UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: PROVA LÍCITA – ILÍCÍTA EMPRESTADA
VIVIANE APARECIDA CIPRIANO
Itajaí, Novembro de 2006
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: PROVA LÍCITA – ILÍCITA EMPRESTADA
VIVIANE APARECIDA CIPRIANO
Monografia submetida à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Osmar Dinis Fachinni
Itajaí, Novembro de 2006
AGRADECIMENTO
Agradeço ao grande professor e amigo Osmar
Dinis Fachinni, por ter aceitado o encargo de me
auxiliar neste trabalho, pela paciência e atenção
ao responder a todos os meus incansáveis
questionamentos e mais do que isso, por todo o
conhecimento acrescentado com a realização
deste.
O Meu muito obrigado a você professor.
DEDICATÓRIA
Gostaria de dedicar este trabalho a muitas
pessoas que de alguma forma me ajudaram e
incentivaram. Mas, por não poder manter uma
lista que cresceria a cada dia, vou ser bastante
seletiva e dedicá-lo às pessoas diretamente
envolvidas, não apenas com o que faço, mas em
toda a minha vida:
À Zevir Aníbal Cipriano, meu pai e à Maria da
Glória Vieira Cipriano, minha mãe, que com luta,
mas principalmente com muita dedicação e amor,
me deram a educação sem a qual eu não teria
chegado a lugar algum. "Vocês são o meu grande
orgulho e espero poder retribuir cada esforço por
vocês feito para a minha formação não só como
profissional, mas também como pessoa. Vocês
me deram simplesmente tudo e vão estar
eternamente em tudo o que eu fizer".
Aos grandes amigos que conquistei ao longo
desta jornada, de quem eu tive o apoio e o
incentivo a cada instante desta etapa dura, mas
vencida...
À Deus, pois Ele é a razão pelo qual tudo existe e
sem Ele nada seria possível.
“Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. (Bertold Brecht)
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, Novembro de 2006.
Viviane Aparecida Cipriano
Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Viviane Aparecida Cipriano, sob o
título Interceptação Telefônica: Prova Lícita – Ilícita – Emprestada, submetida em
_____________________ à banca examinadora composta pelos seguintes
professores:
_________________________________,
______________________________ e ________________________________ e
aprovada com a nota _________________.
Itajaí, Novembro de 2006.
Osmar Dinis Fachinni
Orientador e Presidente da Banca
Antônio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CPP
Código de Processo Penal Brasileiro
CRFB
Constituição da República Federativa do Brasil
ART.
Artigo
UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí
HC.
Hábeas Corpus
MS
Mandado de Segurança
REL.
Relator
MIN.
Ministro
STF
Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
TJ
Tribunal de Justiça de Santa Catarina
MP
Ministério Público
DJ
Diário da Justiça
RS
Rio Grande do Sul
SP
São Paulo
PB
Paraíba
DF
Distrito Federal
DES.
DESEMBARGADOR
ROL DE CATEGORIAS
Gravação Clandestina:
A gravação clandestina acontece quando um dos interlocutores grava a sua
própria conversa, telefônica ou não, com outro, sem o conhecimento deste.
[GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO,
Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal, p. 141]
Interceptação Telefônica:
Interceptação telefônica provém de interceptar – intrometer, interromper, interferir,
colocar-se entre duas pessoas, alcançando a conduta de terceiro que, estranho à
conversa, se intromete e toma conhecimento do assunto tratado entre os
interlocutores. [CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 290]
Intimidade:
Significa intimidade tudo quanto diga respeito única e exclusivamente à pessoa
em si mesma, a seu modo de ser e de agir. Abrange a inviolabilidade do domicílio,
o sigilo das comunicações e o segredo profissional. [TAVARES, André Ramos.
Curso de Direito Constitucional, p. 572]
Princípio:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. [MELLO,
Celso Antônio Bandeira de Elementos de Direito Administrativo, p. 230]
Princípio da Proporcionalidade:
O princípio da proporcionalidade constitui um limite constitucional à liberdade de
conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos,
liberdades e garantias de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa
de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos
constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos
poderes
discricionários
do
legislador.
[BARREIRA,Ingrid.Disponível
em:
http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revistaPGM/vol08/17PrincipioDaProporcionalid
ade.htm]
Prova:
A prova é a demonstração no processo de algum ato ou fato. É o conjunto de
fatos produzidos pelas partes, acusação e defesa, e de ofício, pelo próprio juiz,
em um procedimento processual, cuja finalidade é a de estabelecer uma verdade
real, e que possa, com segurança, levar o magistrado a prolatar uma decisão final
da causa. [MADEIRA, Ronaldo Tanus. Da Prova e do Processo Penal, p. 1]
Prova emprestada:
É a utilização de uma prova produzida em processo anterior, em procedimento
diverso daquele.
Prova ilegítima:
Provas ilegítimas são aquelas que afrontam normas de Direito Processual, tanto
na sua produção, quanto na introdução da prova no processo.
Prova ilícita:
É a colhida com violação de normas ou princípios de direito material,
principalmente de direito constitucional, tendo em vista que a controvérsia acerca
do assunto diz respeito sempre à questão das liberdades públicas, onde estão
assegurados os direitos e as garantias relativas à intimidade, à liberdade, à
dignidade humana. [PETRY, Vinícius Daniel. A Prova Ilícita. Disponível em:
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4534> ]
Prova lícita:
São consideradas lícitas as provas que obedecerem aos parâmetros legais. São
aquelas obtidas de forma correta, sob a prescrição da lei e da ética.
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................... XI
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 3
1.1 CONCEITO E ÔNUS DA PROVA: ...................................................................3
1.2 PRINCÍPIOS ATINENTES À PROVA:..............................................................7
1.3 OBJETO DA PROVA: ......................................................................................9
1.4 FINALIDADE DA PROVA: .............................................................................11
1.5 DIREITO À PROVA: .......................................................................................12
1.6 PROVAS LÍCITAS:.........................................................................................15
1.7 PROVAS PROIBIDAS: ...................................................................................16
1.7.1 PROVAS ILEGÍTIMAS:................................................................................17
1.7.2 PROVAS ILÍCITAS: .....................................................................................19
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 23
2.1 OS PRINCÍPIOS .............................................................................................23
2.2 PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA ......................................................................26
2.3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL ....................................................................28
2.4 DO CONTRADITÓRIO....................................................................................29
2.5 DA AMPLA DEFESA:.....................................................................................31
2.6 DA PROPORCIONALIDADE..........................................................................33
2.7 DA INTIMIDADE .............................................................................................35
2.7.1 INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO: ...........................................................37
2.7.2 SEGREDO PROFISSIONAL:.......................................................................38
2.7.3 SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E COMUNICAÇÃO: .............................39
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 41
3.1 CONCEITO: ....................................................................................................41
3.1.1 DIFERENCIAÇÃO .......................................................................................44
3.1.2 AUTORIZAÇÃO E REQUISITOS .................................................................45
3.2 A PROVA EMPRESTADA..............................................................................51
3.3 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÕNICA COMO MEIO DE PROVA ILÍCITA.......56
3.3.1 CORRENTE DA ADMISSIBILIDADE:..........................................................57
3.3.2 CORRENTE DA INADMISSIBILIDADE .......................................................57
3.3.3 CORRENTE DA TEORIA DA PROPORCIONALIDADE ..............................58
3.3.4 CORRENTE DA PROVA ILÍCITA PRO REO E PRO SOCIETATE...............59
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 65
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 67
ANEXOS........................................................................................... 70
RESUMO
Aborda-se nesta pesquisa a possibilidade da utilização da
prova proibida no processo penal em função do princípio da proporcionalidade ou
da adequação para se resolver questões referentes ao interesse social ou ao
interesse do réu.
Tem
ela
estreita
ligação
com
a
possibilidade
da
interceptação telefônica para a investigação criminal, pois o inciso XII do art. 5° da
Constituição Federal permite que a intimidade possa ser violada para este fim.
Todavia, será discorrida também sobre a possibilidade da utilização da
interceptação telefônica para instruir outras espécies de procedimentos que não
criminais.
INTRODUÇÃO
No transcurso da graduação em direito um dos assuntos que
sempre desperta interesse na comunidade acadêmica é aquele referente à prova.
Este tem sido o tema escolhido para esta pesquisa, porém
no âmbito do direito processual penal.
A abordagem, no entanto partirá do direito constitucional,
onde estão assegurados os direitos fundamentais principalmente aqueles
referentes à dignidade e à intimidade da pessoa humana.
A prova, embora a lei permita que possa ela ser realizada de
forma ampla, às vezes sofre restrições porque pode colidir com os princípios
acima elencados e é a estas restrições que a pesquisa será direcionada.
Assim, este trabalho monográfico tem por objetivos:
institucional - produzir uma monografia para a obtenção do título de bacharel em
direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI; geral - através de
investigação analisar o instituto da prova no âmbito do direito processual penal;
específicos – verificar a luz da doutrina nacional e por vezes da jurisprudência a
possibilidade da utilização das prova ilícita e emprestada no processo penal,
mormente, por ocasião da gravação e interceptação telefônica.
Ao capítulo primeiro reserva-se a definição quanto ao
conceito da prova, ao ônus, aos princípios atinentes a ela, ao seu objeto, à sua
finalidade, ao direito e à sua divisão.
Estes tópicos revelam-se importantes para o tema que se
abordará, pois é conhecendo estas características da prova que se poderá ao
final emitir-se um juízo quanto ao ingresso ou não da prova ilícita na lide
processual penal.
Ao segundo capítulo cuida-se dos princípios constitucionais
referentes à presunção da inocência, ao devido processo legal, o contraditório, a
2
ampla defesa e do principio da proporcionalidade, pois a prova a eles se interliga
de forma a torná-la útil ao esclarecimento do fato a apurar, permitindo ao
magistrado proferir sentença justa.
Aborda-se ainda neste capítulo a inviolabilidade de domicílio,
pois é nele que a pessoa humana se recolhe para suas intimidades, inclusive
àquelas referentes à comunicação, quer seja ela por via telefônica, telemática ou
de correspondência escrita.
Para o capítulo terceiro, reserva-se a análise da Lei 9.296/96
que regulamenta a possibilidade da interceptação telefônica autorizado na norma
constitucional para fins de investigação criminal ou para a instrução processual
penal em juízo.
Colhida a prova, quando de forma lícita, sabe-se que sua
utilização é permitida, pois obedece ao princípio de que ela pode ser produzida de
forma ampla, questionando-se, no entanto, se pode ser emprestada para outros
ramos do direito, e se colhida ilicitamente presta-se ao processo penal.
Assim, concluído o relatório, procurar-se-á responder as
seguintes hipóteses:
A prova colhida com violação à intimidade, mas, com
autorização judicial, conforme preceitua a Constituição Federal, para fins de
investigação criminal, é prova ilícita e boa para o processo penal.
A prova colhida pela interceptação telefônica autorizada pelo
judiciário, cumprido os requisitos estabelecidos pela Lei 9.296/96 pode ser
emprestada para outros ramos do direito.
A prova colhida de forma ilícita, com violação ao princípio da
intimidade, pode ser utilizada no processo penal, de acordo com o princípio da
proporcionalidade, ou da adequação e necessidade quando pro reo ou pro
societate.
CAPÍTULO 1
A PROVA:
1.1 CONCEITO E ÔNUS DA PROVA:
Um dos temas mais importantes no processo é o da
produção e introdução da prova nos autos, mas, não menos importante para o
operador do direito principalmente aquele que vai atuar no processo, é o de
conhecer o significado da palavra prova, seu conceito e as conseqüências de não
produzi-las no momento oportuno.
Assim, originada do latim “probatio” a palavra “prova”
significa confirmação, reconhecimento. Prova constitui o conjunto de atos
praticados pelas partes, pelo juiz do processo, e ainda, por terceiros, a fim de
convencer o magistrado acerca da existência ou não de um fato, da veracidade
ou falsidade de uma afirmação.
De um modo amplo, a prova é a demonstração no processo
de algum ato ou fato. No processo penal ela é vista como o modo pelo qual os
fatos e a responsabilidade penal do agente do crime devem ser comprovadas.
Sendo assim prova é aquilo cujo escopo é estabelecer uma verdade por
verificação ou demonstração.
Por outro lado TOURINHO FILHO1, a conceitua como:
os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio Juiz,
visando a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos
fatos. É o instrumento de verificação do thema probandum. Às
vezes, emprega-se a palavra prova com o sentido de ação de
provar. Na verdade, provar significa fazer conhecer a outros uma
verdade conhecida por nós. Nós a conhecemos; os outros não.
Ou como nos diz MADEIRA2:
1
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 219
4
A prova penal pode ser conceituada como o conjunto de fatos
produzidos pelas partes, acusação e defesa, e de ofício, pelo
próprio juiz, em um procedimento processual, cuja finalidade é a
de estabelecer uma verdade real, e que possa, com segurança,
levar o magistrado a prolatar uma decisão final da causa.
Trata-se,
portanto,
de
qualquer
meio
de
percepção
empregado pelo homem com o escopo de comprovar a verdade de uma
alegação. Do mesmo modo, podemos averiguar que provar, é trazer para o
processo algum elemento capaz de persuadir quem tiver o encargo de julgá-lo,
podendo ser trazidas ao processo tanto pelas partes como pelo Juiz, ou pelo
representante do Ministério Público, com a finalidade de chegar o mais próximo
possível da verdade jurídica.
Em geral são apresentadas na fase instrutória do processo,
onde as partes trazem aos autos os elementos probatórios capazes de
demonstrar suas respectivas alegações. Por isso, ao dispor sobre a prova DE
PLACIDO E SILVA3 nos diz que ela é:
(...) a demonstração, que se faz, pelos meios legais, da existência
ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em
virtude da qual se conclui por sua existência ou se firma a certeza
a respeito da existência do fato ou do ato demonstrado.
Desta forma, a prova é a confirmação de um fato declarado
através de meios considerados legais perante o ordenamento jurídico.
Sendo considerada em um procedimento o artifício capaz de
condenar ou absolver um indivíduo, a prova exige muita cautela, conforme ratifica
NEVES4:
Prova penal é aquela que, não atentando contra a moral, a saúde,
a segurança e a liberdade individual, fornece ao juiz o material
indispensável e seguro para a sentença. O que sair desse limite
3
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, p. 1253
4
NEVES, Serrano. Prova Criminal, p. 355
5
legal, certamente não será prova, mas arremedo de prova, ou
simplesmente torpeza processual.
Sendo a prova o meio hábil a condenar ou inocentar o
acusado, esta deverá obedecer aos limites legais, já que a lide será solucionada
com base nos elementos trazidos aos autos pelas partes.
Por derradeiro, entende-se a prova como um instrumento,
coisa ou até mesmo procedimento usado para comprovar nos autos determinada
alegação ou fato. Todavia, a prova é regida conforme alguns princípios, isto
porque no processo penal não é admitida a utilização de quaisquer meios de
prova, devendo ser revestidas de determinados preceitos essenciais à sua
validação, no entanto, oportuno é dizer a quem cabe levar aos autos do processo
a prova ou ainda a quem compete produzi-la durante a dinâmica processual.
