Domingo 7
agosto de 2011
A TRIBUNA
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Baixada Santista
A-5
Ser médico lá fora é diferente daqui?
Menor custo para se formar no exterior atrai estudantes de Medicina a outros países. No entanto, é difícil validar o diploma no Brasil
FERNANDA BALBINO
DA REDAÇÃO
O sonho de cursar uma universidade a baixos custos vem fazendo com que pessoas deixem
o País em busca de oportunidades. Mas vira pesadelo quando
o profissional não consegue
exercer a profissão por não ter
o diploma reconhecido.
Isso acontece porque todas as pessoas que se formam em outros países devem fazer uma prova para
validar o diploma, no Brasil.
No caso da Medicina, que
é o curso mais procurado no
Exterior, a avaliação é chamada de Exame Nacional de
Revalidação de Diplomas
Médicos (Revalida).
A procura por cursos fora do
País é grande por causa dos altos custos de mensalidades e
livros. Em Santos, as aulas custam cerca de R$ 4 mil mensais.
Já em países como a Argentina
e a Bolívia, os cursos variam
entreR$ 500,00e R$1.350,00.
No ano passado, na primeira edição do Revalida, 628
médicos se inscreveram. Deste total, apenas dois foram
aprovados. Nenhum dos demais obteve inscrição nos conselhos regionais de Medicina
e, assim, não pode clinicar legalmente no País.
Neste ano, o Ministério da
Educação (MEC), que organiza o exame através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep),
recebeu 601 inscrições de candidatos brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil.
Aventura e economia
Os cursos de Medicina em outros
países são os mais procurados por
brasileiros. A facilidade, contudo,
se limita às mensalidades mais
baixas. Há situações em que o
exercício da profissão demanda o
conhecimento de peculiaridades,
como doenças frequentes no
Brasil que não ocorrem, por
exemplo, em nações de clima frio
Eles foram graduados em 29
países diferentes.
De acordo com o Inep, dos
candidatos inscritos no Revalida deste ano, 320 concluíram a
graduação na Bolívia.
Outros 146 cursaram a faculdade em Cuba e 58, na Argentina. Também existem outros 17
que se formaram na Espanha,
sete na Alemanha, quatro na
Rússia e dois médicos formados nos Estados Unidos.
TRANSFERÊNCIA
Sabendo da dificuldade do Revalida, alguns estudantes optam por transferir as matrículas para faculdades brasileiras
antes da formatura. Assim,
com a conclusão do curso no
Brasil, não precisam fazer provas para validar o diploma.
É essa a intenção da biomédica santista Karina Couto Fagá.
Ela está no primeiro semestre
de Medicina em uma universi-
Intercâmbio se torna alternativa
❚❚❚ A ida de brasileiros para o
exterior em busca de faculdades de Medicina fez com que
uma nova alternativa de mercado surgisse. São as agências
que fazem intercâmbio exclusivo para esses alunos.
A Assessoria Educacional
Internacional Vive em Buenos Aires é uma dessas empresas. O proprietário Kleber Rodrigues de Rezende acredita
que a oferta de ensino gratuito ou a baixos custos é o fator
determinante para a crescente demanda de negócios.
“Na Argentina, temos 103
universidades gratuitas, em vários cursos”, destacou.
De todas as opções de carreiras disponíveis, Medicina continua sendo a mais procurada.
Masoutros cursos tambémpassaram a receber forte demanda
de alunos brasileiros. Os de Engenharias Química, Civil e de
Petróleo são três deles.
Rezende comentou que a empresa é procurada por pessoas
acima dos 18 anos. Mas contou, também, que já encaminhou pai e filho juntos para
uma universidade argentina.
“Com a facilidade da ida, não
Observação
Segundo o diretor do Isped, é
difícil passar no Revalida devido a
questões de legislação brasileira
que o Conselho Regional de
Medicina inclui na prova
há mais restrição de idade para
realizar o sonho da faculdade”.
O período de adaptação no
novo País é um dos passos mais
importantes da permanência
durante os estudos. Motivo:
nas faculdades argentinas, existe um período chamado de prégrado, em que o aluno não pode ser reprovado.
É nesse período que alguns
estudantes não se adaptam e
sãoobrigados a retornar ou procurar universidades particulares. As públicas têm matérias
do Ensino Médio no pré-grado. Após as aulas, os candidatos devem fazer avaliações para iniciar os cursos.
Já nas particulares, os alunos têm matérias ligadas à Medicina nos primeiros ciclos.
Anatomia, Fisiologia e Histologia fazem parte das disciplinas
iniciais do curso.
TURMAS DE BRASILEIROS
O Instituto Sul-Americano de
Pesquisa e Desenvolvimento
(Isped) é outra empresa que
faz o intermédio entre candidatos e universidades argentinas.
O diretor da instituição, Rodrigo Galhardo Augusto, informou que, em 2010, 1.300 pessoas disputaram 120 vagas de
Medicina na Universidad de
Morón, que fica na Região Metropolitana de Buenos Aires.
Lá, as turmas são exclusivas
de brasileiros, com cursos de
seis anos, em período integral.
