UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO ELISIANE MARQUES MOREIRA BORGES DOR E ANALGESIA EM PEQUENOS ANIMAIS REVISÃO DE LITERATURA RECIFE-PE 2009 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO ELISIANE MARQUES MOREIRA BORGES DOR E ANALGESIA EM PEQUENOS ANIMAIS REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), como exigência final para obtenção do título de especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientadora: Dra. Lílian Sabrina Silvestre de Andrade – UFRPE, Pernambuco ELISIANE MARQUES MOREIRA BORGES DOR E ANALGESIA EM PEQUENOS ANIMAIS REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), como exigência final para obtenção do título de especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientadora: Profa. Dra. Lílian Sabrina Silvestre de Andrade - UFRPE APROVADA EM: _______/_______/_______ BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Profa. Dra. Lílian Sabrina Silvestre de Andrade - UFRPE Orientadora e Presidente _________________________________________ Msc. Otávio Pedro Neto - UFERSA Segundo Membro ________________________________________ Eraldo Barbosa Calado - UFERSA Terceiro Membro DEDICATÓRIA A todos os colegas veterinários que tentam aliviar a dor e o sofrimento de nossos nobres pacientes. . AGRADECIMENTOS A Deus por cada instante de minha vida; A Renato, meu marido e companheiro, por estar comigo em cada momento, me ajudando e apoiando com tanta dedicação. Você é a luz do meu viver; À orientadora Lílian Andrade pela paciência; Aos meus pais, Benedito e Elisete que sempre estiveram ao meu lado me incentivando e confiando em mim; A Mauro, por todas as oportunidades e os ensinamentos que me proporciona todos os dias; A Júnior, por ter me ajudado sempre que precisei; A minha prima Mila, pela ajuda crucial e pela hospedagem durante esse momento tão importante de minha vida; A Dermival, Maria de Jesus e Inácio por me acolherem com atenção e carinho; E a todos que direta ou indiretamente me auxiliaram para a conclusão dessa etapa. SUMÁRIO Página 1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 11 2 REVISÃO DE LITERATURA...................................................................... 13 2.1. MECANISMO DE TRANSMISSÃO DE DOR.......................................... 13 2.2. FISIOPATOLOGIA DA DOR..................................................................... 14 2.3. AVALIAÇÃO DA DOR.............................................................................. 16 2.3.1. Classificação da dor................................................................................. 17 2.3.2. Diagnóstico da dor................................................................................... 18 2.4. OBJETIVOS DO TRATAMENTO.............................................................. 20 2.5. ANALGÉSICOS........................................................................................... 21 2.5.1. Opióides.................................................................................................... 21 2.5.2. Agonistas α2 adrenérgicos....................................................................... 23 2.5.3. Anestésicos locais..................................................................................... 24 2.5.4. Antiinflamatórios não esteróides (AINEs)............................................. 25 2.6. QUANDO UTILIZAR ANALGÉSICOS..................................................... 27 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 30 4. CONCLUSÃO................................................................................................ 33 REFERÊNCIAS................................................................................................. 34 RESUMO A dor traz grandes transtornos para a saúde do animal, por provocar, além da experiência sensorial e emocional desagradável, a ativação de respostas neuroendócrinas, que vão causar desequilíbrio homeostático do organismo. Para evitar todos os transtornos associados às dores em pequenos animais, existem diversos tipos de fármacos analgésicos que podem ser utilizados com segurança, desde que o médico veterinário conheça bem o mecanismo de ação do medicamento, sua classificação, indicação e possíveis efeitos adversos. Diante do exposto, objetivou-se com esse trabalho descrever a importância da prevenção e ou tratamento da dor em pequenos animais e os principais fármacos analgésicos, uma vez que o tratamento da dor só trás benefícios para o estado de saúde do paciente. Palavras-chave: Antiinflamatórios, Analgésicos, Cães, Gatos : ABSTRACT Pain brings great disadvantage to the animal´s health, by provoking, besides the sensorial and emotional unpleasant experience, the activation of neuroendocrin answers that will break the homeostatic balance of the organism. To avoid all of the disadvantage associated with pain in small animals are available several types of analgesic drugs that can be used with safety, if the Veterinary Doctor knows well the mechanism action of the drug, it’s classification, indication and adverse effects. Before the exposed, the aim of this paper is to describe the importance of the prevention and/or treatment of the pain in small animals and the main analgesic drugs available. Keywords: Antiinflamatories, Analgesics, Dogs, Cats LISTA DE FIGURAS Figura 1. Fisiologia da dor Figura 2. Fármacos que atuam em cada fase do processo doloroso Pág. 12 19 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Alterações de conduta possivelmente relacionadas com dor em animais Quadro 2: Alterações fisiológicas possivelmente relacionadas com dor em animais Pág. 17 18 1. INTRODUÇÃO Dor é uma sensação desagradável e uma experiência emocional em resposta a uma lesão tecidual real ou potencial, ou descrita em tais termos - Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) (VILA; MUSSI, 2001). Segundo Ettinger e Feldman (1997) a dor pode ser definida como a consciência ou percepção de estímulo nocivo, que tem potencial para lesionar tecidos. Embora os animais não possam descrevê-la verbalmente, podemos inferir sua existência por suas ações: uivos, ganidos, desuso de um membro em particular, relutância em movimentar-se, a demonstração de atividade inferior à usual, ou alterações nos padrões de comportamento normais (ETTINGER; FELDMAN, 1997). Para Almeida et al (2006), o reconhecimento do comportamento adotado pelo animal frente ao estímulo doloroso auxilia no diagnóstico através da classificação da dor (DUBAL et al., 2007). A dor, o estresse e o sofrimento ameaçam o bem-estar do animal e, eventualmente, sua