Essa atividade probatória desenvolvida pelas partes no
desenrolar do processo convencionou-se chamar de ônus da prova e encontra-se
consagrada no artigo 156 do Código de Processo Penal com a seguinte rúbrica:
Art. 156 – A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, mas o
Juiz poderá, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença,
determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto
relevante.
Ou seja, trata-se a prova não de uma obrigação processual,
mas sim de um ônus que o autor da tese levantada deverá incumbir.
Ainda acerca do ônus da prova, ensina TORNAGUI5:
O dever existe para com outrem. Quem o tem e não o cumpre,
não sofre pena. O encargo é uma sorte de obrigação para consigo
mesmo. Se a lei encarrega alguém de praticar um ato, em seu
próprio favor, e o encarregado não o realiza, a ninguém prejudica
senão a si mesmo. Por isso não sofre pena; deixa de lucrar o que
ganharia se o praticasse. O dever é a contrapartida do direito
subjetivo; ao ônus não corresponde nenhum direito, porque o
beneficiário é o primeiro onerado. Se o réu, num processo penal,
5
TORNAGUI, H. Compêndio de processo penal, p. 705
6
tem um documento que lhe prova a inocência, é de toda vantagem
para ele juntá-lo aos autos. Caso não o faça, pode não ser
reconhecida a sua inocência. Mas não há lei alguma que lhe
imponha o dever de apresentar o documento e o ameace de pena
pelo simples fato de não o fazer.
Conforme CAPEZ6 “a prova é induvidosamente um ônus
processual, na medida em que as partes provem em seu benefício, visando dar
ao juiz os meios próprios e necessários para formar a sua convicção”.
Sendo assim, as provas cabem a quem tem interesse em
afirmar. Incumbe o ônus da prova dos fatos constitutivos, àquele que apresenta
uma pretensão, e àquele que é acusado cabe provar os fatos extintivos ou as
condições impeditivas ou modificativas.
Disciplina MIRABETE7, sobre o ônus da prova:
Ônus da prova (onus probandi) é a faculdade ou encargo que tem
a parte de demonstrar no processo a real ocorrência de um fato
que alegou em seu interesse, o qual se apresenta como relevante
para o julgamento da pretensão deduzida pelo autor da ação
penal.
Deste modo, conclui-se que se a parte fizer uma alegação,
esta deverá fundamentá-la através das provas, e assim formar a convicção do juiz
acerca do pleito.
Por fim, que a prova sempre representará o meio usado pelo
homem para, através da percepção, demonstrar uma verdade. Em meio a essa
demonstração, são aplicados princípios considerados como critérios legais em
busca da verdade real, apresentado em seguida.
6
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 309
7
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, p. 264
7
1.2 PRINCÍPIOS ATINENTES À PROVA:
Os princípios tem como papel fundamental a atuação como
elemento integrador do direito como fonte subsidiária.
Do mesmo modo, ensina ROCHA8 que “os princípios são as
idéias básicas que servem de fundamento ao direito positivo”. Assim como em
outras fontes do direito, a prova no processo penal também é regida por princípios
norteadores.
Abaixo, seguem os princípios atinentes à prova, que devem
ser destacados, para melhor elucidação do tema:
Princípio da auto-responsabilidade entre as partes: é aquele
em que as partes devem assumir e tolerar as conseqüências de sua inatividade,
negligência, erro ou atos intencionais.
FREGADOLLI9 dispõe sobre tal princípio com a seguinte
afirmação:
A parte tem o encargo de apresentar em juízo os elementos
comprobatórios das alegações feitas e que lhes compete
demonstrar.
Princípio da atividade processual contraditória: trata-se
da afirmação de que toda prova acolhe a contraprova, onde não será admitida a
produção de uma delas sem o conhecimento da outra parte (princípio do
contraditório).
Princípio da aquisição ou comunhão: dispõe que a prova
produzida não pertence apenas àquele que a produziu, servindo a ambas as
partes e ao interesse da justiça.
8
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. p. 48
9
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade e a prova ilícita, p. 163
8
Princípio da oralidade: deve predominar-se a palavra
falada, qual seja, os depoimentos, alegações, entre outros, sendo este um
princípio informador do processo em si.
Traz MIRABETE10 que neste princípio “deve haver a
predominância da palavra falada, mas essa predominância não é sensível em
nosso direito processual penal”.
Princípio
da
concentração:
princípio
que
procura
concentrar toda a produção da prova na audiência.
Princípio da publicidade: tem aplicação na confecção da
prova, uma vez que esta não deixa de ser um ato judicial, e todos os atos judiciais
são regidos por este princípio.
Leciona CAPEZ11 que no princípio da publicidade “os autos
judiciais (e, portanto a produção de provas) são públicos, admitindo-se somente
como exceção o segredo de justiça”.
Princípio do livre convencimento do juiz: encontra-se
prescrito no art. 157 do CPP, que dispõe que o magistrado formará sua convicção
pela livre apreciação da prova, sem qualquer influência ou imposição.
Princípio do ônus da prova: possui previsão no art. 156 do
CPP, e ratifica que a prova da alegação cabe à parte que as fizer, onde não basta
simplesmente alegar, deve-se provar o alegado.
Referidos princípios são considerados delineadores à prova,
que regulam a sua concepção e validade perante o ordenamento jurídico.
10
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, p. 266
11
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 312
9
1.3 OBJETO DA PROVA:
Entende-se por objeto da prova aquilo a que se deve
demonstrar, objeto na qual o juiz deve adquirir conhecimento para definir o
processo, fatos principais ou secundários, que necessitem de apreciação judicial
e exijam comprovação.
Serão constituídos objetos da prova, somente sobre os fatos
que dependam de comprovação, que gerem dúvida quanto à decisão da
responsabilidade penal.
No que tange ao objeto da prova, conceitua SILVA
JÚNIOR12:
O objeto da prova é, ou são os próprios fatos em si, ou melhor,
aquilo que deve ser demonstrado, ou seja, o fato materialmente
considerado, a autoria desse fato, suas circunstâncias (objetivas e
subjetivas), enfim, tudo o que deva ser considerado para apurar a
responsabilidade penal do agente, ou então, exatamente ao
contrário, para demonstrar a sua inocência.
O objeto da prova abrange não somente o fato criminoso e
sua autoria, como também circunstâncias objetivas e subjetivas que influenciem
na decisão do litígio, na responsabilidade penal e na fixação da pena.
De acordo com MALCHER13:
Objeto da prova são os fatos cujo conhecimento pelo juiz importa
para a decisão da causa. Só fatos podem ser provados, e todos
aqueles que, a critério do juiz e das partes, tenham interesse para
solução do litígio.
Desse modo, o objeto da prova é tudo aquilo que deverá ser
explanado ao juiz, pelas partes, a fim de que o mesmo adquira o conhecimento
12
SILVA JÚNIOR, Euclides Ferreira da. Curso de Direito Processual Penal,p. 116
13
MALCHER, J. L da Gama. Manual de Processo Penal, p. 332
10
necessário para solução do litígio sob apreciação. Somente são tidos como objeto
de prova, os fatos relevantes sobre os quais versa a lide.
Ainda quanto ao objeto a prova poderá ser direta ou indireta.
Aqui, é pertinente trazer a doutrina de MIRABETE14, acerca deste tema:
Quanto ao objeto, a prova pode ser direta, quando por si
demonstra o fato, quando dá a certeza deles por testemunhas,
documentos, etc. Ou indireta, quando comprovado um outro fato,
se permite concluir o alegado diante de sua ligação com o
primeiro, como na hipótese de um álibi, em que a presença
comprovada do acusado em lugar diverso do crime permite
concluir que não praticou o ilícito.
Conforme frisado acima, somente os fatos que deixam
dúvidas, ou seja, que exijam comprovação é que são objetos de prova. Isso
porque no processo penal, ainda existem os fatos que independem de prova,
quais sejam: fatos axiomáticos ou intuitivos, fatos notórios, presunções legais e
fatos inúteis.
Classifica-se fato axiomático ou intuitivo aquele cuja
convicção está formada, que são evidentes, não necessitando de provas para sua
comprovação.
Aos fatos notórios é aplicado o princípio notorium non eget
probatione, são aqueles cujo conhecimento faz parte da cultura de uma
sociedade, da informação de indivíduos de um determinado meio, é o caso da
verdade sabida.
Presunções legais são fatos com conclusões decorrentes da
própria lei, ou ainda, o conhecimento que decorre da ordem normal das coisas.
Diferencia-se a presunção absoluta juris et de jure, que é aquela que não se
admite prova em contrário, da presunção relativa juris tantum, presunção esta que
pode ser afastada quando houver prova que a contradiz.
14
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, p. 258
11
Por derradeiro, configuram-se fatos inúteis aqueles, que
verdadeiros ou não, não influenciam na solução do litígio ou na apuração da
verdade real.
A par do objeto da prova é preciso se estabelecer qual a sua
finalidade, pois deverá ela objetivar um fim, não se faz uma prova para o nada.
1.4 FINALIDADE DA PROVA:
A prova tem por finalidade formar a convicção do juiz acerca
do pleito, sobre os elementos necessários para a decisão do litígio.
No processo penal o objetivo da prova é o convencimento do
julgador quanto a veracidade do fato demonstrado na denúncia ou queixa-crime,
para chegar-se a condenação do acusado. Do mesmo modo, a defesa deverá
demonstrar a falsidade do fato imputado ao réu, a fim de convencer o magistrado
a optar pela absolvição. Tal convencimento, seja de veracidade ou falsidade,
deverá ser realizado durante a instrução processual.
Ensina MADEIRA15:
Provar é produzir fatos, concretizar o alegado, transformar numa
verdade jurídica tudo o que foi proposto pelas partes e admitido
pelo julgador.
O certo é que as provas servem à concepção do
convencimento do magistrado, ao mesmo tempo, exerce também o papel de
garantir perante a sociedade a decisão adotada pelo julgador.
Segundo GRECO FILHO16 “a finalidade da prova é o
convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem
um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico: sua finalidade prática, qual
15
MADEIRA, Ronaldo Tanus. Da Prova e do Processo Penal, p. 2
16
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, p. 174
12
seja, convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre
impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado."
Todavia, há uma persecução pela certeza dotada no
processo penal, onde não deverão restar dúvidas quanto à autoria do fato, caso
haja dúvidas o acusado é beneficiado, em conformidade com o princípio in dubio
pro reo.
Ratifica PEDROSO17 que “uma condenação somente terá
lugar quando o exame sereno da prova conduza à exclusão de todo motivo sério
para duvidar”.
Tanto no processo penal como no cível, a prova levada aos
autos poderá ser utilizada, como bem convir, por qualquer uma das partes ou pelo
próprio juiz, esse conceito institui o princípio da comunhão dos meios de prova.
Na acepção de TOURINHO FILHO18 “a finalidade da prova é
tornar esse fato conhecido do juiz, convencendo-o da sua existência”.
O juiz é que deve dizer se o acusado é culpado ou inocente,
para tanto é preciso que se esclareçam os fatos e acontecimentos através das
provas acostadas. De tal modo, qualquer indivíduo terá direito a usar de todos os
meios de prova a ele inerente para o esclarecimento de tais fatos.
1.5 DIREITO À PROVA:
Constitui o direito à prova um dos pilares garantidores do
estado democrático, através da Carta Magna, que garante a liberdade do cidadão
e consagra o princípio da presunção de inocência do acusado.
17
PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal - O direito de defesa: Repercussão,
Amplitude e Limites. p 47
18
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 214
13
Do mesmo modo, os princípios constitucionais de proteção e
garantia da pessoa humana também evitam que a busca da verdade se dê
mediante meios que sejam reprováveis dentro de um Estado Democrático de
Direito.
No que tange às garantias do cidadão na instrução
processual, ensina BASTOS19:
O art. 5°, inciso LV da Constituição, estabelece que aos litigantes,
seja em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes.
Dentre os princípios que garantem o direito à prova o de
maior sustentação é o da ampla defesa, haja vista que é assegurada ao indivíduo
a possibilidade de trazer para o processo todos os elementos necessários à
elucidação dos fatos.
Desse modo e no dizer de MORAES20:
Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao
réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo
todos os elementos tendentes à esclarecer a verdade ou mesmo
de omitir-se ou calar-se, se entender necessário...
Entretanto, embora o direito à prova seja assegurado
constitucionalmente, observa-se que não é este direito absoluto.
Segundo o ensinamento de GRINOVER21 “os direitos do
homem não podem ser entendidos de forma absoluta”. De tal modo, o princípio da
convivência das liberdades deve ser respeitado a ponto de não se tornar lesivo à
ordem pública e às liberdades alheias.
19
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 387
20
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 125
21
GRINOVER, Ada Pellegrini, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho. As
Nulidades no Processo Penal, p. 97
14
Constitui como regra no processo a liberdade probatória, eis
que é dado às partes o direito à prova, e a exceção traduz-se na inadmissibilidade
da produção de determinadas provas em juízo, assim, tais exceções necessitam
ser justificadas de maneira relevante. Neste contexto, o direito à prova, não é
irrestrito, já que encontra limitação legal e ética com o intento de proteger o
indivíduo em sua intimidade.
É evidente que no plano infraconstitucional constituem
limitações probatórias, por exemplo, a recusa de depor consentida aos parentes
do acusado e o impedimento para depor de pessoas que devam guardar segredo
em razão de seu ofício ou profissão.
Outrossim, o direito à prova implica, no plano conceitual, a
ampla possibilidade de utilizar quaisquer meios probatórios disponíveis. A regra é
a admissibilidade das provas; e as exceções precisam ser cumpridamente
justificadas, por alguma razão relevante.
Ainda sobre os limites do direito à prova, MENDES22 ratifica
que:
o processo se rege dentro de uma regra moral, motivo por que o
Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal Militar
consideram inadmissíveis meios de prova moralmente ilegítimos
(art. 332, CPC) e que atentem contra a moral e a segurança
individual ou coletiva (art. 297, CPPM).
No Processo Penal, onde o que está em jogo é a liberdade
do acusado, necessária se faz a imposição de limites aos meios de prova.
Destarte, a observância de normas preestabelecidas e de um rito anteriormente
determinado constitui garantia para o indivíduo tido como réu.
Conforme verificado, o limite do direito à prova institui
parâmetro, do qual a atividade probatória não pode ser afastada, sob pena de
ilicitude ou ilegalidade da prova obtida com infringência à limitação.
22
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à Intimidade e Interceptações Telefônicas, p. 103
15
A prova, porém, para servir de suporte a uma decisão
judicial, há de ser obtida licitamente, por meios que não contradigam a moral e os
bons costumes e ainda que esteja dentro dos perímetros éticos do indivíduo.
Embora exista a possibilidade de se impor limites ao direito à
prova a regra é de que ela pode ser produzida em sua plenitude como garantia da
ampla defesa, entretanto, há em nosso ordenamento jurídico, aquelas tidas como
lícitas, portanto, suscetíveis ao processo, e outras avaliadas como ilícitas, é o que
discorrer-se-á em seguida.
1.6 PROVAS LÍCITAS:
São consideradas provas lícitas àquelas obtidas de forma
correta, sob a prescrição da lei e da ética. Segundo o art. 332 do nosso Código de
Processo Civil, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especificados nele, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que
se funda a ação ou a defesa.
