil e vagaroso processo de tramitação no Congresso Nacional. 23 Após a criação do Ministério das Cidades, em 2003, o país vem passando por uma reestruturação na cultura administrativa das cidades, onde partilhar poder, abrir canais de comunicação entre as instâncias do poder público e dos segmentos sociais, promover transparência nas ações e na aplicação dos recursos públicos, definir a implantação e acompanhamento dos projetos de políticas públicas, são essenciais para a construção democrática de uma cidade com mais justiça e igualdades sociais, a partir das diferenças. Embasado por esta perspectiva, o Ministério das Cidades tem possibilitado o cumprimento dos dispositivos legais de diálogo com os atores sociais ao viabilizar a constituição do Conselho das Cidades – ConCidades, através do Decreto nº 5.031, de 02 de abril de 2004, em âmbito nacional e a realização de Conferência Nacional das Cidades. O Conselho das Cidades é um órgão colegiado que reúne representantes do poder público e da sociedade civil (entidades nacionais) permanente, deliberativo e consultivo, conforme suas atribuições e tem estrutura básica composta por quatro Câmaras Setoriais: Habitação, de Saneamento Ambiental, de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana e de Planejamento e Gestão do Solo Urbano. Conforme disposto no Estatuto da Cidade, a Conferência das Cidades é um fórum de discussão e deliberação sobre assuntos relevantes ao desenvolvimento urbano. Duas Conferências foram realizadas em 2003 e 2005, sendo a 3ª Conferência Nacional das Cidades a ser realizada nos dias 25 a 29 de novembro do presente ano de 2007. São objetivos das Conferências das Cidades, definir prioridades para cada nível da Federação, eleger os componentes do Conselho das Cidades de cada esfera da Federação, cumprir o prazo de realização de 3 em 3 anos (excepcionalmente a próxima tem prazo de 2 anos), definir as diretrizes e avalia a execução da política de desenvolvimento urbano em cada nível da Federação. Na TABELA 1, consta a participação dos segmentos da sociedade envolvidos nas 1ª e 2ª Conferências das Cidades. 24 TABELA 1 PARTICIPANTES POR SEGMENTOS NAS CONFERÊNCIAS NACIONAIS DAS CIDADES CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CIDADES SEGMENTOS 1ª Conferência 2003 2ª Conferência 2005 Administradores públicos e Legislativos Federal, Estaduais, Municipais e Distrito Federal 749 1054 Movimentos Sociais e Populares 626 669 251 249 193 249 193 254 83 96 2095 2571 Trabalhadores, através de suas entidades sindicais Empresários relacionados à produção e ao financiamento do desenvolvimento urbano Entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa e ONGs Outros segmentos (Conselhos de Classe e Concessionários) TOTAL Fonte: Ministério das Cidades – www.cidades.gov.br Nos dois mandatos do ConCidades, a proporção Poder Público e Sociedade Civil foi de 43% e 57%, respectivamente. Porém, esta articulação entre poder público e sociedade civil é um elemento novo na história do Brasil fruto da resistência e oposição ao regime ditatorial pós-64 que foi marcado por lutas, na cidade e no campo, promovidas por diversas formas de re-articulação da sociedade civil. Esse contexto fomentou o surgimento de organizações não governamentais – ONGs, que com uma institucionalidade de associação sem fins lucrativos e com o financiamento de agências de cooperação internacional desenvolviam trabalhos de educação popular, alfabetização de adultos, assessoria sindical e a movimentos camponeses e urbanos. Essas ONGs tiveram um importante papel na organização e formação de inúmeros movimentos sociais e de suas lideranças, operários, trabalhadores rurais, 25 oposições sindicais, lideranças populares, contribuindo com a rearticulação da sociedade civil brasileira. O termo “ONG” foi nomeado pela ONU, em 1946, que o definiu como toda organização não estabelecida por acordo intergovernamental (Teixeira, 2000). Nos anos 80, parte dos centros de assessoria ligados a movimentos sociais adotou para si esta sigla. Em 1991, tais centros fundaram a Associação Brasileira de ONGs, porém, é composta atualmente por poucas entidades diante da quantidade e multiplicação e diversificação crescentes de ONGs nos últimos anos. No Brasil, o termo ONG se popularizou durante a Conferência da ONU sobre o Meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro denominada Fórum Global da ECO-92, a Rio-92, que é considerada um marco na consolidação de apoios mútuos, tanto em nível nacional como internacional. Em sua tese sobre ONGs, Leilah Landim (1993), procedeu um levantamento e classificação das organizações participantes do Fórum por subconjuntos definidos em função de suas áreas prioritárias de atuação, constatando a presença de 536 entidades ambientalistas ou ecológicas, 119 de assessoria e apoio a movimentos sociais e populares, 84 sindicais, 81 profissionais, 42 ligadas a igrejas ou grupos religiosos, 34 associações de moradores, 34 ligados a causas indígenas, 33 à promoção dos direitos da mulher, 32 entidades estudantis, 22 culturais, 17 ligadas a movimentos e questões de saúde, ou associações em prol de portadores de deficiências físicas e mentais, 14 ligadas a questões de negritude, 9 à defesa de menores, 8 do tipo clubes de serviços, 6 de luta contra a AIDS, 2 de questões ligadas aos direitos dos homossexuais. Esta diversidade e riqueza dos assuntos tratados e identificados pela autora, representam o reconhecimento público e visibilidade das ONGs, marco histórico para a composição da sociedade civil. Em seu estudo sobre a atuação das ONGs, Teixeira (2002), faz uma análise comparativa entre as formas de relação das ONGs com o Estado em seis experiências distintas. Apresenta, no entanto, três formas de vínculo, ou encontros como é denominada esta relação dialética da sociedade civil e Estado. 26 Segunda a autora, “Esses encontros não esgotam as maneiras pelas quais o conjunto das ONGs se articula com o Estado, mas são três formas importantes de contato entre as partes, que revelam muito das possibilidades e dificuldades de as organizações sociais influenciarem, pressionarem e/ou se comprometerem com governos.” (Teixeira, 2002, p.110) São estas formas definidas por encontro pressão, encontro prestação de serviço e encontro participativo. A primeira, caracteriza-se por não haver um contrato formal da organização à um projeto específico desenvolvido pelo órgão governamental. Neste caso, há mais liberdade de pressão, crítica e monitoramento das ações desenvolvidas, e atuam para que suas demandas e propostas sejam incorporadas às políticas governamentais executadas pelo Estado. O segundo encontro, o nome já esclarece a relação: prestação de serviço. Esta segunda forma de articulação se dá pela execução de um projeto de consultoria previamente contratado. Os projetos são aprovados ou negados pelo agente financiador, que também avalia, acompanha, através de relatórios, comprovações de serviços e fiscalizações regulares. Esta atuação enfraquece o poder articulador e compromete a autonomia das organizações que atuam segundo as políticas definidas pelos governos. O encontro participativo, terceira forma de vínculo segundo a autora, envolve a atuação conjunta do poder público e da ONG. Nele, as ONGs participam da elaboração, acompanhamento e avaliação dos projetos. Diferentemente dos encontros definidos anteriormente, há uma formalização da parceria, porém maleável, onde é possível a alteração de questões, caso necessário e há um compromisso de ambas as partes em cumprir a parceria num espaço de possibilidades de críticas mútuas e de reconhecimento de responsabilidades dos envolvidos. Na presente Monografia, o objeto de estudo foi o projeto desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Várzea Paulista, município do Estado de São Paulo e sua relação com a ONG Interação, com a qual firmou contrato formal com o intuito de atuação de acordo com a última forma acima definida de interlocução. 