A DEFICIÊNCIA EM DISCUSSÃO: UMA ANÁLISE DE TEXTOS JORNALÍSTICOS DE GRANDE CIRCULAÇÃO NO RIO DE JANEIRO1 Bruna Grasiela Lopes da Silva de Carvalho2 Jéssica Sarubi de Moura Joice dos Santos Cipriano Luciana Costa da Silva Matta Vanessa Monteiro Castro VivianSouza dos Santos INTRODUÇÃO Os meios de comunicação de massa desempenham o papel de divulgar informações para um grande número de pessoas rapidamente, essas informações podem ser úteis e importantes para a população ou informações que influenciem na formação de opinião dos indivíduos inseridos na sociedade, manipulando e alienando. Os meios de comunicação de massa têm grande responsabilidade na construção do senso comum, vivemos numa sociedade alienada que aceita as informações veiculadas pela mídia sem contestação como verdade absoluta, formando assim um consenso dominante a fim da preservação da hegemonia da classe dominante. Somos também a sociedade do consumo, por isso os meios de comunicação de massa também são utilizados para induzir o consumo de certos produtos e ditar certos comportamentos. Eles acabam sendo utilizados como uma forma de coerção, impedindo que o indivíduo construa uma opinião crítica, pois as informações veiculadas são manipuladas e não permitem uma visão ampla nem condições para um diálogo, como enfatiza Pontes (2002, p. 45-46): Nesse nível, é emergente que se crie um novo sistema de propriedade que rompa monopólios, fazendo com que o conteúdo da comunicação vislumbre o bem comum, o acesso as fontes de informação de forma crítica e dinâmica, minimizando, desse, modo o poder coercitivo relegado à comunicação de massa. Segundo Pontes (2002), os elementos necessários para que exista uma comunicação são um emissor de uma mensagem, um canal de comunicação e um receptor da mensagem que a interpreta e estabelece certo grau de diálogo. Por tanto, os meios de comunicação de massa não devem ser utilizados para alienar a população e sim criar um diálogo com a população, na busca de uma sociedade verdadeiramente democrática e com igualdade de direitos. 1 2 Trabalho realizado na disciplina optativa na área de Educação Especial. Todos os autores são discentes do Curso de Pedagogia. 1 O jornal é um meio de comunicação de massa impresso que possui uma linguagem específica e que publica notícias e opiniões que abragem os mais diversos interesses sociais. Sua periodicidade geralmente é diária, mas existem jornais semanais, quinzenais ou mensais. O jornal surgiu para servir aos interesses da burguesia, divulgando sua ideologia nas esferas política, social, econômica e cultural. Com o avanço das tecnologias de informação, também temos o jornal on line que é um modo de veicular na internet as mesmas informações do jornal impresso só que atinge as pessoas com maior rapidez, pois possui uma atualização quase em tempo real da notícia. A mídia vai influenciar a população através dos meios de comunicação, dentre os quais encontra-se o jornal, sobre que assuntos discutir e que assuntos ignorar, se levarmos em consideração que quase sempre discutimos com outras pessoas sobre as notícias veiculadas na mídia. Essas notícias geram um debate na sociedade, enquanto outras notícias as quais não são dadas destaque, são ignoradas. Dessa forma, vão se formando os discursos do senso comum, quando na verdade o papel da mídia deveria ser a descentralização das informações para uma maior compreensão das significações nelas existentes, promovendo uma reflexão sobre todos os sistemas sociais, inclusive a educação. Um assunto que vem se destacando no âmbito das políticas educacionais é a educação inclusiva que consiste no processo de inclusão dos portadores de necessidades especiais/ portadores de deficiência3 ou de distúrbios de aprendizagem na rede comum de ensino em todos os níveis. Contudo, esse assunto não é destacado na mídia por se tratar de uma parcela da população marginalizada, sem interesse para a classe dominante que determina e manipula as informações veiculadas pela mídia. OBJETIVOS Pretendemos com este trabalho, refletir sobre como tem sido retratada as questões relacionadas