IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil Batata como fonte de amido: avaliação dos teores de fósforo, amilose e propriedades térmicas Garcia, E. L.I; Leonel, M.I; Carmo, E. L. doIII; Franco, C. M. L.II; Santos, T. P. R. dosI RESUMO O amido apresenta algumas propriedades importantes para o processamento industrial que são dependentes de sua fonte botânica e de suas características estruturais. A gelatinização e retrogradação são algumas das mais importantes características dos amidos, podendo ser explicadas pelo conteúdo de amilose e fósforo no amido. No presente trabalho objetivou-se avaliar as propriedades térmicas de gelatinização e retrogradação, conteúdo de fósforo e amilose de oito cultivares de batata. As propriedades térmicas das diversas cultivares foram influenciadas pelo conteúdo de fósforo e amilose. As cultivares Marlen, Pirassu e BRS Ana apresentaram as menores entalpias de gelatinização dentre as cultivares. O conteúdo de amilose foi elevado em todas as variedades, afetando as temperaturas iniciais e de pico durante a gelatinização, entretanto, as cultivares Marcy e Harley Beckhell apresentaram os maiores teores de fósforo, contribuindo para baixa tendência a retrogradação dos grânulos de amido. Palavra-chave: Solanum tuberosum L., propriedades reológicas, batata, fósforo, amilose. ABSTRACT Starch has some important properties to processing industrial that are dependent on its botanical source and structural characteristics. Gelatinization and retrogradation are some of the most important characteristics of starches and can be explained by the content of amylose and phosphorus. This work aimed to evaluate the thermal properties of gelatinization and retrogradation and the content of amylose and phosphorus of eight potato cultivars. The thermal properties of the different cultivars were influenced by the phosphorus and amylose contents. The cultivars Marlen, Pirassu and BRS Ana showed the lowest enthalpy of gelatinization among the cultivars. The amylose content was high in all varieties and it affected the initial and peak temperatures during gelatinization., However, the cultivars Marcy and Harley Beckhell showed higher content of phosphorus, what can has contributed to low retrogradation of the starches granule. Key words: Solanum tuberosum L., rheological properties, potato, phosphorus, amylose. INTRODUÇÃO O cultivo da batata (Solanum tuberosum L.) vem ganhando destaque principalmente nos países em desenvolvimento. Em busca de agilidade e praticidade no preparo dos alimentos, a batata processada tem despertado grande interesse ao mercado consumidor [1]. A industrialização da batata vem crescendo em todo o mundo, principalmente para produtos que podem ser consumidos diretamente (“ready to eat”), como chips e batata palha, ou, prontos para serem consumidos (“ready to use”), como batatas congeladas ou cortadas em palitos resfriados e pré-fritos congelados [2]. Tubérculos de batata têm como principal carboidrato de reserva o amido. O amido é um dos polissacarídeos mais abundantes na natureza e é formado por polímeros lineares (amilose) e ramificados (amilopectina) de α-D-glucose [3]. As características físico-químicas e funcionais dos grânulos de amido são influenciadas pela proporção de amilose e amilopectina, comprimento de cadeia da amilopectina, tamanho e distribuição do grânulo e, conteúdo de fósforo, sendo que estes parâmetros irão prédeterminar as possíveis aplicações industriais desses materiais [4]. I Centro de Raízes e Amidos Tropicais (CERAT) – Universidade Estadual Paulista – Botucatu/SP. II Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) – Universidade Estadual Paulista – São José do Rio Preto/SP. III Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT) – Campo Novo do Parecis – Mato Grosso/MT. IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil O amido é amplamente empregado pela indústria alimentícia como melhorador em diversas propriedades, tais como: textura, estabilizante de colóides, agente ligante, agente de retenção com a água e agente adesivo [5, 6]. O comportamento térmico dos amidos durante a gelatinização e retrogradação tem sido avaliado utilizando-se o Calorímetro Diferencial de Varredura, o qual mede a quebra das ligações de hidrogênio entre as estruturas granulares além de mensurar a energia envolvida (entalpia) na transição de um grânulo semi-cristalino para um gel amorfo [7]. Devido às restrições