27 A ONG Interação, através de Termo de Parceria junto à Prefeitura de Várzea Paulista, foi o agente catalisador e mediador de processos para o reconhecimento das ações desenvolvidas pela comunidade, e assim, legitimar a participação desta população nas ações de administração pública, bem como de esclarecer as ações tomadas por iniciativa do poder público diante das necessidades da comunidade de Vila Real. Os objetivos específicos da ONG Interação consistem em garantir a promoção do desenvolvimento econômico, social e o combate à pobreza; garantir a promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estimular e capacitar organizações comunitárias em prol da obtenção da moradia digna e formal, promovendo troca de experiências, idéias, estratégias e recursos; associar-se a instituições financeiras a fim de facilitar o acesso ao crédito, estruturando projetos e operações compatíveis com as necessidades das organizações comunitárias. A Interação tem apoio de parceria internacional com a Slums Dwellers International – SDI (www.sdinet.rog). SDI é uma rede independente de organizações de países do eixo sul (Ásia, Índia e América Latina), composta, hoje, por 24 países onde estão sendo implantadas e desenvolvidas federações de associações comunitárias e outras iniciativas populares. Para alcance dos objetivos, a metodologia utilizada parte do princípio que os moradores da região irregular são atores do processo. Nesse sentido, são eles próprios os agentes e executores de atividades como a realização do cadastro. Desempenham, ainda, o papel de articulador junto a sua comunidade, eleitos por meio do levantamento da área e divisão por setores. Através de reuniões periódicas, repassadas ao poder público nos chamados “Fóruns”, são estimuladas a capacitação da população em relação aos termos jurídicos apresentados e sobre os instrumentos de legalização do Estatuto da Cidade. Como estratégia que busca promover o desenvolvimento econômico, bem como o acesso ao crédito, é utilizada a poupança comunitária. Seu funcionamento ocorre por meio da organização de grupos de poupança solidária, onde apenas é possível o depósito individual, enquanto que a 28 movimentação da conta bancária só é executada mediante a ciência e aceite de três representantes. Os objetivos da poupança de diversos grupos formados na Vila Real., bem como a destinação dos recursos são decididos pelo próprio grupo, podendo ser utilizado tanto para a melhoria da rua, como para o pagamento do registro em cartório. Com a coleta de valores financeiros sem a exigência de uma quantia mínima, constitui-se um fundo de reserva comunitário cujas finalidades devem ser deliberadas em conjunto pelos membros do grupo, possibilitando vivenciar experiências em gestão financeira e decisões democráticas, além de fortalecer vínculos comunitários. Outra metodologia utilizada pela ONG Interação é a atividade de Intercâmbio. Este pode se dar na cidade, entre cidades e até mesmo entre países. A idéia básica do intercâmbio é fortalecer o conhecimento do próprio ambiente para os membros das federações populares. Ao transmitir seus conhecimentos e experiências fora de suas comunidades, as pessoas vêem sua própria realidade com um outro olhar e ampliam a compreensão sobre sua própria situação. (ONG Interação - http://www.redeinteracao.org.br). Além do Município de Várzea Paulista, a Rede Internacional de Ação Comunitária – Interação mantém parcerias com as Prefeituras de Osasco e Santo André, ambas no Estado de São Paulo. 29 3. A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM VÁRZEA PAULISTA 3.1 O MUNICÍPIO DE VÁRZEA PAULISTA Várzea Paulista, município do Estado de São Paulo, elevada à condição de município há 42 anos, em 21 de março de 1965, possui uma população estimada em 105.051 habitantes, de acordo com o Sistema de Informações sócio-econômicas dos Municípios Brasileiros – SIMBRASIL e apresenta Índice de Desenvolvimento Humano IDH-M , no valor de 0,795. 1 FIGURA 1 – Vista da Avenida Fernão Dias Paes Leme do Município de Várzea Paulista O Município de Várzea Paulista possui cerca de 1.758 empresas comerciais, industriais e de prestação de serviços e 27 produtores agropecuários inscritos na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Várzea Paulista é o 67º Município mais populoso dentre os 645 do Estado de São Paulo, conforme dados apresentados no site oficial da Prefeitura. (www.varzeapaulista.sp.gov.br) Na Tabela 2 a seguir, é apresentada o crescimento populacional do Município. 1 O IDH-M, é um índice que varia de zero a um e é calculado a partir do Índice de Esperança de Vida (IDHM-L), Índice de Educação (IDHM-E) e do Índice de Renda (IDHM-R). O IDH-M é igual à média aritmética simples desses três índices. 30 TABELA 2 EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DE VÁRZEA PAULISTA ANO Município de Várzea Paulista Região de Jundiaí Estado de São Paulo 1970 9.910 hab. 307.060 hab. 17.771.948 hab. 1980 33.835 hab. 498.398 hab. 25.040.698 hab. 1991 68.795 hab. 679.725 hab. 31.460.291 hab. 1996 78.156 hab. 745.894 hab. 34.119.110 hab. 2000 92.800 hab. 864.583 hab. 37.032.403 hab. 2001* 95.585 hab. 885.856 hab. 37.630.106 hab. 2002* 97.824 hab. 903.269 hab. 38.177.742 hab. 2003* 100.156 hab. 921.226 hab. 38.709.320 hab. 2004* 105.051 hab. 729.576 hab. 39.326.776 hab. Fonte: IBGE. * População estimada 3.2 SUJEITOS Foram entrevistados 06 sujeitos adultos, moradores da Vila Real, a qual foi objeto de contrato de repasse de recursos do Ministério das Cidades, para elaboração do Projeto de Regularização Fundiária. Dentre eles, cinco mulheres e um homem com idades entre 24 e 69 anos. Estes sujeitos foram selecionados por sua participação regular no projeto social de Regularização Fundiária, mediado pela ONG Rede Interação, desde o início dos trabalhos com auto-cadastramento da Vila, até o momento presente em processo de coleta de documentos que comprovam o tempo de moradia das famílias, fato que irá definir o instrumento a ser utilizado para a regularização fundiária. A predominância dos sujeitos foi de nível de escolaridade de 2º grau incompleto ( 03 sujeitos). O tempo de moradia na comunidade variou de 06 a 23 anos. 31 3.3 O PROJETO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA Em 2005, a Prefeitura Municipal de Várzea Paulista assinou contrato de repasse junto à CAIXA, para acessar recursos da União com o objetivo de implementação da Ação Apoio a Projetos de Regularização Fundiária Sustentável de Assentamentos Informais em Áreas Urbanas, inserida no Programa Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários. Este Programa objetiva prover apoio para realização das ações necessárias à formulação e/ou implementação de ações para regularização fundiária sustentável, visando à democratização do acesso da população de baixa renda à terra urbana regularizada e urbanizada nos termos dos novos marcos