aos portadores de necessidades especiais/ portadores de deficiência através dos discursos jornalísticos, além de refletir sobre os conceitos repetidos pela mídia mesmo que indiretamente. Desnaturalizando o processo de produção do discurso jornalístico em relação à forma como retrata os portadores de 3 Distinção criada em 1994 pela Secretaria de Educação Especial – SEESP/MEC. Pessoa Portadora de Necessidades Especiais são pessoas que devido ao seu tipo de deficiência necessita de recursos especializados para desenvolver mais plenamente o seu potencial. Pessoa Portadora de Deficiência é a pessoa que devido a seu tipo de deficiência possui dificuldades em sua interação com o meio físico e social. 2 necessidades especiais/ portadores de deficiência questionando se esse retratar reforça a marginalização dessas pessoas, inclusive no que diz respeito o acesso à educação. PROCEDIMENTOS Para tal, foi realizada uma pesquisa nos jornais on line de grande porte, eles possuem pesquisa por palavra-chave, listando a partir daí todos os textos jornalísticos que já foram publicadas com aquela palavra em ordem cronológica, isso facilitou muito a coleta de dados. Numa simulação prévia, encontramos no jornal O Globo Online, 51 textos jornalísticos sobre deficiência publicadas do ano 2000 em diante, porém após análise desses textos jornalísticos, selecionamos 11 textos sobre os quais desenvolvemos uma reflexão a cerca de como os jornais retratam os portadores de necessidades especiais/ portadores de deficiência sobre diferentes aspectos. Podemos dividir as reportagens encontradas nos seguintes eixos temáticos: formação de professores para trabalhar com educação especial; relação de portadores de necessidades especiais entre si e com os outros; trabalho e deficiência mental; legislação e direitos. TEXTOS JORNALÍSTICOS A matéria “Justiça inocenta mãe que matou filha deficiente” publicada no jornal O Globo Online no dia 10 de abril de 2008 às 12h30min, nos remete a uma questão de grande polêmica e difícil posição. Ela retrata o caso de uma mãe que sofria a anos diante da gravidade do problema da filha, deficiência mental ocasionada por Meningite ao nascer. Anne Marie (filha) sofria há anos com fortes dores de cabeça, vômitos e crises de epilepsia. Sua mãe procurou por atendimento médico especializado, mas como é de conhecimento de todos, o acesso aos serviços de saúde que já é difícil para a população dita normal, é ainda pior para as pessoas portadoras de necessidades especiais, os atendimentos são poucos e muitas vezes em lugares distantes da população carente. Essa é a realidade não apenas do Brasil, mas como é denunciado na reportagem acontece em outros países, neste caso na França. Na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (Resolução aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 09/12/1975) afirma em seu 6° 3 parágrafo que: “As pessoas deficientes tem o direito a atendimento médico, psicológico e funcional...”, direito este que como podemos constatar na matéria em questão foi violado levando a mãe de Anne Marie a uma reação drástica diante do desespero. A polêmica envolve também outras questões como até que ponto podemos interferir pensando em ajudar? Lydie Debaine foi levada pelo sentimento de aflição e matou sua filha. O jornal trata a polêmica fazendo-nos concluir que sua posição é favorável à atitude da mãe, pois relata apenas a sensibilização do Júri Popular do Tribunal, a decisão judicial. Mas não descreve nenhuma opinião contrária a ação de Lydie Debaine. Quanto ao jornalista, escritor da reportagem, podemos dizer que ele teve uma conduta antiética, pois a mídia tem grande poder de influenciar a sociedade em geral, ele deveria mostrar-se neutro ao relatar o caso, apresentando mais de um ponto de vista. Esse tipo de reportagem deixa margem para que o leitor interprete que pode fazer o mesmo em casos parecidos ou até menos graves, resolvendo por fim a vida dos cidadãos afligidos por doenças, principalmente no caso dos portadores de necessidades especiais, que já sofrem grande preconceito na sociedade. A mídia não