a amidos modificados, impostas principalmente pelos consumidores, as empresas produtoras de amido no mundo vêm mostrando um interesse cada vez maior em amidos naturais com características desejáveis que atendam ao mercado consumidor. Frente a esta demanda, o setor agroindustrial está interessado em identificar e desenvolver espécies que produzam amidos nativos com características únicas, podendo estes amidos substituir os modificados quimicamente ou abrir novos mercados [8]. Visto a carência e necessidade do segmento alimentício por matéria prima com qualidades diferenciadas e, sendo a batata uma importante fonte de amido, este trabalho objetivou caracterizar diferentes cultivares de batata quanto as propriedades térmicas, conteúdo de fósforo e amilose, visando fornecer informações para a aplicabilidade industrial dessas cultivares. MATERIAL E MÉTODOS Foram processados para a extração de amido oito cultivares de batata: Snowden, Harley Beckhell, Marlen, Colorado, BRS Ana, Pirassu, Beacon Chipper e Marcy, cultivados no município de Pouso Alegre - Minas Gerais. Após 5 meses do plantio, os cultivares foram colhidos e encaminhados ao Centro de Raízes e Amidos Tropicais da Unesp (CERAT) – Botucatu/SP, onde os tubérculos foram processados para a extração do amido, com posterior determinação das propriedades térmicas, conteúdo de fósforo e amilose. Para extração do amido, os tubérculos foram higienizados em água potável e desintegrados em liquidificador industrial. A suspensão obtida foi passada por peneiras de aberturas variáveis para a purificação e, a suspensão obtida foi decantada a temperatura de 5ºC por 4 horas. Após a decantação, o sobrenadante foi descartado e o amido foi re-suspenso em água para nova purificação. Posteriormente, o amido foi seco em estufa de circulação de ar forçado à temperatura de 40ºC, sendo acondicionado em recipiente de polietileno com tampa. As propriedades térmicas foram analisadas utilizando um Calorímetro Diferencial de Varredura, equipado com um intracooler e um software de análise térmica (Pyris 1) para a determinação das temperaturas de gelatinização, retrogradação e variação de entalpia (ΔH). Aproximadamente 2 mg de amido foram pesados em cápsulas de alumínio e 6 μL de água deionizada foram adicionados. Em seguida as cápsulas foram seladas. As suspensões de amido foram mantidas em repouso para atingir o equilíbrio (overnight). Após, as amostras foram aquecidas de 25 a 100ºC a uma taxa de 10ºC min-1. As análises de retrogradação foram realizadas após armazenamento dos recipientes padrões contendo as amostras gelatinizadas a 4ºC por 14 dias e novamente analisadas usando as mesmas condições. A percentagem de retrogradação dos amidos foi calculada através da relação: (ΔH retrogradação/ΔH gelatinização) x 100. O conteúdo de fósforo foi determinado após digestão nitro perclórica. Uma alíquota de 1 mL do extrato foi separada e foram adicionados 4 mL de água destilada, 2 mL da mistura Molibdato de Amônio + Metavanadato de Amônio e deixado em repouso por 5 minutos. A absorbância foi medida em espectrofotômetro a 420 nm [9]. Os resultados de fósforo foram expressos em mg 100g-1. Para a análise do conteúdo de amilose aparente, foram utilizados 150 mg de amostra previamente desengordurada. Após o processo de extração e reação da amilose com a solução de iodo, as amostras foram deixadas em repouso durante 20 minutos ao abrigo da luz e as absorbâncias medidas em espectrofotômetro a 620 nm, sendo os resultados expressos em g 100g-1 de amilose [10]. IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil A comparação dos cultivares quanto às características dos amidos foram realizadas através da análise de variância e a comparação das médias através do teste Tukey ao nível de significância de 5%. RESULTADOS E DISCUSSÃO O conteúdo de amilose aparente nos diferentes amidos de batata variaram entre 28,51 e 36,10%, respectivamente para os cultivares Beacon Chipper e BRS Ana. Resultados inferiores foram obtidos por Kaur et al. [6], que encontraram teores de amilose variando entre 15 e 23% em diferentes cultivares de batatas cultivadas em diferentes localidades. O conteúdo de amilose pode afetar as propriedades térmicas de gelatinização e retrogradação, assim como, a aplicação do amido na indústria alimentícia, comprometendo a qualidade do produto processado. Os teores de fósforo variaram entre 30 e 70 mg 100g-1, os maiores teores foram observados para os