legais. (Caixa Econômica Federal, Manual Normativo Interno CAIXA SA 072, vigência 15.06.2005). FIGURA 2: Unidades habitacionais da Vila Real : processo de Regularização Fundiária 32 O Projeto de Regularização Fundiária, conforme Metodologia apresentada pela Prefeitura Municipal de Várzea Paulista (2005), contempla as seguintes etapas: 1. Levantamento planialtimétricos cadastral (LEPAC); 2. Cadastro sócio-econômico; 3. Sensibilização e conscientização da comunidade; 4. Estudo urbanístico do bairro; 5. Elaboração, aprovação e registro do Projeto de Parcelamento; 6. Expedição e registro dos títulos definitivos; 7. Atualização dos dados cadastrais junto à Prefeitura Municipal; 8. Outras ações complementares ao registro dos títulos individuais. O valor total de investimento das ações citadas acima é de R$230.000,00, sendo que o valor de repasse do Orçamento Geral da União é de R$183.300,00 e contra-partida, que é o montante investido pela Prefeitura é de R$ 46.700,00. A Prefeitura de Várzea Paulista, com este investimento citado, foi selecionado para a modalidade de Projeto de Regularização Fundiária Sustentável que tem por finalidade definir um conjunto de medidas, instrumentos e intervenções referentes aos aspectos urbanísticos, ambientais, jurídico-legais e de gestão necessários à regularização fundiária sustentável de assentamentos informais, de forma a prover de insumos básicos o gestor, para que possa dar andamento à regularização fundiária sustentável, visando à titulação de seus moradores. E ainda, o mesmo recurso foi selecionado para a modalidade Atividades Jurídicas e Administrativas para a Regularização Fundiária que objetiva a inclusão das áreas regularizadas nos cadastros municipais / distritais e das concessionárias de serviços. Nesta Modalidade, as ações devem ser desenvolvidas mediante trabalho técnico social capaz de sensibilizar, mobilizar, informar e envolver a comunidade beneficiada no processo de regularização. (Manual Normativo CAIXA – SA 072) Esta modalidade apóia o desenvolvimento de atividades necessárias à implementação dos planos e programas de regularização fundiária, tanto de 33 natureza jurídica como administrativa especialmente por meio dos instrumentos abaixo: 1. propositura de ações judiciais de Usucapião Especial Urbano1 individual e coletivo; 2. medidas administrativas e legais necessárias para a Concessão de Direito Real de Uso – individual ou coletiva 2 e a Concessão Especial de Uso para fins de Moradia 3. 3.4 O PROJETO SOCIAL O Programa de Regularização Fundiária é entendido como um processo integrado que abrange os aspectos jurídicos, urbanísticos, físico e social, desenvolvido com participação das comunidades envolvidas, para a legalização das moradias inseridas em áreas ocupadas irregularmente. O Projeto Técnico Social é componente obrigatório do Programa e deve 1 Usucapião Especial Urbano – instrumento previsto pelo Art. 183 da Constituição Federal que dispõe que “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.” O Estatuto da Cidade previu a possibilidade de usucapião especial urbano ser concedido coletivamente quando dispôs em seu art. 10 que “As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadradas, ocupadas por população de baixa renda para a sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.” 2 Concessão de Direito Real de Uso - por ele a Administração concede que particular utilize privativamente um terreno público, como direito real, para fins de urbanização, edificação, industrialização ou qualquer outra exploração de interesse social. Depende de autorização legislativa e concorrência. Se destinada a programas habitacionais de interesse social a concessão de uso pode ser concedida de forma individual ou coletiva e dispensa licitação. 3 Concessão Especial de Uso para fins de Moradia - instituído pela Medida Provisória 2.220, de 04.09.2001, dirigido àqueles que, até 30.06.2001, ocupavam imóvel público situado em área urbana, de até 250 metros quadrados, com fins de moradia, e que não sejam proprietários ou concessionários de outro imóvel urbano ou rural. O direito se extingue se o concessionário adquirir propriedade ou concessão de outro imóvel, urbano ou rural, bem como se alterar a destinação do imóvel. A concessão é gratuita e objeto de registro no CRI onde o imóvel estiver matriculado. 34 contemplar os itens cadastro sócio-econômico, sensibilização e conscientização da comunidade, citados anteriormente. A regularização fundiária, enquanto política pública, mais do que outorga de títulos, deve priorizar o atendimentos amplo que garanta o direito à moradia e à vida digna, à acessibilidade urbana, aos serviços públicos e à promoção humana. Enquanto processo, a regularização fundiária deve conduzir à criação de condições de fixação da população beneficiária, pois é inquestionável a valorização da terra decorrente deste processo e, igualmente inquestionável, é o apelo à alienação dos espaços regularizados e a expulsão da população empobrecida. Segundo Fernandes, 2002, para que a regularização fundiária seja um processo de impacto efetivo de combate à pobreza social, é necessário que: “ os programas de regularização sejam formulados em sintonia com outras estratégias socioeconômicas e político-institucionais, sobretudo atrabés da criação de oportunidades de emprego e fontes de renda. Devem ser combinados e apoiados por um conjuntod de processos e mecanismos de várias ordens: financeira, institucinal, planejamento urbano, plíticas de gênero, administração e gestão fundiária, sistemas de nformação e processos de mobilicação social. “ (Fernandes, 2002, p.24). Para a efetivação desta proposta de trabalho, a Prefeitura Municipal de Várzea Paulista em outubro de 2005, firmou o Termo de Parceria junto à ONG Interação – Rede Internacional de Ação Comunitária, - uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público / OSCIP, nos termos da Lei 9.790/99. O objetivo principal da ONG Interação consiste em desenvolver o projeto social específico de regularização fundiária, com os aspectos citados a seguir que destacam a atuação participativa e ativa da comunidade como o principal eixo de sua metodologia. 35 FIGURA 3: Reunião ONG Interação com comunidade São eixos principais das atividades: 1. Auto-cadastramento Consiste na formação de um banco de dados dinâmico, elaborado, mantido e atualizado pelos próprios moradores; 2. Contagem das casas Promoção de participação e envolvimento da comunidade para que se possam estabelecer critérios consensuais para a enumeração das casas. A comunidade define quais serão os setores e qual a ordem de início, meio e fim da enumeração das casas, de acordo com a realidade já conhecida pelos moradores. 3. Mapeamento Identificação de estruturas e serviços existentes; Os moradores irão verificar os locais de equipamentos comunitários existentes, bem como perceber as áreas de risco e de fácil acesso da Vila. 4. Enumeração Conciliar os números registrados com o mapeamento; Os moradores identificarão em mapa, as numerações das casas e serviços disponíveis. 36 5. Pesquisa e cadastramento domiciliar Membros da comunidade monitoram e checam as informações coletadas. Fazem visitas e coletam as informações referentes aos dados sociais, econômicos, fundiários e de moradia de seus vizinhos. 