A prova possui limitações relacionadas na Carta Magna, em
seu art. 5°, inciso LVI, que dispõe:
São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos.
Com base neste inciso, ampara-se o princípio que assegura
a proibição de ingresso nos autos das provas obtidas ilicitamente.
MENDES23 trata da seguinte forma sobre a prova lícita:
Atente-se para o fato que a observância de regras
preestabelecidas e de um rito determinado, previstos no processo,
constitui um valor de garantia para o indivíduo, e não um retorno
ao sistema da prova legal em que se permitiria tão somente um
23
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. DIREITO A INTIMIDADE E INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA, p. 103
16
valor de verdade, mas assinalava a defesa das formas
processuais em nome da tutela dos direitos do acusado. O limite
do direito à prova, como se vê, é uma espécie de parâmetro do
qual a atividade probatória não pode esgueirar-se, de modo que a
prova acolhida no processo, em princípio, será uma prova da
categoria lícita.
Toda prova que foge desse parâmetro é ilícita e, portanto,
imprestável. Discorre sobre o tema SILVA JÚNIOR24 :
A prova permitida é aquela que está prevista no Código de
Processo Penal entre os arts. 158/250, e a prova proibida, é
aquela que ofende aos direitos individuais da pessoa, de modo
que não vem prevista em nossa legislação.
Os meios probatórios incompatíveis com o direito de defesa
e a dignidade humana não são admissíveis, pois a utilização destes ocasionaria
em uma afronta a vida social dos indivíduos, regido genericamente pelas normas
reguladoras do direito.
Sendo a prova considerada fundamental ao Processo Penal,
tem ela que se revestir de requisitos válidos, não podendo conter vícios em sua
formação. Todavia, há que se analisar que se encontra em questão igualmente, a
liberdade do indivíduo e a segurança da sociedade. Disto decorre o entendimento
de que, às partes, é possível lançar mão de todos os meios de prova, ainda que
consideradas proibidas.
1.7 PROVAS PROIBIDAS:
Conforme já explanado em outros tópicos, para a prova ter
validade, esta deve obedecer aos princípios gerais do Processo Penal.
24
SILVA JÚNIOR, Euclides Ferreira da. Curso de Direito Processual Penal, p. 118
17
ARANHA25 conceitua a prova proibida como sendo “toda
aquela que é defesa, impedida mediante uma sanção, impedida que se faça pelo
direito. A que deve ser conservada à distância pelo ordenamento jurídico”.
Consideram-se provas proibidas, no âmbito processual
penal, tanto as provas que violem normas processuais (provas ilegítimas), quanto
às provas que transgridam normas de direito material (provas ilícitas).
Neste sentido ensina MENDES26:
No campo das proibições da prova, a vedação pode ser de
natureza processual – quando colocada em função de interesses
referentes à lógica e à finalidade do processo; de natureza
substancial – quando, embora servindo mediatamente também a
interesses processuais, é colocada essencialmente em função dos
direitos que o ordenamento jurídico reconhece aos indivíduos
(direitos fundamentais), independentemente do processo.
Tanto a prova ilícita, como a ilegítima não são admitidas no
processo, devendo o juiz criminal desconsiderá-las quando da sua apreciação,
sob pena de ser a decisão considerada nula.
Todavia, se uma prova ilícita ou ilegítima for imprescindível
para evitar uma condenação injusta, esta deverá ser aceita, flexibilizando-se à
proibição dos incisos X e XII do art. 5° da Constituição Federal.
1.7.1 PROVAS ILEGÍTIMAS:
No âmbito das provas proibidas, a prova ilegítima não pode
ser confundida com a prova ilícita, posto que a primeira é aquela produzida com
infringência a uma norma de caráter processual, infringência esta que ocorre após
sua produção.
Neste caso AVÓLIO27 a define como:
25
ARANHA, Adalberto José Q. T de Camargo, Da Prova no Processo Penal, p. 48
26
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à Intimidade e Interceptações Telefônicas, p. 104
18
(...) aquela cuja colheita estaria ferindo normas de direito
processual. Assim, veremos que alguns dispositivos da lei
processual penal possuem regras de exclusão de determinadas
provas, como por exemplo, a proibição de depor em relação a
fatos que envolvam o sigilo profissional (art. 207 CPP). A sanção
para o descumprimento dessas normas encontra-se na própria lei
processual. Então, tudo se resolve dentro do processo, segundo
os esquemas processuais que determinam as formas e as
modalidades de produção da prova, com a sanção
correspondente a cada transgressão, que pode ser uma sanção
de nulidade.
Observa-se,
portanto,
que
são
consideradas
provas
ilegítimas aquelas que afrontam normas de Direito Processual, tanto na sua
produção, quanto na introdução da prova no processo.
Para PEDROSO28:
As provas ilegítimas, por as sanções a elas concernentes
ressurtirem cominadas – implícita ou explicitamente – na própria
lei processual, não demandam maiores explicações. Produzida
uma prova ilegítima, terá ela a sanção que for peculiar à espécie.
Há ainda que se considerar a distinção, quanto à produção
da prova ilícita da prova ilegítima, seja no processo ou externamente a ele.
Conforme MENDES29 a distinção entre a prova ilegítima e a
prova ilícita é que “na prova ilegítima, a ilegalidade ocorre no momento de sua
produção no processo e na prova ilícita, a violação ocorre no momento da colheita
da prova, podendo ser anterior ou concomitantemente ao processo, mas
externamente a este”.
Alguns exemplos de provas ilegítimas são: o depoimento de
uma testemunha obrigada a guardar sigilo por dever funcional (art. 207 CPP), a
27
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas, p.39
28
PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal - O direito de defesa: Repercussão,
Amplitude e Limites, p. 379
29
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à intimidade e interceptações telefônicas, p. 103
19
exibição de uma prova no plenário que ainda não tenha sido juntada aos autos,
ou cientificada à parte contrária, proibição esta expressa no art. 475 do CPP,
entre outras proibições que infringirem o sistema processual.
Podem também as duas espécies de provas ilegais, quais
sejam: ilegítimas e ilícitas, coexistir em um mesmo ato. De acordo com
GRINOVER30 “determinadas provas, ilícitas porque constituídas mediante a
violação de normas materiais (...), podem ao mesmo tempo ser ilegítimas, se a lei
processual também impede sua produção em juízo (...)”
1.7.2 PROVAS ILÍCITAS:
Em um contexto geral, são considerados ilícitos, os meios de
prova que contrariam as normas do Direito Material quanto ao meio ou ao modo
de obtenção.
A prova obtida por meios que contrariar normas de direito
material, sejam normas de cunho constitucional, ou ainda, normas de caráter
infraconstitucional, é vista como ilícita.
Obedecendo a este entendimento AVÓLIO31 informa que:
A prova colhida com infração a normas ou princípios de direito
material – sobretudo de direito constitucional, porque como vimos
a problemática da prova ilícita se prende sempre à questão das
liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e
garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana;
mas também, de direito penal, civil, administrativo, onde já se
encontram definidos na ordem infraconstitucional outros direitos
ou cominações legais que podem se contrapor às exigências de
segurança social, investigação criminal e acertamento da verdade
(...)
30
GRINOVER, Ada Pellegrini, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho. As
Nulidades no Processo Penal, p. 128/129
31
AVOLIO, Luiz Francisco Torquatto. Provas Ilícitas, p.43
20
Necessária
32
FREGADOLLI
também
se
faz
citar
a
doutrina
de
sobre esta modalidade de prova:
A prova ilícita diz respeito à transgressão do Direito Material,
ocorrendo a violação no momento da colheita da prova.
É o que difere a prova ilícita da prova ilegítima, que
conforme já citado no tópico acima, fere as normas do Direito Processual.
Acrescenta ainda:
(...) conclui-se, portanto, que a prova ilícita diz respeito à
transgressão do Direito Material, ocorrendo a violação no
momento da colheita da prova. (...) O termo ilícito tem um sentido
amplíssimo: Tudo quanto a lei não permite que se faça ou que é
praticado contra o direito, a justiça, os bons costumes, a moral
social e a ordem pública.
Por isso, da obra de CAPEZ33 e da análise que faz sobre
este tipo de prova extrai-se que quando for ela vedada, em virtude de ter sido
produzida com afronta a normas de direito material, será chamada de ilícita.
Desse modo, são tidas como ilícitas as provas que não
fazem parte do ordenamento jurídico processual, ou seja, as não expressas na
legislação. Todavia, inúmeras são as formas de se contrariar o direito material, é
o que explica ARANHA34:
A violação a um princípio de direito material pode ser ampla, não
se resumindo na oposição à lei; é possível ofender os costumes
(exteriorizar segredo obtido em confessionário), a boa-fé (usar
gravador disfarçado), a moral (recompensar parceiro para
conseguir a prova do adultério) etc.
Há outros exemplos de provas ilícitas como aquelas obtidas
com violação de domicílio, sem ordem judicial, e a confissão obtida mediante
32
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade e a prova ilícita, p. 180
33
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 285
34
ARANHA, Adalberto José Q. T de Camargo. Da prova no Processo Penal, p. 49
21
tortura, avaliada ilegítima e ineficaz, tendo em vista que fere o disposto na
codificação, já que a tortura é considerada crime previsto em lei. Desta forma, a
prova torna-se categoricamente invalidada para o corpo do processo.
Contudo, se a prova for indispensável ao deslinde da
instrução criminal, a despeito de ser ilícita, poderá ser aceita em função do
princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, mas em uma única
oportunidade, quando beneficiar o réu.
De acordo com esse entendimento, o STF, vem decidindo
reiteradamente que a prova ilegal deva ser admitida quando é usada para
beneficiar o réu. A doutrina e a jurisprudência decidida pelo Supremo Tribunal
Federal vêm autorizando a prolatação de sentença em meio a um processo
composto de uma prova inadmissível, quando resultar em benefício do réu.
Leciona PEDROSO35 acerca da prova ilícita:
(...) quando se discute sobre a validade da prova ilegalmente
obtida, há de ter-se presente que a ilicitude que à tisna advém de
sua produção ou obtenção, não também de seu conteúdo. Sim
porque se a prova ilícita tiver essa natureza diante de seu próprio
conteúdo, indubitável é que total será sua ineficácia, como, por
exemplo, no caso de prova plantada ou forjada.
Neste diapasão, são consideradas ilícitas todas as provas
produzidas mediante a prática de crime ou contravenção, as que afrontarem o
Direito Civil, Comercial ou Administrativo, ou ainda, aquelas que contrariarem os
princípios constitucionais.
Para MENDES36 prova ilícita é a prova colhida mediante a
infração de normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis,
frequentemente com a finalidade de proteção das liberdades públicas e dos
direitos da personalidade em que se abriga o direito à intimidade.
35
PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal, O Direito de Defesa: Repercussão,
Amplitude e Limites, p.377
36
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à intimidade e interceptações telefônicas, p. 104
22
No que se refere à possibilidade da produção de provas
obtidas por meios ilícitos, que não sejam consideradas ilegítimas no âmbito
jurídico, diversos são os posicionamentos, embora deva ficar enfatizado mais uma
vez, que provas ilícitas não se confundem com provas ilegais ou ilegítimas.
Em meio às diversas opiniões acerca da possibilidade de
apreciação das provas obtidas por meios ilícitos, NOGUEIRA37 traz as três teorias
adotadas em nosso ordenamento jurídico:
1ª) Teoria da admissibilidade, para a qual somente as provas
ilegítimas, que resultam de uma norma processual, é que estão
vedadas e podem ser rejeitadas. Assim, os violadores de uma
norma material respondem pela violação, mas a prova colhida tem
validade. [...]
2ª) Teoria da inadmissibilidade ou da rejeição, que tem por base o
princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado e o de
que se a prova é ilícita ofende ao direito, não sendo, assim
admissível. [...]
3ª) Teoria da proporcionalidade, que procura buscar um certo
equilíbrio entre os interesses sociais e o direito fundamental do
indivíduo.
Referidas teorias serão analisadas mais adiante, no terceiro
capítulo, onde versará sobre a interceptação telefônica quando obtida ilicitamente
e sua admissibilidade em juízo.
No próximo capítulo explanar-se-a alguns dos princípios
considerados delineadores ao processo penal, e consequentemente, que servem
de sustentação às normas jurídicas.
37
NOGUEIRA, Paulo Lucio. Curso completo de processo penal. p. 224-225
CAPÍTULO 2
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS AO PROCESSO PENAL
2.1 OS PRINCÍPIOS
Sabe-se que os princípios, ao lado das regras, são normas
jurídicas. Os princípios, porém, exercem dentro do sistema normativo um papel
diferente dos das regras. Estas, por descreverem fatos hipotéticos, possuem a
nítida função de regular, direta ou indiretamente, as relações jurídicas que se
enquadrem nas molduras típicas por elas descritas. Não é assim com os
princípios, que são normas generalíssimas dentro do sistema.
Importante, pois, para esta pesquisa é se conhecer o
conceito de princípios para sua aplicabilidade nas lides processuais que norteiam
o cotidiano das pessoas.
Para MELLO38 nada mais é que:
(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e
lhe dá sentido harmônico...
Continua o raciocínio sob a seguinte afirmação:
(...) violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não
apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão
de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
38
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo, p. 230
24
SILVA39 define os princípios como verdadeiras ordenações
que se irradiam e imantam os sistemas de normas, ou, são "núcleos de
condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais".
Do mesmo modo, os princípios, que começam por ser a
base
de
normas
jurídicas,
podem
estar
positivamente
incorporados,
transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos básicos da
organização constitucional.
Entende-se que os princípios são multifuncionais sendo que
pelo menos três funções podem ser apontadas a eles no direito em geral:
a) função fundamentadora;
b) função orientadora da interpretação;
c) função de fonte subsidiária.
Ao lado dessas três funções básicas podemos enumerar
diversas outras. Neste caso, é pertinente trazer a doutrina de ROCHA40 acerca
do emprego dos princípios no direito:
(...) de qualificar, juridicamente, a própria realidade a que se
referem, indicando qual a posição que os agentes jurídicos devem
tomar em relação a ela, ou seja, apontado o rumo que deve seguir
a regulamentação da realidade, de modo a não contravir aos
valores contidos no princípio" e, tratando-se de princípio inserido
na Constituição, a de revogar as normas anteriores e invalidar as
posteriores que lhes sejam irredutivelmente incompatíveis.
O Supremo Tribunal Federal, aos poucos, vem captando
essa dimensão funcional dos princípios, conforme se observa no voto do Min.
Celso
de
Mello,
proferido
na
PET-1458/CE
(DJ
04-03-98,
Julgamento
26/02/1998):
O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidenciase como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado
39
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 94
40
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo, p.47
25
a esses valores - que desempenham, enquanto categorias
fundamentais que são, um papel subordinante na própria
configuração dos direitos individuais ou coletivos - introduz um
perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a
harmonia que deve presidir as relações, sempre tão
estruturalmente desiguais, entre os indivíduos e o Poder.