cultivares Harley Beckhell e Marcy, não diferindo estatisticamente do cultivar Snowden, e os menores teores foram observados para os cultivares Pirassu e BRS Ana. O fósforo ligado covalentemente as cadeias laterais da amilopectina, majoritariamente localizado no C6 sob a forma de monoéster, contribuem para viscosidade, claridade, consistência e estabilidade de pasta, sendo uma vantagem para muitas aplicações industriais. Para as propriedades térmicas de gelatinização os resultados mostraram que as temperaturas iniciais de gelatinização variaram entre 63,35 e 65,88°C, respectivamente, para os cultivares Pirassu e Marcy, indicando que não há amilose complexada a lipídios, caso contrário, uma segunda endoterma seria observada entre 91 e 100°C. As temperaturas de pico (Tp), de conclusão (Tc) e variação de entalpia (ΔH) para os amidos em estudo variaram de 63,38 a 68,85 °C; 70,27 a 73,56 °C e 14,59 a 17,81J/g, respectivamente. As menores variações de temperatura (ΔT(Tc-T0)) foram observadas para os cultivares Snowden e Marlen, respectivamente, 6,85 e 6,81ºC (Tabela 2), indicando maior homogeneidade dos cristais desses amidos [11]. A perfeição da cristalinidade do amido pode ser refletida nas temperaturas de gelatinização, sendo que, a temperatura de pico fornece uma medida da qualidade do grânulo, correlacionando-se ao comprimento das duplas hélices [7]. As elevadas temperaturas de gelatinização observadas para os amidos em estudo demonstram elevado grau de homogeneidade, podendo, correlacionar-se com a proporção de cadeias de GP e a proporção da distribuição das cadeias longas de amilopectina [12]. Entretanto, a literatura também preconiza que o comportamento durante a gelatinização está intimamente correlacionado com o tamanho do grânulo, conteúdo de fósforo e amilose, podendo ser observadas diferenças durante a gelatinização dentre espécies de mesmo gênero, como em fontes botânicas distintas [13]. A entalpia de gelatinização é um indicativo da cristalinidade do grânulo e da perda de ordem molecular [7]. As maiores entalpias (ΔH) foram obtidas para os cultivares Snowden, Harley Beckhell e Marcy, 17,81, 17,32 e 17,33 J/g, respectivamente, podendo correlacionar-se à maior proporção de cadeias longas de amilopectina, formando duplas hélices maiores. Portanto, sendo as regiões cristalinas controladas pelas cadeias de amilopectina [14], e estas sendo responsáveis pela formação de duplas hélices, os elevados valores de entalpia para os cultivares Snowden, Harley Beckhell e Marcy, sugerem maior cristalinidade em seus amidos. Em contrapartida, os baixos valores atingidos pelos cultivares Marlen, BRS Ana e Pirassu (14,96, 14,59 e 14,96 J/g, respectivamente), indicam poucas duplas hélices sendo desfeitas, o que pode estar relacionado ao elevado teor de amilose nestes amidos, uma vez que maiores proporções de regiões amorfas estariam presentes, ocasionando diminuição do ponto de fusão das regiões cristalinas [7]. Contudo, o comportamento do amido durante a gelatinização é definido pelas condições do meio em que ocorre a síntese do amido, principalmente pela temperatura durante o desenvolvimento do grânulo [15]. Avaliando-se as temperaturas iniciais, pico e conclusão durante a retrogradação verificou-se que as temperaturas foram inferiores quando correlacionadas as temperaturas de gelatinização, corroborando com os resultados obtidos por outros autores [16]. Os cultivares Harley Beckhell e BRS Ana apresentaram as menores variações de entalpia (4,93 e 4,85 J/g, respectivamente) e, a maior IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil entalpia foi observada para o cultivar Pirassu (7,01 J/g). Após a gelatinização do amido, o armazenamento em baixas temperaturas, favorece a reorganização das moléculas de amilose, entre 40 e 70 unidades de glucose, em uma estrutura mais amorfa [17, 18]. Essa reorganização desuniforme promove perda de cristalinidade do grânulo pela diminuição das ligações em duplas hélices, impactando em menor gasto energético para os amidos retrogradados quando comparados com as entalpias de gelatinização. Portanto, a retrogradação pode ser considerada basicamente como um processo de recristalização, podendo ser explicada pela tendência dos grânulos em efetuar ligações de hidrogênio durante este processo [19]. Dos cultivares em estudo, o cultivar Pirassu apresentou a maior tendência em retrogradar (46,87%), podendo este comportamento, ser devido à elevada proporção