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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
O TRABALHO DO APENADO COMO INSTRUMENTO DE
RESGATE DA DIGNIDADE HUMANA
ALINE VIEIRA SILVA
Itajaí, junho de 2011
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
O TRABALHO DO APENADO COMO INSTRUMENTO DE
RESGATE DA DIGNIDADE HUMANA
Aline Vieira Silva
Monografia submetida à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito.
Orientador: Professor MSc. Osmar Dinis Facchini
Itajaí, junho de 2011
3
AGRADECIMENTO
Agradeço a meus pais, por não medirem esforços para que eu
pudesse obter essa conquista em minha vida.
À minha querida amiga de infância, Dani, e, desde já,
parabenizo pela formatura.
Aos colegas que tive oportunidade de conhecer nesta
Universidade, bem como as amizades solidificadas, em
especial à minha amiga Lindiana, grande companheira de
estudo.
Aos meus amigos do Fórum da Comarca de Navegantes, os
quais eu tenho muito afeto e com os quais aprendi muito.
Ao Professor Osmar Dinis Facchini, pela inestimável dedicação
e atenção com que conduziu a orientação deste trabalho.
Por fim, mas não menos importante, muito pelo contrário, ao
meu namorado Thiago, grande incentivador de meus estudos,
estando presente nesta etapa tão importante, por toda sua
paciência, compreensão, carinho e dedicação, proporcionandome confiança para alcançar meus objetivos.
4
EPÍGRAFE
SENTENÇA DE VIDA
Sem dúvida, a vida traz no seu cerne espécie de sentença
prolatada por Deus.
Os processualistas costumam dizer que a sentença é
declaratória quando declara um direito. É constitutiva quando
constitui um direito, e é condenatória quando impõe uma
obrigação.
Na realidade, toda e qualquer sentença tem um desses
conteúdos de maior evidência, subsistindo os demais em grau
menor.
A sentença da vida não foge à regra: é declaratória por
declarar que o indivíduo nasce para servir, é constitutiva por
constituir o próprio direito à vida, e é condenatória por conter
apenação divina: comerás o pão com o suor do teu rosto.
JOSÉ MARIA PINHEIRO MADEIRA
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, 9 de junho de 2011
Aline Vieira Silva
Graduanda
6
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Aline Vieira Silva, sob o título O trabalho
carcerário como busca a dignidade humana, foi submetida em 9 de junho de 2011 à
banca examinadora composta pelos seguintes professores: Osmar Dinis Facchini
(Presidente), Pollyana Maria da Silva (Examinadora) e Guilherme Augusto Corrêa
Redher e aprovada com a nota _____________
Itajaí, 9 de junho de 2011
MSc. Osmar Dinis Facchini
Orientador e Presidente da Banca
Msc. Maria Claudia da Silva Antunes de Souza
Coordenação da Monografia
7
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C
OIT
Art.
CEC
CF
CLT
CNPC
CP
CPP
Inc.
LEP
n.
n.
OIT
ONU
PIJ
STJ
Antes de Cristo
Organização Internacional do Trabalho
Artigo
Código de Execução Criminal
Constituição Federal
Consolidação das Leis do Trabalho
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
Código Penal
Código de Processo Penal
Inciso
Lei de Execução Penal
Número
Número
Organização Internacional do Trabalho
Organização das Nações Unidas
Penitenciária Industrial de Joinville
Superior Tribunal de Justiça
8
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Apenado
Indiciado condenado em processo penal e que cumpre regularmente a ação aflitiva
em estabelecimento penal.1
Dignidade humana
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que
se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais
pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao
exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.2
Execução Penal
É a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciais para da atenção à sanção que se
realiza através de processo de igual nome, mediante meios executórios de
aplicações jurídicas e práticas neles contidas.3
Pena
Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de sentença, ao
culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de
um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente,
promover a readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação
1
SOIBERMAN, Leib. Dicionário geral de direito. vol. 2. São Paulo: J. bushatsky, 1973. p. 526.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 35.
3
BENET, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 43.
2
9
dirigida à sociedade.4
Reincidência
"A situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por crime
anterior, em sentença transitada em julgado", lembrando sua natureza jurídica de
agravante genérica de caráter subjetivo ou pessoal”.5
Ressocialização
“Ato ou efeito de ressocializar, socializar-se novamente. Assistir o preso psicológica
e profissionalmente, para que possa voltar à sociedade como cidadão útil, após
cumprimento da pena”.6
Trabalho Prisional
Método utilizado pelos estabelecimentos prisionais, consistente na aplicação da
atividade física ou intelectual dos encarcerados como forma de qualificação
profissional para a reinserção destes à sociedade e remissão da pena.7
4
CAPEZ, FERNANDO. CURSO DE DIREITO PENAL PARTE GERAL. VOL. 1. 12ª ED. SÃO PAULO: SARAIVA, 2008. P.
358-359.
5
CAPEZ, LOC. CIT.
6
XIMENES, Sérgio. MINIDICIONÁRIO EDIOURO DA LÍNGUA PORTUGUESA. 2 ed. São Paulo: Ediouro, 2000. P. 815.
7
Composição original da pesquisadora.
10
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................... XI
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 …..................................................................................... 15
EVOLUÇÃO DA PENA COMO FORMA DE CONTROLE SOCIAL .... 15
1.1 A EVOLUÇÃO DA PENA: DA ANTIGUIDADE À ERA ILUMINISTA …............ 15
1.1.1 A PENA NA ANTIGUIDADE …................................................................................ 15
1.1.2 A PENA NA IDADE MÉDIA …................................................................................ 20
1.1.3 O PERÍODO HUMANITÁRIO
E O
SURGIMENTO DA PENA DE PRISÃO …........................ 22
1.2 OS SISTEMAS PRISIONAIS: EVOLUÇÃO E APERFEIÇOAMENTO ….......... 25
1.2.1 SISTEMA FILADÉLFICO …........................................................................................ 26
1.2.2 SISTEMA AUBURNIANO …....................................................................................... 28
1.2.3 SISTEMA IRLANDÊS OU PROGRESSIVO ….................................................................... 29
CAPÍTULO 2 …..................................................................................... 32
A PENA DE PRISÃO …........................................................................ 32
2.1. CONCEITO DE PENA …................................................................................... 32
2.2 CARACTERÍSTICAS DA PENA ….................................................................... 33
2.3 FINALIDADE DA PENA …................................................................................. 34
2.3.1 TEORIAS ABSOLUTAS …......................................................................................... 34
2.3.2 TEORIAS RELATIVAS ….......................................................................................... 36
2.3.3 TEORIAS MISTAS …............................................................................................... 37
2.4 ESPÉCIES DE PENA NO DIREITO BRASILEIRO …........................................ 38
2.4.1 AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE …................................................................... 39
2.4.2 AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO …...................................................................... 41
2.4.2.1 PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA ….............................................................................................. 42
11
2.4.2.2 PERDA DE BENS E VALORES …........................................................................................ 42
2.4.2.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU ENTIDADES PÚBLICAS …..................................... 43
2.4.2.4 INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS …............................................................................ 44
2.4.2.5 LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA …..................................................................................... 44
2.5 REGIMES PRISIONAIS ….................................................................................. 45
2.5.1 REGIME FECHADO …............................................................................................. 46
2.5.2 REGIME SEMI-ABERTO …....................................................................................... 47
2.5.3 REGIME ABERTO …............................................................................................... 48
2.5.4 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO …...................................................................... 49
CAPÍTULO 3 …..................................................................................... 51
3.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA …............................... 51
3.1.1 CONCEITO …........................................................................................................ 51
3.1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA …........................................................................................ 53
3.1.3 A POSITIVAÇÃO E A VALORIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA …..... 56
3.1.4 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ….......... 59
3.1.5 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O SISTEMA PENITENCIÁRIO ….............. 62
CAPÍTULO 4 …..................................................................................... 68
4.1 O TRABALHO CARCERÁRIO …....................................................................... 68
4.1.1 TRABALHO INTERNO …........................................................................................... 73
4.1.2 TRABALHO EXTERNO ….......................................................................................... 76
4.2 REMIÇÃO …....................................................................................................... 79
4.3 O TRABALHO DO APENADO COMO INSTRUMENTO DE RESGATE DA
DIGNIDADE HUMANA …......................................................................................... 81
4.4 EXEMPLO DE TRABALHO CARCERÁRIO COMO INSTRUMENTO DE
RESGATE DA DIGNIDADE HUMANA …................................................................ 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS ….............................................................. 91
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ….......................................... 96
12
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto o trabalho prisional,
instrumento pelo qual se busca resgatar a dignidade humana daqueles que
incidiram no crime e pagam por seus atos, a fim de que possam ser ressocializados.
O objetivo institucional é compor uma monografia para
obtenção do grau de bacharel em direito pela Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI.
Seu objetivo geral é explanar questões pertinentes à origem
dos crimes e das penas, a evolução das formas de controle penais, o atual sistema
penal, o trabalho prisional e o princípio da dignidade da pessoa humana no que
tange ao sistema penitenciário, mormente à ressocialização por meio do
aprendizado de uma profissão e realização de trabalhos na prisão.
Para tanto, inicia–se o primeiro Capítulo tratando do crime,
fator inerente à sociedade humana, fato que advém desde os primórdios da
civilização, juntamente com a repressão a tais atos, quase que sempre a cargo do
Estado, órgão administrador da sociedade e guardião da paz e do bem comum
acima das liberdades individuais consideradas ilícitas.
No segundo Capítulo, trata-se da pena de prisão, o modo mais
eficaz encontrado do decorrer dos tempos para conter as ações humanas
consideradas contrárias à ordem social e a convivência pacífica entre os seres
humanos. Este capítulo faz um panorama desde o início da pena de prisão, em
substituição às penas cruéis na Era pós-Idade Média, até o atual sistema de
privação de liberdade adotado no Brasil do século XXI.
No terceiro Capítulo, tratando especificamente do princípio da
dignidade da pessoa humana, são destacadas suas origens, peculiaridades e a
positivação a partir do século XX, passando-se à abordagem do princípio da
dignidade da pessoa humana no que tange ao sistema penitenciário.
13
No quarto Capítulo, faz-se a análise do instituto do trabalho
prisional, meio pelo qual se faz com que os apenados tenham uma ocupação diária
e ganhem oportunidade de aprendizado de profissões, favorecendo assim os
resgate de sua dignidade, demonstrada pela ressocialização derivada do labor
prisional.
No mesmo capítulo, ressalta-se um exemplo de busca pela
dignidade dos presos, a Penitenciária Industrial Jucemar Cesconetto, estabelecida
em Joinville/SC, a qual tem como valor principal o trabalho prisional, demonstrando
assim a realidade prática em que se insere a presente investigação.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o
trabalho prisional como instrumento de resgate da dignidade da pessoa humana.
Para a presente monografia foi levantada a seguinte questão:
No
atual
sistema
carcerário,
o
trabalho
constitui
um
instrumento de resgate a dignidade humana e, consequentemente, constitui um
método eficaz para reinserção social?
Nessa senda, foi levantada a seguinte hipótese de que o
trabalho do preso contribui para a reinserção social e consequentemente, constitui
imensurável instrumento com função de resgate da dignidade humana sepultada nas
entranhas do sistema carcerário brasileiro, uma vez que ensina uma profissão ao
apenado, que valorizado e dignificado, retorna a sociedade com menos chances de
reincidência.
Têm-se como variável que o trabalho do preso serve apenas
para a disciplina e para a remição da pena, sendo mero instrumento de controle
interno da prisão, não constituindo formação ao apenado, nem tendo o condão de
alçá-lo ao resgate de sua dignidade humana.
14
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o
Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram
acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da
Pesquisa.
15
CAPÍTULO 1
EVOLUÇÃO DA PENA COMO FORMA DE CONTROLE SOCIAL
1.1 A EVOLUÇÃO DA PENA: DA ANTIGUIDADE À ERA ILUMINISTA
Os problemas que afligem a sociedade há muito são
discutidos, seja por filósofos, pensadores do direito e autoridades, seja por qualquer
do povo em uma conversa de esquina.
O filósofo Thomas Hobbes em sua obra “Leviatã” diz que o
homem é o lobo do homem – “Homo honminis lupus”. –, teoria pela qual afirma que
o homem nasce mal, e incumbe à sociedade o dever de educá-lo. Em que pese os
entendimentos de Hobbes, Jean Jacques Rousseau entendia de modo contrário,
dizendo que “o homem nasce bom e a sociedade é que o torna mal”. Seja pela
natureza ou pela formação, é certo que muitos homens corrompem os princípios de
ética e moral da sociedade, cometendo atos considerados como crimes.