6. Perfil do assentamento Possibilita à comunidade local a reflexão sobre a importância dos dados e permanente atualização, bem como discutir o planejamento local, as necessidades e possibilidades; 7. Fórum de Acompanhamento Composto pela representação dos diversos segmentos existentes, inclusive poder público, instrumento que possibilita a democratização da informação e mobilização da população beneficiária. 8. Intercâmbio Visitas a comunidades com projetos semelhantes de regularização fundiária, para compartilharem experiências e potencialidades dos grupos. No presente projeto, a comunidade participou de intercâmbios nos Municípios de Santo André, Santos, Diadema e uma moradora foi participar de intercâmbio na África. 9. Poupança Comunitária Consiste na formação de grupos de poupança com a finalidade de consolidar as redes sociais da comunidade através das reuniões periódicas e do processo de coleta de recursos. Com a coleta de valores financeiros sem a exigência de uma quantia mínima, constitui-se um fundo de reserva comunitário cujas finalidades devem ser deliberadas em conjunto pelos membros do grupo, possibilitando vivenciar experiências em gestão financeira e decisões democráticas, além de fortalecer vínculos comunitários. 37 3.5 VILA REAL: SITUAÇÃO FUNDIÁRIA E ANDAMENTO DO PROJETO Localizada na região nordeste da cidade, a ocupação da Vila Real tem início na década de 70, inicialmente com posseiros, arrendatários e posteriormente com parcelamento irregular e ocupação desorganizada. A área total ocupada, objeto de intervenção possui cerca de 650.000 m² e atualmente encontra-se altamente adensada, estimando-se mais de 4.000 moradias, onde residem, basicamente, famílias cujos ingressos mensais não ultrapassam três salários mínimos. Sob a ótica de responsabilidade do Poder Público Municipal, as áreas compostas na Vila constituem um único fenômeno, qual seja, a ocupação irregular, cujo parcelamento não contou com a prévia aprovação do poder público quando da sua instalação. Dotado das mesmas características de ocupação, com uma população de semelhante perfil, distingui-se apenas os instrumentos de regularização fundiária, ou seja, o instrumento a ser utilizado para o reconhecimento e comprovação do domínio de cada morador em relação ao seu lote. A divisão territorial ocorreu em zonas de ação para facilitar o desenvolvimento do trabalho, a enumeração das casas e o cadastramento das famílias. Os moradores organizaram-se em grupos de trabalho e procederam à divisão setorial. Esta atividade possibilitou a reflexão sobre a densidade demográfica, existência de barreiras físicas, ausência/existência de serviços públicos, ausência/existência de organizações sociais, identificação das atividades comerciais e de marcos referenciais do bairro. A área de assentamento foi dividida, inicialmente em doze setores (identificados de A a L). Posteriormente, com a identificação da área designada “Sítio do Morro“, ocupação espontânea ocorrida em 1994 e não inserida no perímetro desapropriado – foi incorporado um novo setor – M, concluída a setorização. Para cada setor, foram eleitos três representantes, os quais participaram da coleta dos dados de cadastramento que consistia: número de pessoas; composição da renda familiar; composição e escolaridade de todos os membros da família; caracterização da habitação, incluindo informações 38 quanto à existência de infra estrutura básica; recebimento ou não de algum benefício ou complementação de renda (dentro dos programas oficiais). O fato dos próprios moradores serem os cadastradores foi um destaque essencial para o sucesso do projeto. A Vila Real já havia passado por duas tentativas anteriores de cadastro, porém, os moradores por receio da real intenção das atividades, escondiam, muitas vezes, informações de moradia e de quantidade de pessoas. Já com os vizinhos, a credibilidade foi constatada e os dados captados foram fiéis à realidade local. Inclusive com identificação de áreas coletivas de moradia, onde existia apenas uma entrada, porém, dois ou três lotes conjugados na mesma entrada. A TABELA 3, a seguir, apresenta o resultado do trabalho feito pelos moradores nas visitas de cadastramento e contagem da população. TABELA 3 Setores e composição da população – Vila Real SETORES TOTAL DE HOMENS MULHERES CRIANÇAS POPULAÇÃO RESIDÊNCIAS TOTAL A 121 235 206 158 441 B 260 536 528 400 1064 C 195 333 359 231 692 D 165 298 266 201 564 E 461 806 891 666 1697 F 494 885 897 647 1782 G 175 341 340 260 681 J 365 684 725 539 1409 K 459 838 829 617 1667 L 321 570 543 408 1113 M 99 179 182 125 361 3.427 6.282 6.276 4.753 12.558 TOTAL Fonte: Dados do Relatório de Acompanhamento do Projeto Técnico Social apresentado à CAIXA – Documento Interno, 2006. 39 3.6 INSTRUMENTOS DE COLETA E REGISTRO DOS DADOS Para a coleta de dados foi utilizado roteiro de entrevista para 06 representantes de setores. (Anexo I). O roteiro é constituído de: a) PERFIL DA AMOSTRA (idade, sexo, escolaridade, cor, número de filhos, município de origem); b) MORADIA (tempo de moradia, motivo da mudança, número de pessoas na residência, situação da moradia, vantagem e desvantagem da moradia); c) PARTICIPAÇÃO (principal problema da Vila, freqüência da participação, percepção sobre o envolvimento, outras participações); d) RELAÇÃO COM PODER PÚBLICO (importância do grupo, melhoria na condição de vida, percepção de alteração na comunidade e cotidiano, percepção sobre papel do poder público, antes e depois da participação, influência nas decisões administrativas); e) PAPEL DA ONG INTERAÇÃO (papel e mediação da ONG, percepção de alteração do cotidiano, possibilidade de aprendizado); f) IMPRESSÕES E SUGESTÕES (percepção do papel individual e do poder público em relação aos problemas e sugestões de melhorias). As entrevistas foram individuais e transcritas na medida em que os moradores apresentavam as respostas, garantindo caráter espontâneo dos relatos por parte dos moradores. 3.7 PROCEDIMENTOS 3.7.1 Da escolha dos sujeitos Os moradores entrevistados foram selecionados pela relação de participação no Projeto de Regularização Fundiária. Juntamente a equipe de assistentes sociais da ONG Rede Interação, foram identificadas lideranças que atuaram como representantes de setor e que permanecem atuando de forma efetiva no projeto. 40 3.7.2 Do contato com sujeitos Para estabelecer contato com os moradores representantes, fez-se necessária a presença nas reuniões promovidas pela ONG Interação. Após a presença da entrevistadora em quatro reuniões da comunidade, em reunião agendada antecipadamente, o presente projeto foi apresentado, expondo objetivos, concordância em relação à participação e utilização dos dados estritamente com caráter acadêmico. As entrevistas foram realizadas individualmente na casa de uma das representantes, já que este espaço é normalmente utilizado pela comunidade como local de encontro e de reuniões e cuja dona se dispôs a oferecê-lo para as entrevistas. 3.7.3 Da coleta de dados As entrevistas foram realizadas com o roteiro (Anexo I), que serviu de orientação das questões. As questões foram transcritas pela entrevistadora conforme respostas. Para as verbalizações mais prolixas, foi adotado o procedimento de registro das sentenças núcleo. O conceito de “sentença núcleo” utilizado é baseado no que foi proposto por Botomé e Gonçalves (1994, pp. 161-166): sentença núcleo é aquela que indica e delimita a idéia central de um conjunto de sentenças, sendo a mais importante para a compreensão e ligação de outras sentenças de uma verbalização. 