sobrevivência. Muitas vezes, mudanças de comportamento são adotadas na tentativa de aliviar uma condição de dor e ameaça. Quando essas respostas são insuficientes para aliviar o estresse, o sistema nervoso autônomo e neuroendócrino são ativados, acarretando alterações em vários parâmetros fisiológicos e bioquímicos (MOBERG, 1987; MALM et al., 2005), comumente referidas como resposta ao estresse (MALM et al., 2005). Em animais a dor é muito mais difícil de ser diagnosticada do que em seres humanos, porque eles não têm a capacidade de verbalizar a extensão do seu desconforto ou se o tratamento instituído está sendo adequado (DOHOO; DOHOO, 1996). Os veterinários têm se baseado na observação do comportamento e impacto na fisiologia do animal, para determinar quando se deve intervir com tratamentos para reduzir a dor (HANSEN, 1994). O uso dos analgésicos por médicos veterinários ainda apresenta certa relutância muitas vezes por conta do desconhecimento dos benefícios fisiológicos da analgesia, a falta de familiarização com os analgésicos indicados para cães e gatos e o temor de que a utilização de agentes potentes possa levar a quadros de dependência química, depressão respiratória e/ou problemas gastrintestinais (FANTONI et al., 2000). Apesar de toda história de aversão em utilizar analgésicos em animais, o que se observa atualmente é que o reconhecimento e tratamento da dor passam a ter impacto ético, se tornando uma questão central na prática diária do médico veterinário (FALEIROS, et al., 1997). Portanto é coerente instituir tratamentos para aliviar a dor nos pacientes, pois não existe mais dúvida em relação aos benefícios dessa terapia, e os esforços atuais acabam girando em torno da produção de fármacos cada vez mais eficazes (CARROLL, 2005). Com esse trabalho de revisão, objetiva-se fazer uma descrição sobre a dor, sua fisiopatologia e os objetivos de tratá-la, bem como os principais fármacos que podem ser utilizados com o intuito de prevenir ou combater a dor associada a doenças ou procedimentos cirúrgicos em pequenos animais. 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. MECANISMO DE TRANSMISSÃO DA DOR A percepção da dor é um processo de transformação de estímulos nociceptivos externos em potenciais de ação que são conduzidos pelas fibras nervosas periféricas para o sistema nervoso central, através dos processos de transdução, transmissão e modulação (LAMONT, 2002; TAYLOR; ROBERTSON, 2004). Logo após uma injúria tecidual, seja ela produzida por uma cirurgia ou por um traumatismo, o conteúdo das células extravasa e estimula a liberação de substâncias algogênicas, denominados mediadores inflamatórios, como bradicinina, histamina, dentre outros, as quais ativam mastócitos, linfócitos e macrófagos, desencadeando o processo inflamatório (BASSO et al,. 2008). A ativação da via do ácido araquidônico leva a produção de protanóides e leucotrienos. O recrutamento de células imunes propicia a liberação de mediadores, como citocinas e fatores de crescimento. Os mediadores inflamatórios podem ser divididos em ativadores dos receptores da dor e sensibilizadores dos nociceptores. Estes últimos transformam estímulos antes inócuos em dor (OTERO, 2005). Tais mediadores ativam nociceptores periféricos de alto limiar à dor, os quais passam a possuir limiar mais reduzido, respondendo a estímulos de menor intensidade (hiperalgesia primária) (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004). Todo esse processo é denominado transdução e consiste na transformação de estímulo em atividade elétrica pelos nociceptores periféricos (TRANQUILLI, 2009). Após ocorre a transmissão, que se constitui na propagação desses impulsos até a medula espinhal. Na fase de modulação, há supressão ou amplificação da resposta ao estímulo, ocorrendo também a ativação via descendente, o que modifica a transmissão nociceptiva pela inibição de estímulos processados dentro das células do corno dorsal da medula espinhal, ocorrendo a liberação de mediadores como neurocinina, glutamato, substância P, as quais se ligam a receptores N-metil-d aspartato (NMDA) e de neurocinina (NK). A ligação desses receptores caracteriza a sensibilização central, sendo esta responsável pelos aspectos de extensão da sensibilidade para áreas circunvizinhas à lesada, e por tornar os mecanorreceptores, que fisiologicamente não determinam dor, capazes de produzi-la (alodínea) (FANTONI; MASTROCINQUE, 2004). A percepção é o processo final do estímulo da dor, em que a integração do processo descrito no encéfalo (tálamo, sistema retículo e límbico), produzindo assim a consciência subjetiva e emocional da dor (TRANQUILLI et al., 2009). (Figura 1). Figura 1. Fisiologia da dor. Fonte: Daniel C. M. Muller. 2.2. FISIOPATOLOGIA DA DOR A nocicepção é a tradução, condução e o processamento central dos sinais recebidos geralmente por estimulação dos nociceptores. Este é um processo que quando ocorre resulta na percepção consciente da dor. Os estímulos gerados são captados pelos nociceptores, conduzidos por fibras aferentes, interneurônios e medula espinhal, chegando ao hipotálamo, córtex cerebral e sistema límbico, onde a dor é reconhecida, em termos de localização, natureza e intensidade (ROSA; MASSONE, 2005). O sistema da nocicepção serve ao reconhecimento dos estímulos nocivos internos e externos. Em princípio, todos os receptores são capazes de perceber tal estímulo, considerando sensações desagradáveis quando os estímulos ultrapassam acentuadamente o limiar, que em geral são registrados como “sensações dolorosas” (BISTNER et al., 2002). Os receptores para estímulos dolorosos (nociceptores) são terminações nervosas livres, que se encontram espalhadas por todo o corpo e que formam os pontos dolorosos. São encontrados na pele, musculatura, tendões, articulações, no periósteo, nos dentes, etc, sendo na pele em número oito vezes maior. A maioria das vísceras, como cérebro, rins, pulmões, não possuem receptores para a dor, ao contrário da serosa que recobre alguns destes órgãos e, portanto, condiciona a dor que pode ocorrer nas cavidades orgânicas (BISTNER et al., 2002). Foram identificados dois tipos básicos de dor: superficial e profunda. Ambas são, respectivamente, produzidas pela ativação de fibras nervosas delta A (mielinizadas) e C (desmielinizadas). Antes que as fibras delta A e C possam transportar seus impulsos até o cérebro, receptores da dor (nociceptores) situados no órgão ou estrutura afetada deverão ser estimulados acima do limiar. Tanto na dor aguda quanto na crônica, o processo inflamatório promove o “disparo” dos receptores da dor, os