pode alimentar a falta de respeito aos direitos humanos, quando se trata de portadores de deficiência mental que já sofrem diversos preconceitos. Será que a população é capaz de julgar quando temos o direito de tirar a vida e até mesmo se temos esse direito? Não estamos defendendo nenhum tipo de visão relacionada ao caso, porém a questão por nós levantada é o fato de os meios de comunicação terem o dever de manterem-se neutros, podendo ao contrário, influenciar o pensamento social contribuindo para o aumento do preconceito contra o portador de necessidades especiais. A reportagem publicada no jornal O Globo Online em 16 de outubro de 2008 às 16h21min com o título “Bancos, governos e MP assinam acordo para melhorar atendimento a deficientes” relata um acordo assinado entre a Federação Brasileira dos Bancos e a Secretaria Especial de Direitos Humanos da República que promove o direito dos deficientes ao acesso a agências bancárias. As agências bancárias sofrerão algumas modificações em suas estruturas como rampas de acesso e elevadores. Todas as modificações previstas no documento garantem uma acessibilidade adequada e um ajuste de tratamento diferenciado para os deficientes. Neste acordo estão envolvidos bancos públicos e privados, as mudanças serão fiscalizadas pelo Ministério Público que também se comprometeu participando da 4 assinatura do termo. Além de deficientes físicos, serão contemplados por esse documento os deficientes auditivos, visuais e mentais. Que contaram com auxílios de funcionários especializados e capacitados, cada agência no mínimo terá que obter um funcionário treinado em LIBRAS. Será obrigatório, por exemplo, oferecer aos deficientes visuais o extrato mensal de conta corrente em braile e a leitura em voz alta ou por meio eletrônico do inteiro teor de contratos. O descumprimento das normas acarretará em multa de R$ 5 mil por dia de atraso ou por cliente não atendido adequadamente. Ao lermos essa reportagem nos perguntamos quando veremos as leis criadas pelo governo sendo postas em prática, com a mídia dando grande ênfase a lei, trabalhando na sua divulgação ampla, bem como numa conscientização das pessoas portadoras de necessidades especiais em exigir seus direitos. A busca por mecanismos que atuem na diminuição da exclusão e discriminação social se arrasta desde final da década de 1980, quando surge então, a constituição federal de 88, que rumo a um horizonte baseado na democracia garante direitos a todo o cidadão. O sujeito com deficiência, tal como na mídia, textos jornalísticos e outras fontes de pesquisas, antes de ser reconhecido como um cidadão é reconhecido como aquele “incapaz de...” mesmo que implicitamente a discriminação a este sujeito é atual e seriíssima. Após anos de lutas e movimentos não é raro encontrarmos relatos de exclusão dessa parcela da população. Mesmo com todas as leis que os amparam e garantem seus direitos assistencialistas, educação, saúde, acesso, trabalho e integração. Com este acordo assinado no fim de 2008, as agências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal em todo o país deverão se adequar para garantir o acesso e o atendimento prioritário aos portadores de deficiência física, visual, auditiva e mental, além de pessoas com dificuldade de locomoção. A reportagem data exatamente 20 anos desde a elaboração da constituição que em seu texto já determinava que: Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme disposto no art. 227, § 2.º. Nossa constituição é uma das mais elaboradas e somente ela seria essencial se não fosse as entre linhas que levam sempre a argumentações. 