“Levantamos as demandas e as
necessidades de quem estuda
fora e elaboramos o curso com
essas alterações”, destacou.
As mensalidades custam
R$ 1.300,00 e, segundo Galhardo, é procurado por pessoas que tentaram, por muito
tempo, passar nos vestibulares
públicos brasileiros. Sobre a dificuldadedeaprovaçãonoRevalida, o diretor do Isped argumentou. “Anatomia é anatomia
emqualquer lugar domundo”.
Subemprego, a punição a quem volta
❚❚❚ Seis anos de estudos, investimentos e dedicação à Medicina. Mas, o resultado não foi o
esperado. O que tinha tudo para dar certo e se tornar uma
carreira promissora se tornou
uma grande dificuldade.
É isso que vive hoje uma médica formada há dois em uma
universidade da Bolívia. Ela
prefere não se identificar porque teme sofrer preconceito
por conta da formação estrangeira. Por isso, adotou o nome
fictício de Clara.
Logo após o fim do curso,
que durou seis anos, a médica retornou ao Brasil com a
intenção de ingressar no
mercado de trabalho. Mas, a
cada currículo enviado, ou-
Contraponto
via uma resposta negativa.
“Puro preconceito. Uma vez,
a vaga já era praticamente minha, mas quando me perguntaram em qual faculdade eu havia me formado, perdi a oportunidade”, declarou.
Por conta da repetição de episódios como este, Clara partiu
para funções menos visadas entre os médicos. “Plantões em
hospitais, nem pensar. E esse é
o sonho de qualquer médico
que tem amor pela profissão”.
Porém, só amor não é suficiente para quem quer atuar na
carreira médica. É necessário
fazer a revalidação do diploma.
E isso, Clara ainda não fez.
Atualmente, ela clinica em
uma academia de ginástica e
como médica do trabalho. “A
impressão que dá é que os médicosformados lá fora aprenderam tudo ao contrário”.
Clara confessa que ainda não
se inscreveu no exame. O motivo é que ela não tem como
comprovar a carga horária exigida pelo Ministério da Educação (MEC).
Para resolver esse problema,
a médica precisa voltar aos bancos universitários, mas, dessa
vez, no Brasil. “Preciso de 800
horas/aula para alcançar as
7.200, para poder fazer a prova”, afirmou.
Até resolver o impasse, Clara
continua ilegal, no que os médicos chamam de subemprego
da profissão.
dade da cidade de Santa Cruz
de la Sierra, na Bolívia. “Existe
todo um trâmite que permite a
transferência para faculdades
do Brasil até o terceiro ano”.
Karina justifica a ida para o
Exterior explicando que o custo
de vida na Bolívia é baixo e que
as disciplinas de lá são idênticas às ministradas no Brasil.
“Uma pessoa vive muito bem
lá (em Santa Cruz de la Sierra)
comR$1.000,00 pormês”.
Já o estudante Gustavo Cordeiro escolheu Buenos Aires
para estudar. Para ele, é o local
mais semelhante ao Brasil em
termos de estilo de vida.
Gustavo está na segunda tentativa de cursar Medicina na
capital argentina. A primeira
foi na Universidad de Buenos
Aires (UBA), que é uma instituição pública.
Porém, como não existe processo seletivo para entrada, o
primeiro ciclo é destinado à
matérias do Ensino Médio, como Química, Matemática, Física, Biologia e História Argentina. “Cheguei achando que seria fácil porque não tinha vestibular, mas não foi”, afirmou.
A alternativa foi se matricular em uma universidade particular, e a escolhida foi a
Fundacion H. A. Barceló, na
mesma cidade. Mesmo sendo
uma faculdade privada, Gustavo garante que a ida para
outro País é um bom negócio.
Segundo ele, as mensalida-
des argentinas são quase
dez vezes mais baratas do
que as brasileiras.
“O valor gira em torno de
$ 1.300,00 (pesos argentinos), mas varia, conforme
os anos da faculdade”. Convertendo em reais, o valor
da mensalidade é de cerca
de R$ 500,00.
Questionado sobre a dificuldade na revalidação do
diploma, o futuro médico
afirmou que ainda não sabe
como será o exame. Mas
admite que essa não deve
ser uma tarefa fácil.
Um dos motivos apontados por Gustavo para a complexidade do Revalida são as
matérias, que não têm a mesma prioridade em outros países. “São peculiaridades, como doenças tropicais. Aqui é
necessário saber, mas em países que não têm esse clima,
não”, destacou.
Carga horária também é
outra questão importante.
Além da prova, o Conselho
Regional de Medicina
(CRM) exige o cumprimento de 7.200 horas/aula para liberar o profissional a
atuar no Brasil.
Contudo, alguns cursos do
Exterior não são tão extensos
como os brasileiros: chegam
a apenas 4.000 horas/aula.
Para resolver esse problema, o médico deve fazer uma
complementação em faculdades brasileiras, que analisam
o histórico e inscrevem os alunos nas disciplinas que não
foram ministradas.
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Reportagem com a ViveenBuenosAires.com