quais são liberados de diversas estruturas celulares durante o curso do processo inflamatório e causam a iniciação e continuação da dor (ETTINGER; FELDMAN, 1997). Assim que um estímulo nocivo tenha sido aplicado a um órgão, mediadores da dor são liberados para a estimulação dos nociceptores, os quais lançam mão das fibras delta A e C, para a transmissão desta informação até o cérebro, de modo que o organismo saiba que “algum lugar está doendo” (ETTINGER; FELDMAN, 1997). De acordo com Hansen (1993), as fibras nervosas delta A são denominadas “rápidas” e são responsáveis pela dor aguda decorrente da lesão, permitindo ao animal a localização do local da dor. As C denominadas fibras “lentas” sendo responsáveis pela dor secundária e menos intensa. Havendo também as beta A que apresentam menor limiar de estímulo que as anteriores e conduzem sensações táteis inócuas (formigamento, cócegas) (DUBAL et al., 2007). Respostas do sistema nervoso autônomo (SNA), como taquicardia, taquipnéia, aumento da pressão arterial, arritmias, salivação, midríase, sudorese e liberação de catecolaminas são indicativos de dor e estresse, principalmente quando estão associados às alterações do comportamento. Devido à rápida e específica resposta do SNA a determinados agentes estressores, as mensurações das freqüências cardíacas e respiratórias e a secreção de catecolaminas podem ser utilizadas na avaliação do estresse (MOBERG, 1987; SACKMAN, 1991; MALM, 2005). Situações estressantes e dolorosas podem alterar a secreção dos hormônios hipofisários que regulam diretamente as funções relacionadas ao bem-estar do animal como reprodução, crescimento e resistência (MOBERG, 1987; SACKMAN, 1991; MALM, 2005). O trauma cirúrgico e a dor pós-operatória podem provocar a ativação neuroendócrina e metabólica com conseqüente hipermetabolismo, aceleração de reações bioquímicas e catabolismo orgânico. A duração e a intensidade das alterações estão relacionadas com grau da lesão tissular e podem prolongar o período de convalescença e de recuperação pósoperatória (MALM et al., 2005). A fisiologia da dor está concentrada no sistema nervoso que se destina a captar estímulos que se convertem em impulsos até o SNC, sendo que o efeito final é a produção de uma resposta comportamental do organismo. Dentro dele a informação transita pelas vias sensitivas que chegam à medula espinhal e há também o córtex sensitivo com grande influência de neurônios do tálamo, sendo o responsável pela percepção consciente da dor e pelo seu comportamento motivacional e afetivo (DUBAL et al., 2007). A dor patológica está associada às cirurgias ou processos que provocam lesões em órgãos ou tecidos, apresentando vários graus de intensidade (DUBAL et al., 2007). Cruz (2002) e Luttgen (2003) relatam que a presença de dor no período pós-operatório pode contribuir para a elevação da concentração de cortisol sérico e assim levar ao retardamento da cicatrização (DUBAL et al., 2007). É de grande importância a influência exercida pelas dores sobre o sistema nervoso vegetativo. Assim, a pupila se dilata, aumenta a pressão sanguínea, o pulso aumenta sua freqüência já com estímulos dolorosos de pequena intensidade. Estes agem estimulando quase todos os órgãos inseridos vegetativamente (BISTNER et al., 2002). 2.3. AVALIAÇÃO DA DOR O processo de avaliação da dor é amplo e envolve a obtenção de informações relacionadas à data de início, localização, intensidade, duração e periodicidade dos episódios dolorosos; qualidades sensoriais e afetivas do paciente; fatores que iniciam, aumentam ou diminuem a sua intensidade; significado para o paciente e sua família; interferência nas atividades de vida diária, nos relacionamentos afetivos e no trabalho; expectativas em relação à doença e ao tratamento; comportamento habitual em situações de estresse; tipos e resultados de tratamentos anteriormente realizados (VILA; MUSSI, 2001). Atualmente, não há métodos objetivos para a avaliação da intensidade da dor, tanto em pacientes humanos quanto veterinários, sendo em animais ainda mais subjetiva. Desta forma, sua avaliação requer uma observação cuidadosa do paciente. Entretanto, somandose as respostas comportamentais, hormonais e metabólicas, pode-se obter uma avaliação com maior tendência à realidade e intensidade da dor (ROSA; MASSONE, 2005). Considerando a subjetividade e a dificuldade no reconhecimento da dor em animais, parâmetros comportamentais, fisiológicos e hormonais devem ser analisados em conjunto, resultando em avaliações mais precisas da dor e da recuperação pós-operatória do paciente (MALM et al., 2005). Entretanto, somando-se as respostas comportamentais, hormonais e metabólicas, pode-se obter uma avaliação com maior tendência à realidade e intensidade da dor (MASSONE; ROSA, 2005). Conforme Paddleford (2001) e Cruz (2002), o reconhecimento da dor nos animais difere dos humanos já que sua manifestação não é verbal, apresentando-se como alterações comportamentais a serem interpretadas. Os sinais fisiológicos indicativos de dor incluem alterações cardiopulmonares como taquicardia, taquipnéia, superficialização da respiração e palidez das mucosas ocasionada pela vasoconstrição. Também é possível incluir midríase, salivação e hiperglicemia. Os sinais comportamentais da dor são vocalização, como latido e ou gemido, proteção do local dolorido, automutilação, inquietação, apatia e perda de apetite (DUBAL et al., 2007). O gato geralmente permanece silencioso quando apresenta dor, mas pode rosnar quando abordado. Apresenta inapetência e tendência a se esconder, sua postura é tensa, com apoio sobre o esterno e relutante a carícias. Um gato com dor intensa pode uivar e mostrar comportamento desesperado; lambidas freqüentes em um mesmo lugar também pode ser considerado um comportamento de dor (SANFORD et al., 1986 apud CUNHA et al., 2002). Diferente da dor, a sensação dolorosa é a sensação clinicamente mais fácil de comprovar nos animais. Porém, também aqui se deve observar que a sensibilidade varia muito tanto individualmente como em dependência da espécie animal e da idade. As reações aos estímulos dolorosos geralmente são de natureza reflexa. Com o avançar da idade, diminui a sensibilidade devido ao empobrecimento dos sentidos. No que se refere às regiões corporais isoladas, são especialmente sensíveis à dor: os lábios, a parte achatada do focinho do porco, a excrescência da crista, os dedos, o espaço interdigital, a superfície interna da parte superior da coxa, a região perineal e a ventral da cauda (BISTNER et al., 2002). 