Sendo os princípios normas gerais ou generalíssimas que
exprimem valores, portanto, pontos de referência e modelo, para regras que as
desdobram, é de grande importância observar algumas características básicas,
conforme ensina CANARIS41:
a) não valem sem exceção e podem entrar entre si em oposição
ou em contradição - a decisão do julgador pode ser válida e
eficaz, mesmo quando baseada em princípio singular que poderia
levá-lo a uma decisão antagônica;
b) não têm a pretensão de exclusividade - diversas vezes os
princípios estão conectados; uma mesma conseqüência jurídica,
característica de um determinado princípio, também pode ser
conectada com outro princípio;
c) ostentam seu sentido próprio apenas numa combinação de
complementação e restrição recíprocas - devem ser analisados de
forma plena, e na da aplicação de um ou mais princípios se tenha
em mente e faça parte da decisão final a ponderação dos demais
princípios contrapostos e limitativos. Deve-se buscar os limites
existentes entre os princípios, pois estes só adquirem seu
significado próprio quando se ligam entre si, para, a partir de
várias premissas, adequarem-se ao caso concreto;
d) precisam, para sua realização, de uma concretização através
de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material
próprio – os princípios não existiriam sem outros sub-princípios e
valorações de conteúdo material, não são capazes de aplicação
imediata, antes devendo ser normativamente consolidados ou
normativizados.
41
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito,
p.88.
26
Para MALCHER42
O Direito Processual Penal encontra sua principal fonte normativa,
como já vimos, no Direito Constitucional, naqueles princípios que
definem, asseguram e garantem os direitos individuais.
Com base nesta afirmação, serão dispostos abaixo, alguns
dos princípios considerados imprescindíveis à elucidação do tema constante no
presente trabalho.
2.2 PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA
A presunção da inocência encontra respaldo no inciso LVII
do art. 5o da Constituição Federal de 1988, que dispõe: "ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Encontra sustentação também no artigo 9° da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que preconiza que toda pessoa
se presume inocente até que tenha sido declarada culpada.
Não está dito no texto constitucional que todo o homem se
presumirá inocente, até que seja condenado, mas sim que ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Conclui-se, portanto, que não se estaria aplicando propriamente o princípio da
presunção da inocência, mas sim o da desconsideração prévia da culpabilidade,
de aplicação mais restrita.
Sob esta ótica TAVARES43 o conceitua como sendo:
(...) um princípio penal de que ninguém pode ser tido por culpado
pela prática de qualquer ilícito senão após ter sido como tal
julgado pelo juiz natural, com ampla oportunidade de defesa.
42
MALCHER, J.L da Gama. Manual de Processo Penal, p. 62
43
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 613
27
Complementa o raciocínio:
Ao indivíduo é garantido o não-tratamento como criminoso, salvo
quando reconhecido pelo sistema jurídico como tal.
Não obstante a consagração do princípio da presunção da
inocência, este não afasta a constitucionalidade das prisões provisórias “que
continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a
legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a
presunção juris tantun de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir
sobre seu status libertatis”44.
Do mesmo modo prescreve CENEVIVA45:
A presunção constitucional não exclui a possibilidade da prisão
em flagrante e do recolhimento à prisão, como requisito da
apelabilidade da condenação a pena de reclusão.
Assim
sendo,
são
juridicamente
válidas
todas
as
modalidades de prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e
por sentença condenatória, sem trânsito em julgado, sem se contrapor ao
princípio ora em comento.
Ensina MIRABETE46 que como efeito do princípio do estado
de inocência decorre:
- a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva
só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade
ou conveniência, segundo estabelece a lei processual;
- o réu não tem o dever de provar sua inocência, cabe ao
acusador comprovar sua culpa;
44
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 133
45
CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro, p. 82
46
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 42
28
- para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é
ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida
a respeito da sua culpa.
É o chamado princípio in dúbio pro reo, onde assegura que
na dúvida opta-se pela absolvição do acusado.
2.3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL
Preceitua o art. 5º, LIV, da Constituição Federal que
“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”.
Trata-se de um princípio amparado pela Carta Magna, onde
assegura que ninguém seria privado de sua vida, de sua liberdade ou de sua
propriedade, senão em virtude do devido processo legal. Referido preceito é
considerado por muitos doutrinadores como a fonte de todos os demais princípios
processuais constitucionais.
Para TAVARES47:
O devido processo legal, no âmbito processual, significa a
garantia concedida à parte processual para utilizar-se da plenitude
dos meios jurídicos existentes.
Já para BASTOS48 a amplitude deste princípio “se
caracteriza pela sua excessiva abrangência e quase que se confunde com o
Estado de Direito”. Completa ainda que “a partir da instauração deste, todos
passaram a se beneficiar da proteção da lei contra o arbítrio do Estado”.
Sua finalidade é justamente proteger o indivíduo contra
qualquer tipo de arbitrariedade aplicada pelo Estado, portanto, o princípio do
devido processo legal é visto mais como uma garantia do que um direito.
47
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 626
48
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p.386
29
Conforme MORAES49:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,
atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de
liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade
total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa.
São corolários do devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa, princípios estes que devem ser assegurados aos litigantes em
processo judicial ou administrativo.
Cabe ao devido processo legal assegurar às partes:
- Direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação;
- Direito a um julgamento;
- Direito de arrolar testemunhas e de notificá-las para comparecerem perante os
tribunais;
- Direito ao procedimento contraditório;
- Direito de não ser processado, julgado ou condenado por uma delegada infração
às leis ex post facto;
- Direito à igualdade entre acusação e defesa;
- Direito contra medidas ilegais de busca e apreensão;
- Direito de não ser acusado nem condenado com base em provas obtidas
ilegalmente;
- Direito a assistência judiciária, inclusive gratuita.
2.4 DO CONTRADITÓRIO
Trata-se de um princípio amparado pela Constituição
Federal, através do seu art. 5°, inciso LV, que estabelece que aos litigantes, seja
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.
49
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p.125
30
Neste sentido, leciona MIRABETE50:
Do princípio do contraditório decorre a igualdade processual, ou
seja, a igualdade de direitos entre as partes acusadora e acusada,
que se encontram num mesmo plano, e a liberdade processual,
que consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o
advogado que bem entender, de apresentar as provas que lhe
convenham etc.
A Lei Maior ao garantir os direitos em oportunidades
processuais tanto à acusação, quanto à defesa, prescreve ainda que a autoridade
judiciária deva presumir o acusado inocente, enquanto não transitar em julgado a
decisão contra ele proferida.
De acordo com MENDES51:
O contraditório garante às partes ciência dos atos, termos
processuais e o direito de impugná-los, concedendo, assim aos
litigantes ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes.
Consiste, pois o contraditório, no direito à informação e
também no direito à participação. O direito a informação é assegurado através
dos institutos da citação, intimação e notificação, e o direito a participação versa o
direito a prova e o direito à argumentação, oral ou escrita.
Entende MORAES52 que o contraditório:
(...) é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a
condução dialética do processo, pois a todo ato produzido pela
acusação, caberá igual direito de defesa de opor-se ou de dar-lhe
a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma
interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.
Constitui
entendimento
tanto
doutrinário,
quanto
jurisprudencial, que as partes devem ter acesso a todos os recursos para o
50
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, p. 43
51
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à Intimidade e Interceptações Telefônicas, p. 84
52
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 124
31
oferecimento da matéria probatória, sob pena de cerceamento de defesa ou de
acusação.
Conforme GRINOVER53 “a garantia do contraditório não é
vista somente como objetivo da defesa no sentido negativo, mas também numa
dimensão positiva em que o acusado procura atuar ativamente, provando sua
inocência”.
2.5 DA AMPLA DEFESA:
Como no contraditório, é assegurado ao réu ainda, direito de
defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a eqüidade
das partes, cujo procedimento se convencionou chamar de ampla defesa.
Ampla defesa, conforme traz BASTOS54 é:
o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe
possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes
a esclarecer a verdade.
Acerca da possibilidade de defesa, através do supra citado
princípio, SILVA JÚNIOR55 leciona que “não basta que seja dado ao acusado a
oportunidade de se defender, é preciso que a sua defesa seja ampla, caso
contrário não existe a possibilidade de se contrariar todas as acusações”.
Daí MALCHER56 nos dizer que da ampla defesa decorrem
várias conseqüências, tais como:
1 – a cientificação a uma parte dos atos praticados pela parte;
53
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Sacarance e GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As nulidades do processo penal, p. 99
54
IBIDEM, p.387
55
SILVA JÚNIOR. Euclides Ferreira da. Curso de Direito Processual Penal, p. 15
56
MALCHER, J.L da Gama. Manual de Processo Penal, p.64
32
2 - o termo de contrariedade, dando-se a uma das partes prazo
igual ao utilizado pela outra, para contrariar suas alegações;
3 – o direito à produção de provas, em situação de igualdade; e
finalmente;
4 – a defesa técnica, que decorre da obrigação imposta ao juiz de
nomear defensor técnico ao acusado revel, ao que não indique
profissional para defendê-lo, ou ainda, ao acusado que não tenha
recursos suficientes para promover sua defesa.
Seguindo este entendimento pode se afirmar que as partes
devem ter iguais oportunidades na instrução e defesa processual, onde reinam a
liberdade e a dignidade individual.
Para CENEVIVA57:
A amplitude da defesa é garantia contra a prova ilícita e assegura
o chamamento tempestivo a juízo, a assistência jurídica, mesmo
para os desamparados e a rigorosa obediência ao devido
processo legal.
Caso não seja dada ao acusado a possibilidade do
contraditório e da ampla defesa, estará o processo incidindo em cerceamento de
defesa, situação esta que fatalmente causará a nulidade do processo ou de algum
dos seus atos.
De idêntica amplitude é o princípio da proporcionalidade,
que possibilita tanto ao legislador elaborar normas na conformidade com o valor
do bem violado como ao julgador, ao sopesar interesses conflitantes para aplicar
corretamente a lei.
57
CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro, p. 82
33
2.6 DA PROPORCIONALIDADE
Dentre os princípios que norteiam o Direito Constitucional,
ganha cada vez mais relevo, inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, o princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade é empregado como meio
eficaz para que as decisões sejam justas, sendo este um princípio cada vez mais
utilizado no Direito Brasileiro e no Direito Comparado. É o que traz AVÓLIO58 em
sua doutrina:
A aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do
direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de
forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do
favor rei é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e pela
jurisprudência.
INGRID BARREIRA59 em artigo publicado em revista
eletrônica diz que:
O princípio da proporcionalidade constitui um limite constitucional
à liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao
autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias de forma
a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de
concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou
direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara
vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador.
Completa ainda:
O principio da proporcionalidade pretende instituir a relação entre
fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma
intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um
controle do excesso. Sua principal função é exercitada na esfera
dos direitos fundamentais servindo também de atualização e
efetivação da proteção da liberdade aos direitos fundamentais.
58
59
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas, p. 67
http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revistaPGM/vol08/17PrincipioDaProporcionalidade.html,
Acessado em 04/09/2006 às 21h38min.
34
O
Princípio
da
Proporcionalidade
tem
fundamental
importância na aferição da constitucionalidade de leis interventivas na esfera da
liberdade humana, exigindo-se do legislador uma maior ponderação de
resultados.
Acerca da teoria da proporcionalidade e de sua função, reza
FREGADOLLI60:
Por meio dela busca-se estabelecer um ponto de equilíbrio entre
os interesses da sociedade em punir o criminoso, às vezes melhor
preparado que os policiais, e o de defender os direitos
fundamentais do indivíduo.
Completa ainda:
Determina-se uma proporção entre a infringência da norma na
colheita da prova e os valores que a sociedade deve preservar e
que tal prova visa proteger, encontra-se o equilíbrio através dessa
proporção, trazendo o juízo da admissibilidade ou não.
Para BONAVIDES61 o princípio da proporcionalidade produz:
(...) uma controvertida ascendência do juiz (executor da justiça
material) sobre o legislador, sem chegar todavia a corroer ou
abalar o princípio da separação de poderes, atuando o magistrado
com maior poder ao utilizar o referido princípio.
Assim,
quanto
às
funções
desempenhadas
pela
proporcionalidade no sistema normativo, duas merecem destaque. Na primeira
delas, o princípio da proporcionalidade configura instrumento de preservação dos
direitos fundamentais contra a ação limitativa que o Estado impõe a esses
direitos.
Por outro lado, o princípio em tela também cumpre a missão
de funcionar como critério para solução de conflitos de direitos fundamentais,
60
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade e a prova ilícita, p. 192
61
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 320
35
através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso
concreto.
Esta função é ressaltada mais uma vez por BONAVIDES62:
Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no
princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de
interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos
fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o
princípio é indubitavelmente apropriado. As cortes constitucionais
européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade
Européia, já fizeram uso freqüente do princípio para diminuir ou
eliminar a colisão de tais direitos.
Assim, todas essas definições destacam a proporcionalidade
como parâmetro de controle da constitucionalidade das leis e dos atos
administrativos ou judiciais.
2.7 DA INTIMIDADE
O princípio da intimidade encontra fundamentação no art. 5°,
inciso X da Constituição Federal, que assim prescreve:
São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação.
Entende-se por intimidade a esfera secreta da vida do
indivíduo, na qual este tem o poder legal de evitar o conhecimento de outrem
neste domínio.
Nesse diapasão, a intimidade guarda relação com a vontade
individual, com a necessidade de não se expor e, igualmente, de se retrair frente
aos demais homens, guardando para si seus pensamentos, seus desejos, suas
frustrações pessoais, requisitos inerentes à personalidade individual.
62
IBIDEM ao 61, p. 386
36
LIMA ROQUE63 ao sobre ela discorrer nos diz que:
A personalidade é parte do indivíduo; é a parte que lhe é
intrínseca, pois através dela a pessoa poderá adquirir e defender
os demais bens. É da personalidade que emanam os demais bens
jurídicos.
No entanto, é importante ressaltar, que, embora em algumas
situações os direitos à intimidade, à honra e à imagem possam aparecer
entrelaçados, estes não podem ser confundidos. Tanto é que, com o direito à
intimidade, o legislador visa proteger o indivíduo da intromissão alheia na sua vida
particular; com o direito à honra busca-se preservar a personalidade de ofensas
que a depreciem ou ataquem sua reputação e com o direito à imagem procura-se
restringir a exposição indevida da imagem da pessoa.
CENEVIVA64 ao procurar defini-la nos informa que:
Os conceitos de intimidade e vida privada são muito próximos e
correspondem ao direito da pessoa de não ser incomodada, no
espaço físico que escolher, de viver por si mesma, livre de
qualquer forma de divulgação ou de publicidade que não deseja
suportar.
Intimidade revela, assim, a esfera secreta da pessoa física,
sua reserva de vida, mantendo forte ligação com a inviolabilidade de domicílio,
com o sigilo de correspondência e com o segredo profissional.