de cadeias lineares da amilose e ao baixo conteúdo de fósforo presente neste amido, favorecendo sua reorganização estrutural. Já os cultivares Harley Beckhell e Marcy apresentaram as menores tendências em retrogradar (28,45 e 29,74%, respectivamente) e, elevados teores de fósforo. Correlacionando o conteúdo de fósforo com a tendência em retrogradar e a variação de entalpia, verifica-se que, à medida que o teor de fósforo aumenta menor é a tendência em retrogradar e menor é o gasto energético (r = -0,74 e r = 0,55). CONCLUSÃO O amido do cultivar BRS Ana apresentou o maior conteúdo de amilose aparente refletindo em sua elevada temperatura inicial de retrogradação. Os elevados teores de fósforo para os cultivares Harley Beckhell e Marcy, contribuíram para a estabilidade do grânulo e controlou a taxa de retrogradação dos amidos gelatinizados. Já os cultivares Snowden e Marlen apresentaram maior padrão homogêneo de cristalinidade, enquanto, a maior heterogeneidade foi observada para o cultivar Colorado. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a CAPES e CNPq pela concessão das bolsas de estudos. REFERÊNCIAS [1] KEIJIBETS, M.J.H. Potato processing for the consumer: developments and future challenges. Potato Research, v.51, p.271-281, 2008. [2] ZORZELLA et al. Caracterização física, química e sensorial de genótipos de batata processados na forma de chips. Brazilian Journal of Food Technology, v.6, p. 15-24, 2003. [3] BLENNOW, A. Starch bioengineering. In: ELIASSON A. (Ed.). Starch in food: Structure, function and applications. Cambridge: Woodhead Publishing, p.97-127, 2004. [4] WISCHMANN, B. et al. Testing properties of potato starch from different scales of isolations – A ringtest. Journal of Food Engineering, v. 79, n. 3, p. 970-978, 2007. [5] LINDEBOOM, N. et al. Analytical, biochemical and physicochemical aspects of starch granule size, with emphasis on small granule starches: a review. Starch/Stärke, v. 56, n. 3-4, p. 89-99, 2004. [6] KAUR, A. et al. Physicochemical, thermal and pasting properties of starches separated from different potato cultivars grown at different locations. Food Chemistry, 101, n. 2, p. 643-65, 2007. [7] SINGH, N. et al. Morphological, thermal and rheological properties of starches from different botanical sources. Food Chemistry, v.81, p.219-231, 2003. [8] LEONEL, M. Análise da forma e tamanho de grânulos de amidos de diferentes fontes botânicas. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v.27, n.3, p.579-588, jul/set. 2007. [9] MALAVOLTA, E. et al. Nutrição mineral e adubação de plantas cultivadas. São Paulo, Ed. Pioneira, 1974. 727p. [10]INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 6647: Norme Internacionale: Rizdetermination de lateneuren amylose. Suisse, p. 4, 1987. [11] NWOKOCHA, L. M. & WILLIAMS, P. A. New starches: Physicochemical properties of sweetsop (Annona squamosa) and soursop (Annona muricata) starches. Carbohydrate Polymers, v. 78, n. 3, p. 462-468, 2009. IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil [12] JANE et al. Effects of amylopectin branch chain length and amylose content on the gelatinization and pasting properties of starch. Cereal Chemistry, v. 76, n. 5, p.629-637, 1999. [13] SINGH, N. & KAUR, L. Morphological, thermal, rheological and retrogradation properties of potato starch fractions varying in granule size. Journal of the Science of Food and Agriculture, v.84, p.1241-1252, 2004. [14] NODA et al. Relationships between chain length distribution of amylopectin and gelatinization properties within the same botanical origin for sweet potato and buckwheat. Carbohydrate Polymers. v.37, 153-158, 1998. [15] ELLIS, R. P. et al. Starch production and industrial use. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 77, p. 289-311, 1998. [16] KARIM, A. et al. Methods for the study of starch retrogradation. Food Chemistry, v.71, p. 9-36, 2000. [17] YOO, D. & YOO, B. Rheological of rice starch-sucrose composites. Starch/Stärke, v. 57, n. 6, p. 254-261, 2005. [18] SASAKI, T.; YASUI, T.; MATSUKI, J. Effect of amylose content on gelatinization, retrogradation, and pasting properties of starch from waxy and non-waxy wheat and their F1 seeds. Cereal Chemistry, v. 77, n. 1, p. 58-63, 2000. [19] ACQUARONE, V.M. & RAO, M.A. Influence of sucrose on the rheology and granule size of cross-linked waxy maize starch dispersions heated at two temperatures. Carbohydrates Polymers. v.51, p.451-458, 2003.