41 4. TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS As questões foram divididas por semelhanças de respostas e categorias de informação. Após este levantamento, houve a tabulação dos dados segundo tabelas para quantificar as respostas. Na Tabela 4 estão apresentadas aspectos do perfil da amostra, segundo a idade, sexo, escolaridade, Município de origem e tempo de moradia na Vila Real. TABELA 4 Perfil da Amostra do Grupo de Representantes de Setores em Vila Real IDADE SEXO ESCOLARIDADE SJS (em anos) (Grau) MUNICÍPIO / ESTADO DE ORIGEM TEMPO NA VILA REAL (em anos) S1 24 F 2º Colider/MT 6 S2 28 F 2º Ruy Barbosa/BA 23 S3 39 F 2º Incompleto Guaíra/PR 10 S4 47 F 2º Iviema/MS 17 S5 50 F 1º São Manuel/SP 22 S6 69 M 1º Carpina/PE 14 Fonte: Elaboração própria, JUN/2007. A faixa etária do grupo varia de 24 a 69 anos, sendo somente um sujeito do sexo masculino. A maioria do grupo possui segundo grau completo e todos os sujeitos são de origem de outro município/Estado. Somente um sujeito, S5, que pertence ao Estado de São Paulo, demonstrando o processo de migração ocorrido para o Sudeste do país nos últimos 30 anos. O fenômeno de intensificação da urbanização também é observado nos dados coletados. A busca pela qualidade de vida e melhores condições 42 de trabalho, serviram como atrativo para tais famílias que por ora, ocupam espaços ilegais e amplia a desigualdade dentro das cidades. Conforme Maricato, “a cidade é objeto e também agente ativo das relações sociais. A dominação social se dá também através do espaço urbano, em especial a dominação ideológica. O poder político é exercido, em parte, por intermédio do espaço urbano.” (Maricato, 1997, p.42) Toda a amostra revelou o mesmo motivo de mudança para o local, qual seja: a proximidade de parte da família que já habitava no local. A relação interpessoal também foi a principal vantagem manifestada pelos entrevistados em residir na Vila Real. O QUADRO 1, apresenta as vantagens, desvantagens, os problemas identificados na Vila, assim como a percepção de quem é responsável para resolver tais questões. QUADRO 1 Relatos e Opiniões dos entrevistados referentes às vantagens, desvantagens, problemas e percepção de responsabilidades. SJS S1 S2 S3 S4 S5 S6 PRINCIPAIS A QUEM CABE VANTAGENS DESVANTAGENS PROBLEMAS A SOLUÇÃO (RELATO) (RELATO) (OPNIÃO) (OPNIÃO) Preconceito e " Em conjunto, Ausência Amizade ausência de infraPrefeitura e Infra-estrutura estrutura população" Ausência " Eu acho que é Família Tráfico Infra-estrutura a Prefeitura " e Hospital "Comunidade fez Ausência de abaixo-assinado Família Esgoto regularização e passou para Prefeitura" Áreas de Comércio Ausência de InfraRisco e "Prefeitura junto completo e estrutura ausência infracom o povo" próximo estrutura Comércio " Agora, é Ausência de Ausência de completo e obrigação da Regularização Regularização próximo Prefeitura" Comércio "Comunidade fez Ausência de Ausência de completo e sua parte, falta a Regularização Regularização próximo Prefeitura fazer." 43 O principal problema identificado pelos entrevistados, é a ausência de infra-estrutura, sendo que 4 deles referem-se ao item. A apropriação da cidade se dá em todos os níveis referentes à regularização, não somente ao direito de habitação. Revelam, também, a percepção do seu papel como parte integrante na resolução dos problemas. Como o grupo de entrevistados foi selecionado segundo a participação e representação setorial da Vila, observou-se que os mesmos moradores atuam em diversas atividades na comunidade, além daquela restrita à regularização fundiária. As atividades desenvolvidas no Bairro e a nota que os entrevistados lhe atribuem para a sua participação, de 0 a 4, compõe a QUADRO 2: QUADRO 2 Atividades exercidas e auto-avaliação pelos entrevistados no Projeto de Regularização Fundiária e na Comunidade SJS Participação no Projeto de Regularização Outras atividades desenvolvidas na Vila Real Nota atribuída à Participação (de 0 a 4) S1 Cadastro, Tesoureira de Poupança, Intercâmbio, coleta de documentos Pastoral da Criança;atendimento a gestantes;Associação de Bairros e Representante do Conselho Municipal de Saúde. 3 S2 Cadastro, Intercâmbio, coleta de documentos Projeto de valorização da beleza da mulher em Vila Real; projeto de capacitação de costureiras. 3 S3 Cadastro, coleta de documentos Tesoureira da Associação de Moradores, representante do Conselho de Assistência Social, projeto de concientização dos catadores de recicláveis de Vila Real. 3 S4 Cadastro, contagem e mapeamento, coleta de documentos Pastoral da Criança e membro da Associação de Moradores 3 S5 Enumeração, contagem, cadastro e coleta de documentos 2,5 S6 Cadastro, coleta de documentos Projeto de capacitação de mulheres para o ofício de costureira, membro da Associação de Moradores Orçamento Participativo 3 44 Todo o grupo entrevistado atua em várias frentes de atividades junto à comunidade, o que demonstra o envolvimento com a Vila Real para além da Regularização Fundiária. “ No lado dos deveres, aparece sobretudo o compromisso comunitário de cooperação e co-responsabilidade. Processos participativos acentuam, é claro, a cidadania organizada, ou seja, não a individual, por mais que esta também tenha sua razão de ser. A organização traduz um aspecto importante da competência democrática, por coerência participativa, bem como por estratégia de mobilização e influência”. (Demo, 1996, p.70) A experiência de participação no Grupo de Regularização Fundiária, possibilitou aos entrevistados percepção da intervenção junto ao poder público e demais instâncias da sociedade. Os sujeitos S1, S3 e S6 relatam a participação como representantes de Conselhos Municipais e Orçamento Participativo. Já S2, S3 e S5 atuam em projetos que partiram da identificação de carências da Vila após as reuniões de Regularização Fundiária, isto é, a partir do conhecimento do grupo, sua organização e conhecimento das demandas do bairro, podem-se iniciar cursos de capacitação nas áreas de corte e costura, palestras e serviços na área de estética em comemoração ao Dia Internacional da Mulher e intervenção junto aos catadores de lixo do bairro, objetivando capacitação, consciência ambiental e auxílio na instalação de cooperativa de reciclagem, em andamento. A percepção dos entrevistados sobre a importância do Grupo de Representantes para a melhoria do bairro foi identificada através das respostas positivas de todos em relação à melhoria da Vila e de mudanças perceptíveis na comunidade, conforme exemplos de relatos observados na QUADRO 3. Nele, constam os relatos em relação à melhora coletiva após a constituição do Grupo de Regularização Fundiária, melhorias de questões individuais e familiares, e ainda as mudanças significativas no cotidiano dos participantes e da Vila Real após a implementação das ações de Regularização Fundiária. 