De acordo com SILVA65 “o direito à intimidade é quase
sempre considerado como sinônimo de direito à privacidade”
Já no dizer de TAVARES66 “significa intimidade tudo quanto
diga respeito única e exclusivamente à pessoa em si mesma, a seu modo de ser
63
LIMA ROQUE, Maria José Oliveira. Sigilo Bancário & Direito a Intimidade. Pág.19
64
CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro, p. 82
65
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.210
66
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 572
37
e de agir. Abrange a inviolabilidade do domicílio, o sigilo das comunicações e o
segredo profissional”.
Para tanto, importante se faz a abordagem de cada um
desses itens, que dizem respeito à intimidade da pessoa humana.
2.7.1 INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO:
Segundo dispõe a Constituição Federal, no art. 5°, XI: “a
casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador (...)”.
MORAES67 conceitua domicílio como sendo:
No sentido constitucional, o termo domicílio tem amplitude maior
do que no direito privado ou no senso comum, não sendo somente
a residência, ou ainda, a habitação com intenção definitiva de
estabelecimento.
Acrescenta ainda:
Considera-se, pois, domicílio todo local, delimitado e separado,
que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive
profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço,
preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito.
Ao indivíduo, fica assegurado um local onde o mesmo
poderá exercer livremente sua privacidade, sem que se exponha, ou seja,
importunado por terceiros. Poderá o indivíduo, ainda em seu domicílio, ter a
liberdade de conviver sob um mesmo ambiente com sua família, ter intimidade
sexual e exercer a liberdade de profissão.
Contudo,
embora
esteja
assegurada
ao
cidadão
a
inviolabilidade de domicílio, este poderá ser violado caso esteja o indivíduo
praticando um ilícito no interior de sua residência.
67
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 83
38
Se ocorrer tal fato, a invasão da autoridade policial no
domicílio do indivíduo se tornará lícita. Aqui é pertinente trazer a doutrina de
BASTOS68:
Por flagrante delito deve-se entender a prática atual de um crime
ou contravenção. Se dentro da casa, portanto estiver havendo a
prática de um delito, a invasão se torna lícita. Ela será ainda
constitucional no caso de o autor do crime ou contravenção ter
delinqüido fora da casa, mas ter ido nela se refugiar.
MORAES69 ratifica em sua doutrina que o Supremo Tribunal
Federal já decidiu que mesmo sendo a casa o asilo inviolável do indivíduo, não
pode ser transformado em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior
se praticam.
Deste
modo,
mesmo
um
princípio
poderá
ser
desfragmentado quando se tratar de ofensa à outrem através da prática de
contravenções.
2.7.2 SEGREDO PROFISSIONAL:
O segredo profissional consiste em uma proibição dirigida a
certos profissionais de divulgar informações adquiridas durante o exercício do
trabalho. Da mesma forma, impõe ao profissional o dever de zelar para que
terceiros também não tenham acesso a tais informações.
Abaixo, TAVARES70 conceitua o segredo profissional:
O segredo profissional assegura o titular da informação íntima de
não vê-la divulgada por quem dela tomou conhecimento em
virtude de sua profissão, como é o caso do advogado, do médico,
dentre outros.
68
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 347
69
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 83
70
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 582
39
Referida proibição constitui uma exceção à possibilidade de
escuta telefônica, apesar de a mesma ser admitida em muitos casos conforme
será esclarecida no próximo capítulo, este é um caso isolado onde será inviável a
interceptação da comunicação entre o acusado e seu defensor, haja vista que o
segredo profissional integra o devido processo legal.
2.7.3 SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E COMUNICAÇÃO:
A garantia ao sigilo de correspondência e comunicação
encontra-se prevista no art. 5°, XII da Carta Magna:
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal.
Destarte, qualquer quebra ao sigilo de correspondência e
comunicação sem prévia ordem judicial é considerada de natureza ilícita. Neste
sentido é o ensinamento de CENEVIVA71 :
As exceções abertas compreendem casos criminais, apenas se e
quando expedida a ordem judicial autorizadora, cumprida em seus
estritos termos, à qual o Ministério Público também está sujeito,
não obstante a autorização para requisitar informações e
documentos.
Todavia, traz o Código de Processo Penal, em seu artigo
240, § 1°, f, poderá haver busca domiciliar para “apreender cartas, abertas ou
não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja a suspeita de que o
conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato”.
TAVARES72 traz em sua doutrina o texto do Ministro Celso
de Mello, que assim prevê:
71
CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro, p. 63
40
(...) admite-se que haja também a interceptação das
correspondências e das comunicações telegráficas e de dados,
sempre que a proteção constitucional seja invocada para
acobertar a prática de ilícitos.
Neste caso, na investigação criminal e na instrução
processual a Constituição Federal, é consentida a ruptura do segredo, todavia, é
preciso que haja ao menos a necessidade de uma medida policial de cunho
investigatório.
A garantia constitucional de invocar a atividade jurisdicional
proteção à intimidade, por meio do sigilo nas correspondências, tem se mostrado
uma necessidade. Essa proteção vem evoluindo de conformidade com o
surgimento de novas tecnologias nas comunicações, como por exemplo, a
internet, que constitui um dos meios de comunicação mais utilizados na
atualidade.
Assim, do mesmo modo que a quebra do sigilo às
correspondências, só será permitida a quebra do sigilo às comunicações
telefônicas quando a lei autorizar e em casos expressamente previstos na lei, com
as formalidades, exigências e requisitos impostos normativamente.
Feitas estas breves considerações sobre os princípios que
dão ao cidadão a garantia de que poderá viver com segurança em sociedade,
abordar-se-á, no próximo capítulo a possibilidade de produção de provas violando
esses mesmos princípios e aferir-se-à a possibilidade de sua validação no
processo penal.
72
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 577
CAPÍTULO 3
A LEI 9.296/96 E A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
3.1 CONCEITO:
Interceptar significa interromper no transcurso. Do mesmo
modo, é isso que ocorre nas interceptações telefônicas, onde um terceiro
mediante o conhecido “grampo” ingressa na linha telefônica, que conversam duas
ou mais pessoas, e capta aquilo que se passa no diálogo realizado.
Segundo
interceptação,
ato
ou
efeito
Aurélio
de
Buarque
interceptar
de
(de
Holanda
inter
e
Ferreira73,
capio),
a
tem
etimologicamente, entre outros, os sentidos de: “1. Interromper no seu curso;
deter ou impedir na passagem; 2. Cortar, interromper; interceptar comunicações
telefônicas”.
De acordo com CAPEZ74:
Interceptação telefônica provém de interceptar – intrometer,
interromper, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcançando
a conduta de terceiro que, estranho à conversa, se intromete e
toma conhecimento do assunto tratado entre os interlocutores.
A Interceptação Telefônica admitida na legislação pátria,
com o cumprimento de seus requisitos e a devida autorização judicial, tem por
escopo o auxilio no trabalho de investigações criminais, e a instrução processual.
Encontra-se prevista na Lei 9.296, de 24 de junho de 1996.
Aqui é pertinente trazer a doutrina de AVÓLIO75:
73
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. p. 505
74
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 290
75
AVÓLIO, Luiz Francisco Torquato, p. 92-93
42
O que importa, e também resulta essencial à noção de
interceptação, além do fato de a operação ter sido realizada por
alguém estranho à conversa, é que esse terceiro estivesse
investido do intuito de tomar conhecimento de circunstâncias, que,
de outra forma, lhe permaneceriam desconhecidas. Se for pelo ato
de terceiro que se concretiza a interceptação telefônica, a
hipótese de um dos interlocutores gravar a própria conversa,
limitando-se, assim, a documentar fatos conhecidos, não se
caracteriza como tal, nem se sujeita à matéria mesma disciplina.
Denomina-se, assim, gravação clandestina, para efeito de
distingui-la, fundamentalmente,da interceptação telefônica. A
eventual divulgação da própria conversa pode caracterizar afronta
à intimidade (violação de segredo profissional, crime previsto no
art. 154 do Código Penal brasileiro). Surtirá efeitos também dentro
do processo se a violação de segredo afrontar a intimidade,
tornando, assim, ilícita a prova. Por outro lado, a gravação da
conversa interceptada não é, necessariamente, elemento
integrante do conceito de interceptação. A simples escuta,
desacompanhada de gravação, pode ser objeto de prova no
processo penal, desde que não configure violação à intimidade.
Assim, tanto as interceptações como as gravações poderão ser
lícitas ou ilícitas, na medida em que obedecerem ou não aos
preceitos constitucionais e legais que regem a matéria. E, a
revelarem-se ilícitas, os seus resultados devem ser considerados
inadmissíveis (ou inutilizáveis) no processo, e ineficazes enquanto
prova.
Existe ainda a modalidade de Interceptação e gravação
ambiental, que de acordo com CAPEZ76 “é a captação da conversa entre dois ou
mais interlocutores, por um terceiro que esteja no mesmo local ou ambiente em
que se desenvolve o colóquio”.
Nessa
modalidade
a
gravação
é feita
pelo
próprio
interlocutor através de gravadores, e poderá servir de prova, se a conversa não
for reservada, e não for proibida a captação por meio de gravador.
A interceptação telefônica ainda se subdivide em:
76
Idem citação anterior, p. 291
43
a)
interceptação telefônica em sentido estrito: que consiste na captação
feita por um terceiro de uma comunicação telefônica alheia, sem o
conhecimento dos interlocutores (é o chamado “grampeamento”);
b)
escuta telefônica: que ocorre quando um terceiro capta a conversa, com o
consentimento de apenas um dos interlocutores;
c)
interceptação ambiental: captação de conversa entre presentes, efetuada
por terceiro, dentro do ambiente em que se situam os interlocutores, sem o
conhecimento destes;
d)
escuta ambiental: interceptação de conversa entre presentes, realizada,
com o conhecimento de um ou alguns.
e)
gravações clandestinas ou gravação telefônica: que é a praticada pelo
próprio interlocutor ao registrar sua conversa (telefônica ou não), sem o
consentimento da outra parte.
Segundo GRECO FILHO77:
O seu aproveitamento como prova, porém, dependerá da
verificação, em cada caso, se foi obtida, ou não, com violação da
intimidade do outro interlocutor e se há justa causa para a
gravação. Se considerar que a obtenção for ilícita não poderá
valer como prova, considerando-se a regra constitucional de que
são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meio ilícito.
Deste modo, a interceptação telefônica constitui um dos
últimos recursos a ser utilizado, haja vista que decorre da invasão da privacidade
de terceiros. Assim, sua utilização é bastante aplicada nos casos crimes
complexos, tais como tráfico de drogas, formação de quadrilha, dentre outros,
onde o interesse coletivo às vezes pode se sobressair sobre o individual.
Embora muitas vezes confundidas, merece atenção a
distinção entre interceptação telefônica e a gravação clandestina, mormente à
utilização como prova processual.
77
GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica, p. 05
44
3.1.1 DIFERENCIAÇÃO
A diferença entre as duas espécies se dá pelo fato de que
na interceptação telefônica a gravação da conversa é realizada por terceiro, sem
o conhecimento dos participantes ou apenas com o conhecimento de um deles,
enquanto na gravação clandestina, um dos interlocutores grava a sua conversa,
que pode ser telefônica ou não, sem que a outra parte consinta.
GRINOVER78 acerca da distinção entre as duas espécies
nos diz que:
A interceptação telefônica é a captação da conversa por um
terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o
conhecimento de apenas um deles, enquanto a gravação
clandestina acontece quando um dos interlocutores grava a sua
própria conversa, telefônica ou não, com outro, sem o
conhecimento deste.
No mesmo sentido é o entendimento de STRECK79 ao
dispor que:
A interceptação telefônica é a intervenção de terceiro, que grava a
conversa que duas pessoas mantêm telefonicamente,
informaticamente, ou ainda, telematicamente, consoante o
alcance do art. 1° e seu parágrafo único (...) Já a gravação
clandestina ocorre quando um dos interlocutores grava a
conversa, sem o consentimento/conhecimento do outro.
Conforme exposto, restou evidenciado que ambas são
meios distintos de provas; porém, a maioria dos doutrinadores consideram a
gravação clandestina uma prova ilícita, e outros estudiosos ainda, tem se limitado
a considerar lícita a divulgação de gravação clandestina somente quando se tratar
de comprovação de inocência do réu.
78
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As nulidades no processo penal, p. 141
79
STRECK, Lenio Luiz. As Interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais, p. 107
45
Acerca da admissibilidade da gravação clandestina, tem sido
os julgados:
A gravação oculta de diálogo, sem autorização expressa do
interlocutor viola sua intimidade, resguardada pelo CF 5º X, e
assim tal gravação, em fita magnética, representa meio de prova
ilícito quanto imoral, o que conduz à sua inadmissão por ferir o
devido processo legal (CF 5º, LVI; e nos termos do CPC 332, os
meios de prova não previstos especialmente em lei subordinam-se
ao requisito da legitimidade moral. (TJSP-RT732/220)
É o caso de declarações espontâneas do acusado,
clandestinamente gravadas, posto que se o acusado soubesse que a conversa
estava sendo gravada, este poderia reservar-se ao direito de permanecer calado.
Diferentemente da gravação clandestina, a interceptação
telefônica possui previsão legal e normas a serem seguidas, devendo obedecer a
regras quanto à sua autorização, como também preencher requisitos.
3.1.2 AUTORIZAÇÃO E REQUISITOS
Para a realização da quebra do sigilo telefônico são
necessários alguns requisitos, que devem ser observados, sob pena de
descaracterização da prova, vejamos:
Conforme expõe o art. 1° da Lei 9.296/96: “A interceptação
de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação
criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de
justiça”.
Prescreve a lei que o juiz competente da ação principal é
quem deve autorizar a interceptação, o que não poderá ser aprovada por
qualquer outra autoridade. Nesse sentido leciona CAPEZ80:
80
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Legislação Penal especial, p. 506
46
Somente o juiz competente para o julgamento da ação
principal poderá determinar a quebra do sigilo telefônico, jamais o Promotor de
Justiça ou o Delegado de Polícia poderão fazê-lo.
81
Para PARIZATTO :
Tem-se que a medida poderá ser ordenada ex-officio pelo juiz. Por
ser esse o destinatário das provas, permite-se que o mesmo à
busca da verdade real, sopesando a aplicabilidade de tal prova,
presentes os requisitos legais, inclusive a impossibilidade de sua
constatação por outros meios lícitos, possa determinar que se
proceda a tal interceptação, justificando os motivos que o levaram
a tanto.
Outrossim, a interceptação telefônica ainda poderá ser
autorizada pelo juiz através de requerimento feito pela autoridade policial, na fase
de investigação criminal, como também poderá ser solicitada pelo Ministério
Público, quando necessitar de provas para a instrução processual, conforme
apresenta o artigo 3° da Lei:
Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser
determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação
criminal e na instrução processual penal.
Em qualquer dos casos de interceptação telefônica, deve ser
demonstrada sua necessidade, bem como seus pressupostos de ilicitude e a
indicação dos meios a serem utilizados. Esta poderá ser anterior ao processo
penal, como também incidental, depois de ser instaurado o processo.
A
lei
admite
também
o
pedido
verbal,
em
casos
excepcionais, ao juízo competente, desde que previstos todos os requisitos de
admissibilidade, e sendo posteriormente, reduzido a termo.