5 Analisando ainda outra reportagem que destaca leis criadas por vereadores do município do Rio de Janeiro e que foram julgadas inconstitucionais publicada no Jornal O Globo Online no dia 31 de agosto de 2008 às 17h29min, podemos constatar que dos 197 projetos de leis listados 9 são em prol dos portadores de necessidades especiais. Não precisamos de mais leis, nem decretos, necessitamos de ações que articuladas com nossa realidade atenda de fato os portadores de deficiência. O jornal como um meio de comunicação de massa seria grande aliado na divulgação de projetos, pesquisas e informação à sociedade ainda tão exclusivista. Tendo em vista seu papel de formação de opinião e propagação do senso comum. Porém seu lado elitista ignora de fato a inclusão social. Promovendo com mais freqüência a idéia de uma minoria da população a margem da sociedade. Para encerrarmos este bloco de matérias publicadas, abordando o tema “Legislação e Direitos”, discutiremos a cerca de uma reportagem onde a imprensa escrita está cumprindo seu papel, contribuindo com a população quando divulga o direito das pessoas. A reportagem alerta aos portadores de doenças crônicas e deficiências física, mental, visual, auditiva, entre outras, que eles já podem entrar em contato com a Rio Card, por telefone, para verificar se o cartão eletrônico que dá direito a gratuidade nos ônibus intermunicipais já está no posto onde a solicitação foi feita. Explicando quem tem direito ao benefício, divulgando datas, telefones e endereços necessários para que estas pessoas se informem a respeito do seu direito. Embora no caso dos portadores de necessidades especiais, haja um limite no direito, só podem realizar 60 viagens mensais em cada tipo de transporte, enquanto o idoso não tem limite, podemos então ver mais uma vez explicitado o preconceito, onde as pessoas portadoras de necessidades especiais são vistas como menores e até mesmo menos humanas. Na pós-modernidade, o mundo está cada vez mais globalizado, onde as informações chegam aos lugares mais distantes. Os meios de comunicação devem desempenhar uma função social, formando consciência crítica, pois exerce influência na formação das pessoas. Entretanto, os meios de comunicação tem desempenhado o papel de manutenção de uma consciência coletiva, obedecendo a uma posição política ideológica ou o agente econômico. O leitor precisa então, estar atento as informações e avaliar a notícia no contexto. O profissional da comunicação detém uma grande responsabilidade no exercício da sua função, ele precisa ter o conhecimento jornalístico, conhecer o mínimo do fato 6 abordado, precisa adotar alguns cuidados e atenção, cumprindo seu papel na defesa dos direitos de todas as pessoas. Generalizar e estereotipar as pessoas que possuem uma deficiência é a demonstração da ausência do conhecimento, respeito e atenção que todos nós merecemos enquanto seres humanos. A reportagem “Professores recebem curso para atender alunos com necessidades especiais” foi publicada pelo O Globo Online em 03 de março de 2008 às 19h13min, ela relata um treinamento oferecido aos professores de todo país que acontecerá em Brasília e será oferecido por especialistas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do grupo de pesquisa sobre educação especial da Universidade de Campinas. Este curso tem por objetivo treinar professores no atendimento de alunos portadores de necessidades educacionais especiais e que esses professores sejam multiplicadores, tornando-se tutores e oferecendo treinamento a outros professores em seu município e docentes de municípios vizinhos, sendo coordenados a distância pela UFC. Essa iniciativa do governo faz parte da Política Nacional de Educação Especial e da Política de Inclusão nos Sistemas de Ensino do Ministério da Educação, onde os alunos com necessidades educacionais especiais devem ser escolarizados na escola regular e para isso o governo oferece treinamento aos docentes visando garantir a participação e a aprendizagem desses alunos. Porém essas ações que tem por objetivo divulgar as políticas de inclusão, mas têm sido pouco eficientes no que diz respeito à prática, o que temos na realidade são grandes projetos de inclusão que não funcionam quando chegam à sala de aula. Os treinamentos não chegam a todos ou quando chegam não são suficientes para preparar os professores para receber os alunos com necessidades educacionais especiais. Tomando como exemplo a rede de escolas técnicas estaduais do Rio de Janeiro, encontramos um Programa de Inclusão que na prática oferece curso de LIBRAS aos professores