EDUCAÇÃO E PSICOLOGIA PARA UMA GRANDE REFORMA DOS COSTUMES:
UM ESTUDO SOBRE O INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO NO
PRIMEIRO GOVERNO VARGAS*
KARINA PEREIRA PINTO**
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Introdução
Este trabalho é parte de meu projeto de dissertação de mestrado, que está sendo
desenvolvido através de um estudo documental que pretende a análise do porquê da
emergência da psicologia na formação de professores das escolas normais, em especial do
Instituto de Educação do Rio de Janeiro no período de 1930 a 1945. Como fundamentação
teórico-metodológica utilizo uma abordagem sócio-histórica baseada em Michel Foucault,
buscando compreender não exatamente o aparecimento dos saberes psicológicos, mas sua
penetração nos discursos educacionais e no cotidiano das escolas, através dos acontecimentos
externos a estes saberes, isto é, do contexto histórico em que a emergência desses saberes
mostrou-se estratégica.
Segundo Rodrigues (1999), há duas possibilidades de se realizar uma análise dos
conhecimentos: através da epistemologia ou da sócio-história. Utilizarei a abordagem sóciohistórica, que não parte de uma distinção entre ciência, pré-ciência e não-ciência, mas as
engloba em categorias que podem ser chamadas de ideologias ou saberes. Nesta perspectiva, é
necessário diferenciar o que Rodrigues chama de transcendentismos e de imanentismos. No
primeiro, algo já dado transcende as práticas, sendo as ideologias ou saberes derivados de um
lugar que não é aquele onde as práticas se exercem; no imanentismo, “há ausência de tal
derivação, fazendo dos próprios saberes, ao lado das práticas não-discursivas (ações e
subjetivações), produtores de real social” (p. 131). O processo histórico é, portanto,
determinado por suas próprias transformações, por práticas e saberes que remetem a outras
práticas e a outros saberes.
*
Este artigo é parte do projeto de dissertação de mestrado apresentado à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, denominado “O Instituto de Educação do Rio de Janeiro e a grande reforma de costumes:
contribuições para uma história da psicologia”.
**
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ.
1
De forma complementar à caracterização apontada por Rodrigues (1999), Rago
(1995), remetendo-se a Foucault, fala de duas formas de se fazer história: uma, que partiria de
um objeto para buscar os problemas a ele relacionados; e outra, que estaria de acordo com a
abordagem sócio-histórica imanentista descrita por Rodrigues (1999), na qual o problema
seria o ponto de partida, de onde se procura “determinar a partir dele o âmbito do objeto que
[é] necessário percorrer para resolvê-lo” (Rago, 1995, p. 71).
Filiado à escola dos Annales, Foucault defendia uma história-problema, isto é, uma
investigação histórica que desenharia, no próprio desenrolar da pesquisa, o objeto da
investigação. Teria criado uma abertura no campo da produção historiográfica lançando luz
sobre temas que antes nem sequer eram considerados, tais como a sexualidade, a doença, os
micro-poderes, as prisões etc (Vainfas, 1997), criando procedimentos teóricos e
metodológicos capazes de traduzi-los e de pensá-los, como, por exemplo, a noção da
positividade do poder1. É importante ressaltar, no entanto, que, segundo Margareth Rago
(1995), o impacto que Foucault representa na historiografia caracteriza-se muito mais pela
forma como interroga a história do que pelos próprios temas por ele abordados.
Tratava-se, pois, de uma nova maneira de problematizar a história, de pensar o
evento e as categorias através das quais se constrói o discurso do historiador.
Não uma discussão sobre a narrativa propriamente dita, mas sobre as bases
epistemológicas de produção da narrativa enquanto conhecimento histórico. Ao
invés de partir da famosa estrutura social, representada enquanto “realidade
objetiva” tanto para os marxistas quanto para os não-marxistas, para explicar as
práticas políticas, econômicas, sociais, sexuais, artísticas de determinados
grupos sociais, propunha-se, então, pensar como haviam sido instituídas
culturalmente as referências paradigmáticas da modernidade em relação ao
próprio social, à posição dos sujeitos, ao poder e às formas de produção do
conhecimento (Rago, 1995, p. 72 - grifo no original).
