Ocular toxicity by tamoxifen use
Abstract Resumo
O tamoxifeno é um modulador seletivo dos receptores de estrogênio, sendo considerado
uma das principais drogas utilizadas no tratamento do câncer de mama. A despeito do
comprovado benefício de sua utilização, diversos efeitos adversos têm sido relacionados
a ele, como o câncer de endométrio, fenômenos tromboembólicos, sarcomas uterinos e
toxicidade ocular. Neste artigo de revisão, descrevemos as principais alterações oculares
relacionadas ao uso do tamoxifeno, suas características e o diagnóstico diferencial. Em
decorrência da freqüência com que ocorre a toxicidade ocular, chamamos atenção para a
avaliação quanto ao acompanhamento periódico das pacientes sob uso desta medicação,
sendo por vezes necessária à interrupção da medicação e sua substituição por drogas de
outros grupos terapêuticos visando à preservação visual dessas pacientes.
Tamoxifen is a selective estrogen receptor modulator and one of the most important
drugs used in the treatment of breast cancer. Despite the recognized benefits of its use
several adverse events have been related to it such as endometrial cancer, tromboembolic
phenomena, uterine sarcoma and ocular toxicity. In this review arcticle we describe the
most important ocular findings related to tamoxifen use, its clinical presentation and the
differential diagnosis. Due to the frequency of ocular toxicity we emphasize the necessity
of a regular follow-up for patients under this therapeutic regimen. The interruption of
tamoxifen switching to other therapeutic groups might be occasionally necessary in order
to preserve the visual accuracy in these patients.
At u ali z a ç ã o
Toxicidade ocular por tamoxifeno
David Leonardo Cruvinel Isaac1
Ruffo de Freitas Júnior2
Marcos Ávila1
Palavras-chave
Câncer de mama
Tratamento
Tamoxifeno
Complicações
Toxicidade ocular
Keywords
Breast cancer
Treatment
Tamoxifen
Complications
Ocular toxicity
Serviço de Oftalmologia do CEROF (Centro de Referência em Oftalmologia) da Universidade Federal de Goiás. Curso
de pós-graduação em Ciências da Saúde. Convênio Rede Centro-Oeste UFG-UnB-UFMS
2
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás e Serviço
de Ginecologia e Mama do Hospital Araújo Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás
1
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Toxicidade ocular por tamoxifeno
Introdução
A terapia hormonal representa um importante método
adjuvante no tratamento do carcinoma de mama, sendo
reconhecido há muito o papel do estrogênio na fisiopatologia desta doença (Jones & Buzdar, 2004). Há mais de
100 anos, demonstrou-se, ainda que de forma rudimentar, a importância do estrogênio no carcinoma de mama,
através da observação que a ooforectomia em mulheres no
menacme induzia a regressão deste tipo de tumor (Beatson,
1896). Décadas mais tarde, comprovou-se que a terapia
proposta por Beatson baseava-se na redução nos níveis de
estrogênio (Jordan, 1999). A partir deste conceito diversas
drogas foram sintetizadas buscando a inibição dos efeitos
do estrogênio sobre o epitélio mamário, seja através da
diminuição de seus níveis circulantes ou pelo bloqueio de
seus receptores. O tamoxifeno, um modulador seletivo de
receptores de estrogênio (SERM), consolidou-se ao longo
dos anos como uma das principais drogas anti-estrogênicas
usadas no tratamento do câncer de mama (EBCTCG, 2005).
Apesar de eficaz, diversos efeitos colaterais são descritos,
sendo observadas alterações oculares dentre estes eventos.
Este artigo discorre sobre as alterações oculares atribuídas ao
uso do tamoxifeno, sua fisiopatologia e possíveis métodos de
diagnóstico e acompanhamento oftalmológico em pacientes
em uso deste fármaco.
Tamoxifeno
O tamoxifeno é uma droga do grupo dos SERM (do inglês
Selective Estrogen Receptor Modulator), isto é, Moduladores
Seletivos de Receptores de Estrógeno. Atuam como antagonistas do estrógeno no tecido mamário e como agonistas no
endométrio e ossos. Na mama agem diretamente sobre os
receptores de estrógeno, levando à dimerização incompleta
dos mesmos, bloqueando a atividade estrogênica (Kudchadkar
& O’Reagan, 2005).
Introduzido em meados da década de 80, o tamoxifeno
foi inicialmente indicado para o tratamento de mulheres pósmenopausicas com carcinoma de mama, linfonodo-negativo
e que apresentassem receptores de estrogênio. Ao longo dos
últimos 20 anos manteve-se como droga de escolha, sendo
importante sua utilização atualmente, a despeito da introdução de novos medicamentos (inibidores da aromatase),
relacionados a efeitos colaterais presumidamente menores.
Neste período sua possibilidade de utilização foi estendida
para todos os tipos de carcinoma da mama que apresentem
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positividade para receptores de estrogênio (EBCTCG, 2005),
e na prevenção desta malignidade (Fisher et al., 1998).