2.3.1. Classificação da dor Segundo Almeida et al (2006), a vantagem de classificar a dor é que ela fornece ao clínico informações sobre sua possível origem. Mais importante ainda dirige os cuidados de saúde no sentido de um apropriado planejamento terapêutico farmacológico. Por exemplo, síndromes neuropáticas dolorosas, geralmente respondem a medicações tais como antidepressivos e anticonvulsivantes. Em situações de dor nociceptiva, a administração de AINEs isolados ou em combinação com opióides é a melhor indicação. Portanto a dor pode ser classificada, quanto à origem: fisiológica ou patológica; à neurofisiologia: nociceptiva (somática e visceral) ou não nociceptiva (neuropática e psicogênica); ao período de duração: aguda ou crônica. A dor pode ser classificada de acordo com REECE (1996), em visceral e referida. A primeira é a que surge das vísceras (os órgãos do interior das cavidades torácica, pélvica e abdominal); as porções mais sensíveis são as serosas, peritoneal e pleural das cavidades abdominal e torácica, respectivamente. A dor referida é a que é sentida da superfície do corpo, mas geralmente tem sua fonte numa víscera torácica ou abdominal. É causada pela união de fibras de dor cutânea e visceral convergentes no mesmo neurônio em alguns pontos da via sensorial. A dor pode ser classificada ainda como discreta quando facilmente tolerada não levando a alterações comportamentais. Moderada, a qual se origina quando o animal é submetido a um procedimento cirúrgico, manifestando-se com alterações comportamentais. E intensa que leva o paciente à vocalização constante, automutilação e comportamento totalmente anormal (DUBAL et al., 2007). 2.3.2. Diagnóstico da dor A dor é uma experiência individual, e o quanto dela se traduz em um comportamento observável e mensurável depende de vários fatores. Algumas dessas variáveis são a espécie, a linhagem genética dentro da espécie, o sexo, o peso corpóreo, o condicionamento prévio, a dominância social do animal, a saúde em geral e as condições do meio ambiente no momento da observação (ALMEIDA et al., 2006). O limiar de reação à dor é altamente variável entre os indivíduos. O que é doloroso para um pode não ser para outro. Além disso, o desvio de atenção sobre uma área dolorida ou uma situação dolorosa reduz a percepção à dor (REECE, 1996). A falta de sinais claros de dor (vocalização, agitação,...) não significa que o animal não sinta dor, pois, de acordo com Almeida et al. (2006), traumatismos, cirurgias maiores e desarranjos metabólicos podem mascarar o comportamento animal à dor. Ao contrário, alguns animais com dor intensa e depressão se tornam muito mais alertas e interativos depois que se aplica um analgésico eficaz. A maioria dos pacientes irá demonstrar sinais de agonia após uma grande cirurgia ortopédica ou de tecidos moles. A disforia devido à administração do anestésico também pode ser marcante e poderá confundir a avaliação da dor. Inicialmente, deve-se avaliar o paciente à distância. Além dos vários sinais fisiológicos decorrentes da dor, ela pode ainda diminuir a secreção de insulina e testosterona, levando a um aumento do catabolismo de proteínas, lipólises, retenção renal de água e sódio, aumentando assim a excreção de potássio e diminuindo a filtração glomerular (ALMEIDA et al., 2006). No dia-a-dia, os veterinários e as pessoas que tomam conta de animais usam observações comportamentais para avaliar o bem-estar daqueles que se encontram sob sua proteção. É importante ressaltar que dor é uma sensação e, portanto, é totalmente subjetiva, ou seja, sua avaliação depende totalmente do indivíduo que a padece, sendo o doente, sem a intervenção do médico, quem decide se está ou não dolorido (CAMARGO et al., 2007). Os animais com dor costumam manifestar alterações de conduta mais ou menos acentuadas. Os quadros 1 e 2 destacam algumas alterações de conduta e fisiológicas, respectivamente. Apesar dessas estarem associadas à dor, não estão relacionadas com sua intensidade, podendo apresentar-se indistintamente em dores leves ou muito graves (CAMARGO et al., 2007). Para fins práticos, as afecções podem ser classificadas em cinco graus segundo a dor que causam, sendo que, dependendo da extensão e do dano ao(s) tecido(s) comprometido(s), a afecção pode mudar de categoria (CAMARGO et al., 2007). Alterações da conduta Imobilidade, recusam-se a se movimentar, urinam e defecam em decúbito; Tendência a se esconder, buscando lugares escuros e tranqüilos; Inutilidade de uma determinada parte do corpo; Alterações na personalidade; Alterações no apetite; Vocalizações, latidos, uivos, miados, contínuos ou intermitentes; Posturas anormais, como posição de oração típica de dor abdominal; Automutilação. Quadro 1 – Alterações de conduta possivelmente relacionadas com dor em animais. Fonte: Bonafaine (2005). Alterações fisiológicas Aumento da freqüência cardíaca em repouso; Aparecimento de ritmos anormais, tais como extra-sístoles ventriculares; Alterações do padrão respiratório, taquipnéia ou respiração superficial; Diminuição da formação de urina; Tendência à constipação; Alteração no tempo de preenchimento capilar; Hipertensão; Dilatação pupilar. Quadro 2 – Alterações fisiológicas possivelmente relacionadas com dor em animais. Fonte: Bonafaine (2005). 2.4. OBJETIVOS DO TRATAMENTO A dor é um processo fisiológico essencial para a sobrevivência do indivíduo, pois é o alerta de que alterações fisiológicas importantes estão acontecendo colocando em risco a sua sobrevivência. Entretanto, embora seja um processo natural, a dor é sempre referida como uma sensação desagradável e por vezes insuportável. Em decorrência disso, o homem passou a intervir na natureza procurando alterar a história natural das doenças, sendo que um de seus maiores objetivos é o de encontrar substâncias com ações analgésicas que possam livrá-lo dos inconvenientes do processo doloroso (OLIVEIRA, 2005). DOR É UM SINAL E NÃO UM DIAGNÓSTICO. AS METAS TERAPÊUTICAS, QUANDO NECESSÁRIAS, SÃO DUAS: PROPORCIONAR ALÍVIO DA DOR, E RESTAURAR O FUNCIONAMENTO DA PARTE OU ÓRGÃO AFETADO (ETTINGER; FELDMAN, 1997). A dor, geralmente, é controlada através da utilização de analgésicos (TAYLOR, 1999; VALADÃO et al., 2002), e sabe-se que os benefícios causados pelo tratamento da dor superam os possíveis riscos associados com a administração dessa classe de fármaco (TRANQUILLI et al., 2005), tendo em vista que o tratamento analgésico melhora a qualidade de vida do animal e ajuda a restaurar as funções fisiológicas com maior rapidez, diminuindo assim a morbidade e mortalidade associadas à dor (COPPENS, 2000; VALADÃO et al., 2002). Atualmente os analgésicos que podem ser empregados para a prevenção e/ou tratamento da dor em cães e gatos são os opióides (agonista, agonista parcial e agonistaantagonista), 2 agonistas adrenérgicos, anestésicos locais e antiinflamatórios não esteróides (AINE’s) (PASCOE, 1992; HANSEN, 1994; COPPENS, 2000). (Figura 2). Figura 2. Fármacos que atuam em cada etapa do processo doloroso. Fonte: Daniel C. de M. Muller. 