1
O poder do qual Foucault fala não está subordinado a instâncias econômicas, não é uma coisa nem é natural,
não se encontra localizado no Estado nem em lugar nenhum, não possui um “titular” e não se sabe ao certo
quem o detém. É uma prática social historicamente construída, e “só existe em ação” (Foucault, 1999, p. 175),
pois é uma relação de forças, uma prática, é algo que se exerce, que funciona. Não age diretamente sobre as
pessoas, mas sobre as ações que as mesmas exercem (Foucault, 1989). Esse poder está situado no corpo social,
penetra na vida cotidiana das pessoas, e possui procedimentos técnicos em um nível de micro-poderes “que
realizam um controle detalhado, minucioso do corpo - gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos”
(Machado, 1999, p. XII). O poder se exerce em diferentes instâncias da rede social e em variados níveis, estando
os micro-poderes ligados ou não ao Estado. Funciona como uma espécie de rede de dispositivos ou mecanismos
dos quais ninguém escapa, pois não há exterior possível a ele - está disseminado por toda estrutura social, se
exercendo como uma multiplicidade de relações de forças. O poder deve ser considerado também por sua
positividade, por sua capacidade de gerir a vida das pessoas produtivamente, de forma a controlá-las,
aperfeiçoando, gradual e continuamente, suas potencialidades, extraindo delas, ao mesmo tempo, uma
rentabilidade econômica máxima, através do aumento da capacidade para o trabalho, e uma força política
mínima, diminuindo a capacidade de revolta (Machado, 1999).
2
Foucault não partia do sujeito ou da sociedade para realizar uma interpretação
histórica, mas sim de um problema, afirmando ser a história nada mais do que um discurso
marcado pela descontinuidade. Ao invés de estabelecer linhas de continuidade entre os fatos,
buscando aplainamentos forçados, Foucault opta justamente por descrever a dispersão
encontrada nos discursos (Rago, 1995), procurando os cortes e os acontecimentos que
promovem inversões de forças, pois a história não é senão um campo de relações de forças.
Em se tratando de um campo de relações de forças, a emergência2 dos acontecimentos
históricos constituem-se a partir da “entrada em cena das forças” (Foucault, 1999, p. 24).
Desta forma, os acontecimentos não podem ser dados como fatos em si, mas devem ser vistos
enquanto algo que emerge em um campo de forças e que assume determinadas configurações,
sendo tomado como um objeto.
Partindo deste princípio, faz-se necessário um estudo do sujeito e de outros objetos
não enquanto dados naturais, mas como objetivações, isto é, objetos que são instituídos a
partir de práticas determinadas. “Os objetos parecem determinar nossa conduta, mas,
primeiramente, nossa prática determina esses objetos” (Veyne, 1982, p. 159). Temos uma
tendência a ver apenas “objetos naturais”, como por exemplo a escola, e dentro da escola uma
criança que apresenta “desvios de comportamento”, quando esses “objetos naturais” são
apenas reificações de práticas bem datadas historicamente, práticas que determinam a
importância e o funcionamento da escola, e a caracterização do que é um comportamento
normal e um desviante. Porém, por serem tão conhecidos, alguns fatos acabam por se tornar
banais. É importante frisar, no entanto, que, apesar de se tornarem banais, tais fatos não
deixam de existir. “O que se deve fazer com fatos banais é descobrir, ou pelo menos tentar
descobrir, quais os problemas específicos e - quem sabe - originais a que eles se referem”
(Foucault, 1989, p. 3). Não se deve, portanto, partir de um objeto para ver suas manifestações
ao longo da história, mas sim buscar compreender como e quando tal objeto emerge como
tema, e mostrar as práticas que o engendram, e não o contrário (Rago, 1995).
Devemos procurar ver como se produzem “efeitos de verdade” nos diversos discursos
pelos quais nos fazem acreditar que existem objetos naturais, que os objetos precedem as
práticas e que existe uma verdade inquestionável. Para Foucault, a verdade não significa algo
2
Ao falar de emergência é preciso entender que não se trata de algo que surge como necessário depois de um
longo período de encubação, como se estivesse preparado antecipadamente apenas esperando o momento para
emergir. Trata-se do momento no qual tais forças, cada qual com seu vigor, “se arriscam e se afrontam, em que
podem triunfar ou ser confiscadas” (Foucault, 1999, p. 32).
3
a se descobrir ou a aceitar, mas uma espécie de conjunto de regras dentro do qual se distingue
“o falso” e “o verdadeiro”. A verdade é deste mundo e desempenha um papel político e
econômico, sendo produzida e apoiada por redes de poder que, ao mesmo tempo, a fazem
produzir efeitos de poder que a reproduzem em um movimento circular (Foucault, 1999).