45 QUADRO 3 Relatos de melhorias e mudanças no cotidiano individual e coletivo "O próprio processo de Regularização, mas também conseguimos posto de saúde e a escola" (S1) " O grupo fez toda diferença. Se não fosse o grupo, a Prefeitura não conseguiria fazer o cadastro, pois já houve 2 ou 3 tentativas antes deste"(S2) Relatos da melhoria coletiva da Vila Real após a constituição do grupo de representantes " Os moradores estão mais unidos. Conseguimos o posto de saúde" (S3) "As pessoas acreditam no trabalho. Antes só falava coisa ruim, agora tem pessoas com a solução." (S4) "A população confia no projeto" (S5) "O grupo faz a fiscalização e solicita as coisas para a Prefeitura" (S6) "Consegui enfrentar a timidez. Agora, minha família reconhece meu trabalho e até entrou para o grupo de poupança". (S1) "Tive oportunidade de participar do Seminário Nacional da Habitação. Participei de intercâmbio em Santos e foi muito bom, porque conheci outras realidades". (S2) "Acabei conhecendo mais pessoas. Eu me sinto mais útil, tenho mais atividades, saio mais de casa". (S3) Relatos de melhoria individual e familiar " Aprendi a cobrar e participar. Tenho mais conhecimento. Minhas filhas me acompanham para todo lugar" (S4) "Tive reconhecimento de todos. Muitos compromissos e dedicação total, inclusive até deixei um pouco minha família" (S5) "Aprendi bastante. Sei que posso ajudar as pessoas e ensiná-las a exigir da Prefeitura." (S6) " Agora, participo de várias reuniões, conheço muitas pessoas nos intercâmbios. Na imprensa só saía coisa ruim e hoje sai reportagem na parte de economia. Demos entrevistas para vários jornais." (S1) "Comecei a freqüentar as reuniões do Orçamento Participativo. Agora, o pessoal está mais confiante e esperançoso que vai sair os documentos no cartório." (S2) " Os moradores estão mais fortes" (S3) Mudanças no cotidiano pessoal e na Vila Real " Tivemos várias reportagens sobre o trabalho que fizemos, antes era só coisa ruim" (S4) "Mudou a forma de ver a Vila Real, As pessoas tinham vergonha de falar que morava na Vila Real, agora não." (S5) "A população agora acredita no trabalho e no nosso grupo" (S6) 46 Os relatos demonstram casos de percepção e reconhecimento de aumento da auto-estima dos moradores (casos dos jornais e de superação do sentimento de vergonha de morar no local). A relação com o Poder Público também é relatada, no sentido de cobrança, exigência e fiscalização, como exemplos de controle social. Participação em espaços institucionalizados como o Orçamento Participativo e conquista de equipamentos comunitários também são relatados. Casos de conquistas coletivas são relatados como conseqüência da presença do grupo ou de sua mobilização e inserção nas reuniões do Orçamento Participativo. A mobilização de outras pessoas para fiscalização e exigência junto à Prefeitura de demandas locais também é relatado, demonstrando o reconhecimento do poder local e do controle social necessários para uma gestão democrática. A participação nos intercâmbios promovidos pela ONG foi evidenciada como possibilidade de novos conhecimentos e aptidões reconhecidas e que não fazia parte da realidade antes de inserção no Grupo. No QUADRO 4 é apresentada a percepção em relação ao Poder Público antes e depois da participação no Projeto de Regularização Fundiária. Os relatos demonstram claramente ampliação na participação do grupo em instâncias participativas do município (S3, S4 e S6) e alteração da forma como percebiam a atuação do poder público e como compreendem a possibilidade de exigência de demandas coletivas e negociação junto ao Poder Público ( S1, S2, S4). “Além das influências sociais mais amplas, há todo um processo de aprendizagem das pessoas envolvidas numa experiência comunitária. O se defrontar com os outros, o se descobrir diferente, único e, ao mesmo tempo, assumir a igualdade de direitos e deveres, a responsabilidade de pensar, de decidir e de agir, é um processo que se desenvolve através de práticas e reflexões sucessivas. “ (Lane, 1984, p.70) Dos seis entrevistados, cinco não haviam desenvolvido nenhum tipo de ação junto à Prefeitura anteriormente ao Projeto e que atualmente participam de instâncias não somente vinculadas ao Projeto. Todos relatam a mudança no acesso e na comunicação junto ao Poder Público. 47 QUADRO 4 Visão dos entrevistados em relação ao Poder Público – antes e depois da participação do Projeto de Regularização Fundiária Ações que realizou junto ao Poder Público antes da Regularização Ações que realiza em parceria com Poder Público "Nenhuma." "Reuniões de setor que é junto com a Prefeitura e a ONG e os Fóruns de Regularização. " "Nenhuma." "Reuniões do Fórum de Regularização" "Nenhuma." "Fórum e do Orçamento Participativo" "Nenhuma." "Fórum e do Conselho Municipal de Saúde" " As portas da Prefeitura estão abertas, você é atendido. " "Nenhuma." "Fórum e do Várzea Limpa" "Agora, eu tenho livre acesso. " "Reuniões do Orçamento Participativo" "Fórum, do Orçamento Participativo e do Seminário de Habitação que fomos em São Paulo SJS Como via Poder Público Como vê o Poder Público S1 "Não conhecia, não tinha contato." " Hoje temos as portas abertas na Prefeitura, temos liberdade de poder sentar e falar." S2 S3 S4 S5 S6 "Como o resto vê. Faz o que " Temos abertura para quer, a hora solicitar reuniões" que quer." "Tinha que pagar "Agora, a gestão é (literalmente) aberta, te atende para falar com a melhor" Prefeitura" " Temos portas "As portas eram abertas: podemos fechadas" entrar, conversar e discutir" "Os Prefeitos usavam a fonte eleitoral da Vila Real, mas não fazia nada" "Não existia" Este fato demonstra um estreitamento da relação sociedade civil e Poder Público no sentido de canais de comunicação e possibilidade de partilha de poder, gerando uma mudança administrativa que tem na participação popular um componente essencial ao tempo que estimula a constituição de cidadãos, enquanto sujeitos sociais ativos. 48 A quinta parte da entrevista1, as questões foram direcionadas em relação à atuação da ONG Rede Internacional de Ação Comunitária – Interação, na visão dos moradores atendidos pelo Projeto de Regularização Fundiária. “Observar a relação ONGs-Estado é importante na medida em que essas entidades estão, por um lado, cada vez mais envolvidas na formulação de políticas públicas e, por outro, são vistas como assumindo as responsabilidades sociais que o Estado estaria abandonando. Trata-se de perceber, portanto, como essas organizações influenciam, pressionam ou comprometem-se com instituições do Estado. Interessa ainda a relação das ONGs com o seu público-alvo, sejam outras organizações da sociedade civil, especialmente movimentos sociais não institucionalizados como ONGs, seja um público mais amplo atendido através desses encontros entre ONGs e Estado. Pretende-se, finalmente, compreender até que ponto, com esses momentos de interlocução ou enfrentamento com o Estado, essas organizações contribuem para uma ampliação da justiça social e da participação de setores excluídos.” ( Teixeira, 2002, p.109) No caso da ONG Interação, os entrevistados manifestaram-se especialmente satisfeitos com a mediação e capacitação oferecidas. Os intercâmbios às comunidades de realidades semelhantes e possibilidade de participação no Seminário Nacional de Fortalecimento das Organizações Populares e Alternativas de Combate à Exclusão, realizado nos dias 11 e 12 de dezembro de 2006, na capital de São Paulo, reconheceu a importância do grupo em nível nacional. O Seminário contou com a presença do Prefeito da Cidade de Várzea Paulista, Eduardo Tadeu Pereira que fez parte da mesa de abertura, relatando a experiência da Vila Real. O evento também contou com representantes de outros países ligados ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, Ministério das Cidades e reconhecidos acadêmicos da área social. No Seminário, uma moradora da Vila Real, que esteve recentemente na África, a convite da ONG Interação, participou como 1 Como citado no item 3.6 – Instrumentos de Coleta e Registro de Dados, a entrevista foi didaticamente dividida em 6 partes: a) Perfil da Amostra; b )Moradia; c) Participação; d) Relação com Poder Público; e) Papel da ONG Interação; f) Impressões e Sugestões. 