e construiu uma rampa de acesso para cadeirantes em cada escola, nada mais. Porém todo tipo de aluno com necessidades educacionais especiais tem chegado às escolas e os professores têm que por si só encontrar alternativas, ou acabam excluindo o aluno por não saber o que fazer. Existem portadores de diversas doenças que precisam ser escolarizados e cada uma delas demanda uma preparação específica, o curso de LIBRAS contempla apenas os portadores de deficiência auditiva. Os meios de comunicação de massa devem além de divulgar as iniciativas do governo, mostrar como tem sido na prática as propostas pedagógicas voltadas para 7 alunos com deficiência auditiva, mental, física e visual. Somente dessa forma, a população poderá formar uma opinião crítica sobre as Políticas de Inclusão. De todas as reportagens selecionadas que abordavam a questão da deficiência, somente uma abordou o trabalho, divulgando oportunidade de emprego para pessoas portadoras de necessidades especiais como portador de deficiência mental leve, baixa visão, auditiva ou físico de menor comprometimento. A Secretaria Estadual de Trabalho e Renda, por meio do Balcão de Empregos para Deficientes (BED), em parceria com o McDonald’s, ofereceu cem vagas para pessoas portadoras de necessidades especiais, em filiais da lanchonete localizadas nos municípios do Rio de Janeiro, Macaé, Petrópolis, Teresópolis, Resende e Cabo Frio. As vagas eram para o cargo de atendente e para candidatos entre 16 e 35 anos, alfabetizados. A reportagem divulgava o telefone para obter os endereços das agências estaduais de Trabalho e Renda que oferecem o serviço do BED e quais os documentos os candidatos deveriam levar, entre os documentos exigidos normalmente, também era necessário laudo médico. É uma pena que não existam muitas oportunidades de emprego para as pessoas portadoras de necessidades especiais, embora saibamos que a crise do desemprego atinge a toda população, acreditamos que as vagas oferecidas aos portadores de necessidades especiais deveriam aumentar, pois essas pessoas representam uma grande parcela da população. A Portaria 604 do Ministério do Trabalho e Emprego de 01 de junho de 2000 que institui os Núcleos de Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Combate à Discriminação diz Instituir, no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho, os Núcleos de Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Combate à Discriminação, encarregados de coordenar ações de combate à discriminação em matéria de emprego e profissão, manter cadastro, através de banco de dados, da oferta e demanda de emprego para portadores de deficiência, com vistas ao atendimento da cota legal nas empresas, e acolher denúncias de práticas discriminatórias no trabalho, buscando solucioná-las de acordo com os dispositivos legais e, quando for o caso, encaminhá-las ao Ministério Público do Trabalho. São grandes as dificuldades com que as pessoas com deficiência se depara nesta área, atendendo ao grande número de jovens que almejam ao seu primeiro emprego, e a elevada taxa de desemprego existente. No entanto, uma série de medidas legislativas tem avançado, no sentido de facilitar o emprego e incentivar as entidades patronais a admitir pessoas com necessidades especiais no seu quadro de funcionários. 8 A igualdade, no ordenamento constitucional brasileiro, não é apenas um direito fundamental, mas também um crédito orientador na aplicação dos direitos fundamentais. Ao observar a reserva de um percentual de vagas nos serviços públicos e privados aos portadores de deficiência e a obrigação de contratá-los e não violar o princípio de igualdade. A Constituição Federal dispensou proteção especial ao acesso das pessoas portadoras de deficiência ao mercado de trabalho, tanto em âmbito público como em nível de iniciativa privada. Conforme reza o artigo 7.