Neste sentido, “para conter a maldade do homem, surge o
Direito Penal, conjunto de normas jurídicas, mediante as quais o Estado coíbe
(proíbe), pela via do jus puniendi, determinadas ações ou omissões, sob ameaça de
característica sanção penal”.8
1.1.1 A Pena na Antiguidade
Segundo a doutrina de Rogério Greco9, “a primeira pena a ser
aplicada na história da humanidade ocorreu ainda no paraíso, quando, após ser
induzida pela serpente, Eva, além de comer o fruto proibido, fez com que Adão o
comesse, razão pela qual, além de serem aplicadas outras sanções, foram expulsos
do paraíso”.
8
FRAGOSO, Heleno Cláudio apud. FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3ª ed. São
Paulo: Ícone, 2002. p. 24.
9
GRECO, Vicente. Curso de direito penal, parte geral. 12 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. Vol. I,
p. 463.
16
Depois da primeira condenação aplicada por Deus, o homem,
a partir do momento que começou a viver em comunidade, também adotou o
sistema de aplicação de penas toda vez que as regras da sociedade na qual estava
inserido eram violadas10.
Assim, várias legislações surgiram, ao longo da existência da
raça humana, com a finalidade de esclarecer as penalidades cominadas a cada
infração por elas previstas. Contudo, historiadores estão de acordo, que a origem da
pena é remotíssima, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto a
humanidade, considerando-se de todos os grupos de homens, mesmo os mais
informais, seguiam certas normas no que tange à convivência entre os seus
membros.11
A pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a
vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem
preocupação de justiça.
A pena, portanto, se originou e evoluiu juntamente com a
própria civilização, como assevera o entendimento de Odete Maria de Oliveira:
“[...] a pena é uma instituição muito antiga, cujo surgimento se
registra nos primórdios da civilização, já que cada povo em todo o
período histórico teve seu entendimento penal inicialmente, como
manifestação de simples reação do homem primitivo para
conservação de sua espécie, sua moral e sua integridade; após,
como um meio de retribuição e de intimidação, através das formas
mais cruéis e sofisticadas de punição, até nossos dias, quando
pretende-se afirmar com uma função terapêutica e recuperadora.”12
Segundo Manoel Pedro Pimentel:
a pena tinha originalmente um caráter sacral. Não podendo explicar
os acontecimentos que fugiam ao cotidiano (chuva, raio, trovão), os
homens primitivos passavam a atribuí-los a seres sobrenaturais, que
10
GRECO, loc. cit.
PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1983. p. 117.
12
OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. Florianópolis: Editora da UFSC, 1984. p.
29.
11
17
habitavam as florestas, ou se encontrariam nas pedras, rios ou
animais, maléficos ou propícios de acordo com as circunstâncias,
eram os totens, e a violação a estes ou o descumprimento as
obrigações devidas a eles acarretariam graves castigos.13
Na mesma época seguiram as proibições conhecidas como
Tabu, sendo que as violações às regras totêmicas ou a desobediência ao Tabu,
acarretariam aos infratores os castigos ditados no culto, e era de caráter coletivo.
Nesse sentido, doutrina Cezar Roberto Bitencourt:
Nas sociedades primitivas, os fenômenos naturais maléficos eram
recebidos como manifestações divinas (“totens”) revolutas com a
pratica de atos que exigiam reparação. Nessa fase, punia-se o
infrator para desagravar a divindade.14
A responsabilidade coletiva representava-se na cólera dos
parentes, na vingança de sangue, que Von Liszt considerava “precursora da pena e
a primeira manifestação de cultura jurídica”.15
Todos os membros do grupo participavam de tais castigos, isto
porque para Pimentel a pena tinha “uma função reparatória, dado o caráter religioso
da ofensa e se destinava a aplacar a ira da divindade ofendida ou recompor o
equilíbrio rompido com a violação do tabu”.16
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Osealdo Henrique Duek
Marques,17 diz que:
o homem era muito ligado à sua comunidade, pois fora dela sentia-se
desprotegido dos perigos imaginários. Essa ligação refletia-se na
organização jurídica primitiva, baseada no chamado vínculo de
sangue, representado pela recíproca tutela daqueles que possuíam
uma descendência comum. Dele se originava a chamada vingança
de sangue, definida por Erich Fromm como ‘um dever sagrado que
13
PIMENTEL, op. cit., p. 118.
BITERCOURT. Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8 ed. São Paulo: Saraiva ,
2003. p. 21.
15
PEREIRA. Hilton Luiz. A pena e respectivos limites. RT 412/13.
16
LEAL, João José. Direito Penal geral. 3 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004. p. 64.
17
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2000. p. 02.
14
18
recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma
tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente,
se um de seus companheiros tiver sido morto’.18
Devido à diversidade das tribos deu-se origem a duas
espécies de penas: a perda da paz e a vingança de sangue.
Aplicado ao membro do grupo praticante de ato considerado
atentatório contra a coletividade, “a perda da paz sempre implicava na exclusão da
proteção totêmica, expulsando o infrator do grupo, sem armas e sem alimentos.
Equivalia a uma condenação à morte, porque, desamparado, ficava o infrator à
mercê dos inimigos e feras, exposto aos riscos e às intempéries”.19
Em suma a perda da paz consistia a inimizade de todos em
relação ao infrator, que eliminado da proteção da comunidade, ficava sujeito a
perseguições de outros grupos, não podendo ser ajudado por qualquer indivíduo.
A vingança de sangue consistia na cobrança do sangue pela
falta cometida. A punição era concretizada contra o infrator e sua raça, seguindo às
regras da Lei do Talião, era o conhecido “olho por olho, dente por dente”.
Nesse sentido, cita-se José da Silva Moreira20:
Se um individuo destruiu o olho de outro individuo, destruirá o seu
olho. Se quebrou o osso de outro, quebrarão o seu osso. Se
arrancou o dente do outro, arrancarão o seu dente. Ou, ainda: ‘Luta
do homem contra o homem, entregue pela comunidade à vingança
do ofendido, ou da família da vítima’.
A Lei do Talião constitui uma prática comum entre os povos
antigos. Esta lei se encontra claramente em alguns trechos do Código de
Hammurabi, que leva o nome do Rei da Babilônia, o qual foi o responsável pelo
aparecimento desta importante obra jurídica.
18
FROMM, Erich. Anatomia de destrutividade humana. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. Rio
de Janeiro: Zahar, 1975. p. 366. Apud MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 3.
19
PIMENTEL, op. cit., p. 120.
20
MOREIRA, José da Silva. A execução penal nas cadeias públicas catarinenses. Dissertação de
Mestrado em Direito. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1993. p. 14.
19
Cumpre salientar ainda, que podemos encontrar a referida lei
em trechos da Bíblia. Destaca-se o mais conhecido: “Mas se houver dano, urge dar
a vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura
por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe (Êxodo, 21, 23)”.
Encontramos ainda, na Lei das XII Tábuas, “[...] se alguém
fere a outrem, que sofra a pena de talião, salvo se houver acordo” (Tábua VII, 11).
A vingança divina, Segundo Falconi21, surgiu no direito penal
com a conotação de “divindade”. A punição se aplicava em nome desta. A pena
tinha o escopo de purificação da alma do criminoso, através do que ele poderia
reencontrar a bem-aventurança.
Acerca da vingança divina, colaciona-se o ensinamento de
Garcez22:
Caso a violação fosse praticada por elemento estranho à tribo, a
reação era a da ‘vingança de sangue’, considerada como obrigação
religiosa e sagrada, ‘verdadeira guerra movida pelo grupo ofendido
àquele a que pertencia o ofensor, culminando, não raro, com a
eliminação completa de um dos grupos’
Destaca-se, ainda:
A vingança divina era exercida com redobrada crueldade, eis que o
castigo tinha que estar à altura da grandeza de Deus ofendido e seu
propósito era purificar a alma do ofensor, preparando-o para a bem
aventurança eterna.23
A vingança divina deve-se à influência decisiva da religião nas
vidas dos antigos. “O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos
sacerdotes
que
infligiam
penas
severas,
cruéis
e
desumanas,
visando
especialmente à intimidação”. 24
21
FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. 3ª ed. São Paulo: Ícone, 2002. p. 34.
GARCEZ, Walter de Abreu. Curso básico de direito penal: parte geral. São Paulo: José
Bushatsky, 1972. p. 66.
23
FERNANDES, Newton e FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 2ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 651.
24
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Altas, 1999. p.36.
22
20
É valido observar que Platão e Aristóteles, que viveram na
época da “vingança divina”, tinham posições contrárias. Para Platão “a pena deveria
ter sentido de correção”, enquanto Aristóteles pensava que o mal e o crime eram
“produto de querer livre e racional do homem” e a pena era “a retribuição desse
mal”.25
1.1.2 A Pena na Idade Média
Na Idade Média atingiu-se a fase da vingança pública,
garantindo maior estabilidade ao Estado, e principalmente, visou-se à segurança do
príncipe e soberanos.
O entendimento da época era que, quanto maior e mais cruel
fosse a pena, melhor e mais eficiente seria a emenda do criminoso. Como a sanção
era sempre a pena capital ou o desterro, chega-se à conclusão de que, na realidade,
a pena tinha conotação de prevenção geral.26
Segundo descreve Moreira27, “a punição se fazia em
cerimônias que impressionavam o povo, com intuito de difundir o terror e o poder
dos governantes”.
Nessa fase prevalecia o arbítrio do julgador, não havendo
maior preocupação com a culpa ou o ânimo subjetivo do infrator. Imperava a
desigualdade de classes diante da decisão punitiva. A pena de morte se destacava
por requintes de exarcebada desumanidade: cozimento, esquartejamento, fogueira,
roda, empalamento, sepultamento com vida, etc 28.
Nesse contexto, destaca-se Sirvinskas29:
Na Idade Média à semelhança do período da Antiguidade, vigoravam
também as penas cruéis e degradantes. Os delinqüentes ficavam
confinados e esquecidos em calabouços úmidos e subterrâneos,
aguardando praticamente a morte. Além do confinamento,
25
MOREIRA, loc. cit.
FALCONI, loc. cit.
27
MOREIRA, op. cit., p. 19.
28
FERNANDES, op. cit., p. 87.
29
SIRVINSKAS, Luiz Paulo. Introdução ao estudo de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25.
26
21
aplicavam-se as penas públicas de amputação dos braços, pernas,
extirpação de olhos, queima da carne com fogo, e a morte.
Cita-se, ainda, Cristiano Álvares Valadares do Lago30:
“Nesse período notabilizou-se pelo denominado direito ordálico
(juízos de Deus), cujas sentenças tinham inspiração divina e eram
invocadas diretamente pelo julgador ou pelo próprio imputado. O
processo de julgamento ocorria por meio da prova da água, do fogo,
da balança, do veneno, do ferro quente, do anel quente e da sorte,
que, se favorável ao imputado, era este considerado inocente, se lhe
fosse desfavorável, consubstanciava na sua culpabilidade.
Acerca das torturas praticadas em nome de Deus, manifestase Beccaria31:
Tal meio infame de chegar à verdade é um monumento da barbárie
legislação de nossos avós, que honravam como título de ‘julgamento
de Deus’ as provas de fogo, aquelas águas ferventes e a sorte
oscilante nos combates. Como se os elos dessa corrente eterna, a
origem da qual reside no seio da Divindade, pudessem ser desunidos
ou partir-se a cada momento, ao sabor dos caprichos e das frívolas
instituições humanas!
Destaca-se ainda, Foucault 32:
Na execução de pena mais regular no respeito mais exatos das
normas jurídicas, reinam as forças ativas da vindita. A punição tem,
então, uma função jurídica política. É um cerimonial para reconstituir
a soberania lesada por um instante. Ele a restaura manifestando-a
em todo o seu brilho. A execução pública, por rápida e cotidiana que
seja, se insere em toda a série dos grandes rituais do poder
restaurado (coroação, entrada do numa conquista, submissão dos
súditos revoltados). Por cima do crime que desprezou o soberano,
ela exibe aos olhos de todos uma força invencível. Sua finalidade é
menos de estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar, até um
extremo, a dissimetria entre os súditos, que ousaram violar a lei e o
soberano todo poderoso, que fez valer a força.”
30
Apud. SIRVINSKAS, loc. cit.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Rideel, 2003. p. 19.
32
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento prisão. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 42.
31
22
Verifica-se que a pena nesse período era uma sanção imposta
em nome do Estado, representando os interesses da comunidade. Foi um período
marcado, também, pelas penas cruéis, no entanto, tal período evoluiu para o
Período Humanitário, o qual veio combater a repressão penal regida pela crueldade.