49 expositora aos presentes da experiência da gestão financeira e poupança comunitária em Vila Real. Os entrevistados reconheceram a importância de todo o processo de capacitação descrito, bem como das reuniões junto à ONG na comunidade que tratam de instrumentos do Estatuto das Cidades e que hoje eles têm conhecimento do que exigir e da possibilidade de outorga do seu lote e qual instrumento mais eficaz. A investigação através da entrevista apresentou os seguintes resultados, conforme QUADRO a seguir: QUANDRO 5 Papel e contribuições da ONG Interação, aprendizados decorrentes das reuniões do Projeto de Regularização Fundiária SJS Papel da ONG REDE INTERAÇÃO Ações e mediações da ONG junto ao Poder Público Aprendizados após a participação das reuniões da ONG S1 " Formar pessoas que caminhem com as próprias pernas" "Ajudou na comunicação" "Participei de intercâmbios, conheci realidades semelhantes. Hoje tenho mais consciência do meu papel na sociedade" S2 "Dar suporte e mostrar caminhos, ensinando a lutar pelos nossos direitos" " Ensinou a gente sobre regularização fundiária. Podemos pedir o que queremos" " Aprendi a ter compromisso e sobre trabalhar com poupança comunitária" S3 "É nosso auxílio, suporte um elo de ligação com a Prefeitura" " Ajuda e tira as nossas dúvidas" " A União faz a força. Aprendo muito nas reuniões" "Dá suporte, orienta como agir" "A ONG marca as reuniões, avisa todo mundo." "Eu não consigo ficar sem participar das reuniões. Aprendi a conversar mais." S5 "Orientam, mostram meio e é ponte de ligação entre a Prefeitura e a comunidade" "Ela serve de transmissor nas reuniões da Prefeitura " "Aprendi a participar das reuniões, respeitar o grupo e trabalhar em grupo." S6 "Orienta, tira dúvidas. Ensina nós andarmos com as próprias pernas. " "Comunica e agenda as reuniões." "Aprendi tanta coisa. Leis, conheci mais pessoas, participei do seminário. " S4 50 Os relatos demonstram que a ONG Interação possibilitou o envolvimento da comunidade nas decisões, mediando o enfrentamento das instâncias administrativas para a conquistas das demandas locais. Os sujeitos tornam-se atores do processo e compreendem seu papel ativo das questões coletivas e formas assertivas de trabalhar em grupo. As capacitações feitas nas reuniões mensais que a ONG Interação promove, conta com discussões sobre os instrumentos do Estatuto da Cidade, reflexão sobre realidades semelhantes e históricos de questões urbana e fundiária no país. Estas reuniões promovem a explanação de conceitos que os sujeitos apreendem e incorporam no seu cotidiano, tanto para reivindicações legítimas, quanto para esclarecimento e mobilização de vizinhos. A presença dos moradores entrevistados em Seminários e intercâmbios amplia a experiência e conhecimentos pessoais, emergindo novos desafios e a intenção de qualificação e atuação continuada, gerando inclusive projetos novos de capacitação da comunidade pela comunidade. Na última parte da entrevista, Impressões e Sugestões, didaticamente desta forma nomeada, porém não explícita no momento da entrevista, foi solicitado aos entrevistados opiniões sobre os problemas da Vila Real e qual o papel da sociedade civil e do poder público em relação à solução destes problemas. Para finalizar a entrevista, foi solicitado sugestões para a melhoria do processo, conforme entendimento dos entrevistados e qual a visão geral que possui acerca da Vila Real onde residem hoje. No QUADRO 6, são comparados os relatos dos entrevistados em relação ao papel da sociedade frente aos problemas da Vila Real e o papel do Poder Público. Os entrevistados, por estarem envolvidos diretamente no Projeto de Regularização Fundiária, vêem como papel principal do poder público a intervenção junto aos moradores que ainda não entregaram a documentação pessoal, ao tempo que consideram seu papel de mobilização e ampliação da participação da comunidade para reivindicação das questões legais. A documentação individual está sendo coletada para a identificação posterior do instrumento do Estatuto da Cidade adequado a cada caso. 51 Os representantes de setores que efetivaram o cadastro casa a casa, agora são suas moradias são pontos de coletas de documentação de toda a vizinhança. Para que o processo avance, todos os moradores devem comprovar a moradia no local, como contrato de compra e venda, contas antigas de energia e água ou até mesmo cartas com o carimbo do Correio com a validade necessária. Os relatos também evidenciam a compreensão do dever cidadão, conforme fala do S3 que reconhece a importância do pagamento de impostos para a futura redistribuição do tributo em bens e serviços coletivos. QUADRO 6 Relatos acerca dos papéis da Sociedade Civil e do Poder Público em relação aos problemas da Vila Real Papel da Sociedade na solução dos problemas Papel do Poder Público na solução dos problemas "É necessário poder de convencimento" "Ter mais atuação na Vila para todos saberem o que eu sei." " O que eu estou fazendo: participando mostrando para os outros." "Direcionar as forças para terminar as ações já iniciadas. " "Mobilização das pessoas." "Terminar a regularização, cobrar imposto e reverter em infra-estrutura para a Vila. " "Conversar e passar o que está acontecendo para os outros." " O que a gente pedir, a Prefeitura sustentar. Prefeitura deveria encaminhar carta para maior participação. " S5 "É o que eu venho fazendo: reivindicando o melhor para o coletivo. " "Finalizar a regularização e a coleta de documentos. " S6 " Fiscalizar, pedir e participar. " "Priorizar a regularização e finalizar o processo." SJS S1 S2 S3 S4 52 O QUADRO 7 apresenta a percepção da Vila Real onde os entrevistados residem e propostas de melhorias para o processo de regularização fundiária e para o fortalecimento da relação sociedade civil e poder público. QUADRO 7 Percepções da Vila Real e sugestões de melhorias SJS Percepções da Vila Real atualmente Sugestões de melhorias S1 " O bairro pode ser um bairro bom" "Tem que ter mais pessoas envolvidas e mais compromisso" S2 "Um local melhor para se viver" "intensificar a coleta de documentos, através de uma notificação da Prefeitura. Desapropriação e Regularização da área de risco" S3 "Eu tenho esperança que vai regularizar" "Mais reuniões com a ONG e com a Prefeitura e mais pessoas. " S4 "Muito importante e está melhorando" "Ter mais gente porque assim o grupo fica mais forte. " S5 "Vila digna,mas sem infra-estrutura. Vejo um local ideal para mim. " "Que a Prefeitura esteja mais presente. Enviar uma carta para as pessoas que não entregaram a documentação. " S6 " Uma flor desabrochando, porque o jornal começa a falar das coisas boas do bairro" "Já fizemos uma parte, a Prefeitura tem que concentrar e estar mais presente." Os entrevistados concluem que o processo de Regularização Fundiária fortaleceu a imagem da Vila Real e vislumbram melhoria constante do Bairro após a constituição do Grupo de moradores que atuam no bairro. Este aumento da auto-estima, ligado diretamente ao conceito de igualdade e de semelhança a outros locais da cidade, trazem o reconhecimento da cidade como parte da cidadania, isto é, a melhoria na qualidade de vida é condição para igualdade e justiça sociais. Como sugestões de melhorias no processo, a maior parte dos entrevistados propõe uma intervenção formal da Prefeitura para a intensificação da coleta de documentos dos moradores, pois disto depende a 53 identificação dos instrumentos e da efetivação da regularização junto ao cartório. Outro dado frequentemente relatado é a importância do envolvimento de mais moradores no processo. Há o reconhecimento de que mobilização e organização são meios legítimos de encaminhamento das demandas locais junto à Prefeitura. 