Manuel António Rodrigues Correia Secretário Regional do Ambiente e Recursos Naturais da Região Autónoma da Madeira Política marítima europeia, perspectivas geopolíticas e geoestratégicas de uma região ultraperiférica como a Madeira As Regiões Ultraperiféricas Marítimas, e em particular as insulares, conferem à União Europeia uma dimensão territorial e geoestratégica determinante num contexto em que se desenha uma nova economia mundial. Essa economia, considerando o mar como um cluster, obrigará à redefinição de estratégias e práticas de gestão integrada do mar considerando-o de forma global, ao invés das práticas tradicionais que foram espartilhando as múltiplas dimensões dos oceanos. Algumas premissas fundamentais para o sucesso das políticas marítimas são precisamente uma visão integrada que não distancie o litoral do mar profundo, os transportes e as pescas, a aquacultura e a conservação da natureza e biodiversidade, o turismo, investigação e as infra-estruturas portuárias. Mas também ao nível da estrutura e organização da gestão do mar, é necessário encontrar novos modelos de governação, capazes de assegurar a presença dos actores mais capazes de implementar no terreno os princípios que as visões políticas preconizam. Sem dúvida que em matéria de governação do mar, as regiões insulares serão actores decisivos e imprescindíveis, quer pelo seu posicionamento e condição, por definição, marítima, quer pelo conhecimento e compreensão do meio marinho que só a vivência secular proporciona. 73 74 The Ultra-peripheral Maritime Regions, and in particular the islands, grant the European Union a decisive territorial and geo-strategic dimension within a context in which a new world economy is being drawn up. This economy, considering the Sea as a cluster, will require the redefinition of strategies and integrated management practices of the sea considering it globally, as opposed to the traditional practices which have taken a rigid, separatist approach to the multiple dimensions of the oceans. Some fundamental premises for the success of maritime policies are precisely an integrated vision which does not distance the coast from the deep sea, transport and fisheries, aquaculture and the conservation of nature and biodiversity, tourism, research and port infrastructures. Also in terms of the structure and organisation of the management of the Sea, it is necessary to find new models of governance which are capable of ensuring the presence of the agents which are the most capable of implementing the principles in the terrain which the political visions advise. There can be no doubt that in terms of the governance of the sea, the island regions will be decisive and indispensable agents, both due to their positioning and maritime condition, by definition, and the knowledge and comprehension of the marine environment which only the experience of centuries can provide. A descoberta e o povoamento das ilhas constituíram desde sempre referências maiores do desenvolvimento e do conhecimento do Homem, muito especialmente a partir dos Descobrimentos Marítimos dos Portugueses no século XV, que se iniciaram, curiosamente, com a descoberta e colonização do arquipélago da Madeira por Bartolomeu Perestrelo, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, no ano de 1419. Naquele tempo, as descobertas marítimas representavam o domínio da tecnologia e da ciência mais avançada da época, materializadas nas modernas artes da construção naval – com a construção de novas embarcações e o aparecimento da vela latina; e na descoberta da moderna navegação astronómica – com o aparecimento do quadrante e posteriormente do sextante, possibilitando a determinação muito aproximada da posição do navio, a partir do cálculo da latitude e da longitude e no conhecimento de novas geografias, botânicas, faunas e climas. Esta realidade histórica permitiu a Portugal, não só a supremacia e o domínio dos mares, mas também o controlo de novos territórios e um maior posicionamento geoestratégico, o conhecimento de novos povos e culturas, passando, com a descoberta do Brasil e do Caminho Marítimo para a Índia, a controlar o comércio internacional e, consequentemente, os sistemas económicos