1.1.3 O Período Humanitário e o Surgimento da Pena de Prisão
O iluminismo abriu, pela primeira vez na história das ciências
políticas e sociais, um grande e vigoroso debate sobre a pena de morte, largamente
utilizada pelas legislações penais da época. O pensamento racionalista do Direito
Penal formou grandes discussões a respeito da natureza e dos fins da pena que
deveria ser “restrita”, conforme o artigo 8º da Declaração dos Direitos dos Homens e
do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional Francesa em 26.8.1789.33
As leis em vigor no século XVIII inspiravam-se em idéias e
procedimentos de excessiva crueldade, prodigalizando os castigos corporais e a
pena capital. O direito era um instrumento gerador de privilégios, o que permitia aos
juízes, dentro do mais desmedido arbítrio, julgar os homens de acordo com a sua
condição social.34
É na segunda metade do século XVIII quando começaram a
remover-se as velhas concepções arbitrárias: os filósofos, moralistas e juristas
dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação vigente, defendendo as
liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade do homem.35
As correntes iluministas e humanitárias, representadas por
obras como “O espírito das leis” de Montesquieu e “Contrato Social” de Rosseau,
além de manifestações de Diderot, D’ Holbach, Bentham, Emanuel Kant, Voltarie
entre outros, foram fiéis exemplares dessas ideias ao realizarem severas críticas dos
excessos imperantes na legislação penal da época.
33
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2005. p. 143.
34
BITENCOURT, op. cit., p. 31.
35
GARRIDO GUZMANN. Compendio de ciência penitenciaria. Universidad de Valencia, 1976. p.
27.
23
Neste período, destaca-se ainda, Cesare Beccaria, com umas
das obras mais importantes, se não a mais importante, “Dos delitos e das penas”,
fazendo um verdadeiro protesto contra a violência no ato de punir, alertando sobre o
extremo barbarismo e reclama da proteção à dignidade humana36.
Destaca-se seu manifesto:
As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da
salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas
serão quão mais sagradas e inviolável for a segurança e maior a
liberdade que o soberano propiciar aos súditos.37
Beccaria sustenta que as penas devem ser moderadas, com
finalidade de impedir que o autor do crime continue a delinqüir, para tanto, deve
revestir-se de severidade, porém sem exorbitância. Investe contra a pena capital,
baseado no contrato social. Isso porque o homem, ao ceder uma parcela mínima de
sua liberdade para possibilitar a vida em comum, não se privou de todos os seus
direitos, nem irá conferir a outrem o direito de matá-lo. Acrescenta que uma pena de
prisão duradoura intimida mais que uma execução isolada. Ademais, a pena de
morte é irreparável38.
Ocupa-se da proporcionalidade entre as penas e os delitos,
entendendo que os crimes mais graves são os que visam à destruição da sociedade.
Nesse sentido, Beccaria leciona que “bastará, pois, que o
legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penalidades
proporcionais aos crimes e, especialmente, não aplique os menores castigos aos
maiores delitos”.39 Ditava, ainda, que as leis devem ser claras, uma vez que o ensino
colaborará com a diminuição dos crimes, fazendo-se necessário a educação para a
diminuição dos vícios.
Para Costa Jr., “a pena deve ser prontamente imposta, para
que se evidencie o nexo entre o crime, como causa, e a pena, como conseqüência.
36
MOREIRA, op. cit., p. 22.
BECCARIA, loc. cit.
38
COSTA JR, Paulo José. Curso de direito penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16.
39
BECCARIA, op. cit., p. 87.
37
24
Deve ser ainda necessária, pois só assim se justifica infligir a alguém um
sofrimento”.40
Howard motivou sua preocupação pelos problemas do sistema
penitenciário. Foi este quem inspirou uma “corrente penitenciarista preocupada em
construir estabelecimentos apropriados para o cumprimento da pena privativa de
liberdade”.41
Cabe destacar que Howard teve uma especial importância no
longo processo de humanização e racionalização das penas, uma vez que propunha
a conveniência da fiscalização por magistrado na vida carcerária, sua luta era para
alcançar a humanização das prisões e a reforma do delinqüente.42
Benthan apud Bitencourt ressalta a pena com “finalidade de
conceber o benefício por meio da motivação da dor e do prazer, com o objetivo
principal de prevenção, dessa forma visando à reabilitação do delinqüente”.43
Considerava Bentran que o fim principal da pena era prevenir
delitos semelhantes: “o negócio passado não é mais problema, mas o futuro é o
infinito: o delito passado não afeta mais que a um indivíduo, mas os delitos futuros
podem afetar a todos.”44
Suas ideias sobre o objeto reabilitador da pena privativa de
liberdade devem entender-se em um contexto retributivo, e com preeminência de
prevenção geral. Considerava que a pena era um mal que não devia exceder o dano
produzido pelo delito.45
Foucault, também acreditava na necessidade de punir de outro
modo, eliminando “essa confrontação física entre o soberano e o condenado; esse
40
COSTA JR, op. cit., p. 17.
NEUMAN, Elias. Evolución de la peña privativa de liberdad y régimenes carcelarios. Buenos
Aires: Pannedille, 1971 p. 71.
42
BITENCOURT, op. cit., p. 35-36.
43
BITERCOURT, op. cit., p. 45-47.
44
BITENCOURT, op. cit., p. 47.
45
BITENCOURT, loc. cit.
41
25
conflito frontal entre a vingança do príncipe e a ira contida no povo, por intermédio
do castigado e do carrasco.”46
Conforme esclarece Nuvolone, “o movimento da reforma
voltou-se principalmente para o processo criminal e a execução da pena,
destacando o caráter de expiação e intimidação desta última”. Desse modo, desde o
final do século XVIII, as preocupações sociais também diziam respeito à
consagração do processo acusatório em substituição ao sistema inquisitório, ao
estabelecimento de uma concepção essencialmente jurídica da justiça penal, à
concessão de tratamento digno aos delinqüentes (com a abolição da tortura durante
e depois do processo) e ao incremento do fim estatal da pena.47
Acerca do período humanitário, Foucault destaca que o
protesto contra os suplícios é encontrado em toda a segunda metade do século
XVIII:
Entre filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados,
parlamentares; nos chaiers de doléances e entre os legisladores das
assembléias. É preciso punir de outro modo: eliminar essa
confrontação física entre o soberano e o condenado; esse conflito
frontal ente a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por
intermédio do supliciado e do carrasco. O suplício tornou-se
rapidamente intolerável.48
Desta feita, mesmo que com alguns retrocessos, o Direito
Penal tende cada vez mais a repudiar a cominação de penas que atinjam a
dignidade da pessoa humana.
1.2 OS SISTEMAS PRISIONAIS: EVOLUÇÃO E APERFEIÇOAMENTO
Pode-se dizer que a pena de prisão, ou seja, a privação da
liberdade como pena principal, foi um avanço na triste história das penas. Segundo
Manoel Pedro Pimentel, “a pena de prisão “teve suas origens nos Mosteiros da
Idade Média, como punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com
46
FOUCAULT, op cit., p. 63.
FERNANDES, op. cit., p. 652-653.
48
FOCAULT, op. cit., p. 67.
47
26
que se recolhessem às suas celas para se dedicarem ao silêncio, à meditação e se
arrependerem a falta cometida, reconciliando-se assim com Deus”.49
Os sistemas penitenciários, a seu turno, encontraram suas
origens no século XVIII e tiveram, conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt50:
além dos antecedentes inspirados em concepções mais ou menos
religiosas, um antecedente importantíssimo nos estabelecimentos de
Amsterdam, nos Bridwells ingleses, e em outras experiências
similares realizadas na Alemanha e na suíça. Estes
estabelecimentos não são apenas um antecedente importante dos
primeiros sistemas penitenciários, como também marcam o
nascimento da pena privativa de liberdade, superando a utilização da
prisão como simples meio de custódia.
No decorrer da história destacam-se o sistema filadélfico
(também chamado de pensilvânico ou celular), o sistema auburniano, o sistema
progressivo e o sistema irlandês.
1.2.1 Sistema Filadélfico
Também conhecido por Sistema de Pensilvânia, surge em
1775, na cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos da América, e consistia no
isolamento completo do condenado, durante o dia e durante a noite. Por isso,
também era chamado de solitary system.51
Mirabete52 leciona que “o isolamento celular absoluto consistia
em passeio isolado do sentenciado em um pátio celular, sem trabalho ou visitas,
incentivando-se a leitura da Bíblia”.
No mesmo sentido, cita-se Moura Teles53:
Para a execução, criou-se à célula individual, da qual o condenado
não saía, com o objetivo de que pela solidão pudesse meditar e
alcançar o arrependimento, por meio da leitura unicamente da Bíblia
49
PIMENTEL, op cit., p. 132.
BITENCOURT, op. cit., p. 91.
51
TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2004. p. 330.
52
MIRABETE, op. cit., p. 249.
53
TELES, loc. cit.
50
27
e de outros livros religiosos. Eram proibidos de quaisquer visitas e
qualquer contado do condenado com quem quer que seja, inclusive
com outros presos, até mesmo por correspondência, só podendo
avistar-se com o religioso.
Complementa Leal54:
A assistência moral, religiosa e médica era recebida pelo presidiário
na própria cela. Também o trabalho, de natureza artesanal, ali
deveria ser realizado. Imbuído da idéia cristã de purificação espiritual
através da penitência, da meditação e do isolamento do ‘meio social
pernicioso’, o sistema pensilviano objetivava recuperar o infrator,
mediante um regime de absoluta reclusão silenciosa.
A primeira prisão norte-americana foi construída pelos quacres
em Walnut Street Jail, em 177655. O início mais definido do sistema filadélfico
começa sob a influência das sociedades integradas por quacres e os mais
respeitáveis cidadãos da Filadélfia, e tinha como objetivo reformar as prisões. Entre
as pessoas que mais influenciaram pode citar-se Benjamin Franklin e Willian
Bradfort 56.
Benjamin
Franklin
difundiu
as
idéias
de
Howard,
especialmente no que se refere ao isolamento do preso, que será uma das
características fundamentais do sistema celular pensilvânico57.
No ponto de vista ideológico de Melosi e Pavarini, o sistema
celular é interpretado como “uma estrutura ideal que satisfaz as exigências de
qualquer instituição que requeira a presença de pessoas sob uma vigilância única”.58
Já não se trataria de um sistema penitenciário criado para melhorar as prisões e
conseguir a recuperação do delinqüente, mas de um eficiente instrumento de
dominação servindo, por sua vez, como modelo para outro tipo de relações sociais.
54
LEAL, op. cit., p. 392-393.
GARRIDO GUZMAN. Compendio de ciência penitenciaria. Universidad de Valencia, 1976. p. 81.
56
PONT, Marco Del. Pernología y sistema carcelario. Buenos Aires, Depalma, 1974. v.1. p. 61.
57
PONT, op. cit., p. 60.
58
MELOSSI, Dario e PAVARI, Massimo. Cárcel y fábrica – los Orígenes del sistema penitenciário.
Siglos XVI-XIX, 2ª ed. México, 1985. p. 169.
55
28
Em verdade, esse sistema visava à organização do caos
existente nos estabelecimentos prisionais da época. Consistia em uma tentativa de
sistematização da execução da pena privativa de liberdade, com vistas à superação
de inúmeros problemas (promiscuidade, fuga, rebeliões, higiene deficitária, entre
outros).59
O sistema celular sofreu inúmeras críticas devido ao seu
fracasso, uma vez que era extremamente severo e, conseqüentemente, levava o
apenado à loucura e ao suicídio. Notou-se ainda, que o sistema não alcançava a sua
finalidade ressocializadora, desta feita, impossibilitava a readaptação do apenado,
em face do completo isolamento.
1.2.2 Sistema Auburniano
Devido ao fracasso do sistema filadelfico, surgiu em 1818 a
Penitenciária de Auburn, no Estado de Nova York, Estados Unidos da América, e,
conseqüentemente, o sistema auburniano, que consistia em manter o condenado
isolado durante a noite, em célula individual e durante o dia trabalhando com os
demais presos, proibida a comunicação, sob pena de castigos corporais60.
Nota-se, na verdade, que este sistema é a evolução do
sistema da Filadélfia. Nesse respeito, cita-se Leal61:
O sistema Auburniano era semelhante ao anterior, com a única
diferença de permitir o trabalho em conjunto dos presidiários, durante
o dia, mas sempre em silêncio. À noite deveria ser observado o
isolamento celular.
Segundo Pimentel, o ponto vulnerável do sistema diz respeito
ao silêncio absoluto que era imposto aos condenados, razão pela qual ficou
conhecido como silent system. Aponta ainda, as falhas desse sistema:
O ponto vulnerável desse sistema era a regra desumana do silêncio
absoluto. Teria origem nessa regra o costume dos presos se
59
PRADO, Luis Régis. Curso de direito penal brasileiro. Vol. 1. 6 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 543.