O EBCTCG (2005) demonstrou que a utilização do tamoxifeno durante cinco anos, para pacientes com câncer de
mama inicial, pode reduzir tanto a taxa absoluta de recidiva
da doença em 12%, quanto à probabilidade de morte por
câncer de mama em 9%. Esse benefício se estende por
15 anos após o diagnóstico, produzindo uma redução na
taxa anual de morte por câncer de mama em 31%. Apesar
de alguns estudos estarem enfocando o uso da medicação
por um período mais longo, de até 10 anos, no momento, a
duração de cinco anos do uso do tamoxifeno como endocrinoterapia adjuvante do câncer de mama, tem sido o padrão
utilizado em todo o mundo.
Diversos efeitos colaterais foram descritos e atribuídos ao
uso do tamoxifeno como o câncer de endométrio (Jaiyesimi
et al., 1995), fenômenos tromboembólicos (Fisher et al.,
1996), sarcoma uterino (Wickerham et al., 2002) e alterações
oculares, descritas em seguida.
Tamoxifeno e alterações oculares
A primeira associação entre o uso do tamoxifeno e alterações oculares foi feita por Kaiser-Kupfer e Lippman (1978).
Neste estudo relataram a presença de toxicidade ocular em
quatro pacientes sob utilização de altas doses de tamoxifeno
(120 a 320 mg/dia). Desde então outros relatos se sucederam descrevendo alterações oculares, mesmo em pacientes
utilizando dosagens menores, que as usadas atualmente
(20mg/dia) (Vinding & Nielsen, 1983; Pvlidis et al., 1992;
Heier et al., 1994).
Em geral, depósitos corneanos e alterações cristalinas na
retina são os principais achados oculares observados durante
a utilização do tamoxifeno, havendo ainda relatos de edema
macular e neurite óptica (McKeown et al., 1981; Pugesgaard &
Von Eyben, 1986). Em qualquer um dos achados pode haver
diminuição da acuidade visual, sendo mais evidentes quando
a retina e o nervo óptico encontram-se acometidos.
As alterações corneanas (ceratopatia) relacionadas
ao uso do tamoxifeno foram encontradas em 10,8% dos
pacientes examinados por Noureddin et al., 1999, em
1,6% por Parkkari et al., 2003, e nenhum dos pacientes
examinados segundo Lazzaroni et al., (1998). Os achados
corneanos mais freqüentes são representados por depósitos
puntiformes a linhas sub-epiteliais, de coloração variada
(branco a marrom), e mais comumente localizadas no terço
inferior da córnea, assumindo padrão de cornea verticillata.
Toxicidade ocular por tamoxifeno
Este padrão de depósito também pode ser encontrado em
pacientes em uso de cloroquina, amiodarona, meperidina, indometacina, entre outras drogas (Kanski, 1994) e
são em geral reversíveis com a suspensão da medicação
(Noureddin et al., 1999).
O principal sinal de retinopatia por tamoxifeno consiste em
alterações puntiformes esbranquiçadas e cristalinas, encontradas
mais freqüentemente na região macular, responsável pela visão
central, de cores e de detalhes (Figuras 1 e 2). Pode haver ou
não edema macular associado. Apesar de a retinopatia por
tamoxifeno ser bem reconhecida clinicamente, não se conhece
exatamente a natureza das lesões cristalinas. Kaiser-Kupfer
et al., 1981, demonstraram em estudo histológico que os
depósitos cristalinos seriam provenientes de degeneração
axonal, nas camadas da retina. Mais tarde demonstrou-se que
existem receptores para estrogênio tanto na córnea quanto na
retina humana (Munaut et al., 2001), o que, se não explica o
mecanismo exato das alterações oculares, expõe o tropismo
ocular pelo tamoxifeno.
A retinopatia por tamoxifeno apresenta-se menos freqüente que a ceratopatia, entretanto é mais importante
que esta última, devido ao risco de diminuição da acuidade
visual. Estudos prospectivos com mais de 50 indivíduos
acompanhados demonstram freqüência de retinopatia
variando entre 4,61 a 6,34% (Noureddin et al., 1999;
Pvlidis et al., 1992). Clinicamente, a diminuição da acuidade visual é o principal sintoma, referido em 76% dos
pacientes com toxicidade ocular sintomática (Nayfield &
Gorin, 1996).
São controversas a reversibilidade das alterações retinianas e a recuperação visual, sendo relatados casos de
recuperação visual total (Noureddin et al., 1999; Parkkari et
al., 2003) bem como de irreversibilidade do quadro, após
a suspensão no uso da medicação (Kaiser-Kupfer, 1978;
Kaiser-Kupfer et al., 1981; Alwitry & Gardner, 2002). A
reversibilidade ou não das queixas visuais relacionadas ao
uso do tamoxifeno sugere que a dose diária e a duração
do tratamento podem ser mais importantes que a dose
A
A
B
B
Figura 1A - Maculopatia por tamoxifeno. Olho direito. 1B - Maculopatia
por tamoxifeno. Olho esquerdo. Evidenciam-se alterações esbranquiçadas
na mácula. (Figura 1 gentilmente cedida pela Dra. Eliane Inada – São
José do Rio Preto – SP).