globais do século XVI, tornando-se, por via disso, uma super-potência mundial. As ilhas, nomeadamente o arquipélago da Madeira, estiveram desde sempre nesse processo de arrojo, inovação e conhecimento e constituíram-se como locais de excelência na comunicação entre povos e culturas de cariz marítimo. Uma das figuras ilustres e intemporais da história, que passou e residiu no arquipélago da Madeira foi Cristóvão Colombo, que se diz ter adquirido os conhecimentos de navegação e de oceanografia que lhe permitiram descobrir a América, durante a sua permanência na ilha do Porto Santo, onde casou e viveu parte da sua vida. À semelhança do passado, onde as regiões ultraperiféricas desempenharam um papel crucial na expansão e desenvolvimento da civilização europeia, dando novos mundos ao mun- do e funcionando como entreposto logístico e comercial, campo experimental, caldo de culturas, e fonte do conhecimento e da ciência mais avançados, também hoje, em pleno século XXI, se colocam perante estas regiões, novos desafios de modernidade e desenvolvimento, que passarão obrigatoriamente pela rápida adopção de um novo paradigma civilizacional, baseado na sustentabilidade do desenvolvimento socio-económico das populações e simultaneamente na conservação dos Recursos Naturais e da Biodiversidade, com especial relevo para a sua componente marinha. Assim Regiões Ultraperiféricas (RUP) como a Região Autónoma da Madeira (RAM), território insular situado geograficamente entre quatro continentes: Europa, África e as Américas, unidos pelo oceano Atlântico, terão que aproveitar ao máximo as perspectivas geopolíticas e geoestratégicas que se abrem com a nova política marítima europeia. Neste caminho que a Europa parece querer trilhar, as RUP arquipelágicas deverão ser actores principais já que, por definição, são regiões marítimas. O mar constitui uma oportunidade e um desafio importante para a Europa. Ocupando cerca de 70% do globo, o mar é uma fonte considerável de riquezas: riquezas económicas e de emprego, riquezas em recursos vivos e minerais, reserva de biodiversidade, reserva de energias renováveis, meio de transporte, recursos para turismo e lazer, fazendo com que mais de 60% da população europeia viva próximo do mar. Os oceanos são fornecedores permanentes de bens e serviços ecológicos imprescindíveis para a própria sobrevivência da população humana mundial e da regulação geral do planeta. A título de exemplo, os mares fornecem muitas das funções de depuração da poluição, de regulação climática, ou, ao nível dos bens, é nos mares que reside o maior potencial genético que cria uma enorme expectativa no domínio das biotecnologias, nomeadamente ao nível da saúde humana, da nano-indústria, ou da nova bioquímica dos ecossistemas profundos. O posicionamento e a natureza marítima da Madeira devem constituir uma vantagem comparativa no aproveitamento das oportunidades que o mar disponibiliza neste tempo de reajustamento do modelo económico global. 75 76 Mas o mar também está sujeito a numerosas ameaças, geralmente consequências directas ou indirectas de actividades humanas: poluição, perda de biodiversidade, danos sobre os ecossistemas marinhos e costeiros, sobre-exploração dos recursos, diminuição das capacidades reguladoras dos oceanos, a que acresce uma crescente competição pelos recursos do mar, sobretudo pelo espaço costeiro e pelo mar profundo, de que resulta um aumento significativo do número de conflitos entre as actividades humanas e a conservação dos recursos naturais. A preservação deste património natural insubstituível, é indispensável e estratégica para o futuro das RUP como a Região Autónoma da Madeira, cuja principal actividade económica consiste no turismo ancorado nas suas belezas naturais, paisagísticas e biodiversidade, que deverá evoluir no sentido da exploração sustentada de novos nichos de mercado, associados às particularidades únicas do nosso arquipélago. E um desses clusters é, naturalmente, o mar. Mas o mar é também o domínio do planeta sobre o qual menos se conhece. A sua dimensão imensa, quer em relação à extensão quer no que respeita à profundidade, a par da enorme diversidade de factores físicos, químicos e biológicos, torna infinitas as