60
TELES, op. cit., p. 331.
61
LEAL, op. cit., p. 393.
29
comunicarem com as mãos, formando uma espécie de alfabeto,
prática que até hoje se observa nas prisões de segurança máxima,
onde a disciplina é mais rígida. Usavam, como até hoje usam, o
processo de fazer sinais com batidas nas paredes ou nos canos
d’água ou, ainda, moderadamente, esvaziando a bacia dos sanitários
e falando no que se chamam de boca do boi. Falhava também o
sistema pela proibição de visitas, mesmo dos familiares, com a
abolição do lazer e dos exercícios físicos, bem como a notória
indiferença quanto à instrução e ao aprendizado ministrado aos
presos.62
Nessa seara, leciona Foucault63:
O sistema auburniano manipula o condenado, com a desculpa de
que eles teriam de volta a sociabilidade, uma vez que mantém
contato com os demais companheiros, em horários de refeição, de
exercícios, mas não pode falar. Ele está em contato com os outros,
mas não exprime suas vontades, não coloca para os outros seus
sentimentos.
Oliveira64 constatou que esse sistema piorou o homem,
fazendo com que ele fosse destruindo-se pouco a pouco diante dessa mudança
através do silêncio e do trabalho. Nota-se que este sistema pouco difere do anterior,
razão pela qual, outras alternativas foram surgindo, e conseqüentemente, restou
este banido.
1.2.3 Sistema Irlandês ou Progressivo
O sistema Progressivo (inglês ou irlandês) surgiu na Inglaterra,
no século XIX, atribuindo-se sua origem a um capitão da Marinha Real, Alexander
Maconochie 65.
Nele,
levava-se
em
conta
o
comportamento
e
o
aproveitamento do preso, demonstrados pela boa conduta e pelo trabalho,
estabelecendo três períodos ou estágios no cumprimento da pena.
62
PIMENTEL, op. cit., p. 137.
FOUCAULT, op. cit., p. 200.
64
OLIVEIRA, op. cit., p. 42.
65
MIRABETE, op. cit., p. 250.
63
30
O primeiro deles, período de prova, constava no isolamento
celular absoluto; o outro se iniciava com a permissão do trabalho em comum, em
silêncio, passando-se a outros benefícios; e o último permitia o livramento
condicional. Todavia, esse sistema foi aperfeiçoado na Irlanda, por Walter Crofton, o
qual introduziu mais uma fase para o trabalho do preso.66
A respeito do referido sistema, que invocou o período de
provas, o trabalho em comum, e por fim, a liberdade condicional, assevera Cezar
Roberto Bitencourt67.
Já por esse sistema, a condenação é dividida em quatro períodos: o
primeiro é o recolhimento celular contínuo; o segundo é o isolamento
noturno, com trabalho e ensino durante o dia; o terceiro é a
semiliberdade, em que o condenado trabalha fora do presídio e
recolhe-se à noite; e o quarto é o livramento condicional.68
Na mesma seara, destaca-se a lição de Lyra69:
O sistema irlandês de Walter Crofton (1857) concilia os anteriores,
baseando-se no rigor da segregação absoluta no primeiro período, e
a progressiva emancipação, segundo os resultados da emenda.
Nessa conformidade, galgam-se os demais períodos – o segundo,
com a segregação celular noturna e vida em comum durante o dia,
porém, com a obrigação do silêncio; o terceiro, o de prisão comum
para demonstrar praticamente os resultados das provações
anteriores, isto é, a esperada regeneração e aptidão para a
liberdade; por fim, chega-se ao período do livramento condicional.
Leal70 dispõe sobre a importância do referido sistema pela
concessão de liberdade condicional, que era avaliado pelo bom comportamento e
trabalho satisfatório do apenado e dispunha de um processo em forma de estágios,
o qual poderia reduzir sua sentença condenatória. Desta feita, o livramento
condicional foi um incentivo ao condenado.
66
MIRABETE, loc. cit.
BITERCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993. p. 84-85.
68
PINHO, Rodrigo Cesar Rebello. Apreciação crítica do anteprojeto de lei, modificativa da parte
geral do código penal de 1940 no tocante às penas privativas de liberdade. Justitia 117.
69
LYRA, Roberto. Comentários ao código penal. Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1942. p. 140.
70
LEAL, op. cit., p. 394.
67
31
Com base no sistema progressivo, foram criados nos EUA os
reformatórios, que inicialmente eram utilizados como instituições de reeducação de
adolescentes e jovens adultos infratores. Em síntese, os reformatórios repousam na
indeterminação da sentença e na vigilância após o cumprimento da pena, com vistas
à correção, educação e readaptação social do condenado.71
Denota-se
que
o
sistema
progressivo
constituiu
um
significativo avanço e foi adotado por todos os povos civilizados do mundo, inclusive
o Brasil, com adaptações e particularidades das mais diversas, todas elas no sentido
do abrandamento da execução da pena.
71
PRADO, op. cit., p. 544.
32
CAPÍTULO 2
A PENA DE PRISÃO
2.1 CONCEITO DE PENA
Ao analisar a pena, Delmanto72 a conceitua como a “imposição
da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada, pelo órgão
judiciário, a quem praticou ilícito penal”.
Por sua vez, Dotti enuncia a pena como “sanção imposta pelo
Estado e consistente na perda ou restrição de bens jurídicos do autor da infração,
em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos”.73
Damásio de Jesus74 a define como “sanção aflitiva imposta
pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como
retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e a fim
de evitar novos delitos”.
De modo mais completo, cita-se Fernando Capez:
[...] sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em
execução de sentença, ao culpado pela prática de uma infração
penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja
finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a
readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação
dirigida à sociedade.75
Juridicamente, a pena é “uma sanção penal do Estado,
valendo-se do devido processo legal, cuja finalidade e a repressão ao crime
perpetrado e a prevenção a novos delitos, objetivando reeducar o delinquente, retirá72
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5ª ed. atualizada e ampliada. Rio de Janeiro:
Renovar,2000. p. 64.
73
DOTTI, op. cit., p. 443.
74
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 1. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 24
75
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Geral. 12ª ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 358/359.
33
lo do convívio social enquanto for necessário, bem como reafirmar valores
protegidos pelo Direito Penal e intimidar a sociedade para que o crime seja
evitado”.76
2.2 CARACTERISTICAS DA PENA
Nota-se que a pena constitui-se no âmbito penal, na maioria
das vezes na restrição à liberdade individual, isso porque pode, também, constituirse na perda patrimonial, quando a sanção imposta se constitui na pena de multa.
A consagração dos Direitos Humanos, através de sua
incorporação ao Direito Positivo de todos os povos cultos, após a Revolução
Francesa, firmou definitivamente os caracteres essenciais da pena.77
O primeiro caractere da pena é que ela é personalíssima,
dessa forma atinge somente o autor do crime. Mirabete78 leciona que “a
característica da personalidade refere-se à impossibilidade de estender-se a
terceiros a imposição da pena”. Por isso, determina-se que “nenhuma pena passará
da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, primeira parte, da CF).
A segunda característica diz respeito à proporcionalidade da
pena, Noronha79 explica que “por mais desprezível que seja o criminoso, a aplicação
da pena tem que ser proporcional ao delito praticado, ante o princípio da dignidade
da pessoa humana, ou seja, cada crime deve ser prevenido com medidas
proporcionais ao mal causado”.
Outra característica é o princípio da legalidade, que consiste
na existência prévia de lei para imposição da pena, previsto no artigo 1º, do Código
Penal [...] “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal”.
76
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 3º ed. São Paulo: Editora dos Tribunais,
2007. p. 378.
77
ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito penal parte geral. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1996
p. 421.
78
MIRABETE. op. cit., p. 246.
79
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1999 p. 227.
34
Rosa80, disciplina que a sanção penal só tem valor quando
“decorrente de uma sentença proferida pelo juiz competente, através de um
processo regular e obedecidas às formalidades legais”. Por fim, a pena deve ser
inderrogável, ou seja, ao delito praticado, a imposição deve ser certa e a pena
cumprida.
Beccaria81 explica que “não é o rigor do suplício que previne os
crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do
magistrado”. Nessa ótica, um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre
uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação
ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”.
2.3 FINALIDADE DA PENA
Para que o direito penal revista-se de utilidade para a
sociedade, a pena deve ter algumas finalidades e estas são discutidas e explicadas
por várias teorias, entre elas, se destacam as teorias absolutas, relativas e mistas.
2.3.1 TEORIAS ABSOLUTAS
A teoria absoluta ou da retribuição sustenta que a pena encontra
em si mesma a sua justificação, sem que possa ser considerada um meio para fins
ulteriores. Tais teorias são sustentadas por Kant e Hegel.
Capez82 explica que, “a finalidade da pena é punir o autor de
uma infração penal, ou seja, a pena é a retribuição do mal injusto, praticado pelo
criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico (punitur quia peccatum
est.)”.
80
ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito penal parte geral. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1996
p. 421.
81
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 13. ed., Rio de Janeiro:Ediouro, 1999. p. 80.
82
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Geral. 12ª ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 357.
35
Nesse norte, cabe destacar o ensinamento de Costa Junior83:
Enquanto perante a retribuição moral a pena é uma exigência ética
profunda da consciência humana de que o bem seja recompensado
com o bem e o mal com o mal – conforme retribuição jurídica - (...)
Se o delito configura uma rebelião do indivíduo contra o império da
lei, exige uma reparação que venha reafirmar a autoridade da lei
através da pena.
Explica, ainda, que “a pena, em sua função retributiva, não
deixa de espelhar certo sentimento de vingança. Isso por realizar ela, com relação à
vítima, à família e ao público revoltado com o crime”. Desse modo, a sanção acalma
o ressentimento da agressão sofrida, aplaca os sentimentos de ódio e indignação
que se apossam dos indivíduos atingidos e do público em geral, eliminando o desejo
de vingança e represálias.
Segundo Bitencourt84, a teoria retributiva tinha a finalidade de
proteger o capital da burguesia do Estado absolutista:
O Estado, tendo como objeto político a teoria do contrato social,
reduz sua atividade em matéria jurídico-penal à obrigação de evitar a
luta entre os indivíduos agrupados pela idéia do consenso social. O
indivíduo que contrariava esse contrato social era qualificado como
traidor, uma vez que com sua atividade não cumpria o compromisso
de conservar a organização social, produto da liberdade natural e
originária. Passava a não ser considerado mais como parte desse
conglomerado social e sim como um rebelde cuja culpa podia ser
retribuída com uma pena.
Diz Leal85 que “a pena assume um caráter moral do valor
absoluto, sendo vista como uma inalienável exigência de justiça, baseada na idéia
de que ela é o mal justo que se antepõe ao mal injusto que é o crime”.
Cabe ressaltar que, para Teles86, as teorias retributivas são
inadmissíveis, isso porque, não apresentam os pressupostos da pena, desse modo,
83
COSTA JUNIOR, Paulo José. Curso de Direito Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009 p. 142.
Bitencourt. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. V. 1. 8ed. São Paulo: Saraiva,
2003 p. 67/68.
85
LEAL. João José. Direito penal geral. 3 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004 p. 381.
86
TELES. Ney Moura. Direito Penal parte geral. São Paulo: Atlas, 2004 p. 321.
84
36
nas palavras do auto, “não limitam o poder estatal de punir, deixando o legislador
livre para incriminar qualquer comportamento, qualquer conduta humana, qualquer
fato, e cominar quaisquer espécies de pena em quaisquer quantidades”.
2.3.2 TEORIAS RELATIVAS
Por outro lado, as teorias relativas buscam apresentar a pena
com a finalidade de natureza política e de utilidade para os homens e a sociedade. A
punição imposta ao agente do crime destina-se a prevenir a ocorrência de novos
crimes.87 A referida teoria, também chamada de preventiva, subdivide-se em teoria
preventiva geral e teoria preventiva especial.
A prevenção é especial porque a pena objetiva a readaptação
e a segregação do criminoso como meios de impedi-lo de voltar à delinqüir.88
Segundo Teles89, uma das teorias da prevenção especial diz
que “o agente do crime ficará para sempre ou por tempo determinado, inofensivo e,
experimentando a pena, terá conhecido as conseqüências do crime”. Outras teorias,
explica Teles, defendem “a necessidade do individuo ser “melhorado”, mediante sua
educação, sua correção, sua ressocialização, ou recuperação, para poder retornar
ao livre convívio da sociedade”.