54 5. CONCLUSÃO O complexo processo de interlocução entre a sociedade civil e o poder público intensificou-se nos últimos anos. Novas formas de participação são instauradas na administração pública, ao tempo que o poder público tem reformulado instâncias de acesso às demandas da sociedade para a qual atua. A necessidade de mediação de agentes externos e a importância de capacitação da população tornam-se imprescindíveis a atuação de assessoria que trabalhe junto com a comunidade e que fortaleça os meios de comunicação entre sociedade civil e poder público. O presente trabalho teve como objetivo investigar a percepção de moradores, representantes de setores da Vila Real, sobre alteração da relação da sociedade civil e poder público pela presença do grupo, bem como, sobre o papel da ONG Interação como facilitadora do processo de comunicação. Pode-se verificar a mediação da ONG interação foi essencial para a capacitação dos representantes em assuntos fundiários o que ajudou o grupo a reivindicar questões junto à Prefeitura com legitimidade. As percepções em relação ao papel do poder público sofreram considerada alteração após a participação nas reuniões junto à ONG e junto à Prefeitura. Os representantes possuem mais clareza dos papéis da sociedade civil, nos termos de controle social, onde ocorre a fiscalização e transparência das ações e comunicação assertiva durante o desenvolvimento do projeto. A participação no grupo, possibilitou o reconhecimento da importância da organização da comunidade e aprimorou a presença do grupo em termos de sujeitos sociais ativos, os quais promovem novos projetos para a comunidade, como cursos de capacitação e reuniões de conscientização de outros setores excluídos, como é o caso dos catadores de recicláveis e palestras à mulheres sobre beleza, violência doméstica. “ Os desafios para ampliar a participação estão intrinsecamente vinculados à predisposição dos governos locais de criar espaços público e plurais de articulação e participação, nos quais os conflitos se 55 tornam visíveis e as diferenças se confrontam, enquanto base constitutiva da legitimidade dos diversos interesses em jogo. A superação das barreiras sócio-institucionais potencializa uma efetiva democratização da gestão assim como o estímulo à coresponsabilização na defesa do interesse geral. A cidadania exige cada vez mais novas formas de organização do Estado, notadamente o fortalecimento de uma esfera pública que seja em essência agregadora de novos arranjos institucionais que suscitam e estimulam práticas pluralistas integrativas para a participação cidadã. “ (Jacobi, 1996, p. 258) O desafio de superar a lógica clientelista evidenciada na relação sociedade civil e poder público, promove, por parte do poder público, um esforço no sentido de criar espaços democráticos de participação comunitária e, por parte da comunidade, promove um esforço em intensificar sua atuação com mobilização social e informação local. O fato de a Prefeitura valorizar o conhecimento popular e local na definição do processo de mapeamento do bairro, inclusive com a presença de moradores na elaboração do Projeto de Reurbanização encaminhado ao Ministério das Cidades no início do ano para a solicitação de novos recursos para a área, e a identificação pela comunidade, das principais demandas, retira do poder público o domínio sobre as decisões locais, possibilita a ampliação da cidadania conscientizando a população de sua importância e promove a partilha de poder. A atuação da ONG Interação possibilita a capacitação dos representantes que apreendem questões novas e importantes para a reivindicação assertiva das demandas e promove ampliação da cidadania dos moradores, pois reforçam atuação em outros campos da sociedade além do projeto inicial de regularização. 56 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALFONSIN, Betânia de Moraes. (ORG.). Regularização da Terra e Moradia – O que é e como implementar. Brasilia: Editora CAIXA, 2002. 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Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Florianópolis. UFSC. 2005. 59 ANEXO I - ROTEIRO DE ENTREVISTA Esta pesquisa é parte integrante de monografia do Curso de Especialização Política Social e Desenvolvimento Urbano, ministrado pela UNB. PERFIL DA AMOSTRA 1. Data de Nascimento: 2. Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino 3. Escolaridade ( ) Sem estudo ( ) 1º Grau Incompleto ( ) 2º Grau Incomp ( ) 2º Grau Completo ( ) 3º Grau Incomp ( ) 3º Grau Completo 4. Etnia : 5. Tem filhos? Se sim, quantos? (incluir enteados ) 6. Município de Origem: ( ) 1º Grau Completo MORADIA 7. Tempo de moradia em Vila Real : 8. Qual o motivo da mudança para a Vila? 9. Quantas pessoas residem com você? 10. Qual a condição da moradia atual? Aluguel ( ) Ocupação ( ) Propriedade ( ) Outro ( ) Qual? 11. Qual principal vantagem de morar na Vila Real? 12. Qual principal desvantagem de morar na Vila Real? PARTICIPAÇÃO 13. Qual principal problema da Vila Real? 14. E a quem cabe solucioná-lo? 15. Você participa das atividades da Vila? ( ) Sim ( ) Não 16. Se sim, quais atividades desenvolve? 17. Participa de outras atividades, como sindicato, associação de moradores? ( ) Sim ( ) Não 18. Se sim, quais atividades desenvolve? 19. Com que freqüência participa das reuniões? De 0 a 4, que nota daria pela sua participação? ( ) 60 RELAÇÃO COM PODER PÚBLICO 20. Na sua opinião, considera importante a presença do grupo que participa para contribuir para possíveis conquistas para a Vila? 21. Poderia relatar algum exemplo? 22. O que melhorou em sua vida pessoal após participar das reuniões? 23. O que melhorou para a sua família? 24. Houve alguma mudança na comunidade após a criação do grupo? 25. Houve alguma mudança no seu cotidiano? 26. Como você via a Prefeitura (Poder Público) antes de participar do grupo? 27. Como você vê agora a Prefeitura (Poder Público) agora? 28. Quais ações/eventos que participa em parceria junto ao Poder Público? 29. Você considera que as ações do grupo têm interferido nas realizações do Poder Público? 30. Poderia relatar algum exemplo? 31. Quais ações você realizou junto ao Poder Público, anteriormente a sua participação no grupo? 61 PAPEL DA ONG INTERAÇÃO 32. Na sua opinião, qual o papel da ONG Interação? 33. Acredita que a ONG Interação auxilia no processo de mediação junto ao Poder Público? 34. Quais ações você considera que são mediadas e que contribuem para a obtenção de melhorias para a Vila Real? 35. Como a ONG Interação altera seu cotidiano? 36. Quais aprendizados foram possíveis devido a sua participação nas reuniões da ONG Interação? IMPRESSÕES E SUGESTÕES 37. Qual o seu papel para solucionar os problemas da Vila Real? 38. Qual o papel do Poder Público para solucionar os problemas da Vila Real? 39. Como você vê hoje a Vila Real? 40. Quais sugestões teriam para que o processo fosse mais efetivo?