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O QUE É A BIOPOLÍTICA?
PROGRAMAÇÃO
André Dias, António Guerreiro
COLABORAÇÃO
Davide Scarso
19 de Fevereiro
Governo, Alethurgia e Poder Ubuesco
por José Luís Câmara Leme
Nos finais da década de 70 do século passado, a propósito da história da governamentalidade no Ocidente, Michel Foucault
insistiu na ideia de que o mundo ocidental
estava a atravessar uma crise de governamentalidade e que essa crise se assemelhava, com as devidas reservas, no seu
alcance e intensidade, com a crise vivida
nas sociedades ocidentais nos séculos xv
e xvi a propósito da reorganização das
formas de governo.
O meu propósito é abordar a actual
crise de governamentalidade a partir da
tese formulada por Foucault a propósito
das cinco formas de governar pela verdade
que atravessam as sociedades ocidentais
desde o século xvii até aos nossos dias.
Em 1980, primeiro no colégio de
França, no curso O Governo dos Vivos, e
depois em Lovaina, num ciclo de conferências, Foucault introduziu e explanou
um novo conceito, o de alethurgia. O termo
foi forjado a partir do adjectivo grego que
qualifica o sujeito que diz a verdade, que
é verídico. Assim, o barbarismo leva-o
a fazer o seguinte jogo de palavras: da
mesma forma que, no grego, o termo
hegemonia significa o exercício do poder,
o encontrar-se à cabeça dos outros, o
comandá-los, a alethurgia é o conjunto
de procedimentos (verbais ou não) que
trazem à luz a verdade e que manifestam
deste modo o esplendor e a legitimidade da
hegemonia.
Alethurgia significa então “a manifestação da verdade correlativa ao exercício
do poder”. Com este conceito, Foucault
procurou mostrar que os jogos de verdade
correlativos ao exercício do poder não
relevam apenas de um benefício cognitivo.
Sem prejuízo para a sua utilidade, pois não
é possível governar sem se conhecer minimamente a ordem das coisas e a conduta
dos homens, há, no entanto, uma manifestação da verdade que ultrapassa largamente
essa economia de conhecimentos. Trata-se
de um ritual, de uma despesa sumptuária,
mas também de um domínio em que se
trava o exercício do poder; ou seja, quem
governa tem que ter mais do que a verdade
do seu lado, tem que inscrever os seus actos
numa ordem, que o eleva acima do arbítrio,
e assim o legitima. Desnecessário será
insistir que estes jogos não comprometem
forçosamente a positividade dos conhecimentos, ou seja, se por um lado estes têm
índices de verdade diferentes, por outro
não devem ser reduzidos a um mero epifenómeno ideológico.
José Luís Câmara Leme é Professor
Auxiliar no Departamento de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Nova de
Lisboa. Tem artigos publicados em revistas
especializadas sobre Michel Foucault,
Hannah Arendt e Friedrich Nietzsche.
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