Figura 2A e B - Angiofluoresceinografia mostrando área de atrofia macular
do Epitélio pigmentar (vide setas) (Figura 2 gentilmente cedida pela Dra.
Eliane Inada – São José do Rio Preto – SP).
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Toxicidade ocular por tamoxifeno
cumulativa, isto é, regimes de tratamento, com doses que
não excedam a capacidade de metabolização e excreção do
organismo, apresentam menor risco de desenvolvimento
de retinopatia/neuropatia e conseqüentemente maior
potencial de reversão que regimes terapêuticos com alta
dosagem diária (Nayfield & Gorin, 1996).
Diagnóstico diferencial e seguimento de
usuários de tamoxifeno
Diversas são as doenças oculares que fazem diagnóstico
diferencial com as alterações oculares pelo tamoxifeno.
As alterações corneanas mais freqüente são aquelas que
levam a depósitos como a doença de Fabry e a distrofia de
Cogan. Existe um número grande de doenças retinianas
que podem mimetizar a retinopatia por tamoxifeno. Entre
elas podemos citar a degeneração macular relacionada à
idade, distrofia cristalina de Bietti, síndrome de Alport e
depósitos inerentes a doenças específicas ou ao uso de
medicamentos como a cistinose, embolia por talco, retinopatia por cantaxamina, cloroquina, entre outras.
Não foi ainda estabelecido um exame complementar
específico que identifique precocemente a retinopatia por
tamoxifeno. Assim a tela de Amsler, perimetria manual
e computadorizada, angiofluoresceinografia (Figura 3),
testes eletrofisiológicos, entre outros são testes propostos
para este fim, mas que parecem não substituir avaliações
clínicas periódicas (Nayfield & Gorin, 1996).
Da mesma forma não existe consenso ou um protocolo
formal de acompanhamento das pacientes em uso de tamoxifeno. Alwitry e Gardner (2002) acreditam ser desnecessário
acompanhamento periódico, no entanto, a maior parte dos
estudos publicados postula a necessidade de acompanhamento
periódico, sobretudo devido ao caráter reversível da perda
visual e das alterações retinianas, quando diagnosticadas
precocemente (Nayfield & Gorin, 1996; Lazzaroni et al.,
1998; Noureddin et al., 1999; Parkkari et al., 2003).
O protocolo para acompanhamento da Academia Americana
de Oftalmologia preconiza, para pacientes sem evidência de
doença ocular, exame oftalmológico inicial até os 40 anos de
idade, com periodicidade de 2 a 4 anos a partir do primeiro
exame. Após os 65 anos esta freqüência deveria ser observada
a cada 1 a 2 anos (AAO, 1990). Acreditamos ser necessário
um acompanhamento mais rigoroso para as usuárias de
tamoxifeno, uma vez que foi observada melhora visual, nas
pacientes com retinopatia por tamoxifeno, após suspensão
da droga (Nayfield & Gorin, 1996; Lazzaroni et al., 1998;
Noureddin et al., 1999; Parkkari et al., 2003).
Uma eventual preocupação, envolvendo os possíveis malefícios oncológicos da suspensão do tamoxifeno, em detrimento
da melhora visual, foi minimizada a partir da possibilidade de
substituição desta terapia pelos inibidores de aromatase. Este
grupo de drogas, por ter mecanismo de ação diferente dos SERM,
não se liga aos receptores de estrogênio da retina (Kudchadkar
& O’Regan, 2005), evento presumidamente fundamental para
o estabelecimento da retinopatia por tamoxifeno.
Considerações finais
Figura 3 - Angiofluoresceinografia normal. Observe o aspecto da mácula
e sua característica hipofluorescente.
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O uso do tamoxifeno demonstrou-se eficaz ao longo dos
anos como terapia adjuvante no tratamento do câncer de
mama ou mesmo em sua prevenção primária. A despeito dos
efeitos benéficos, diversos efeitos adversos são relacionados
a seu uso, mesmo com dosagens atualmente praticadas
(20 mg/dia). Das alterações oculares a ele relacionadas, a
retinopatia é a de maior interesse, tanto pela freqüência,
como principalmente pela possibilidade de recuperação visual,
se diagnosticada precocemente. Não há consenso sobre o
regime de acompanhamento oftalmológico em pacientes em
uso de tamoxifeno. No entanto, acreditamos ser indicada
avaliação oftalmológica completa, no período que antecede
o início da administração do tamoxifeno e consultas anuais
subseqüentes, podendo ser encurtado o tempo na vigência de
alterações visuais, visando a preservação visual das pacientes
sob este regime terapêutico.
Toxicidade ocular por tamoxifeno
Leituras suplementares
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