Seguindo a fundamentação teórica que explicitei brevemente, buscarei compreender
de que forma a emergência dos saberes psicológicos nos discursos educacionais principalmente na formação de professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro encontrava-se atrelada à crescente industrialização e aos projetos de modernização do país,
em especial ao projeto de construção de um novo homem brasileiro, e como estes saberes
estabeleciam-se enquanto dispositivos legitimadores da doutrina política que o governo
Vargas buscava implementar. Para tal, estou realizando uma busca documental
principalmente no arquivo Lourenço Filho do Centro de Documentação e Pesquisa de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC), na Fundação Getúlio Vargas.
A Grande Reforma de Costumes
Pautada em um ideário fortemente impregnado pelo positivismo, a Proclamação da
República (1889) trouxe consigo a marca de que a ordem e o progresso do país seriam
adquiridos através do conhecimento. Grandes temas nacionais são discutidos na busca de uma
solução modernizadora para o país (Ghiraldelli Jr, 1994) e várias críticas contra o novo
regime são feitas, trazendo como pano de fundo um debate fortemente nacionalista. Tal
movimentação intelectual e política seria exacerbada com a Primeira Guerra Mundial (19141918), que traria um surto de nacionalismo e patriotismo, e a derrocada das idéias de
progresso, paz e tranqüilidade tão presentes na belle époque republicana (Lippi Oliveira,
1997; Ghiraldelli Jr, 1994). Várias associações e ligas passam a reunir intelectuais, médicos,
engenheiros, educadores, dentre outros, a fim de trazer à tona discussões acerca da
alfabetização, da saúde e do espírito cívico (Ramos da Silva, 1997).
Neste contexto, uma grande preocupação em torno das questões educacionais pode ser
observada, pretendendo-se assinalar a diferença entre um “passado de trevas” e um “futuro
luminoso” (Carvalho, 1989, p. 23), cabendo à escola a instauração de uma nova ordem. A
educação passa a ser pensada como o principal meio para regenerar a população brasileira.
Alfabetizar deixa de ser suficiente no momento em que se percebem os brasileiros como um
povo doente, indisciplinado, ignorante, preguiçoso, justamente quando o oposto destas
4
características passam a ser tão solicitadas para a modernização do país. Essa péssima
imagem do brasileiro, portanto, passa a ser alvo de investimento, acreditando-se na
possibilidade de regeneração dessa população através da escola (Carvalho, 1989). Assim,
dentro desta política de valorização do homem brasileiro (Ramos da Silva, 1997), a educação
ganha o estatuto de peça fundamental para a produção e integração do país.
A educação do novo homem trabalhador, disciplinado e obediente, porém, não poderia
dar-se através do ensino puro e simples, considerado perigoso, mas sim de uma educação
integral que o ensinasse a saber querer (Carvalho, 1989), isto é, uma educação não apenas
moral, mas também cívica, pois o que estava em questão, e que colocava a escola como peça
chave, era a necessidade de uma grande reforma dos costumes, uma “reforma do espírito
público” (Nunes, 1993, p. 183) que trouxesse mudanças a nível dos costumes urbanos, do
trato com o corpo - instrumento fundamental para o trabalho -, da relação com o uso do tempo
e do espaço, e da convivência social (Nunes, 1993). Acreditava-se que a construção deste
novo homem para o país deveria começar desde a infância, para que crescesse com uma nova
mentalidade, voltada para servir à edificação da Nação brasileira. Para esse objetivo ser
alcançado, os princípios da Escola Nova eram fundamentais.
Desde o final do século XIX observa-se uma preocupação em torno da infância, mas é
a partir dos anos vinte que um grande e crescente investimento sobre as crianças, incluindo as
das camadas populares, pode ser observado em diversos âmbitos da vida social. O discurso
médico penetra nas famílias dando à criança o lugar central, sobre a qual todos deveriam ter
cuidados especiais, culminando com a determinação de mandá-la para a escola (Rago, 1985);
o discurso pedagógico apresenta “uma aposta mais otimista na natureza infantil e na
educabilidade da criança”, deixando gradativamente de lado, e a cabo de outros saberes, a
preocupação com a “anormalidade” (Carvalho, 1997, p. 279/280); e, já no governo de Vargas,
uma política social de saúde voltada para a criança é estruturada, criando vários serviços de
assistência à infância - muitas vezes influenciadas por idéias eugênicas -, principalmente
voltados para a preocupação com a mortalidade infantil, o menor abandonado e a
delinqüência (Fonseca, 1993).