81
PARIZATTO, João Roberto. Comentários à Lei n° 9.296 de 24-07-1996, p. 36
47
Constitui relevante importância a fundamentação da decisão
que concede a autorização de interceptação telefônica, sob pena de nulidade. A
decisão deve conter ainda os meios que serão empregados e a forma das
diligências (se haverá ou não redirecionamento das ligações, quem realizará as
gravações, etc).
A interceptação da comunicação telefônica constitui um
procedimento cautelar, portanto, deve ser autorizada quando constantes os
requisitos necessários aos procedimentos cautelares, quais sejam: periculum in
mora e fumus boni juris. Abaixo, GRINOVER82 dispõe sobre sua autorização:
A execução das interceptações exige, na maioria dos
ordenamentos, ordem judiciária. O provimento que autoriza a
interceptação tem natureza cautelar, visando a assegurar as
provas pela fixação dos fatos, assim como se apresentam no
momento da conversa. Por isso mesmo, a operação só pode ser
autorizada quando presentes os requisitos que justificam as
medidas cautelares (fumus boni juris e periculum in mora),
devendo ainda ser a ordem motivada.
Os requisitos para a autorização da quebra do sigilo
telefônico encontram-se elencados no art. 2° da Lei 9.296/96, assim, de acordo
com o referido dispositivo não será aceita a interceptação quando ocorrer
qualquer das hipóteses que traz o mencionado artigo:
Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações
telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em
infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo,
com pena de detenção.
82
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As nulidades no processo penal, p. 143
48
Sendo a interceptação telefônica um meio de prova que
conflita o direito à intimidade, consignado na Carta Magna com o direito do Estado
de obter provas para demonstrar a existência de uma infração penal, esta não
poderá ser admitida quando não houver vestígios plausíveis da autoria ou
participação em infração penal. Sobre este tema, CAPEZ83 informa que a escuta
poderá ser autorizada face ao princípio in dúbio pro societate:
Não se exige prova plena, sendo suficiente o juízo de
probabilidade (fumus boni iuris), sob o influxo do princípio in dubio
pro societate. Havendo indicação provável de prática de crime, o
juiz poderá autorizar. Não se exige a instauração formal de
inquérito policial.
Não será permitida ainda, a interceptação telefônica quando
referida prova puder ser feita por outros meios disponíveis. Via de regra, a
interceptação telefônica somente será realizada quando for impossível a colheita
da prova por outro meio.
PARIZZATO84 explica essa afirmação:
Se a mesma prova que se pretende produzir com a interceptação
de comunicações telefônicas, puder se realizar através da oitiva
de testemunhas, busca e apreensão de documentos, coisas
achadas ou obtidas por meios criminosos ou de pessoas, através
de perícias, enfim, qualquer outro meio de convicção, ou seja, de
prova da autoria ou participação de determinada pessoa em
alguma infração penal, a interceptação será indeferida, porque a
mesma deve se reservar tão somente a casos excepcionais, de
extrema necessidade.
Outro requisito a ser observado, é que a infração criminal
seja punida com a pena de reclusão, onde só será admissível a quebra do sigilo
telefônico nestas hipóteses.
83
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Legislação Penal especial, p. 508
84
PARIZATTO, João Roberto. Comentários à Lei n° 9.296 de 24-07-1996, p. 21
49
Porém, este critério possui algumas impropriedades. Deixou
de lado alguns delitos apenados com detenção, tais como ameaça (que muitas
vezes é praticada através de telefone) e que em algumas hipóteses é visto como
delito de maior gravidade em face de outros constituídos de pena de detenção.
Do mesmo modo, não é admitida a interceptação telefônica
para fins civis, comerciais, administrativos, políticos, ou ainda para investigações
que envolvam interesses difusos ou coletivo, nem mesmo para esclarecer
assuntos ligados às Comissões Parlamentares de Inquérito.
No pedido da quebra de sigilo telefônico deverá conter, além
da demonstração da necessidade da escuta à apuração do delito, a indicação dos
meios a serem empregados, assim prescreve o art. 4° da Lei:
Art. 4º. O pedido de interceptação de comunicação telefônica
conterá a demonstração de que a sua realização é necessária a
apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem
empregados.
§ 1º - Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja
formulado verbalmente, desde que estejam presentes os
pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a
concessão será condicionada a sua redução a termo.
§ 2º - O juiz, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas,
decidirá sobre o pedido.
O prazo legal para o despacho que conterá a decisão de
autorização ou não do requerimento será de no máximo vinte e quatro horas.
Quanto ao despacho do juiz, este deve ser fundamentado
das razões que justifiquem o magistrado a autorizar a interceptação. Ensina
MENDES85:
O magistrado vai sopesar o direito à intimidade e o direito à prova
a ser colhida. Sem dúvida, sua decisão se baseará no princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade já comentados, pois antes
85
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à intimidade e Interceptações Telefônicas, p. 78
50
de determinar a escuta deve avaliar a oportunidade e a
conveniência ao permitir uma ingerência tão grave na intimidade
alheia.
Daí, mais uma vez a confirmação, de que os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, já vistos anteriormente, encontram-se
intimamente ligados com o tema em discussão.
O prazo para a realização da interceptação é de quinze dias,
renováveis por igual período, comprovada a necessidade desta renovação, de
acordo com o art. 5° da Lei:
Art. 5º. A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade,
indicando também a forma de execução da diligência, que não
poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por igual
período uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de
prova.
O pedido de interceptação, o despacho que a autoriza, bem
como as gravações e transcrições, devem correr em autos apartados, visando o
sigilo que possibilite um sucesso do trabalho realizado. É o que prescreve o art. 8°
da legislação:
Art. 8º - A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer
natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do
inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo
das diligências, gravações e transcrições respectivas.
Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada
imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar
de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na
conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do
disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.
O art. 9º traz que o material gravado que não for aproveitado
como meio de prova, deve ser inutilizado através de decisão judicial, durante o
inquérito policial, a instrução processual ou após, a requerimento do Ministério
Público.
51
Por fim, traz o art. 10 da Lei 9.296/96 a pena imputada à
realização da interceptação telefônica sem autorização judicial.
Art. 10 – Constitui crime realizar interceptação de comunicações
telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da
Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados
em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Pelo visto até este momento da pesquisa pode-se constatar
que a prova obtida pela interceptação telefônica, quando autorizada pelo juiz, se
constitui em prova lícita e boa, pois a lei regulamenta a flexibilização do princípio
da intimidade, previsto no art. 5°, inciso X, da Carta Magna, quando para
investigação e instrução criminal.
Lícita
a
prova
obtida
pela
interceptação
telefônica
devidamente autorizada pelo juiz, sabe-se, portanto, é perfeitamente válida para o
processo penal, controvertida, no entanto, é sua utilização em outras espécies
processuais, quando a elas emprestada.
3.2 A PROVA EMPRESTADA
Matéria controvertida na doutrina penal é a possibilidade da
utilização da prova obtida através da interceptação telefônica autorizada noutros
procedimentos judiciais ou administrativos.
A Constituição Federal em seu art. 5°, inciso XII é taxativa
ao dizer que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal”.
52
Antes de tudo, importante se faz esclarecer que a prova
emprestada é aquela produzida em determinado processo a que se destina,
porém utilizada posteriormente em outro procedimento.
Em face de gravação telefônica constituir, uma vez
transcrita, meio de prova documental, indaga-se se a mesma poderia ser
empregada para instruir processo civil, administrativo etc. A lei prescreve que a
interceptação telefônica somente pode ser autorizada para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal, constituindo, portanto, a quebra do sigilo
telefônico uma exceção ao direito ao sigilo das comunicações.
Assim, sua utilização em processo distinto burlaria as regras
disciplinadoras prescritas na Lei da Interceptação Telefônica e divididas são as
opiniões quando se refere ao empréstimo ou não das provas a outras esferas do
direito, que não a penal.
Para alguns estudiosos é absolutamente inaproveitável para
qualquer outro fim a gravação que não diga respeito à comprovação da situação
apresentada ao juiz quando se requer a interceptação, ainda que se preste à
comprovação de outros atos.
Em artigo publicado, AGAPITO MACHADO86 entende que:
Por via direta, de logo se constata essa impossibilidade jurídica,
na medida em que o art.5º, XII da CF/88, não deixa dúvida ao
afirmar "é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses
e na forma que lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal", ou seja, a quebra só se dará em
feitos criminais.
Na visão de NELSON NERY JÚNIOR87, é possível a esfera
cível utilizar-se da prova emprestada da ação penal, desde que a escuta realizada
86
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6239, Acessado em 07/10/2006, às 21h12 min.
87
NERI JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p.159/160.
53
seja contra a mesma parte em ambas as esferas, atentando para o princípio do
contraditório, em respeito à unidade da jurisdição.
VICENTE GRECO FILHO88, em referência ao tema, afirma
que a prova emprestada só será válida para a execução civil da sentença penal
condenatória com o fim de reparação do dano, na medida em que não mais se
discute ou se examina a prova colhida por meio de interceptação.
Ao tratar da interceptação telefônica, traz CAPEZ89:
Assim, não poderá ser autorizada judicialmente a diligência,
quando a finalidade for extrapenal ou quando tratar-se de
contravenção penal ou crime apenado com detenção. Fica claro
seu caráter subsidiário, somente tendo lugar quando não for
possível nenhum outro meio de formação do conhecimento.
Através de matéria de grande destaque, EDUARDO
TALAMINI90 discorre brilhantemente sobre a prova emprestada, aduzindo que:
Alguém que seja terceiro em relação a tal processo não poderá
pleitear o empréstimo de prova nele produzida, por não ter
conhecimento do que nele ocorre. Se o tiver, poderá inclusive
estar caracterizado crime de quebra de segredo da Justiça (Lei
9.296/96, art. 10). No mesmo tipo penal, este terceiro incidirá
quando, por conta própria e independentemente de autorização
judicial, trouxer para os autos do feito em que é parte cópia de
termos que documentaram a produção de prova em processo de
publicidade restrita. O empréstimo, nessa hipótese, caracterizará
prova “ilícita” vez que produzido em violação a direito de
intimidade ou ao interesse público. Os documentos juntados pela
parte terão de ser desentranhados, sendo inutilizáveis no
processo.
Por outro lado, conforme alguns doutrinadores a partir do
momento que é violado o direito à intimidade, a inadmissibilidade da interceptação
88
GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica, p.24
89
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 37
90
www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_140/r140-15.pdf, Acessado em 07/10/2006, às 23 h
09 min.
54
telefônica se faz irrelevante como meio de prova emprestada. Dispõe
MOREIRA91:
(...) pode argumentar-se que, uma vez rompido o sigilo, e por
conseguinte sacrificado o direito da parte à preservação da
intimidade, não faria sentido que continuássemos a preocupar-nos
com o risco de arrombar-se um cofre já aberto. Mas, por outro
lado, talvez se objete que assim se acaba por condescender com
autêntica fraude à constituição. A prova ilícita, expulsa pela porta,
voltaria a entrar pela janela...
Sob a ótica de FERNANDES92:
Pode-se admitir a prova produzida em outro processo criminal
como prova emprestada, com a exigência de que se trate do
mesmo acusado, para não haver ofensa ao princípio do
contraditório e à ampla defesa. Mas discutível é o uso da prova
emprestada em processo cível, pois a Constituição não permite a
interceptação para se obter prova fora do âmbito criminal. O
transplante da prova representaria forma de se contornar a
vedação constitucional quanto à interceptação para fins não
criminais. Há, contudo, razoável entendimento no sentido de que a
prova poderia ser aceita porque a intimidade, valor
constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações
telefônicas, já teria sido violada de forma lícita. Não haveria razão,
então, para se impedir a produção a da prova, sob o argumento
de que, por via oblíqua, seria desrespeitado o texto constitucional.
Ao
tratar
desta
controvérsia,
de
acordo
com
os
doutrinadores a favor da gravação telefônica advinda de outro processo, não há o
que se falar em valor constitucional, já que uma vez rompida a intimidade
licitamente não há mais valores a serem preservados. À luz desse raciocínio diz
GRINOVER93 que:
O valor constitucionalmente protegido pela vedação das
interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta,
licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta
91
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas, p. 153
92
FERNANDES, Antônio Scarance Fernandes. Processo penal constitucional, p. 96-97
93
GRINOVER, Ada Pelegrini. As nulidades no processo penal, p. 194
55
a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova
assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente
vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez,
deve prevalecer a lógica do razoável.
Do mesmo modo, o STJ utilizou-se deste fundamento ao
julgar o MS 9212 / DF, nº 2003/0142195-4 (Rel. Min. GILSON DIPP), envolvendo
processo disciplinar e interceptação telefônica, que assim dispõe:
(...)
VI - Sendo a interceptação telefônica requerida nos exatos termos
da Lei nº 9.296/96, uma vez que o impetrante também responde a
processo criminal, não há que se falar em nulidade do processo
administrativo disciplinar.
VII - Evidenciado o respeito aos princípios do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não há que se
falar em nulidades do processo administrativo disciplinar,
principalmente quando o "writ" é impetrado como forma derradeira
de insatisfação com o conclusivo desfecho do processo
administrativo disciplinar.
Esta hipótese, ao que parece, é a mais utilizada em nosso
ordenamento jurídico, pois, conforme toda a doutrina e jurisprudência exposta se
têm decidido pela admissibilidade da interceptação telefônica em outros ramos do
direito, desde que as partes sejam as mesmas em ambos os processos.
Há casos, no entanto, que a interceptação telefônica é
realizada ao arrepio da lei, e neste caso se constitui em prova ilícita, porém, pode
ela estar sendo carreada para o processo e dele fazendo parte.
Sendo assim, é importante sobre ela pesquisar, sua validade
ou inutilidade para a solução da causa no âmbito do direito processual penal.
56
3.3 A INTERCEPTAÇÃO TELEFÕNICA COMO MEIO DE PROVA ILÍCITA
Sabe-se que entre as diversas garantias constitucionais
apreciadas na Constituição Federal encontra-se o princípio da inadmissibilidade
de utilização, em juízo, das provas obtidas por meios ilícitos, entre elas a
interceptação telefônica.
Todavia, ao tratar do seu caráter absoluto, tal garantia vem
sendo temperada pela teoria da proporcionalidade que, sempre em caráter
excepcional e em casos extremamente graves, tem admitido a prova ilícita “pro
reo e pro societate”, quanto a este último não havendo, todavia, entendimento
jurisprudencial predominante.
Em meio às diversas opiniões acerca da possibilidade de
apreciação das provas obtidas por meios ilícitos, NOGUEIRA94 traz as três teorias
adotadas em nosso ordenamento jurídico:
1ª) Teoria da admissibilidade, para a qual somente as provas
ilegítimas, que resultam de uma norma processual, é que estão
vedadas e podem ser rejeitadas. Assim, os violadores de uma
norma material respondem pela violação, mas a prova colhida tem
validade. [...]
2ª) Teoria da inadmissibilidade ou da rejeição, que tem por base o
princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado e o de
que se a prova é ilícita ofende ao direito, não sendo, assim
admissível. [...]
3ª) Teoria da proporcionalidade, que procura buscar m certo
equilíbrio entre os interesses sociais e o direito fundamental do
indivíduo.