2.5. ANALGÉSICOS 2.5.1. Opióides Os hipnoanalgésicos são fármacos dotatos de ação hipnótica e analgésica, promovendo sonolência, torpor, desligamento e analgesia. São classificados em opiáceos (compostos puros derivados do ópio) e opióides (qualquer substância, natural ou sintética, que produz efeitos semelhantes à morfina). O uso do ópio, para combater a dor, data dos primórdios da civilização. Assim, pergaminhos sumérios descrevem o cultivo da papoula e a utilização do ópio, já ao redor de 5000 a.C. Porém foi somente em 1806 que Frederick Sertürner, um farmacêutico alemão, isolou e descreveu uma substância pura no ópio, que denominou de “morfina” (alusão ao Deus grego do sono Morfeu). Posteriormente outros compostos foram isolados do ópio, sendo atualmente conhecidos cerca de 24 alcalóides, embora apenas a morfina e a codeína tenham amplo uso na clínica. Com a descoberta que estes alcalóides poderiam causar dependência, estimulou-se intensamente a pesquisa visando a síntese de substâncias tão potentes quanto ou mais que a morfina, sem que produzissem este efeito. Embora, até o momento, ainda não se tenha encontrado um hipnoanalgésico ideal, as pesquisas vem levado a descoberta de alguns medicamentos com menos efeitos colaterais como os opióides (DUARTE, 2005). Os opióides são considerados os mais potentes analgésicos conhecidos (PASCOE, 2000). Têm ação analgésica através da interação com receptores específicos (PAPICH, 1997; PAPICH, 2000), onde se ligam reversivelmente, e bloqueiam a transmissão dos estímulos nocivos até os centros superiores, alterando a percepção da dor e reduzindo também a sensibilização central (LASCELLES, 1999; BISTNER et al., 2002). São utilizados comumente na medicação pré-anestésica e na analgesia trans e pós-operatória (ROBERTSON; TAYLOR, 2004). Os efeitos farmacológicos dos opióides são atribuídos à ativação de receptores localizados na camada superficial (substância gelatinosa) do corno dorsal da medula espinhal (Valadão et al, 2002).Foram descritos primariamente quatro tipos de receptores opióides: (mu ou mi), (kappa), σ (sigma) e (delta), que diferem quanto à localização anatômica, cinética de ligação e principalmente, resposta fisiológica produzida (PAPICH, 1997; PAPICH, 2000). O perfil clínico de um analgésico opióide está intimamente ligado à estrutura química da molécula e às suas propriedades físico-químicas. Estas não afetam somente a interação do opióide como receptor, mas também na farmacocinética da substância e, conseqüentemente, na latência e na duração dos efeitos (MEERT, 2000). A morfina é um opióide que oferece eficiente poder analgésico sendo um agonista opióide, no entanto, sua potência é menor que outros fármacos do mesmo grupo e causa mais efeitos colaterais (DUBAL et al., 2007). O butorfanol, um agonista antagonista, foi descrito como um derivado sintético da morfina sendo de quatro a sete vezes mais potente. É eficaz como suplemento durante a anestesia balanceada e causa menor depressão respiratória do que a morfina. Dubal et al. (2007), citam que a oximorfina é um opióide puro que ocasiona menores efeitos respiratórios e gastrintestinais do que a morfina, mas apresenta como desvantagem ser uma droga de maior custo. Possui duração semelhante à da morfina e é dez vezes mais potente (DUBAL et al., 2007). O tramadol é um opióide agonista parcial usado com sucesso no tratamento da dor no pós-operatório e com poucos efeitos adversos (DUBAL et al., 2007). A buprenorfina é um opióide agonista parcial com potente analgesia e depressão respiratória menor que a possivelmente causada pela morfina (DUBAL et al., 2007). Os adesivos de fentanil são uma opção de analgesia, pois estes apresentam uma liberação prolongada do produto quando aplicados na pele tricotomizada do paciente, atingindo níveis plasmáticos adequados em cerca de 24 horas e durando até 72 horas (DUBAL et al., 2007). Administrar analgésicos opióides na dose apropriada, raramente está associado com efeitos adversos (BROCK, 1995). O aumento significante dos efeitos colaterais, mesmo em animais extremamente doentes, é muito discreto se o fármaco é administrado com o mínimo de conhecimento sobre ele (HANSEN, 1994). Os efeitos adversos que podem ocorrer após a administração dos opióides incluem a sedação, excitação, disforia (alucinação), bradicardia, hipotensão, liberação de histamina e depressão respiratória (HELLYER, 1997; PAPICH, 2000; PASCOE, 1998). Os efeitos gastrointestinais compreendem náusea, vômito, salivação, diminuição na motilidade intestinal e constipação (EVANS, 1992; SACKMAN, 1997). Os gatos são particularmente, propensos a esses efeitos e por esse motivo, deve ser utilizada doses adequadas ou reduzidas (associando-se a tranquilizantes) nesta espécie (PASCOE, 2000, MAMA; STEFFEY, 2007). Se a reação adversa é severa, os opióides ainda apresentam o benefício de poder ter esse efeito revertido rapidamente com a administração de antagonistas puros ou agonistasantagonistas. A escolha entre um antagonista puro e um agonista-antagonista deve levar em consideração se é desejável a completa reversão dos efeitos, ou se é preferível preservar um certo grau de analgesia e sedação o que ocorre na administração do agonista-antagonista (FANTONI, et al., 2000). A reversão ocorre poucos minutos após a administração intravenosa (IV) (GONZAGA, 1998). 