Ainda no início da Primeira República, a infância encontra-se, de certo modo,
apropriada pelo saber médico, que busca redefini-la no interior da família. A criança aos
poucos é separada do mundo dos adultos e colocada como figura central que deveria ter um
espaço próprio, roupas adequadas, alimentação específica, horários e brinquedos especiais,
5
passando a demandar, igualmente, cuidados de especialistas, tais como pediatras, pedagogos e
psicólogos (Rago, 1985). O aumento desses cuidados e sua ampliação para além dos saberes
médicos intensifica-se ao longo da Primeira República, “momento de constituição do
mercado de trabalho livre” (p. 118), quando uma vasta literatura procura dar explicações
acerca de seu desenvolvimento, de suas necessidades, sobre como ela deve ser tratada e
educada. A criança passa a ser alvo de um olhar que a transforma em discurso econômico,
quando é descoberta enquanto um “corpo produtivo e futura riqueza das nações” (p. 121), e
em discurso político, quando esses investimentos recaem em uma tentativa de impedir que
essa criança se torne um delinqüente que traga problemas para a nação. Não é à toa que neste
momento ocorre um aumento das instituições de assistência à infância desamparada.
Às crianças, dois caminhos em instituições eram reservados: as escolas, para onde
iriam aquelas que se adequassem de certa forma as novas regras, e os estabelecimentos em
sistema de internato, para os quais seriam enviadas as desvalidas, sem família, “rebeldes”,
“anormais” etc. Estes estabelecimentos fechados funcionavam, a princípio, sem nenhum
controle de serviços ou verbas. Apenas em 1923 é criado o Juízo de Menores, órgão oficial
que centralizava o atendimento aos menores3 (Bonamigo, 1998). As instituições criadas neste
período tinham finalidades preventivas e profiláticas, sendo consideradas lugares
privilegiados para a “detecção, prevenção e correção de anormalidades infantis e juvenis”
(Patto, 1999, p. 325). Para as crianças “sem rumo”, os adestramentos deveriam ocorrer entre
cercas, isto é, nos espaços disciplinares dos internatos (Rago, 1985).
As escolas, inseridas no outro grupo de estabelecimentos reservado para as crianças,
não as mantinham em sistema de internato, sendo consideradas um meio mais eficaz para a
educação formativa, inclusive como uma proposta de prevenção do crescimento da clientela
dos internatos. Por “não terem” uma família bem constituída, isto é, nos moldes burgueses,
considerava-se que as crianças corriam sérios riscos por possuírem um grande tempo ocioso,
permanecendo durante a maior parte do dia pelas ruas, expostas às más influências. A escola
deveria tornar-se um local atrativo tanto para estas crianças quanto para seus pais. Estes
últimos, muitas vezes contavam com seus filhos para aumentar a renda da casa, daí se precisar
conquistá-los em relação à proposta escolar (Rago, 1985). É dentro desta perspectiva que os
princípios da Escola Nova ganham espaço. A educação repressiva e punitiva é alterada por
3
A designação “menor” é um termo jurídico destinado às crianças abandonadas, estando associado à
marginalidade e à infração (Fonseca, 1993).
6
outra que se sustenta na idéia de prevenção, sendo os castigos corporais substituídos por uma
educação que deveria ser mais convincente, uma educação que incidisse sobre a alma.
Através de uma educação adequada oferecida desde a infância, as crianças estariam
preparando-se para atingir a idade adulta de forma saudável, disciplinada, tendo já
internalizado determinados valores sobre o trabalho, a pátria, a obediência à autoridade,
contribuindo, desta forma, para a manutenção da ordem. Esta educação tinha como eixo
principal a construção de um novo homem brasileiro e “a formação de uma nova figura do
trabalhador, dócil, submisso, mas economicamente produtivo” (Rago, 1985, p. 12). Durante
o Estado Novo esta política do “novo homem” brasileiro continuou sendo valorizada,
acreditando-se na educação para erigir o “homem do presente e do futuro” (Gomes, 1982, p.
158), só que agora através de um governo autoritário e centralizador, e com um grande
investimento em propaganda (Bomeny, 1993).
A psicologia tornava-se um saber necessário nas escolas não só pelos seus estudos
sobre o homem, mas também por conferir à pedagogia um status científico. Segundo Warde
(1997), a psicologia experimental e da criança possibilitaria que a pedagogia se convertesse
em disciplina experimental. Era preciso psicologizar a educação para torná-la científica,
sobretudo através de testes e aparelhos de medida psíquica, que poderiam viabilizar uma
organização escolar mais eficiente com orientação e classificação dos alunos (Patto, 1999).