A teoria da prevenção geral é apresentada pela intimidação
dirigida ao ambiente social, ou seja, as pessoas não delinquem porque tem medo de
receber a sanção penal. A finalidade da pena, para essas teorias é a de evitar a
delinqüência do homem, nesse norte, cita-se o manifesto de Teles:
Essas teorias compreendem a pena como instrumento de
intimidação geral dos indivíduos, que diante da ameaça abstrata e
concreta da imposição da pena, ficariam motivados a não transgredir
a norma penal. Entre elas, a teoria da intimidação defendia a
necessidade de dar a maior publicidade às execuções da penas,
para que todos tomassem conhecimento do sofrimento dos
condenados. Uma teoria, chamada do constrangimento psicológico,
87
TELES, op. cit., p. 322.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Geral. 12ª ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 358.
89
TELES, op. cit., p. 323.
88
37
procura demonstrar o poder moral da pena. A teoria da defesa
mostra a necessidade da aplicação da pena pelo Estado porque o
crime coloca em perigo as condições de sua própria existência, e a
punição do agente do crime será o exemplo dado aos homens, para
evitar os perigos futuros.
Dessa forma, a pena tem como objetivo a coação moral, para
que as pessoas não venham a cometer crimes, ou aqueles que já cometeram, sejam
ressocializados e não venham a delinqüir novamente. Todavia, Claus Roxin crítica a
teoria acima citada, aduzindo que nada se justifica à punição de um homem com a
finalidade de intimidar os outros, sendo, por isso, injusto punir alguém, para que o
outro não cometa um crime.90
2.3.3 TEORIAS MISTAS
A teoria mista dispõe que a pena tem dupla função de “punir o
criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva
(punitur quia peccatum este t ne peccatum)”. 91Esta teoria mista procura agregar os
fundamentos mais importantes das teorias absolutas e relativas.
Nesse sentido, destaca-se o ensinamento de Barros92:
Na teoria mista ou unitária a pena tem caráter retributivo preventivo.
Retributivo porque consiste numa expiação do crime, imposto até
mesmo aos delinqüentes que não necessitam de nenhuma
ressocialização. Preventivo porque acompanhada de uma finalidade
prática, qual seja, a recuperação do criminoso, funcionando ainda
como fator de intimidação geral.
Francisco Bissoli Filho 93 preleciona:
As teorias mistas compreendem o duplo aspecto da pena, ou seja, o
retribucionista
e utilitarista. A pena, assim, poderá ser um
instrumento de retribuição do delito já perpetrado, como também de
prevenção daqueles que estão por vir.
90
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais do direito penal. Lisboa: Veja, 1986 p. 24.
CAPEZ, op. cit., p. 358.
92
BARROS, Francisco Dirceu. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003 p. 42.
93
BISSOLI FILHO. Francisco. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência
criminal. Florianópolis: Obra Jurídica Editora, 1998 p. 146.
91
38
A teoria, ora descrita, é a mais utilizada na atualidade,
inclusive no direito penal pátrio, isso porque, com o advento da reforma 1984, a
pena passou a apresentar natureza mista. Nesse norte, destaca-se Nucci94:
Conforme o atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de
possuir as características expostas: é castigo + intimidação ou
reafirmação do Direito Penal + recolhimento do agente infrator e
ressocialização. O art. 59 do Código Penal menciona que o juiz deve
fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para reprovação e
prevenção do crime. Além disso, não é demais citar o disposto no art.
121, § 5º, do Código Penal, salientando que é possível ao juiz aplicar
o perdão judicial, quando as conseqüências da infração atingirem o
próprio agente de maneira tão grave que a sanção penal se torne
desnecessária, evidenciando o caráter punitivo da pena. Sob outro
prisma, asseverando o caráter reeducativo da pena, a Lei de
Execução Penal preceitua que “a assistência ao preso e ao internado
é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno
à convivência em sociedade (art. 10, com grifo nosso). Ademais, o
art. 22, da mesma Lei, dispõe que “assistência social tem por
finalidade amparar o preso e o internado e prepará-lo para o retorno
à liberdade. Merece destaque, também, o disposto no art. 5º e 6 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos: ‘as penas privativas
de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a
readaptação social dos internados’. Impossível, então, desconsiderar
o tríplice aspecto da sanção penal.
Beccaria explica que “os castigos tem por finalidade única
obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus
patrícios do caminho do crime”.95
2.4 ESPÉCIES DE PENA NO DIREITO BRASILEIRO
Consoante o atual Código Penal, em seu artigo 32, às penas
são aplicadas três modalidades, quais sejam, penas privativas de liberdade, penas
restritivas e direito e pena de multa. Contudo, a Constituição Federal de 1988, no
artigo 5º, XLVI, enumerou as penas em: privação ou restrição de liberdade, perda de
bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos,
94
95
NUCCI, op. cit., p. 370/371.
BECCARIA, op. cit., p. 58.
39
todavia, vedou a pena de morte, exceto em caso de guerra declarada, bem como as
penas de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e de natureza cruel,
nos termos do artigo 5º, XLVII da Carta Magna.
2.4.1 AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
As penas privativas de liberdade são aquelas que retiram do
condenado de forma mais rígida, o direito à liberdade. Sobre o assunto, Noronha 96
preleciona que “a pena restringe, com maior ou menor intensidade, a liberdade do
condenado, consistente em permanecer em algum estabelecimento prisional, por um
determinado tempo, tudo conforme o regime imposto”.
No mesmo vértice, Dower97 ensina que “as penas privativas de
liberdade são aquelas que retiram do condenado o direito à liberdade para que fique
isolado da sociedade”.
As penas restritivas de liberdade encontram-se legalmente
amparadas nos artigos 3398 e 4299, ambos do Código Penal, e são divididas em três
96
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1999 p. 234.
DOWER, Nelson Godoy Brassil. Direito penal Simplificado. São Paulo: Nelpa, 1999 p. 66.
98
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de
detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. §
1º - Considera-se: a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima
ou média;b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar;c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou
estabelecimento adequado. § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as
hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos
deverá começar a cumpri-la em regime fechado;b) o condenado não reincidente, cuja pena seja
superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime
semi-aberto;c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos,
poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.§ 3º - A determinação do regime inicial de
cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código. § 4o
O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento
da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito
praticado, com os acréscimos legais.
99
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade,
quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime
for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem
que essa substituição seja suficiente. § 1o (VETADO). § 2o Na condenação igual ou inferior a um
ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um
ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou
por duas restritivas de direitos. § 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a
substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e
97
40
espécies, quais sejam, reclusão, detenção e prisão simples.
A pena de reclusão e detenção são as duas principais penas
restritivas de liberdade e se constituem em decorrência da prática de crimes, e a
prisão simples é aplicada a contravenções penais. A legislação penal, em seu artigo
33, caput, estabelece que a pena de reclusão deve ser cumprida em regime
fechado, semi-aberto ou aberto, enquanto a pena de detenção será cumprida em
semi-aberto ou aberto, exceto, caso seja necessário transferência para o regime
fechado.
O mesmo preceito legal, em seu parágrafo primeiro, faz outra
diferenciação, desta vez quanto ao estabelecimento penal de execução. O regime
fechado deverá ser executado em estabelecimento de segurança máxima ou média,
em penitenciária, e em cela individual, nos termos dos artigos 87 e 88, da Lei nº
7.210 de 11/07/1984 (Lei de Execução Penal – LEP). O regime semi-aberto, em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, podendo ser alojado em
compartimento coletivo (artigos 91 e 92 da LEP). O regime aberto a execução da
pena se dará em casa de albergado ou estabelecimento adequado, nos moldes dos
artigos. 93, 94 e 95 da LEP.
Cabe ainda, destacar algumas distinções feitas por Nucci100:
[...] a reclusão é cumprida inicialmente nos regimes fechado, semiaberto ou aberto; a detenção somente pode ter seu início em regime
aberto ou semi-aberto (art. 33, caput, CP); a reclusão pode ter por
efeito da condenação a incapacidade para o exercício do pátrio
poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos a esse tipo de
pena (...); a reclusão propicia a internação, nos casos de medida de
segurança; a detenção permite a aplicação do regime de tratamento
ambulatorial; a reclusão é cumprida em primeiro lugar (art. 69, CP).
a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4o A pena restritiva de
direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da
restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo
cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou
reclusão. § 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da
execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao
condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
100
NUCCI, op. cit., p. 295.
41
Há outras diferenças, atinentes ao procedimento penal, como
a proibição de fiança nos crimes previstos com reclusão, cuja pena mínima
cominada for superior a dois anos (artigo 323, I, CPP).
A prisão simples é cabível unicamente para as contravenções
penais, devem ser cumpridas, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial
ou seção especial de prisão comum, em regime aberto ou semi-aberto. Os
condenados a prisão simples são separados dos demais condenados à pena de
prisão e reclusão, consoante artigo 6º, “caput” e § 1º, da Lei de Contravenções
Penais.101 É importante ressaltar que não há regime fechado na prisão simples, seja
inicialmente, seja em decorrência de regressão.
2.4.2 AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO
Nos moldes do artigo 43, do Código Penal e artigo 5º, XLVI, da
Constituição Federal de 1988, as penas restritivas de direito são as seguintes:
prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniárias, perda de bens e
valores,interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
As penas restritivas de direito tem a substitutividade e
autonomia, indicadas no artigo 44 e 54, ambos do Código Penal, como
características marcantes.
São substitutivas porque resultam de um procedimento judicial
que, depois de aplicar a pena privativa de liberdade, efetua a sua substituição por
uma ou mais penas restritivas de direito, desde que presentes os requisitos legais e
autônomas porque não podem ser cumuladas com a pena privativa de liberdade.102
Os requisitos para a substituição da pena privativa de
liberdade em privativa de direito estão condicionados aos indicados pelo artigo 44, I
a III103, do Código Penal.
101
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 2 ed. São Paulo: Método, 2009 p. 536.
MASSON, op. cit., p. 632.
103
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade,
quando:I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido
com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for
culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem
102
42
As penas restritivas de direitos podem ser classificadas como
genéricas ou especificas. As genéricas são aquelas que substituem a pena privativa
de liberdade em qualquer crime, desde que presentes os requisitos legais. As
específicas são aquelas aplicadas pela prática de crimes determinados.
2.4.2.1 PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA
A prestação pecuniária, segundo o artigo 45, § 1º104, do Código
Penal, consiste no pagamento em dinheiro à vitima, a seus dependentes ou entidade
pública ou privada, com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não
inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos.
Grego105 leciona que “para que a pena privativa de liberdade
possa ser substituída pela prestação pecuniária, não há necessidade de ter ocorrido
um prejuízo material, podendo ser aplicada nas hipóteses em que a vítima sofra um
dano moral”.
2.4.2.2 PERDA DE BENS E VALORES
Nucci106 conceitua a pena de perda e valores como “uma
sanção penal de caráter confiscatório, levando à apreensão definitiva por parte do
Estado de bens ou valores de origem lícita do individuo”. Afirma a exposição de
motivos da Lei 9.714/98, entretanto, não ter tal pena a conotação de confisco,
porque o crime é motivo mais do que justo para essa perda, embora não se esteja
discutindo a justiça ou injustiça da medida, mais apenas o ato do Estado de
apoderar-se de bens ou valores do condenado, ainda que por razão justificada.107
que essa substituição seja suficiente.
104
Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e
dos arts. 46, 47 e 48. § 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a
seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo
juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.
O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se
coincidentes
105
GREGO, op. cit., p. 537.
106
NUCCI, op. cit., p. 421.
107
NUCCI, loc. cit.
43
De acordo com o artigo 45, § 3º108, do Código Penal, a pena de
perda bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a
legislação especial, em favor do fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como
teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo
agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.
2.4.2.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU ENTIDADES PÚBLICAS
A prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas
consiste na “atribuição de tarefas gratuitas aos condenados, que serão por eles
levadas à efeito em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros
estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais”, sendo que
as tarefas que lhe serão atribuídas devem ser de acordo com as suas aptidões,
devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação,
fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho (artigo 46, §§ 1º, 2º e
3º, do Código Penal)109
Tal pena somente será aplicada às condenações superiores a
seis meses de privação de liberdade, sendo que até seis meses poderão ser
aplicadas as penas substitutivas de prestação pecuniária, perda de bens e valores,
interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana110.
O condenado pode antecipar a finalização da sua pena, desde
que o montante ultrapasse um ano, justamente porque foi aumentado para quatro
anos o limite de substituição (artigo 46 § 4º, do Código Penal). Seria exagerado
obrigar o condenado à permanecer por quatro anos prestando serviços a alguma
entidade, diária ou semanalmente, sem que pudesse antecipar o cumprimento. 111
108
“Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e
dos arts. 46, 47 e 48. (...) § 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á,
ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como
teto - o que for maior - o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por
terceiro, em conseqüência da prática do crime.”