combinações e unidades ecológicas que estruturam o meio marinho. Os custos inerentes às necessidades de recursos materiais e humanos para o estudo e compreensão do meio marinho tornam quase impossível a sua abordagem de forma global e exaustiva pelo que o recurso a modelos de características e dimensões adequadas a esse esforço de investigação acaba por vir de encontro aos ambientes insulares. Uma vez mais as ilhas oceânicas assumem um papel decisivo no progresso relativo ao conhecimento científico sobre o mar. Quer a temática seja as alterações climáticas, a dinâmica costeira, os ecossistemas litorais ou profundos, a produtividade primária, a oceanografia física ou a biodiversidade, as ilhas oceânicas são certamente os melhores modelos para o seu estudo, constituindo-se como autênticas plataformas de acesso directo à investigação do mar. O conhecimento e o domínio dos desafios ligados ao mar, tendo em conta a extensão considerável da Zona Económica Exclusiva (ZEE) da Madeira, que, em conjunto com a ZEE dos Açores, perfazem cerca de metade da ZEE de toda a União Europeia, representam uma responsabilidade acrescida para as Regiões Autónomas que deverão ser partilhadas e apoiadas pelo conjunto dos países da Comunidade. A multiplicidade dos desafios e oportunidades, associados ao futuro do mar e dos seus recursos, levam-nos a defender uma abordagem multidisciplinar integrada com vista à implementação de uma política marítima europeia sustentável, baseada no conhecimento e numa visão de conjunto do oceano e dos seus recursos. Neste âmbito, a Região Autónoma da Madeira, tirando partido das suas características e aptidões únicas, terá que se consolidar como plataforma de excelência do conhecimento nesta área, tirando partido daquilo que têm sido as nossas propostas no âmbito das grandes linhas orientadoras europeias e nacionais para o sector do mar, nomeadamente no Livro Verde sobre a Política Marítima da União Europeia, na Directiva-Quadro da Água, na Directiva-Quadro do Meio Marinho; na elaboração do próximo Programa-Quadro Comunitário sobre Investigação e Desenvolvimento, na Estratégia Nacional para o Mar e na Estratégia Nacional sobre Gestão Integrada da Zona Costeira. Nestes fora, a Região Autónoma da Madeira, quer individualmente, quer como membro da Conferência das Regiões Ultraperiféricas, tem vindo também a pronunciar-se na defesa e proposta da criação dos mecanismos jurídicos e funcionais que melhor assegurem uma gestão eficiente e integrada do mar, com uma participação efectiva das RUP, designadamente pugnando pela criação de uma área marinha específica de referência, que consiste na “Área Marinha da Macaronésia” formada pelo conjunto das ZEE dos três arquipélagos macaronésicos europeus – Açores, Madeira e Canárias. Para além desta medida, tem sido nossa posição a defesa da inclusão das RUP nos órgãos efectivos de gestão dos assuntos do mar, como forma de assegurar uma melhor capacity building para a gestão dos assuntos do mar. Sem esta inclusão efectiva, não será possível conferir ao mar o reconhecimento integral das suas diferentes valências, onde se incluem, para além da importância económica e ambiental, os serviços e recursos que fornece, a sua associação a muitas das suas dimensões sem valor comercial directo mas igualmente (ou mais) importantes nomeadamente: a identidade sociocultural, a história, o património, o conhecimento e os saberes que só a vivência marítima intemporal permite. Vivência essa que os povos insulares detêm em exclusividade e estão inteiramente disponíveis para partilhar, participando e contribuindo para a melhor governação do maior e mais importante recurso do planeta. A boa governação do mar e dos oceanos requer, por isso, uma participação activa e decisiva das Regiões Ultraperiféricas insulares, numa lógica distinta da que tem vindo a ser seguida uma vez que entendemos, tal como é sublinhado pela Conferência das Regiões Periféricas Marítimas, que, a falta de mecanismos que confiram um mandato claro às regiões, em matéria de governação marinha, constitui a principal ameaça a uma efectiva implementação no terreno de uma política integrada para os oceanos, quer a nível nacional quer ao nível dos ecossistemas. 77