º, XXXI, in verbis: Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social; (...) XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; As concepções que são construídas sobre um indivíduo podem atuar como fatores determinantes para o delineamento das ações que serão dispensadas a ele. Assim, o modo como os empregadores vão interpretar a deficiência irá determinar o foco da sua atenção em relação ao tipo de trabalho que vai ser proporcionado ao seu portador. Lamentavelmente, ainda se observam aspectos de descréditos em relação à real capacidade das pessoas portadoras de necessidades especiais para o trabalho. Relacionar-se com outras pessoas é sempre complicado, pois somos diferentes um do outro, com visões de mundo diferentes, e em se tratando de pessoas portadoras de doença mental não seria diferente, aliás, as diferenças ficam ainda mais acentuadas e difíceis de lidar para a maioria das pessoas da nossa sociedade. Iniciamos a discussão do eixo em que abordaremos as relações e relacionamentos dos portadores de necessidades especiais entre si e com os outros, dito normais, analisando duas reportagens que narram duas histórias sobre um mesmo casal, ela tem com síndrome de Down e ele tem atraso mental. A reportagem de Jussara Soares do Diário de São Paulo e publicada pelo Jornal O Globo Online em 13 de junho de 2008 às 08h34min narra a luta de Maria Gabriela Andrade Damate, de 27 anos, portadora de síndrome de Down, e de Fábio Marcheti de Moraes, de 28 anos, que possui um atraso mental, para registrar a filha Valentina. Ela teve a certidão de nascimento negada porque o pai não conseguia declarar a paternidade. Neste caso, ela deveria ser registrada apenas no nome de Maria Gabriela, o que não foi aceito pela família dela. 9 Após dois meses e três semanas do nascimento, o bebê Valentina foi finalmente registrado no cartório da cidade de Socorro, a 135 quilômetros da capital. A emissão da certidão de nascimento foi determinada, pela juíza Érica Brandão, da 2ª Vara Cível do município. Diante da juíza e do promotor Elias Francisco Chaib, mesmo com dificuldade, Fábio conseguiu declarar que era o pai de Valentina e namorado de Gabriela. E fez questão de enfatizar sua participação para a concepção da filha, dizendo que os dois mantinham relações sexuais todos os dias quando o perguntaram se ele mantinha relação sexual com Maria Gabriela. Com a certidão da filha em mãos, Fábio era só felicidade, se dizendo agora pai de fato. Maria Gabriela conta com sua mãe para cuidar de Valentina, a avó de Valentina disse que sua filha é uma mãe muito dedicada e espera que sua neta que nunca mais seja vítima de preconceito, pois irá educar Valentina para que ela tenha orgulho dos pais. Ao se deparar com tal realidade, faz-se necessário a reflexão acerca desses acontecimentos e suas respectivas causas, ou seja, até que ponto vai à acessibilidade do portador de deficiência mental aos serviços do Estado? Será que embutido nessa negação de serviço está o preconceito? Qual é a postura e o posicionamento do Estado frente a tais fatos, haja vista que as necessidades dos portadores de necessidades especiais não lhe são nenhuma novidade? O fato de um homem portador de um retardo mental não ser considerado apto para a paternidade não pode interferir na condição de uma criança ser ou não ser registrada e ser considerada uma cidadã. O Estado, como estrutura ciente de tais condições de determinados cidadãos que integram a sociedade, deveria assegurar direitos e respeitar as limitações de cada indivíduo. Mesmo que tal pai não atendesse a tais demandas, não significa que o mesmo não se reconheça como progenitor de tal criança. As condições e limitações de cada ser humano devem ser respeitadas, pois a sociedade é constituída de forma heterogênea. Ou seja, apesar de sermos todos “iguais” perante a lei, deve ser considerado o fato de cada indivíduo ser portador de determinadas necessidades que precisam ser atendidas para que haja a promoção de um bem-estar social. A segunda reportagem sobre o casal, Maria Gabriela e Fabio, tem a seguinte manchete: Casal especial vive final feliz no altar da Igreja Matriz de Socorro. No dia 20 de março de 2009, foi publicada a notícia que eles haviam se casado no dia anterior. A união foi duplamente comemorada não só porque a união de portadores de 10 necessidades