109
GREGO, op. cit., p. 542.
110
GREGO, op. cit. p.543.
111
NUCCI, op. cit., p. 422.
44
2.4.2.4 INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS
De acordo com o artigo 47 do Código Penal, são interdições
temporárias de direitos:
Art. 47 [...]
I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem
como de mandato eletivo;
II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que
dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do
poder público;
III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;
IV – proibição de freqüentar determinados lugares.
Essas penas restritivas de direito devem ser individualizadas,
procurando o juiz adequá-las ao fato e as condições do condenado. Aplicam-se nas
sentenças condenatórias. 112
2.4.2.5 LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA
Segundo a doutrina de Capez113, “a limitação de fim de
semana consiste na obrigação do condenado de permanecer aos sábados e
domingos, por cinco horas diárias, na casa do albergado (LEP, art. 93) ou outro
estabelecimento adequado”. O estabelecimento encaminhará mensalmente ao juiz
da execução relatório sobre o aproveitamento do condenado.
É pouco aplicada, uma vez que praticamente não existe casa
de albergado. E na linha do raciocínio do Superior Tribunal de Justiça: “se a pena de
limitação de fim de semana deve ser efetiva em casa de albergado, não pode o
paciente, na falta do referido estabelecimento, ser submetido ao cumprimento da
reprimenda em presídio, situação mais gravosa do que estabelecida pelo decreto
condenatório”.114
112
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, vol. 1: parte geral. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2010 p.
584.
113
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 1: parte geral. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005 p.
408.
114
MASSON, op. cit., p. 654.
45
2.5 REGIMES PRISIONAIS
Na execução da pena privativa de liberdade, a determinação
dos regimes penais, fixa-se de acordo com a espécie, a quantidade de pena, a
reincidência associados ao bom comportamento do apenado e assim, definido o
regime para o cumprimento da pena o condenado articula a progressão pelo bom
comportamento.115
Os regimes prisionais na legislação brasileira estão previstos
tanto no Código Penal quanto na Lei de Execução Penal e classificam-se em
fechado, semi-aberto, aberto e diferenciado.
Por força do artigo 59, III, do Código Penal, o regime inicial do
cumprimento das penas privativas de liberdade é determinado pelo juiz na sentença,
que deve obedecer aos parâmetros impostos no artigo 33 §§ 2º e 3º do mesmo
Estatuto.116
É importante ressaltar que a legislação penal, em seu artigo
33 § 2º, adota o procedimento de progressão de regime. Acerca do tema, preleciona
Fernando Capez117:
[...] O processo de execução é dinâmico e, como tal, está sujeito a
modificações. Todavia, o legislador previu a possibilidade de alguém,
que inicia o cumprimento de sua pena em regime mais gravoso
(fechado ou semi-aberto), obter o direito de passar a uma forma mais
branda e menos expiativa da execução. Isso denomina-se
progressão de regime. Trata-se da passagem do condenado de um
regime mais rigoroso para outro mais suave, de cumprimento da
pena privativa de liberdade desde que satisfeitas as exigências
legais.
Todavia, o artigo 118, da Lei de Execução Penal, vem
disciplinar a regressão do regime, a qual prevê que a execução da pena privativa de
115
Bitencourt. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. V. 1. 8ed. São Paulo: Saraiva,
2003 p. 422/423.
116
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2002 p.353.
117
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 1: parte geral. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005 p.
365.
46
liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com transferência para qualquer dos
regimes mais rigorosos, quando o condenado: I – praticar fato definido como crime
ou falta grave; II – sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao
restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111 da LEP).118
2.5.1 REGIME FECHADO
Dispõe os artigos 33 e 34, ambos do Código Penal, que o
cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado, obrigatoriamente
inicia-se em estabelecimento penal de segurança máxima ou mínima, onde o
condenado ficará sujeito ao trabalho no período noturno e ao isolamento durante o
repouso noturno.
Nesse sentido, ensina Barros119:
A rigor, o regime fechado deve ser cumprido em penitenciária
afastado do centro urbano, alojando-se o condenado em cela
individual, com área mínima de seis metros quadrados, que conterá
dormitório, aparelho sanitário e lavatório (arts. 88 e 90 da LEP).
Nos termos do artigo 34, do Código Penal, o condenado será
obrigatoriamente submetido, para o inicio do cumprimento da reprimenda, a exame
criminológico de classificação para individualização da execução.
Teles120 disciplina acerca do trabalho em comum durante o dia,
conforme suas aptidões e as ocupações anteriores, desde que compatíveis com sua
privação de liberdade:
O trabalho interno é obrigatório e está regulado na Lei de Execução
Penal, nos arts. 31 a 35, cabendo ressaltar que a jornada de trabalho
não será inferior a seis e nem superior a oito horas, assegurado o
descanso nos domingos e feriados. O objetivo é a formação
profissional do condenado.
118
GREGO, op. cit., p. 514.
BARROS, Flávio Monteiro de. Direito Penal: parte geral. V 1. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
452.
120
TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2004. p. 342/343.
119
47
Cabe salientar, que o artigo 34, § 3º, do Código Penal prevê a
possibilidade de o condenado em regime fechado trabalhar fora do estabelecimento
penal, em serviços ou obras públicos desde que cumprido pelos menos um sexto da
pena, contudo, é evidente que o trabalho merecerá rígida fiscalização, para evitar
fuga e indisciplina.
2.5.2 REGIME SEMI-ABERTO
O cumprimento da pena em regime semi-aberto será em
colônia penal agrícola ou industrial, ou estabelecimento penal similar, nos termos do
artigo 35, do Código Penal.
Alude Prado que121:
[...] a pena será cumprida em colônia agrícola, industrial ou similar.
Poderá o condenado ser alojado em compartimento coletivo,
observados, porém, os requisitos de salubridade ambiental, bem
como as exigências básicas das dependências coletivas: a) seleção
adequada dos presos; b) limite de capacidade máxima que atenda
aos objetivos de individualização da pena ( arts. 91 e 92, LEP).
Greco122 preleciona que “é admissível o trabalho externo, bem
como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo
grau ou superior”.
O trabalho externo, diferentemente do regime fechado, poderá
ser autorizado, ainda que em obras ou serviços particulares, mediante remuneração
e fiscalização, todavia, sem vigilância.123
Cabe destacar, que podem ocorrer, ainda, saídas sem a
vigilâncias para visitas à família ou para participação de atividades concorrentes
para o retorno ao convívio social. A autorização depende, entretanto, de
comportamento adequado do sentenciado, cumprimento de no mínimo um sexto da
121
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999
p. 302.
122
GREGO, op. cit., p. 510.
123
TELES, op. cit., p. 343.
48
pena (se primário) ou de um quatro (se reincidente) e compatibilidade do benefício
com os objetivos da pena.124
2.5.3 REGIME ABERTO
O regime aberto “é uma ponte para a completa reinserção do
condenado na sociedade. O seu cumprimento é realizado em estabelecimento
conhecido como Casa do Albergado”.125 A base desse regime é a autodisciplina e o
senso de responsabilidade do condenado (art. 36, CP), que terá plena liberdade
durante o período diurno dos dias da semana, devendo dedicar-se ao trabalho lícito,
fora do estabelecimento, sem, contudo, qualquer vigilância, recolhendo-se à casa do
albergado todas as noites e nos dias de folga, feriados e fins de semana.126
Nesse sentido, cita-se Albergaria127:
Nesse regime deposita-se plena confiança no condenado, pois há
prova de que regredirá no processo de ressocialização. Há ausência
de precaução sobre a segurança e vigilância, em razão da aceitação
voluntária da disciplina e do senso de responsabilidade do
condenado. No regime aberto, propõe-se a realização intensiva de
formação escolar e profissional e a reinserção social progressiva,
notadamente a reinserção profissional.
Para o ingresso no regime aberto, o artigo 114, da Lei de
Execuções Penais estabelece os requisitos necessários: a) estar o condenado
trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente; b) apresentar,
por
seus
antecedentes
ou
exame,
indícios
de
que
irá
se
ajustar-se,
responsavelmente, ao novo regime.
Neste norte, Prado128 leciona acerca das condições para a
concessão do regime aberto:
Para a concessão de regime aberto, é impositivo o estabelecimento,
pelo juiz, das seguintes condições gerais, sem prejuízo de outras
124
NUCCI, op. cit., p. 398.
GREGO, loc. cit.
126
TELES, op. cit., p. 344.
127
ALBERGARIA, Jason. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987 p. 235.
128
PRADO, op. cit., p. 552.
125
49
especiais: a) permanência do condenado no local que for designado,
durante o repouso e nos dias de folga; b) saída para o trabalho com
retorno nos horários fixados; c) compromisso de não se ausentar da
cidade onde reside, sem autorização judicial; d) comparecimento a
juízo, para informar e justificar suas atividades, quando for
determinado. O ingresso do condenado nesse regime menos
rigoroso, porém, encontra-se condicionado à aceitação de seu
programa e das condições impostas pelo juiz.
É claro que as outras condições deverão levar em conta as
características pessoais do condenado e do crime por ele praticado, com vistas a
oferecer melhores condições para a sua recuperação.129
2.5.4 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
O Regime Disciplinar Diferenciado foi introduzido pela Lei
10.972 de 1º de dezembro de 2003, inserido no artigo 53, V 130, da Lei de Execução
Penal. Segundo Renato Marcão131, o regime disciplinar diferenciado caracteriza-se
pelos seguintes aspectos:
Duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção
por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da
pena aplicada; Recolhimento em cela individual; Visitas Semanais de
duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
o preso terá direito à saída da cela por duas horas diárias para banho
de sol.
Cabe destacar o posicionamento de Mirabete132:
Não é um novo regime de cumprimento de pena, em acréscimo aos
regimes fechado, semi-aberto e aberto. Constitui-se em um regime
de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de
isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo
exterior, ao qual poderão ser submetidos os condenados ou presos
provisórios.
129
TELES, op. cit., p. 345.
Art. 53. Constituem sanções disciplinares:[...] V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.
131
MARCAO, Renato. Curso de execução penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p. 39.
132
MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Altas, 1999 p.
255/256
130
50
Desta feita, a imposição desse regime depende de decisão do
juiz das execuções penais e poderá ter lugar, de acordo com a norma legal, sempre
que ocorrer “a prática de fato previsto como crime doloso”, que provoque “subversão
da ordem ou disciplina internas”. Também ficam sujeitos ao regime o preso que
apresentar “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
cidade” e aquele sobre o qual recaiam “fundadas suspeitas de envolvimento ou
participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.133
É
válido
destacar
que
há
discussões
acerca
da
constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado. Os defensores da medida
arguem, a respeito da necessidade social da medida como inibidora e punitiva da
prática delituosa, entretanto no Brasil vem sendo substituída, gerando com enorme
prejuízo para a segurança pública, por penas cada vez mais brandas e muitas vezes
os juízes substituem a pena de privação de liberdade por restrição de direitos.
Outrossim,
muitos
estudiosos
a
consideram
o
regime
inconstitucional, tendo em vista que fere a Constituição Federal, que dispõe, em
cláusulas pétreas que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento
desumano ou degradante” e “que não haverá penas cruéis" (art. 5º,III e XLVII).
133
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, vol. 1: parte geral. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2010 p.
571/572.
51
CAPÍTULO 3
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E O SISTEMA
CARCERÁRIO
3.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O Estado Democrático de Direito é fundamentado em
princípios, construídos e aperfeiçoados durante séculos, de forma filosófica e
empírica, os quais são os norteadores da aplicabilidade de qualquer norma jurídica.
No entanto, há um princípio que se destaca entre os demais,
tão primordial que abrange a todos os outros, o princípio fundamental da dignidade
da pessoa humana.
3.1.1 CONCEITO
No que tange a tal princípio, cabe, inicialmente, destacar o
pensamento de Tomás de Aquino:
[...] a noção de dignidade humana encontra seu fundamento na
circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança
de Deus, mas também radica na capacidade de toda determinação
inerente à natureza humana, de tal sorte que, por força de sua
dignidade, o ser humano, sendo livre por natureza, existe em função
da própria vontade.134
Infere-se que a filosofia de Tomás de Aquino se relaciona ao
pensamento cristão, pautando-se entre a razão e a fé, que consiste justificar
racionalmente a existência de Deus e os dogmas religiosos.
134
SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007 p. 31.