2.5.2. Agonistas α2 adrenérgicos Os fármacos α2 agonistas adrenérgicos podem ser utilizados como analgésicos, porque os mesmos ativam receptores 2 adrenérgicos localizados no cérebro e medula espinhal, e essa ativação provoca uma diminuição da liberação dos neurotransmissores nociceptivos (ex.: histamina, prostaglandina, substância P) (ANDRADE, 2008). Esses fármacos provocam além da analgesia um grau de sedação que chega a exceder a duração da ação analgésica (CARROLL, 2005) e por isso apesar de possuir excelente efeito analgésico, os 2 agonistas são mais empregados na medicina veterinária como agente sedativo (LASCELLES, 2002). Os fármacos dessa classe mais utilizados em pequenos animais são a xilazina e a medetomidina (WETMORE; GLOWASKI, 2000), embora existam estudos com a clonidina, romifidina e dexmedetomidina (VILLELA; NASCIMENTO, 2003). A dexmedetomidina é um agonista 2 adrenérgicos bastante seletivo, tem grande ação analgésica e sedativa e vem se apresentando como uma nova opção na anestesiologia veterinária (VILLELA; NASCIMENTO, 2003) podendo ser aplicada como medicação pré-anestésica, por via peridural ou como infusão contínua (UILENREEF et al., 2008) Como pode ocorrer vômito e alterações cardiocirculatórias após sua administração, o uso dos agonistas 2 adrenérgicos pode ser contra-indicado em casos onde o aumento das pressões intra-ocular, intra-craniana, intra-abdominal ou esofágica e em cardiopatas podem ser prejudiciais para o estado de saúde do paciente (KELAWALA et al., 1996, TRANQUILLI et al., 2005). Quando administrados em associação com os opióides, levam a uma intensificação do poder analgésico (TRANQUILLI et al., 2005). Ao ser empregado no período pós-operatório é necessário ter maior cuidado, porque pode ocorrer depressão profunda no sistema cardiopulmonar, e ainda não foram determinadas as doses recomendadas e duração de efeito (CARROLL, 2005). Caso se faça necessário antagonizar os efeitos dos α2 agonistas, podem ser utilizados alfa-antagonistas, como a ioimbina ou atipamezol (CARROLL, 2005). 2.5.3. Anestésicos locais Os anestésicos locais têm a capacidade de impedir a transmissão do impulso nociceptivo ao SNC (FANTONI et al., 2000; TRANQUILLI et al., 2005), impedindo as transmissões nervosas pelo bloqueio dos canais de sódio (WETMORE; GLOWASKI, 2000). Os agentes mais utilizados em pequenos animais são a lidocaína, a bupivacaína e a ropivacaína apresentado os dois últimos um maior tempo de ação (CARROLL, 2005; ANDRADE, 2008a). Dá-se preferência pelos anestésicos locais de longa duração para evitar sucessivas administrações do fármaco, apesar de todos os anestésicos locais serem capazes de proporcionar alívio da dor (BISTNER et al., 2002). Inúmeras técnicas estão disponíveis para administrar os anestésicos locais, entre elas as epidural, infiltração local, bloqueio de plexo, anestesia regional, bloqueio intercostal e intrapleural (CARROLL, 2005) e como eles tem a capacidade de bloquear todas as informações nociceptivas que são transmitidas para o SNC, ocorre uma redução na quantidade de anestésico geral requerido (LASCELLES, 2002; CARROLL, 2005). Quando se deseja aumentar o tempo de ação de um anestésico local, o mesmo pode ser associado a um vasoconstrictor (ex.: adrenalina), pois a vasoconstrição promovida, diminui a absorção do anestésico e, consequentemente, prolonga seu tempo de ação (LASCELLES, 2002; TRANQUILLI et al., 2005), bem como reduz a toxicidade (MASSONE, 2003a). Um detalhe importante em relação aos anestésicos locais é que a administração de dosagens excessivas (ex.: lidocaína: acima de 10 mg/kg para cães e 6 mg/kg para gatos) ou injeções intravasculares acidentais podem levar a quadros de intoxicação, caracterizados por sedação, ataxia, nistagmo, tremores (TRANQUILLI et al., 2005), hipotensão, disritmias (LASCELLES, 2002) e até parada respiratória (MASSONE, 2003a). 2.5.4. Antiinflamatórios não esteróides (AINEs) Essa classe farmacológica pode ser amplamente utilizada no tratamento da dor em cães e gatos, inclusive alguns estudos tem demonstrado que seu uso pode ser mais efetivo do que alguns opióides no combate a dor em determinados procedimentos cirúrgicos (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002), mas assim como existe certa relutância por parte dos médicos veterinários em administrar opióides, muitos também tem a mesma preocupação em relação aos AINEs, especialmente quando se referem aos possíveis efeitos colaterais que esses podem ocasionar no trato gastrintestinal (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Os AINEs são o grupo de fármacos mais utilizados para o tratamento da dor leve a moderada, e, principalmente no manejo da dor crônica (ANDRADE, 2008). Se associados a opióides, podem ser empregados no tratamento da dor severa (FANTONI et al., 2000). São fármacos que atuam bloqueando a enzima cicloxigenase (COX) que transforma o ácido araquidônico em uma série de mediadores inflamatórios (ex. prostaglandinas, tromboxana e prostaciclinas), que levam ao desenvolvimento do processo inflamatório (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Com a inibição das cicloxigenases ocorre uma redução na produção desses mediadores, que são responsáveis pela sensibilização dos nociceptores periféricos (TRANQUILLI et al., 2005). Em 1995, os pesquisadores Vane e Bottingg descobriram a existência de duas COX, a 1 (COX-1) e a 2 (COX-2), apresentando cada uma delas diferentes funções dentro do organismo (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002), mais recentemente foi descoberta a COX-3, a qual consiste numa variante da COX-1 (ANDRADE, 2008). A COX-1 seria responsável pela conversão do ácido araquidônico em algumas substâncias (ex. PGE 2, PGI2, tromboxano) necessárias para o adequado funcionamento de diversos sistemas, visto que as mesmas garantem o suprimento sangüíneo renal ao promover a vasodilatação no local, protegem a mucosa gástrica da ação dos sucos gástricos e estimulam a agregação plaquetária (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002), sendo a segunda isoforma uma enzima preferencialmente induzida e sintetizada pelos macrófagos e células inflamatórias, com efeitos inflamatórios importantes (ANDRADE, 2008b). Diante do exposto, é possível concluir que quando um AINE atua bloqueando a COX-1, diversos efeitos colaterais indesejáveis podem se desenvolver (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Segundo Carvalho et al., (2004) a expressão de uma terceira variante catalítica da COX (COX-3) foi demonstrada em estudos in vitro com linhagens de macrófagos. A singularidade é que a expressão desta variante não originaria prostaglandinas pró-inflamatórias, mas um membro da família das ciclopentanonas, a 15desoxe-12-14 PGJ2, agonista dos receptores ativadores de proliferação do peroxissomo (PPARs), com atividade antiinflamatória. Se a hipótese de uma terceira ciclooxigenase com atividade antiinflamatória estiver correta, a sua expressão pode resultar em períodos típicos de remissão do processo inflamatório, como tem sido constatado em algumas doenças crônicas, como a artrite reumática. A COX-3, possivelmente uma variante da COX-1 (pois é derivada domesmogene dessa isorforma), encontra-se distribuída principalmente no córtex cerebral, medula espinhal e coração, sendo mais sensível ao acetaminofeno (paracetamol) do que a COX-1 e COX-2. Postulou-se que a inibição da COX-3 poderia representar o