especiais é rara, mas, sobretudo, porque a data comemora o aniversário de um ano de Valentina, a filha do casal, que não tem nenhum tipo de deficiência. A menina, no colo da avó, levou as alianças dos pais. Não devemos esquecer que todos são iguais perante a lei, por isso todos temos direito em sonhar com um casamento, é muito importante a divulgação de histórias como a do casal supracitado, essa exposição na mídia faz com que outras pessoas portadoras de necessidades especiais lutem por seus direitos. Por mais difícil que possa ser, essas pessoas precisam cobrar do Estado que de fato sejam tratadas com igualdade e cidadania. A matéria “Trocadora despreparada e constrangimento em ônibus da linha 484” é um depoimento enviando ao jornal por uma portadora de deficiência física e que possui o Rio Card Especial. Ela escreve seu depoimento após pela terceira vez na mesma linha (484 - Bonsucesso - Copacabana), ao utilizar o cartão, antes de liberar a roleta, a cobradora questioná-la sobre qual doença tinha para ter direito ao transporte gratuito. Como sua deficiência é no braço, ela disse "deficiente" e mostrou o membro torto, obviamente na frente de todos os outros passageiros, gerando um grande constrangimento. Somente então a trocadora liberou a roleta para que pudesse passar. Isso é constrangimento ilegal, passível de processo nas varas civis, os trocadores são treinados a nunca perguntar o motivo da concessão do Rio Card Especial, em caso de desconfiança quanto à legitimidade do passe, o correto é pedir o RG para confirmar. Este benefício estende-se a diversos tipos de deficiências, algumas não possíveis de comprovar somente ao olhar como uma pessoa sem o fígado ou o portador de HIV. Imagine o portador de HIV ser obrigado a comunicar ao cobrador o motivo de ter direito à gratuidade, sujeitando-se ao preconceito dos demais passageiros? A portadora de deficiência física que enviou essa matéria ao jornal terminou pedindo que os funcionários da empresa de ônibus em questão passem por treinamentos e pedindo aos órgãos fiscalizadores que tomem as providências cabíveis. A Constituição Estadual do Rio de Janeiro estabelece com clareza as normas regionais pertinentes à acessibilidade. Neste sentido, podemos constatar: VI - garantir às pessoas portadoras de deficiência física, pela forma que a lei estabelecer, a adoção de mecanismos capazes de assegurar o livre acesso aos veículos de transporte coletivo, bem assim, aos cinemas, teatros e demais casas de espetáculos públicos; (...) 11 X - conceder gratuidade nos transportes coletivos de empresas públicas estaduais para as pessoas portadoras de deficiência, com reconhecida dificuldade de locomoção, e seu acompanhante; A pessoa portadora de qualquer deficiência deve ser tratada com a mesma dignidade que os outros passageiros, ela tem direto a utilizar o serviço de transporte público tanto quanto qualquer um e não deve abrir mão do seu direito. A reportagem a seguir foi destacada como bizarra, pois trata-se de um casal britânico que deseja plástica para filha com Down. Os pais da menina de dois anos que tem síndrome de Down querem submeter a filha a uma cirurgia plástica para ajudar a criança a "sentir-se mais aceita pela sociedade" e "aumentar sua auto-estima", diz uma reportagem publicada no jornal britânico Daily Mail. Ophelia é filha de um renomado cirurgião plástico britânico, Lawrence Kirwan, e de sua esposa Chelsea, que já se submeteu a mais de dez cirurgias plásticas. De acordo com eles, a decisão sobre o procedimento cirúrgico de correção das deficiências físicas causadas pela síndrome será tomada se, ao atingir os 18 anos, a menina for tratada de maneira injusta por causa de sua aparência. "Não é certo que a Ophelia e outras crianças como ela sejam julgadas pela aparência - especialmente se, ao tentarem conseguir um trabalho que poderiam fazer, elas forem rejeitadas. É uma questão de auto-estima: se você não está feliz consigo mesmo, por que não mudar alguma coisa? Tudo o que queremos é que Ophelia seja feliz", disse o pai ao jornal. Este não é o primeiro caso sobre cirurgia