52
Destarte, a dignidade da pessoa humana, apresentada pelo
filósofo, está difundida em sua obra, onde se revela por meio de deduções
decorrentes de conceitos, noções e correlatos sobre Deus, o homem e a sociedade.
Segundo a doutrina de Günter Dürig, a dignidade da pessoa
humana consiste no fato de que “cada ser humano é humano por força de seu
espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em
sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua
conduta, bem como de formatar a sua existência e o meio em que o cincunda”.135
Por sua vez, Ingo Wolfgang Salet, explica que:
a dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e
distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer
ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos.136
É valido destacar o entendimento da Ministra do Supremo
Tribunal Federal, Cármen Lúcia Antunes Rocha no que se refere à dignidade da
pessoa humana:
Dignidade é o pressuposto da idéia de justiça humana, porque ela é
quem dita a condição superior do homem como ser de razão e
sentimento. Por isso é que a dignidade humana independe de
merecimento pessoal ou social. Não há de ser mister ter de fazer por
merecê-la, pois ela é inerente à vida, e nessa contingência, é um
direito pré-estatal. Toda pessoa é digna. Essa singularidade
fundamental e insubstituível é ínsita à condição humana do ser
humano, qualifica-o nessa categoria e o põe acima de qualquer
indagação. Quando se questiona, nestes chamados tempos
135
SARLET, op. cit., p. 46.
Apud SIRVINSKAS, Luis Paulo. Introdução ao estudo do direito penal: (evolução histórica,
escola penais, valores constitucionais, princípios penais e processuais e direitos humanos).
São Paulo: Saraiva, 2003. p 169.
136
53
modernos, se há de permitir ou não, o nascimento de um feto no qual
se detecte a existência de anomalia a impossibilitá-lo para uma vida
autônoma, está-se a infirmar aquela assertiva e a tornar a
humanidade um meio para a produção de resultados e a
desconhecer ou desprezar a condição do homem de ser que é fim
em si mesmo e digno pela sua própria natureza. Aquilo se traduz,
pois, como injustiça com os que não se apresentam em iguais
condições psicofisiológicas, intelectuais etc. É a injustiça havida na
indignidade revelada na desumanidade do tratamento dedicado ao
outro. É a injustiça do utilitarismo que se serve do homem e o dota
de preço segundo a sua condição peculiar, que se expressa numa
forma ao invés de se valer pela essência humana de que se dota.137
No mesmo sentido, assevera Azevedo:
É a qualidade integrante e irrenunciável da condição humana,
devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida. Não é
criada, nem concedida pelo ordenamento jurídico, motivo porque não
pode ser retirada, pois é inerente de cada ser humano.138
Observa-se que a dignidade da pessoa humana é um direito
natural, isso porque não foi criado pelo Estado, mas sim anteriormente a ele, sendo
inerente ao ser humano, cabendo mencionar que tal princípio, em virtude da
positivação, deu suporte ao processo de humanização na sociedade politicamente
organizada.
3.1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Historicamente, cumpre ressaltar que o valor intrínseco da
dignidade da pessoa humana deita raízes no pensamento clássico e ideário
cristão.139
No contexto do cristianismo, a elaboração de uma concepção
de dignidade humana, surge no Antigo Testamento, verificando-se a idéia de que o
137
ROCHA, Carmem Lúcia. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.
Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Fortaleza, ano 2, v. 2, n. 2, p.53-67, 2001. p.5556.
138
AZEVEDO, Antônio Juqueira. Réquem para uma certa Dignidade da Pessoa Humana. IN:
Cunha Pereira, Rodrigo da (Coord.) Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. – Família
e Cidadania. O novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: Dei Rey, IBDFAM, 2002 p. 41.
139
SARLET, op. cit., p. 29/30.
54
ser humano foi criado por Deus à sua imagem e semelhança. Nesse sentido,
destaca-se o livro de Gênesis (capítulo 1, versículo 26):
Deus disse: Façamos do homem à nossa imagem, conforme nossa
semelhança, domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu,
sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre o réptil
que se arrasta sobre a terra.
Extrai-se da citação retro, que a concepção de dignidade
humana está na semelhança do ser humano ao divino, pelo fato de que o ser
humano é apresentado como o significado maior de todo o processo de criação.
Na Antiguidade Clássica, um dos primeiros relatos conhecidos
como dignidade da pessoa humana foi na Grécia, na obra de Sófocles, denominada
"Antígona", datada de 441 a.C.
Nessa peça, a personagem Antígona, percebendo que a
dignidade da pessoa de Polinice, seu irmão, estava sendo violada por não ter o
corpo sepultado, contrariou as ordens do Rei Creonte e as leis do Estado,
procedendo às honras fúnebres de seu consaguíneo.
Sófocles, na referida obra, defende o direito natural,
considerando-o superior e independente de qualquer lei escrita, além de elevar a
condição essencial da dignidade da pessoa humana.
Dessa vertente, destaca-se da referida obra:
[...] CREONTE. E te atreveste a desobedecer às leis? ANTÍGONA
Mas Zeus não foi o arauto delas para mim, nem essas leis são as
ditadas entre os homens pela Justiça, companheira de morada dos
deuses infernais; e não me pareceu que tuas determinações
tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir
normas divinas, não escritas, inevitáveis; não é de hoje, não é de
ontem, é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que
ninguém possa dizer quando surgiram. E não seria por temer homem
algum, nem o mais arrogante, que me arriscaria a ser punida pelos
deuses por violá-las. Eu já sabia que teria de morrer (e como não?)
antes até de o proclamares, mas, se me leva morte prematuramente,
digo que para mim só há vantagem nisso. Assim, cercada de
55
infortúnios como vivo, a morte não seria então uma vantagem? Por
isso, prever o destino que me espera é uma dor sem importância. Se
tivesse de consentir em que ao cadáver de um dos filhos de minha
mãe fosse negada a sepultura, então eu sofreria, mas não sofro
agora. Se te pareço hoje insensata por agir dessa maneira, é como
se eu fosse acusada de insensatez pelo maior dos insensatos [...] 140
Cabe lembrar que na metade do Século XVIII, Cesare Beccaria
insurgiu-se contra a prática da tortura, da pena de morte, das prisões desumanas e do
banimento, sobre o contexto da dignidade da pessoa humana, manifestando-se pela
proporcionalidade da pena ao delito.
No mesmo vértice, destacam-se as lições do filósofo Sêneca:
É necessário ressaltar que nenhuma dentre as virtudes é tão
conveniente para o ser humano como a clemência, porque nenhuma
é mais humana.141 Saiba como lutar contra os vícios. Resista e
repreenda em alguns a enfermidade, iluda a outros com
procedimentos suaves, visto que os curará de modo mais rápido e
seguro, disfarçando os remédios. Preocupe-se o príncipe tanto com a
saúde como em não deixar que fiquem marcas desonrosas. Nenhum
rei alcança glória mediante um castigo cruel, embora possa infligi-lo.
Ela será altaneira, quando livra a muitos da ira alheia e não sacrifica
a ninguém à sua.142Clemência é a moderação de espírito humano no
desempenho do poder de castigar ou então a brandura do superior
em face do inferior, quando da aplicação da pena [...] Em todo caso,
pode a clemência ser definida como uma inclinação da alma para o
abrandamento do ato de impor o castigo.143
Observa-se nas passagens acima transcritas, que em 55 a.C.,
Sêneca, em sua obra “A Clemência”, se expressava acerca da dignidade humana,
ainda que implicitamente, fazendo menção à prudência quanto à aplicação da pena,
condenando as penas cruéis.
140
SÓFOCLES. A Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona. Tradução do grego,
introdução e notas de Mário da Gama Kury. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. P.214/215.
141
SÊNECA, A Clemência. Tradução do grego, introdução de Luiz Ferracine. São Paulo: Editora
Escala, 2007. p. 31.
142
SÊNECA, op. cit. p. 67.
143
SÊNECA, op. cit. p. 95.
56
3.1.3 A POSITIVAÇÃO E A VALORIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Embora na Antiguidade já se havia feito menção ao princípio
da dignidade humana, somente no decorrer do Século XX tal princípio passou a
fazer parte de ordenamentos jurídicos positivos, podendo-se remeter à Constituição
Alemã de 1919 (Constituição de Weimar) como precursora da positivação da
dignidade humana, estabelecendo em seu artigo 151, inciso I, que o objetivo maior
da ordem econômica é o de garantir uma existência humana.144
Também as constituições de Portugal de 1933 em seu artigo
6, nº 3, e da Irlanda de 1937 (preâmbulo), consignavam expressa referência à
dignidade da pessoa humana.145
Contudo, ao longo do século XX, tão-somente a partir da
Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida
expressamente nas constituições, notadamente após ter sido consagrada pela
Declaração Universal da ONU de 1948146, in verbis:
Artigo I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem
agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Nesse sentido, como bem explica Douglas Predo Mateus147:
“Os Direitos Humanos vêm sendo construídos ao longo da história humana, mas é
inegável que tais direitos sofreram grande impulso no séc. XX, especialmente após a
II Guerra Mundial”.
Piovesan148 explana que “a Declaração Universal de 1948, ao
introduzir a concepção contemporânea de direitos humanos, acolhe a dignidade
humana como valor a iluminar o universo de direitos”. Aduz, ainda, que a condição
144
SARLET, Ingo Wolgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 113.
145
SARLET, loc. cit.
146
SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 64.
147
MATEUS, Douglas Predo. O Direito fundamental à educação (artigo) - Anais do XV Congresso
Nacional do CONPEDI, Florianópolis, 2007 – Fundação BOITEUX.
148
PIOVESAN. Flávia. Direitos humanos: o princípio da dignidade humana e a constituição
brasileira de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 41/43.
57
humana “é requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. Isso porque
todo o ser humano é requisito que lhe é inerente, sendo incondicionada, não
dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano”.
Ilustrando, em uma análise de direito comparado, destacam-se
os seguintes Estados que inseriram o princípio da dignidade humana em seu
ordenamento
constitucional:
dos
países
da
União
Européia,
somente
as
constituições da Alemanha (art. 1º, I), Espanha (preâmbulo e art. 10, I), Grécia (art.
2º, I), Irlanda (preâmbulo), Portugal (art. 1), consagraram expressamente o princípio,
também na constituição da Itália encontra-se referências expressa à dignidade na
passagem que reconhece todos os cidadãos da mesma dignidade social, inobstante,
não se tenha referido expressamente à dignidade da pessoa humana.149
A constituição da Bélgica, a partir de janeiro de 1994, passou a
incluir no artigo 23 tal princípio, assegurando aos estrangeiros que se encontrarem
em território belga de levar uma vida de acordo com a dignidade humana.150
A constituição da Turquia (art. 17, III), a despeito de não ter
reconhecido o principio da dignidade da pessoa humana em dispositivos autônomos,
não deixou de mencioná-lo, proibindo a aplicação de penas que atentem contra a
dignidade da pessoa humana.151
Já as constituições da Dinamarca, Holanda e Luxemburgo,
não mencionam a dignidade da pessoa humana entre seus princípios ou direitos
fundamentais.152
No âmbito do Mercosul, apenas a Constituição do Brasil (art.
1º, III) e a do Paraguai (preâmbulo), guindaram o valor da dignidade ao status de
norma fundamental.153
149
SARLET, Ingo Wolgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 113/114.
150
SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 65.
151
SARLET, op.cit., p. 64.
152
SARLET, loc. cit.
153
SARLET, op.cit., p. 65.
58
No que tange aos demais estados americanos, cumpre citar as
constituições de Cuba (art. 8º) e da Venezuela (Preâmbulo), além da referência
direta ao valor da dignidade da pessoa humana encontrada na Constituição do Peru,
onde são reconhecidos outros direitos além dos expressamente positivados, desde
que derivem da dignidade humana, da soberania popular, do Estado social e
democrático de Direito da forma republicana do governo (art. 4º). A Carta Magna da
Bolívia, de 1976, reformada em 1994, dispõe, em seu art. 6º, inc. II, que a dignidade
e a liberdade são invioláveis, incumbindo o Estado o dever de respeitá-las e protegêlas. Igualmente a Constituição Chilena (art. 1º) e em que pese sua origem autoritária,
consta que os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, reprisando, de
tal dicção da Declaração Universal de 1948, formulação esta também encontrada no
art. 4º da Constituição da Guatemala, que, no seu preâmbulo, fala na primazia da
pessoa humana.154
Na mesma linha evolutiva situam-se os países da Europa
Oriental, onde também se constata forte e majoritária tendência no sentido de
acolher a dignidade no contexto constitucional, referindo-se, a título exemplificativo,
a Constituição da Rússia, que passou a rever expressamente, em seu art. 121, que
“a dignidade da pessoa humana é protegida pelo Estado. Nada pode justificar seu
abatimento”.155
No mesmo âmbito, cabe, ainda, destacar que por meio da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, promulgada em Nice, em
dezembro de 2000, restou consignado em seu artigo 1º, que “A dignidade do ser
humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida”.156
3.1.4 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
Atendo-se ao ordenamento jurídico pátrio, o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana é acolhido como valor fundamental do Estado, além
de se tratar de uma cláusula pétrea. Nestes termos, destacam-se os seguintes
textos constitucionais:
154
SARLET, loc. cit.