mecanismo central primário pelo qual as drogas analgésicas e antipiréticas do tipo AINE desenvolveriam suas atividades de redução da dor e da febre. Os AINEs mais atuais são mais seletivos para a COX-2, que acredita-se ser a responsável pela formação das prostaglandinas que atuam como mediadores da inflamação, ao mesmo tempo em que tem pouco efeito sobre a COX-1 (TRANQUILLI et al., 2005) e por serem fármacos mais modernos são analgésicos mais eficazes e causam menos efeitos colaterais (CARROLL, 2005). Dentre os AINES mais utilizados em cães e gatos destacam-se os ácidos propiônicos (carprofeno, cetoprofeno, vedaprofeno), os ácidos aminonicotínicos (flunixina meglumina), pirazolônicos (dipirona, fenilbutazona), oxicans (meloxicam), sulfonalídeos (nimesulida), os coxibes (firocoxibe) e outros de ação mista (paracetamol, benzidamina, glicosamina e sulfato de condroitina e tepoxalina) sendo alguns mais seletivos para COX-2 que outros, ou seja, dotados de menos efeitos colaterais (ANDRADE, 2008b). Devem ser utilizados com cautela em animais com histórico de sangramento gastrintestinal ou nefropatia, ou ainda em pacientes que serão tratados com outros fármacos que reconhecidamente podem afetar as funções desses órgãos (TRANQUILLI et al., 2005). Gatos em geral, estão mais predispostos aos efeitos tóxicos dos AINEs, principalmente quando esses fármacos são administrados por um período mais prolongado (TRANQUILLI et al., 2005). Quando se opta por um tratamento analgésico com um AINEs, outros fármacos (ex.: análogo da prostaglandina – misoprostol; antagonistas de receptores de histamina 2 – ranitidina; inibidores de bomba de prótons - omeprazol) podem ser utilizados visando reduzir seu efeito tóxico sobre o trato gastrintestinal (TRANQUILLI et al., 2005). Alguns AINEs, em especial o ácido acetil salicílico, tem a capacidade de reduzir a função das plaquetas, ocasionando um maior tempo de coagulação e por esse motivo não tem indicação no tratamento da dor ocasionada por procedimentos cirúrgicos (TRANQUILLI et al., 2005). 2.6.QUANDO UTILIZAR ANALGÉSICOS A dor é fundamental para a integridade do indivíduo e a sobrevivência da espécie. É, sobretudo, um mecanismo de proteção do corpo, que é acionado sempre que qualquer tecido estiver sendo lesionado e faz com que o indivíduo reaja para remover o estímulo doloroso (CAMARGO et al., 2007). Embora a inatividade temporária e o comportamento protetor como resposta à dor subaguda possam trazer benefícios, a dor persistente pode levar a um estado de depressão semelhante ao desencadeamento por estímulos estressantes inevitáveis e, por conseqüência, não pode ser considerada uma resposta adaptativa. Por esses motivos faz-se cada vez mais necessário o correto diagnóstico prévio de todo e qualquer processo doloroso ou que culmine em dor e a instituição do tratamento (CAMARGO et al., 2007). Pode-se considerar que um animal, vítima de certas doenças ou submetidos a procedimentos cirúrgicos que são reportados como dolorosos na espécie humana, sinta dor e necessite de analgesia (CLINICAL REPORT, 1996; FANTONI et al., 2000), porque os mecanismos e estruturas anatômicas envolvidas na nocicepção são semelhantes entre seres humanos e animais (TRANQUILLI et al., 2005). Clinicamente, cães e gatos que são submetidos a diversos procedimentos, desde ovariosalpingehisterectomia (OSH) a reparos de fraturas ou toracotomias, ficam muito mais confortáveis e calmos quando algum tipo de analgesia é fornecido (PASCOE, 1992). Reconhecer que algumas doenças ou procedimentos são mais dolorosos do que outros permitem que se tomem cuidados adequados para minimizar a dor e para que a escolha do agente analgésico seja a mais apropriada (HELLYER, 1999). A dor cirúrgica pode ser estimada de acordo com o nível de dor esperada em relação ao procedimento a ser realizado, alterações comportamentais e fisiológicas do paciente, além da observação da resposta obtida com o tratamento instituído, e se ainda assim houver alguma imprecisão de se o animal está sentido dor, recomenda-se que o tratamento deva ser instituído de qualquer maneira (CARROLL, 2005). Quando a dor está ausente, não se faz necessário a utilização de nenhum tipo de analgésico (HELLYER, 1999). Na presença de dor discreta, o uso de AINEs, 2 agonistas, anestésicos locais ou opióides agonistas-antagonistas é eficaz (FANTONI et al., 2000; FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Quando a dor é moderada, os fármacos indicados são os opióides agonistas, opióides agonistas-antagonistas, 2 agonistas ou AINEs. A dor severa só deve ser tratada através do emprego de opióides agonistas (HELLYER, 1999). Se mesmo assim, os sinais de dor permanecerem evidentes, pode-se optar pelo aumento na freqüência de administração ou da dose, além da associação a um AINEs ou anestésico local (FANTONI et al. 2000; FANTONI; MASTROCINQUE, 2002). Um conceito atual de extrema importância relacionado ao fornecimento de analgesia para pequenos animais é o tratamento multimodal da dor. A analgesia balanceada ou multimodal se refere ao uso simultâneo de diferentes fármacos analgésicos (duas ou mais classes) ou técnicas analgésicas, como citado anteriormente, para maximizar o controle da dor com doses mínimas de cada fármaco (FANTONI; MASTROCINQUE, 2002; TRANQUILLI et al., 2005), uma vez que a transmissão da dor envolve muitas vias, mecanismos e sistemas de transmissão e é pouco provável que apenas um tipo de analgésico seja capaz de proporcionar uma analgesia completa independente da dose empregada (LASCELLES, 1999). Quando os analgésicos são administrados simultaneamente, eles vão exercer um efeito sinérgico, e como conseqüência a dose necessária para cada fármaco será reduzida (TRANQUILLI et al., 2005). A duração de um tratamento analgésico vai variar de acordo com o efeito específico do fármaco utilizado, persistência do estímulo nociceptivo e também da reação individual do paciente (COPPENS, 2000), entretanto a observação clínica combinada com as experiências em humanos, sugere que o alívio da dor é necessário por pelo menos 12 a 48 horas após os procedimentos cirúrgicos. Alguns autores citam que o tratamento deve ser mantido por pelo menos três dias (CARROLL, 2005). Caso o tratamento analgésico instituído leve ao desenvolvimento de efeitos colaterais significativos ou então não se observe uma resposta satisfatória, o mesmo deve ser modificado ou interrompido (CARROLL, 2005). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Todos os autores citados corroboram entre si no sentido de que necessário se faz tratar a dor nos animais, não só pelo fato de que há vários agentes para auxiliar, como os opióides, analgésicos, antiinflamatórios, mas porque tornou-se uma questão ética. Também há o consenso de que a percepção da dor em animais é algo difícil, uma vez que eles não verbalizam como os humanos. Lamont (2002), Taylor e Robertson (2004), Fantoni e Mastrocinque (2004), Tranquilli (2009), concordam que a percepção da dor é um processo de transformação de estímulos nociceptivos externos em potenciais de ação que são conduzidos pelas fibras nervosas periféricas para o sistema nervoso central, através dos processos de transdução, transmissão e modulação. Ettinger e Feldman (1997), Hansen (1993), concordam que há dois tipos de fibras para condução dos estímulos dolorosos: as delta A, as quais são classificadas como rápidas, e as C, classificadas como lentas. Sendo que Dubal et al., (2007), descreve ainda a existência de mais uma, a beta A. MOBERG, (1987); SACKMAN, (1991); MALM, (2005), concordam que as respostas do SNA são indicativas de dor e estresse, principalmente quando estão associadas às alterações de comportamento, e que as mensurações das freqüências cardíacas e respiratórias e a secreção de catecolaminas podem utilizadas na avaliação do estresse. Situações estressantes e dolorosas podem alterar a secreção dos hormônios hipofisários que regulam diretamente as funções relacionadas ao bem-estar do animal como reprodução, crescimento e resistência. DUBAL et al., (2007), afirmam que a fisiologia da dor está concentrada no sistema nervoso que se destina a captar estímulos que se convertem em impulsos até o SNC, sendo que o efeito final é a produção de uma resposta comportamental do organismo. Dentro dele a informação transita pelas vias sensitivas que chegam à medula espinhal e há também o córtex sensitivo com grande influência de neurônios do tálamo, sendo o responsável pela percepção consciente da dor e pelo seu comportamento motivacional e afetivo. Mas BISTNER et al., (2002), afirmam que é de grande importância a influência exercida pelas dores no sistema nervoso vegetativo. Assim, a pupila se dilata, aumenta a pressão sanguínea, o pulso aumenta sua freqüência já com estímulos dolorosos de pequena intensidade. Estes agem estimulando quase todos os órgãos inseridos vegetativamente. Rosa; Massone, (2005); Malm et al., (2005); Paddleford (2001) e Cruz (2002), corroboram no que diz respeito à subjetividade da dor em animais, pois atualmente, não há métodos objetivos para a avaliação da intensidade da dor, tanto em pacientes humanos quanto veterinários, sendo em animais ainda mais subjetiva. Desta forma, sua avaliação requer uma observação cuidadosa do paciente. Entretanto, somando-se as respostas comportamentais, hormonais e metabólicas, pode-se obter uma avaliação com maior tendência à realidade e intensidade da dor. Considerando a subjetividade e a dificuldade no reconhecimento da dor em animais, parâmetros comportamentais, fisiológicos e hormonais devem ser analisados em conjunto, resultando em avaliações mais precisas da dor e da recuperação pós-operatória do paciente. Bistner et al., (2002), afirma que há a sensação dolorosa e a dor, e elas são diferentes da dor, pois a sensação dolorosa é a sensação clinicamente mais fácil de comprovar nos animais. Porém, também aqui se deve observar que a sensibilidade varia muito tanto individualmente como em dependência da espécie animal e da idade. As reações aos estímulos dolorosos geralmente são de natureza reflexa. Com o avançar da idade, diminui a sensibilidade devido ao empobrecimento dos sentidos. No que se refere às regiões corporais isoladas, são especialmente sensíveis à dor: os lábios, a parte achatada do focinho do porco, a excrescência da crista, os dedos, o espaço interdigital, a superfície interna da parte superior da coxa, a região perineal e a ventral da cauda. Almeida et al. (2006), Reece (1996) e Dubal et al., (2007), concordam que a dor pode ser classificada quanto à origem, à neurofisiologia, ao período de duração; pode ser visceral e referida; e ainda como discreta, moderada e intensa. Essas classificações podem fornecer ao clínico as informações sobre sua possível origem. Almeida et al. (2006), Reece (1996) e Camargo et al., (2007), estão de acordo em dizer que a dor é uma experiência individual e a falta de sinais claros de dor não significa dizer que o animal não esteja sentindo dor. No dia-a-dia, os veterinários e as pessoas que tomam conta de animais usam observações comportamentais para avaliar o bem-estar daqueles que se encontram sob sua proteção. No que diz respeito aos objetivos do tratamento, Oliveira (2005), Ettinger; Feldman (1997), Taylor (1999), Valadão et al., (2002), Pascoe (1992), Hansen (1994), Coppens (2000), corroboram que as metas terapêuticas, quando necessárias, são duas: proporcionar o alívio da dor e restaurar o funcionamento da parte ou órgão afetado. Além de melhorar a qualidade de vida do animal e ajudar a restaurar as funções fisiológicas. Há vários analgésicos que podem ser empregados nesse sentido: os opióides, agonistas 2 adrenérgicos, anestésicos locais e os AINEs. Hellyer (1999), Fantoni et al., (2000), Fantoni; Mastrocinque (2002), estão de acordo que quando a dor está ausente, não se faz necessário a utilização de nenhum tipo de analgésico. Mas na presença de dor discreta, o uso de AINEs, 2 agonistas, anestésicos locais ou opióides agonistas-antagonistas é eficaz, bem como quando a dor é moderada, os fármacos indicados são os opióides agonistas, opióides agonistas-antagonistas, 2 agonistas ou AINEs. A dor severa só deve ser tratada através do emprego de opióides agonistas. Se mesmo assim, os sinais de dor permanecerem evidentes, pode-se optar pelo aumento na freqüência de administração ou da dose, além da associação a um AINEs ou anestésico local. Há ainda o tratamento multimodal da dor ou analgesia balanceada, quando diferentes analgésicos são administrados simultaneamente, exercendo um efeito sinérgico e conseqüentemente será reduzida a dose de cada fármaco. Isto está em concordância com Fantoni; Mastrocinque (2002), Tranquilli et al. (2005), Lascelles (1999). 4. CONCLUSÃO Os analgésicos são fármacos eficazes e bastante seguros para a prevenção (analgesia preemptiva) e tratamento da dor em pequenos animais e sua utilização só traz benefícios para o estado de saúde e bem estar do paciente, uma vez que a dor causa distúrbios orgânicos, que tem como conseqüência o retardo na recuperação e uma maior taxa de morbidade e mortalidade. REFERÊNCIAS ALMEIDA, C. D. 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