plástica em crianças com síndrome de Down a chamar a atenção da imprensa britânica. Em 1998, a história da menina Georgia Bussey, que aos cinco anos já havia sofrido três cirurgias plásticas, gerou polêmica depois da exibição de um documentário na televisão britânica. Os pais de Georgia, Kim e David Gallagher, também afirmaram que "só queriam o bem para a filha" ao decidir submeter à criança às cirurgias. A primeira encurtou a língua da menina para que ela parasse de aparecer para fora da boca, a segunda removeu uma porção de pele das pálpebras para evitar a aparência associada à Síndrome e a terceira fixou suas orelhas para trás evitando que aparecessem demais. A Associação de Síndrome de Down do Reino Unido questiona a vontade dos pais em submeter os filhos ao procedimento cirúrgico, "com todo o desconforto e riscos que a cirurgia envolve". "Esconder a deficiência de uma criança pode confundir não apenas a sociedade, mas a própria criança", "A sociedade precisa aprender a aceitar as 12 pessoas com a Síndrome de Down pelo que elas são", afirmou um porta-voz da instituição. Esta afirmação nos fez pensar se os pais querem aliviar o preconceito da sociedade para com seus filhos ou será que eles próprios não conseguem lidar com o fato de seus filhos serem portadores dessa Síndrome? O preconceito está também nos pais? A síndrome de Down causa deficiência mental, além de estar associada a outras condições como doenças cardíacas, leucemia e mal de Alzheimer em crianças. Ela ocorre quando uma criança possui três cópias do cromossomo 21, em vez das duas normais. As estatísticas sobre a incidência da síndrome de Down são nebulosas no Brasil, mas segundo uma estimativa com base no censo de 2000, do IBGE, há cerca de 300 mil portadores da síndrome no país. Não podemos fechar os olhos para 300 mil pessoas, não podemos fingir que não existem, como sugerem os pais ao desejar que sua aparência seja modificada através de cirurgia plástica. É preciso encarar o problema e lutar para que essas pessoas tenham uma vida digna e seus direitos respeitados. Dentre esses direitos, podemos incluir também o direito de se submeter a uma plástica, se o próprio quiser e não pais submetendo filhos a esses procedimentos cirúrgicos que oferecem riscos as suas vidas. Em suma, os discursos jornalísticos a cerca dos portadores de necessidades especiais não conseguem manter um caráter neutro, visando sempre formar uma opinião crítica. Na realidade, a mídia contribui muito pouco para uma cultura antidiscriminatória, ela forma modelos e estereótipos a serem seguidos pela sociedade, marginalizando quem não se encaixa nos padrões. A equidade social pautada na participação de todos a partir de uma sociedade inclusiva é constante foco de grandes debates, gerando discussões a seu respeito e uma infinidade de opiniões diversas a cerca do tema. Toda a sociedade deve fazer parte desse debate e a mídia tem muito a contribuir se exercer seu papel de multiplicadora das informações de forma dinâmica e crítica, sem manipular as informações em prol da manutenção da hegemonia da classe dominante. 13 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CARLI, Ruvana de. Deficiente versus Pessoa Portadora de Deficiência: uma análise discursiva dos jornais Zero Hora e Correio do Povo. Em Questão, Porto Alegre, v. 9, nº. 2, p. 283-294, jul./ dez. 2003. ÉTICA profissional. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica_profissional> Acesso em: 20 mai 2009. PONTES, B. S., 2002. Mídia Impressa, Discurso e Representação Social: três pontos de deriva possíveis para entender a constituição do sujeito com necessidades especias. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria – Programa de PósGraduação em Educação. Santa Maria, Rio Grande do Sul. Brasil. QUARESMA, Regina. Comentários à Legislação Constitucional Aplicável às Pessoas Portadoras de Deficiência. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 14, junho/agosto, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 19 de maio de 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF : Senado Federal, 1988. 14