Assim, há uma corrente doutrinária que defende a produção
de provas ilícitas no processo, enquanto a outra entende ser juridicamente
impossível essa produção. Há outra ainda, que se posiciona de modo conciliador.
Importante discorrer sobre cada uma delas.
94
NOGUEIRA, Paulo Lucio. Curso completo de processo penal. p. 224-225
57
3.3.1 CORRENTE DA ADMISSIBILIDADE:
Segundo os defensores desta corrente, a prova obtida por
meios ilícitos não poderá ser retirada dos autos, a não ser no caso de a própria lei
assim preceituar. Assim, a prova para ser afastada há de ser ao mesmo tempo
ilícita e ilegítima.
Alegam nesta doutrina que o problema da admissibilidade ou
inadmissibilidade da prova não se refere ao modo de como foi obtida. Para estes
doutrinadores o que tem grande relevância é o modo que foi obtida no processo,
se foi consentida pela lei, in abstracto, sendo considerado irrelevante o emprego
dos meios para a sua obtenção.
Entre
os
defensores
desta
corrente,
destaca-se
PEDROSO95. Apóia-se ele no argumento de que se o fim precípuo do processo é
a descoberta da verdade real, aceitável é que, se a prova ilicitamente obtida
mostrar essa verdade, seja ela admissível, sem olvidar-se o Estado da
persecução criminal contra o agente que infringiu as disposições legais e os
direitos do réu.
3.3.2 CORRENTE DA INADMISSIBILIDADE
Referida corrente tem como sustentação a rejeição de toda e
qualquer prova obtida por meios ilícitos.
GRINOVER96, tida como uma das defensoras da corrente da
inadmissibilidade dispõe que, nesses casos, incide a chamada "atipicidade
constitucional", ou seja, a aceitação das provas obtidas por meios ilícitos, estaria
incidindo em desconformidade do padrão, do tipo imposto pela Carta Magna.
Sustenta ainda, que os preceitos constitucionais relevantes para o processo têm
95
PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo penal: O direito de defesa: Repercussão, amplitude
e limites, p. 117
96
GRINOVER, Ada Pellegrini. A eficácia dos atos processuais à luz da Constituição Federal,
Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 37, jun. 1992
58
estatura de garantia, que interessam à ordem pública e à boa condução do
processo, a contrariedade a essas normas acarreta sempre a ineficácia do ato
processual, seja por nulidade absoluta, seja pela própria inexistência, porque a
Constituição tem como inaceitável a prova alcançada por meios ilícitos.
Podemos destacar como também seguidor da doutrina, o
Ministro do Supremo Tribunal Federal, CELSO DE MELLO97, que proferiu em
decisão na corte de justiça voto em defesa da inadmissibilidade das prova obtidas
por meios ilícitos. Argumenta ele nesse voto que:
(...) a absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo
radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja
realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de
conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia
constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo
penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso,
em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude
venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é
prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável.
Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão
jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada
de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer
grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica.
3.3.3 CORRENTE DA TEORIA DA PROPORCIONALIDADE
Como o próprio nome já diz, nesta corrente cabem as duas
hipóteses, sob a ressalva de alguns casos.
De acordo com os defensores dessa tese, a prova colhida
com
infringência
aos
direitos
fundamentais
do
homem
é
totalmente
inconstitucional e, por conseguinte, devendo ser declarada ineficaz a adentrar no
processo. Todavia, apresenta exceções em casos isolados, quando a aquisição
deste meio de prova for a única forma possível para o abrigo de outros valores
fundamentais, considerados mais urgentes na concreta avaliação do caso.
97
Ação penal n. 307-3 - Distrito Federal - voto (preliminar sobre ilicitude da prova)
59
Em nosso País, essa teoria é adotada, com reservas, pela
jurisprudência, mais acentuadamente em matéria processual civil, sobretudo nas
causas de direito de família.
NERY JÚNIOR98 tem uma opinião bastante interessante no
tocante a essa possibilidade:
Não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória
de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o
conhecimento do protagonista da gravação sub-reptícia, nem a
admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou
televisiva. (A propositura da doutrina quanto à tese intermediária é
a que mais se coaduna com o que se denomina modernamente
de princípio da proporcionalidade), Devendo prevalecer, destarte,
sobre as radicais.
Sendo alvo de muitas críticas, alguns doutrinadores
argumentam que a teoria da proporcionalidade, quando adotada, acarreta a
possibilidade de dar margem em excesso à influência de fatores meramente
subjetivos pelo julgador.
3.3.4 CORRENTE DA PROVA ILÍCITA PRO REO E PRO SOCIETATE
Há a corrente que defende, ainda, a prova obtida por meios
ilícitos em matéria penal, quando favorável ao acusado, ou seja, pro reo, desde
que essa seja a única forma de provar sua inocência, daí a aplicação do princípio
da proporcionalidade no exercício do direito de defesa.
Essa sistemática vem sendo acolhida não apenas junto aos
doutrinadores como também à jurisprudência, em obediência ao direito de defesa.
Conforme examinado, essa posição diminui a severidade da não aceitação
incondicional das provas ilícitas.
98
NERY JÚNIOR, Nelson. Proibição da prova ilícita, p. 78
60
Nestes casos, o sujeito encontrar-se-ia em circunstância de
verdadeiro estado de necessidade, que é umas das causas de exclusão da
antijuridicidade, vendo-se compelido a fazer uso de prova obtida ilicitamente em
defesa da sua liberdade.
É que os direitos fundamentais, como ensina GRINOVER99,
"não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição
resultante do princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica e
global das liberdades constitucionais”.
Prevalece desta forma, o direito fundamental do réu de
livrar-se de uma infração que não cometeu, vista como mais importante para o
ordenamento jurídico em relação ao sigilo das comunicações telefônicas dos
criminosos, tanto é que aquele é protegido, enquanto este é subrogado.
Similar é a opinião de FREGADOLLI100 quando se trata da
admissibilidade da prova ilícita pro reo:
(...) as provas obtidas ilicitamente sequer poderão ingressar no
devido processo, ainda que inadvertidamente o juiz as deixe
ingressar, o efeito é a sua absoluta invalidade para fins de
condenação. Todavia, em razão dos princípios também
constitucionais, da presunção da inocência, e da ampla defesa,
admite-se, excepcionalmente, que a prova obtida ilicitamente sirva
para uma absolvição.
AVÓLIO101 discorre que "até mesmo quando se trata de
prova ilícita colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é
eliminada por causas de justificação legais da antijuridicidade, como a legítima
defesa".
Neste sentido também é o entendimento jurisprudencial:
99
100
101
GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. p, 52
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade e a prova ilícita, p. 196-197
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interceptações telefônicas e gravações
clandestinas, p. 66
61
"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE
CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES:
LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA:
REEXAME
EM
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO:
IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa
entre dois interlocutores, feita por um deles, sem
conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la,
futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita,
principalmente quando constitui exercício de defesa. II. Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante
gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A
questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the
poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não
prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A
apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do
conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso
extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido" (AI
50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ
04/03/05.).
Para DELMANTO102, esse sentido a que se tem dado à
teoria da proporcionalidade pro reo é predominante na doutrina, que diz:
(...) como, porém, a proibição de prova ilícita é uma garantia
individual contra o Estado, predominante é o entendimento na
doutrina que possível é a utilização de prova favorável ao acusado
ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus
ou de terceiros, e, quando produzida pelo próprio interessado
(como a de gravação de conversa telefônica em caso de extorsão,
por exemplo) traduz a hipótese de legítima defesa, que exclui a
ilicitude.
Diferentemente da teoria pro reo, a teoria pro societate
somente será admitida, em alguns casos, quando presentes cumulativamente os
requisitos abaixo descritos:
a) em caráter excepcional;
102
DELMANTO, Celso, Roberto Delmanto Júnior, Fábio M. de Almeida Delmanto. Código Penal
Comentado, p.239
62
b) em situações de extrema gravidade;
c) quando em contraste direitos fundamentais;
d) com expressa autorização da autoridade judicial.
Constitui entendimento predominante na doutrina a posição
de que a prova ilícita somente poderia ser admitida em favor do réu, conforme
explanado acima, e nunca como ferramenta de acusação, posto que a vedação
às provas ilícitas, por tratar-se de uma garantia constitucional que visa proteger
direitos fundamentais do cidadão contra arbítrios do Estado, somente poderia
ceder naqueles casos em que estivesse em confronto com outro direito
fundamental do acusado.
Todavia, em casos isolados este entendimento pode ser
flexibilizado. Sobre a limitação da utilização da prova ilícita pro societate,
GUSTAVO BRITO103 diz que os contrários a esta teoria, ao restringir tal meio de
prova na doutrina e jurisprudência não levam em consideração que referida prova
constitui exceção, ocorrendo em casos isolados.
Esquecem-se, entretanto, os adeptos da impossibilidade de
utilização de provas ilícitas pro societate, que a sua
admissibilidade não ocorre em qualquer ocasião ou a arbítrio do
Estado, sob pena de constituir uma clara violação aos princípios
do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal,
assegurados pela Constituição Federal.
Desta forma, em face de restrita aplicabilidade da prova
ilícita pro societate, e ainda, em observância a todos os requisitos anteriormente
descritos, há julgados que admitem tal modalidade de prova, vejamos:
III – Possibilidade para fins criminais. Princípio da
proporcionalidade. Tribunal de Justiça de São Paulo. Prova
criminal – interceptação telefônica – admissibilidade –
inviolabilidade do sigilo que não tem caráter absoluto – aplicação
do princípio da proporcionalidade – hipótese em que a polícia
tendo suspeita razoável sobre envolvimento no comércio de
103
http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_65.html, Acessado em 08/10/2006, às 19h22min.
63
drogas, obteve autorização judicial – recurso provido. Havendo
conflitância entre o direito à intimidade e o direito à prova
(due process of law), deve prevalecer o que atenda ao maior
interesse, vale dizer ao interesse da sociedade ” (Ap. Crimin.
Nº 185.901-3 – Indaiatuba – 3ª Câmara Criminal – Relator:
Segurado Braz – 30-10-95-v.u.)
Escuta telefônica com ordem judicial. Réu condenado por
formação de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em
penitenciária, não tem como invocar direitos fundamentais
próprios do homem livre para trancar ação penal (corrupção ativa)
ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do art 5º da
Constituição, que fala ‘ são inadmissíveis as provas obtidas
por meio ilícito ’ não tem conotação absoluta. Há sempre um
substrato ético a orientar o exegeta na busca de valores
maiores na construção da sociedade. A própria Constituição
Federal brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz,
através da ‘ atualização constitucional ’, base para o entendimento
de que a cláusula constitucional invocada é relativa.
(RSTJ82/321-2)
No STF, o Ministro Celso de Mello, também se manifestou
em decisão que, ponderando os bens jurídicos em conflito, adotou a orientação
de que é possível restringir um direito fundamental em benefício da sociedade.
E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA
SENTENÇA E DO ACÓRDÃO - OBSERVANCIA - ALEGAÇÃO
DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA
REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE COPIAS
XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA
ANALISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. – (...) - A
administração penitenciaria, com fundamento em razoes de
segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da
ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que
respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n.
7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida
pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da
inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir
instrumento de salvaguarda de praticas ilícitas. - O reexame
da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar
64
na ação sumaríssima de hábeas corpus". (HC 70.814-SP. 1ª
Turma. Rel Min. Celso de Mello. J. 01/03/94. DJ. 24/06/94.). (sem
grifo no original)
Embora seja esta corrente de difícil delimitação, alguns
estudiosos julgam necessário que a doutrina e a jurisprudência fixem os
parâmetros para que seja adotado o princípio da proporcionalidade também em
favor da sociedade, admitindo desta forma a prova ilícita apresentada pela
acusação, e corrigindo situações conflitantes.
Em face de todo o exposto resta claro e evidente a
admissibilidade pacífica no processo penal da prova obtida ilicitamente e
destinada a provar a inocência do réu, tanto pela doutrina quanto pela
jurisprudência.
Já, quando se trata do aproveitamento da prova ilícita pro
societate, os entendimentos são divergentes, embora, indiquem a doutrina e a
jurisprudência no sentido de aceitá-la, desde que presentes os requisitos da
excepcionalidade e gravidade, posto que, já se admite a relatividade de princípios
constitucionais tidos como absolutos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por escopo analisar, com base na
legislação brasileira, doutrina e jurisprudência, a interceptação telefônica, sua
utilização como meio de prova no processo penal, bem como a obtenção deste
meio de prova obtido licitamente, ilicitamente e o seu empréstimo a outras esferas
do direito, que não a penal.
Constitui
a
interceptação
telefônica,
quando
colhida
licitamente, com o cumprimento de seus requisitos e a devida autorização, em
meio de prova lícita no processo, tendo por escopo o auxilio no trabalho de
investigações criminais, e a instrução processual penal. Tal modalidade de prova
encontra previsão legal na Lei 9.296, de 24 de junho de 1996.
Desta forma, necessária se fez ao primeiro capítulo,
discorrer sobre a prova, seu conceito, o ônus, os princípios atinentes à ela, o seu
objeto, a sua finalidade, bem como o direito à prova e a divisão quanto aos tipos.
No
segundo
capítulo
analisou-se os princípios
mais
utilizados no processo penal, em especial àqueles que norteiam a interceptação
telefônica, quais sejam: presunção da inocência, o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa, a proporcionalidade e ao final o princípio da
intimidade, que merece maior destaque no tema.
Finalizando o relatório da pesquisa, no terceiro capítulo
tratou-se da Lei 9.296/96 que regulamenta a Interceptação Telefônica, sua
autorização e requisitos necessários.
Igualmente foi abordado o empréstimo dessa modalidade de
prova a outros ramos do direito, e sua utilização quando obtida ilicitamente.
Assim, com a pesquisa concluída, restou confirmada a
primeira hipótese, onde o entendimento na doutrina e na jurisprudência
pesquisada é o de que quando a prova é colhida com violação da intimidade,
66
através da interceptação telefônica autorizada, de conformidade com o princípio
constitucional que a preserva e com a lei que o regulamenta, a prova torna-se
lícita, portanto, boa para o processo.
Quanto
parcialmente,
porque
o
a
segunda
entendimento
hipótese,
predominante
restou
na
comprovada
doutrina
e
na
jurisprudência é o de que a prova quando colhida, através da interceptação
telefônica autorizada pode ser emprestada a outros ramos do direito, desde que
as partes processuais sejam as mesmas, pois, de acordo com o contraditório e a
ampla defesa.
A terceira hipótese, também se confirma parcialmente,
porque, se de um lado é unânime o entendimento de que a prova ilícita pode ser
utilizada pro reo, o mesmo não se pode dizer quando pro societate, onde o
entendimento é no sentido do seu não aproveitamento, salvo, para casos
excepcionais e após devidamente analisados.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. São
Paulo: Saraiva, 1994.
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: Interceptações telefônicas,
ambientais e gravações clandestinas. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2000.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. Malheiros, São
Paulo, 1998.
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na
ciência do direito. 2. ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. v.4, São Paulo: Saraiva, 2006.
CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1998.
DELMANTO, Celso, Roberto Delmanto Júnior, Fábio M. de Almeida Delmanto.
Código Penal Comentado. Rio de Janeiro, Renovar, 2000.
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1999.
FERNANDES, Antonio Scarance. A Lei de Interceptação Telefônica. Justiça
Penal 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário
68
FREGADOLLI, Luciana. O direito a intimidade e a prova ilícita. Belo Horizonte:
Del Rey Editora, 1998.
GOMES, Luis Flávio, CERVINI, Raul. Interceptação Telefônica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997.
GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1998.
LIMA ROQUE, Maria José Oliveira. Sigilo Bancário & Direito a Intimidade.
Curitiba: Juruá, 2001.
MADEIRA, Ronaldo Tanus. Da Prova e do Processo Penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003.
MALCHER, J. L da Gama. Manual de Processo Penal, 2ª ed. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1999.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 8. ed.,
São Paulo: Malheiros, 1996.
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à Intimidade e Interceptações
Telefônicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 6 ed., São Paulo, Editora Atlas,
1999.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente
obtidas. Revista Forense. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.
69
NERY JÚNIOR, Nelson. Proibição da Prova Ilícita – Novas Tendências do
Direito (CF, Art. 5o, LVI). São Paulo: Atlas, 1999.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 10ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1996.
PARIZATTO, João Roberto. Comentários à Lei nº 9.296, de 24-07-96.
Interceptação de Comunicações Telefônicas. São Paulo: LED de Direito, 1996.
PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal, O direito de defesa:
repercussão, amplitude e limites. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. Malheiros, São
Paulo, 1999.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2000.
SILVA JÚNIOR, Euclides Ferreira da. Curso de Direito Processual Penal. 2ª ed.
São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000.
STRECK,
Lenio
Luiz.
As
Interceptações
Telefônicas
e
os
Direitos
Fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Editora Saraiva, 1999.
3v.
TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1967.
ANEXOS
ANTEPROJETO DE LEI
Comissão Ministerial
Versão final
Disciplina o inciso XII, in fine, do artigo 5º da Constituição Federal e dá
outras providências
O Congresso Nacional decreta:
CAPÍTULO I
Da admissibilidade
Art. 1º. A interceptação, o impedimento, a interrupção, a escuta e a gravação das
comunicações telefônicas somente são admissíveis para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal relativamente aos seguintes crimes:
I – terrorismo;
II – tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins;
III – tráfico de mulheres e subtração de incapazes;
IV – lavagem de dinheiro;
V – contra o sistema financeiro nacional;
VI- contra a ordem econômica e tributária;
VII – contra a administração pública, desde que punidos com pena de reclusão;
VIII – falsificação de moeda;
IX – roubo, extorsão simples, extorsão mediante seqüestro, seqüestro e cárcere
privado;
X – homicídio doloso;
71
XI – ameaça quando cometida por telefone;
XII – decorrente de organização criminosa.
Parágrafo único. Equiparam-se às comunicações telefônicas, para efeito desta lei,
todas as formas de telecomunicação (artigo 60, §.1º, da Lei nº 4.972/97).
Art. 2º. As gravações clandestinas de conversas entre presentes, bem como a
captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou
acústicos, e o seu registro, análise e utilização, sujeitam-se às mesmas regras
previstas nesta lei, no que forem cabíveis.
Art. 3º. As operações referidas nos artigos anteriores não serão permitidas, em
qualquer hipótese, quando se tratar de comunicações entre o suspeito ou
acusado e seu defensor.
Art. 4º. Não se sujeita a esta lei a gravação de conversa própria, sem
conhecimento do interlocutor, por telefone ou por outros meios, mas sua
divulgação só será permitida para o exercício regular de um direito.
CAPÍTULO II
Do pedido e da autorização judicial
Art. 5º. O pedido será formulado por escrito ao juiz competente, mediante
requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial,
ouvido, neste caso, o Ministério Público, e deverá conter:
- a clara descrição da situação objeto da investigação;
- a qualificação do investigado ou esclarecimento pelos quais se possa
identificá-lo, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;
- a indicação da existência de indícios suficientes da prática de qualquer
dos crimes previstos no artigo 1º;
- a demonstração de ser a operação técnica estritamente necessária e da
impossibilidade de ser a prova obtida por outros meios.
§ 1º. O requerimento ou a representação deverá indicar o número da linha
telefônica (código de acesso), com seu código de área, podendo o Ministério
Público e a autoridade policial requisitar das prestadoras dos serviços de
72
telefonia, exclusivamente para os fins da formulação do pedido, o cadastro
relativo ao nome, número de telefone e endereço do titular da linha.
§ 2º. O suspeito ou acusado e, no caso do inciso XI do artigo 1º, o ofendido ou
seu representante legal, poderá formular o pedido mediante requerimento dirigido
ao juiz competente.
Artigo 6º. O requerimento ou a representação será distribuído e autuado em
separado, sob segredo de justiça, devendo o juiz competente, no prazo máximo
de 24 horas, proferir decisão fundamentada, que consignará de forma expressa,
quando deferida a autorização:
a) a existência de indícios suficientes da prática de qualquer dos crimes
previstos no artigo 1º;
b) a existência de indícios suficientes de autoria ou participação do
investigado em qualquer dos crimes referidos no artigo 1º, salvo
impossibilidade manifesta devidamente justificada;
c) a demonstração de ser a providência estritamente necessária, não
podendo a prova do crime e de suas circunstâncias ser obtida por outros
meios disponíveis;
d) a indicação do número da linha telefônica (código de acesso), incluindo
seu código de área, objeto da operação técnica, justificada a sua relação
com os fatos investigados.
Art. 7º. Da decisão que deferir ou indeferir o pedido cabe recurso em sentido
estrito, sem efeito suspensivo, devendo o tribunal, se for o caso, determinar a
inutilização da prova eventualmente obtida, bem como a sua forma, de modo a
preservar a intimidade dos envolvidos.
Art. 8º. O inteiro teor da decisão que autorizar a operação técnica será transcrito
na ordem, assinada pessoalmente pelo juiz, a ser expedida em duas vias, uma
para a prestadora de serviço de telefonia e outra para a autoridade policial.
Art. 9º. O juiz fixará a duração das operações até o prazo de 15 dias, renovável
por igual período, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores
da medida.
73
§ 1º. Após a primeira renovação, as demais, por igual período, dependerão da
verificação da excepcionalidade do caso concreto, baseada na apresentação ao
juiz competente de relatório circunstanciado a respeito do resultado das
operações já desenvolvidas, não podendo, contudo, o prazo máximo das
operações técnicas exceder a 60 dias, exceto quando se tratar de investigação
relativa a crime permanente, enquanto não cessar a permanência.
§ 2º. Para cada prorrogação, será necessária nova ordem judicial, devidamente
motivada, observado o disposto no artigo 6o.
Art. 10. Os prazos previstos no artigo 9º e seus parágrafos correrão de forma
contínua e ininterrupta, a partir da data em que a prestadora do serviço de
telefonia proporcionar a realização da operação autorizada, comunicando o fato,
por escrito, imediatamente ao juiz.
Art.11. A solicitação de um juiz a outro, para efeito da realização das operações
técnicas fora da área de sua competência, será feita por qualquer meio rápido de
comunicação, distribuído e autuado sob segredo de justiça, devendo ser
confirmada em 48 horas por documento oficial, sem prejuízo do imediato início
das operações.
Parágrafo único – Não sendo feita no prazo a comunicação oficial, as operações
serão imediatamente suspensas, com inutilização da prova porventura colhida, na
forma a ser determinada pelo juiz, de modo a preservar a intimidade dos
envolvidos.
CAPÍTULO III
Das operações técnicas
Art. 12. A execução das operações técnicas de que trata esta lei ficará sujeita ao
controle do Ministério Público e será efetuada somente pela autoridade policial,
em órgão próprio, centralizado e exclusivo, sob a responsabilidade direta da
Chefia de Polícia.
Parágrafo único. Findas as operações técnicas, a autoridade policial encaminhará
imediatamente, em uma única cópia, todo o material obtido ao juiz competente,
acompanhado de autos circunstanciados com o resumo das operações
74
realizadas, devendo zelar para que nenhum registro a elas relativo fique
armazenado no sistema.
Art. 13. O Ministério da Justiça definirá, no prazo de 90 dias, o padrão de sistema
de gerenciamento centralizado, de forma a atender às especificidades das
polícias federal e estadual.
§ 1o – Definido o sistema descrito neste artigo, a ANATEL regulamentará, no
prazo de 90 dias, o padrão de protocolo a ser utilizado por todas as prestadoras
de serviços de telecomunicações.
§ 2º. Sem prejuízo da aplicabilidade imediata do disposto neste artigo, a União, os
Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios para a disciplina do
sistema de gerenciamento centralizado, com vistas a assegurar a máxima
eficiência, a preservação do sigilo e a inviolabilidade das informações obtidas.
Art. 14. Caberá à ANATEL, no prazo de 90 dias, regulamentar as formas e as
condições em que as empresa de telecomunicações prestarão serviços técnicos
especializados, quando requisitados pela autoridade policial.
Art. 15. O ressarcimento das empresas pelos serviços prestados e pelo uso da
rede de telecomunicações será estabelecido pela ANATEL.
CAPÍTULO IV
Do incidente probatório
Art.16. Recebido o material obtido nas operações técnicas, o juiz competente dará
ciência do mesmo ao Ministério Público, ao suspeito ou acusado e seu defensor.
§ 1º. A partir desse momento e em prazo não inferior a dez dias poderão as
partes as examinar os autos circunstanciados e escutar as gravações, indicando,
em 48 horas, os trechos cuja transcrição pretendem.
§ 2º. O juiz determinará a transcrição dos trechos indicados pelas partes e pela
autoridade policial, bem como de outros que entenda pertinentes e relevantes.
§ 3º. As dúvidas a respeito da autenticidade da gravação ou da voz serão
decididas pelo juiz, aplicando-se, no que couber, o disposto nos arts. 145 a 148
do Código de Processo Penal.
75
§ 4º. Das decisões previstas nos parágrafos 2º e 3º deste artigo cabe recurso em
sentido estrito, com efeito suspensivo restrito ao incidente probatório.
Art.17. A transcrição dos trechos indicados instruirá os autos, conservando-se em
cartório, em absoluto segredo de justiça, as fitas magnéticas ou elementos
análogos, até o trânsito em julgado da sentença, quando serão destruídos na
forma a ser indicada pelo juiz, de modo a preservar a intimidade dos envolvidos.
Parágrafo único. É permitido às partes extraírem cópias das transcrições e
escutarem, em juízo, as gravações, cabendo ao juiz zelar pela preservação da
inviolabilidade e privacidade da prova.
CAPÍTULO V
Da utilização da prova resultante das operações
Art. 18. Os resultados da interceptação, impedimento, interrupção, escuta e
gravação, realizados fora dos casos, modalidades e formas estabelecidos nesta
lei, não poderão ser utilizados como prova em qualquer investigação, processo ou
procedimento, seja qual for sua natureza.
Art. 19. Os resultados das operações técnicas realizadas nos termos desta lei não
poderão ser utilizados para a instrução de processos ou investigações relativos a
crimes diversos daqueles para os quais a autorização foi dada, salvo quando se
tratar de crime conexo ou de outro crime constante do artigo 1º desta lei, hipótese
em que se observará o disposto nos artigos 16 e 17.
Parágrafo único. Serão igualmente inutilizáveis os resultados das operações
técnicas em procedimentos ou processos de natureza não-penal.
CAPÍTULO VI
Das sanções penais
Art. 20. Constitui crime proceder à operação de interceptação, impedimento,
interrupção,
escuta
ou
gravação
de
comunicação
telefônica
e
das
telecomunicações a ela equiparadas, fora dos casos, modalidades e formas
previstas nesta lei.
76
Pena — reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º. Incorre nas mesmas penas quem divulga ou utiliza o resultado das
operações ilegais descritas no caput deste artigo.
§ 2º. A pena é aumentada de um terço se o agente for funcionário público,
prevalecendo-se de seu cargo ou função.
Art. 21. Constitui crime a gravação clandestina de conversa entre presentes, bem
como a captação ou a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos
ou acústicos, e o seu registro, análise ou utilização, fora dos casos, modalidades
e formas previstas nesta lei.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1° - Incorre nas mesmas penas quem divulga ou utiliza o resultados das
operações ilegais descritas no caput deste artigo.
§ 2° - A pena é aumentada de um terço se o agente for funcionário público,
prevalecendo-se de seu cargo ou função.
Art. 22. Constitui crime divulgar ou utilizar, por quaisquer meios, o resultado das
operações técnicas realizadas nos casos, modalidades e formas previstas nesta
lei, protegido por sigilo judicial:
Pena — reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos, e multa.
Art. 23. Constitui crime a divulgação da gravação de conversa própria, por
telefone ou por outro meio, gravada sem o conhecimento do interlocutor, salvo
para o exercício regular de um direito.
Pena – reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos e multa.
Art. 24. No caso dos crimes previstos nos artigos 20, parágrafo 1o, 21, parágrafo
1o, 22 e 23, a pena é aumentada de um terço se a divulgação se der por meio de
jornais e outras publicações periódicas, serviços de radiodifusão e serviços
noticiosos, bem como pela internet.
Parágrafo único – A responsabilidade penal, nesses casos, será determinada na
forma dos artigos 37 a 39 da Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.
77
Art. 25. Constitui crime fazer afirmação falsa ou induzir a erro a autoridade
judicial, com o propósito de obter autorização para as operações previstas nos
artigos 1° e 2° desta lei.
Pena – reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos e multa.
Art. 26. Constitui crime autorizar as operações previstas nos artigos 1° e 2° desta
lei fora dos casos, modalidades e formas nela estabelecidas.
Pena – reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos, e multa.
CAPÍTULO VII
Disposições finais e transitórias
Art. 27. Ressalvadas as prerrogativas das partes, correrão em segredo de justiça
os inquéritos e processos que contiverem elementos informativos ou provas
obtidos na forma desta lei.
Art. 28.
Enquanto o Ministério da Justiça não definir e a ANATEL não
regulamentar o sistema de gerenciamento a ser utilizado para os operações
técnicas descritas nesta lei, a Chefia de Polícia estabelecerá a forma de sua
execução, de modo a possibilitar o controle do Ministério Público e a garantir a
regularidade, inviolabilidade e privacidade do sistema utilizado.
Art. 29. Esta lei entrará em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação,
aplicando-se, no que forem compatíveis, as normas do Código de Processo Penal
e do Código de Processo Penal Militar.
Art. 30. Ficam revogadas as disposições em contrário, e especialmente a lei nº
9.296, de 24 de julho de 1996, aplicando-se a nova lei aos processos pendentes,
ainda não transitados em julgado, em que não tenha sido observado o disposto
nos artigos 1º e 19 desta lei.
Acessado
no
site:
http://www.justica.gov.br/sal/consultas/escuta/consulta_
anteprojeto.htm, em 19 de outubro de 2006, as 13:45 hrs.
78
Download

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: PROVA LÍCITA – ILÍCÍTA