O caráter científico que a psicologia conferia à pedagogia, porém, é fortemente
marcado pelas idéias evolucionistas, sobre as quais psicólogos europeus e norte americanos
começaram a desenvolver seus estudos sobre criança (Warde, 1997). Sendo cada indivíduo
diferente do outro, caberia à psicologia “descobrir” os mais ou os menos aptos, através da
mensuração de suas “aptidões naturais”, pois acreditava-se na possibilidade de identificar e
promover os mais aptos a partir da aplicação dessas técnicas científicas, gerando, com isso,
uma sociedade mais igualitária (Patto, 1996).
No Brasil estas idéias repercutem com grande intensidade, contribuindo muito para o
ideal de construção de um novo homem brasileiro e abrindo campo para a penetração da
psicologia nas escolas, principalmente através de laboratórios anexos às escolas normais. O
conhecimento científico sobre o homem e, mais especificamente, sobre a criança, transformase em uma exigência para as escolas e para seus professores, gerando uma larga produção de
estudos científicos que deveria ser passada para os alunos das escolas normais, futuros
professores.
7
Desta forma, investiu-se na renovação da formação docente e na elaboração de
manuais escolares mais de acordo com a nova proposta (Nunes, 1993). Os professores, vistos
como “organizadores da alma popular” (Carvalho, 1989, p. 64), deveriam não só reproduzir
os novos preceitos educacionais, como deveriam ser, eles próprios, formados de acordo com
tais preceitos. Nos debates oferecidos pela Associação Brasileira de Educação, uma questão
apresentava-se como central: estabelecer a homogeneidade ideológica na formação dos
professores, de forma que uma única orientação doutrinária se exercesse sobre as escolas
primárias. “O que importava era assegurar que ‘um espírito comum, um estado de ânimo
nacional’ impregnasse, pela ação desses ‘organizadores da alma popular’, o trabalho
escolar” (Carvalho, 1989, p. 64). As escolas primárias eram, portanto, o alvo principal, onde
deveria ocorrer a disciplinarização dos indivíduos, devendo haver, para tal, professores muito
bem preparados para exercer essa função.
O Instituto de Educação do Rio de Janeiro (Distrito Federal), era um dos mais
esmerados exemplos na formação de professores. Foi criado a partir de uma antiga escola
normal, fundada em 1880, que, após várias mudanças, inclusive de endereço, transformou-se
no Instituto de Educação, elevando seu curso para o nível superior no período em que Anísio
Teixeira foi Diretor de Instrução Pública do Estado do Rio de Janeiro. Esta medida foi uma
forma de marcar a separação entre os estudos gerais e os voltados para a prática de ensino,
dando, com isso, maior consistência na formação. Não era mais uma escola normal isolada,
mas sim um complexo educativo que tinha como característica a valorização de seus alunos
desde o processo seletivo, que abrangia, inclusive, o pessoal docente, e pela sistemática
estratificação interna, seja através dos testes de escolaridade, seja pelos testes psicológicos de
inteligência. Enquanto complexo educativo, reunia os mais diversos cursos: um curso geral e
preparatório, uma escola secundária que se equiparava à escola secundária do Colégio Pedro
II, uma escola de professores, incorporada à Universidade do Distrito Federal em 1935, e uma
escola de aplicação. “O Instituto de Educação forma, em trinta, uma elite profissional, bem
dotada intelectualmente que atende às condições de melhorar a qualidade da escola pública
destinada, pela ambição dos reformadores, a todos” (Accácio, 1993, p. 309).
O processo de renovação escolar do Instituto de Educação tinha como um dos pontos
centrais o investimento em uma nova formação de professores e destacava-se pela prática de
pesquisa abundante, trazendo à tona reflexões sobre os costumes sociais trabalhados à luz da
psicologia, da antropologia e da sociologia, que mais tarde seriam refletidos no interior das
escolas primárias. Assim, os futuros professores, com as novas concepções de homem
8
adquiridas através dos estudos de psicologia no Instituto de Educação, encaminhar-se-ão para
as salas de aula com o intuito de educar as crianças a partir dos novos preceitos, produzindo e
reproduzindo o ideal de um novo homem brasileiro - trabalhador, disciplinado, obediente e
politicamente passivo - para além dos muros das escolas.
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