SARLET, op.cit., p. 65/66.
156
SARLET, loc. cit.
155
59
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios: [...]
II - prevalência dos direitos humanos;
É valido ressaltar que o artigo 226 da Carta Magna, também
se refere expressamente ao princípio da dignidade da pessoa humana:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado. [...]
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do
casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Desse modo, toda e qualquer norma brasileira deve atender
primordialmente o princípio da dignidade humana, e não é diferente com as leis
penais.
Segundo leciona Farias157:
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um
relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídicopositiva dos direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que da
unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Desta
arte, o extenso rol de direitos e garantias fundamentais da
constituição federal de 1988 traduz uma especificação e densificação
do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 3º,
III).
No mesmo sentido, vale observar os ensinamentos de Taiar158:
157
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. Porto Alegre: Fabris, 2003. p. 395.
TAIAR, Rogério. A dignidade da pessoa humana e o direito penal. São Paulo: SRS Editora,
2008. p. 76.
158
60
[...] o sistema penal deve incorporar em si os valores constitucionais
e com base neles forjar sua estrutura específica, a qual deixará
transparecer as feições da ideologia constitucional que lhe inspirou.
Segundo
Palazzo159,
dentre
os
valores
penalmente
fundamentais “encontram-se os princípios estruturantes do Estado Constitucional
(artigos 1º a 4º), os princípios constitucionais penais expressos e implícitos (vários
incisos do artigo 5º), bem como todas as normas constitucionais (princípios e regras
que determinam a política criminal e a dogmática penal)”.
Continua dizendo que, com efeito, erigida como um dos
princípios estruturantes (artigo 1º, III), a dignidade humana é o fundamento máximo
constitucional em matéria penal e, quando da elaboração do ordenamento penal,
deixa de ser apenas um imperativo axiológico-normativo-constitucional, para se
tornar também um imperativo axiológico-normativo-penal.160
Taiar ainda esclarece a função garantista do sistema penal,
asseverando o princípio da dignidade humana:
A segunda função – garantista – corresponde à compatibilização
entre o exercício da função protetiva e o padrão de política criminal,
tanto na aplicação da lei penal em esfera dos cidadãos quanto na
preservação da dignidade do agente do delito, com o objetivo de
ressociá-lo. [...] Assim sendo, a inclusão social torna-se um dos
objetivos primordiais do ordenamento penal. Perseguir esse
propósito, também é promover a dignidade humana.161
Em consonância com a dignidade humana, há diversos
princípios que nela se fundamentam, tais como os expressos e implícitos no artigo 5º
da CRFB/88162, sendo possível elencar o princípio da legalidade penal (inc.
XXXIX163), do qual decorrem os princípios da reserva legal, da taxatividade e o da
159
PALAZZO, Francesco. Valores constitucionais e o direito penal. Porto Alegre: Fabris, 1989. p.
22-26.
160
TAIAR, op.cit., p. 76.
161
TAIAR, op.cit, p. 79.
162
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
163
“XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”;
61
retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da mais gravosa (inc.
XL164), bem como encontramos o princípio do devido processo legal (inc. LIII165,
LIV166 e LVI167), o princípio processual do contraditório e da ampla defesa (inc. LV168
e XXXVIII169) e o princípio da presunção de inocência do acusado (inc. LVII170).
Taiar
ainda
enumera
alguns
princípios
constitucionais
implícitos derivados do princípio da dignidade humana: da proporcionalidade, da
insignificância, da intervenção mínima, da responsabilidade pessoal (inc. LVI171), da
individualização da pena (inc. XLVI172), o da humanidade (inc. III173, XLVII174, XLIX175
e L176).177
Destarte, a presença do princípio da dignidade da pessoa
humana em matéria penal, como se percebe, se faz presente por meio dos
princípios constitucionais, tanto os especificamente penais, como os pertinentes ao
direito penal.
164
“XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
“XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se
omitirem”;
166
“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”;
167
“LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”;
168
“LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”;
169
“XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a)
a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”
170
“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”;
171
“LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”;
172
“XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação
ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou
interdição de direitos”;
173
“III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”;
174
“XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”;
175
“XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”;
176
“L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos
durante o período de amamentação”;
177
TAIAR, op.cit., p. 80.
165
62
3.1.5 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O SISTEMA PENITENCIÁRIO
O sistema penitenciário apresenta vários problemas históricos
como o desrespeito aos apenados, a ausência de atividade educativa e laboral do
cárcere, e principalmente a superpopulação carcerária e a desconsideração das
recomendações da ONU no que se refere à adoção de medidas concretas para
aprimorar as condições do sistema penal. Tais fatos desrespeitam a dignidade
humana, bem como privam os encarcerados de direitos elementares.
Observa-se que o ordenamento jurídico mundial é vasto no
que se refere à dignidade da pessoa humana. Além da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, como já citada, pode-se destacar a Convenção
Americana de Direitos Humanos de 1969, também conhecido como Pacto de São
José da Costa Rica, o qual o Brasil é signatário, dispõe em seu Artigo 5º que
“Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos
ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito
devido à dignidade inerente ao ser humano”.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – ONU, de
1966, estabelece que:
Artigo 7º - Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido,
sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a
experiências médicas ou científicas.
Artigo 10 – §1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser
tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa
humana.
a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em
circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber
tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoas não
condenadas.
b) As pessoas jovens processadas deverão ser separadas das
adultas e julgadas o mais rápido possível.
63
§ 2º. O regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo
objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros.
Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos adultos e
receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.
Por fim, estabelece a Convenção contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes – ONU, de 1984, que:
Artigo 11 - Cada Estado Parte manterá sistematicamente sob exame
as normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório, bem
como as disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas
submetidas, em qualquer território sob a sua jurisdição, a qualquer
forma de prisão, detenção ou reclusão, com vistas a evitar qualquer
caso de tortura.
Artigo 12 - Cada Estado Parte assegurará que suas autoridades
competentes procederão imediatamente a uma investigação
imparcial, sempre que houver motivos razoáveis para crer que um
ato de tortura tenha sido cometido em qualquer território sob sua
jurisdição.
A Resolução nº 1998/23 do Conselho Econômico e Social da
ONU, produziu a chamada “Cooperação Internacional com vista à redução da
superpopulação carcerária”, documento que trás recomendações específicas para
dedução da população carcerária, incentivando à aplicação de penas alternativas,
em razão da ineficácia do cárcere e reinserção social do condenado em respeito à
dignidade humana.
No âmbito nacional, destaca-se, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, conforme já mencionado, a Lei de Execuções Penais
(Lei 7.210/84), em seu artigo 3º, o qual dispõe que “Ao condenado e ao internado
serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”,
cumpre-se salientar que é a mesma dicção do artigo 38 do Código Penal, além do
64
artigo 40178 e 41179, ambos do diploma de execução penal, que garante ao apenado
respeito a seus direitos, integridade física e moral.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP), motivado pela discussão havida no IV Congresso das Nações Unidas
sobre a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, realizado em Kioto, em
1970, bem como no V Congresso das Nações Unidas, ocorrido em Genebra, em
1975, fixou regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil por meio da
Resolução n.º 14, de 11 de novembro de 1994.180
Apenas para melhor ilustrar o que fora explanado cita-se
Jesus:
[...] A declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. 5º,
estabelece que ‘ninguém será submetido tratamento degradante. A
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José),
tratando dos direitos à incolumidade pessoal, prevê à integridade
moral do condenado na aplicação e execução da pena (art. 5, nº 1),
respeito devida à dignidade interna ao ser humano (n. 2) e ‘à sua
honra’ (art. 11 n.2). Nessa linha, a Carta Magna de 1988 assegurou
aos presos respeito à integridade moral (art. 5º, XLIX), seguindo a
regra de que ‘ninguém será submetido a tratamento degradante (art.
5º, III), mandamentos aplicáveis às penas restritivas de direitos. E a
LEP, em seu art. 40, impões a todas as autoridades respeito à
integridade moral dos detentos, determinando que a execução da
pena ‘tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado’, o que não se obterá se ficar sujeito
178
“Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados
e dos presos provisórios”.
179
“Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de
trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício
das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis
com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o
advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização
da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a
qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e
os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da
responsabilidade da autoridade judiciária competente”.
180
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil. Ministério
da Justiça, Brasília: Ministério da Justiça, 2007.
65
ao escárnio da coletividade em face de natureza da sanção imposta
[...]181
Acerca das mazelas do sistema penitenciário brasileiro,
destaca-se entendimento de Romeu Falconi:
[...] o sistema penitenciário brasileiro é desorganizado, faltam verbas
públicas, é defeituoso, perverso e sobrevivente de improvisações,
onde o condenado cumpre sua pena em condições precárias e
desumanas. Um estabelecimento de superlotação onde a falta de
espaço leva corrupção á outros setores internos, revelando a difícil
realização laboral do preso que contradita o Código Penal, que, ao
invés de educar e contribuir para sua formação e valorização social e
retributiva, o que se constatam é a exploração e a pouca
remuneração deste trabalho, logrando dessa forma a proposta de
ressocialização e, fazendo emergir todos os meios como fonte de
renda, com o conluio de funcionários da instituição prisional: o tráfico
de drogas, o repasse de alimentação, a mercantilização sexual de
jovens presos. Destarte, tais reajustes decorrentes da desordem
laboral do preso, deteriorizam as relações humanas, tornando-se
abjecto o trabalho do apenado, destituindo-o de dignidade,
desponjando-o de seus direitos e aniquilando qualquer possibilidade
de reintegração social.182
Silva afirma que:
[...] A prisão é realmente monstruosa, [...] A política criminal hoje
dominante no pensamento científico dos estudiosos do direito penal
é: a prisão só em ultima ratio, só em último caso. O cidadão, não
sendo perigoso, vamos encontrar outra maneira de permitir que ele
volte à sociedade. Ainda, há mais argumentos em favor desta
posição: é que o preso custa muito dinheiro, de três a sete salários
mínimos por mês. Se você der esse dinheiro ao preso, em muitos
casos, ele não vai cometer crime algum [...] nos casos em que a
prisão é desnecessária para a recuperação do indivíduo, o justo, o
correto, o inteligente, o racional, é que não haja prisão [...]183
181
JESUS. Damásio E. de. Penas Alternativas: anotação da Lei 9.714, de novembro de 1988. 2 ed.
São Paulo: Saraiva, 2000 p. 38.
182
FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: reinserção social? São Paulo: Ícone Editora, 1998. p. 48,
68, 70 e 79.
183
SILVA, Evandro Lins e. O salão dos passos perdidos depoimento ao cpdoc. 5ª impressão. Rio
de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. p. 214/215.
66
Para Nicoli:
[...] a imagem do presídio contemporâneo é, decerto, das figuras
mais incômodas e desafiadoras para a proteção dos direitos
humanos, constituindo mazela sempre urgente. Não nos parece
necessário, sequer, descrever aquilo que é óbvio ululante. O quadro
de barbárie das condições carcerárias é conhecido de todos.
Também o são as conseqüências da suposta reabilitação penal pela
privação de liberdade. A bestialização patrocinada pelo ‘tratamento
prisional’ para os egressos do cárcere alia-se a todo o patológico
sistema para nos levar à conclusão de que a prisão soçobra.184
Portanto, como se nota do exposto, atualmente o princípio da
dignidade da pessoa humana não é respeitado nos estabelecimentos carcerários
brasileiros, incluindo-se os ergástulos catarinenses. Nesse sentido, destacam-se
precedentes jurisprudenciais:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESÍDIO SUPERLOTADO.
OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
EXEGESE DOS INCISOS III, XLVIII, XLIX DO ART. 5º DA CARTA
MAGNA. SUPERLOTAÇÃO. CONDIÇÕES INSALUBRES. RISCO À
SEGURANÇA E SAÚDE PÚBLICAS. REMOÇÃO. MEDIDA COM
CARÁTER
URGENTE.
LIMINAR
MANTIDA.
RECURSO
185
DESPROVIDO.
PRESIDIÁRIO. INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL. RESPEITO À
DIGNIDADE HUMANA. GARANTIA INDIVIDUAL. É princípio
fundante do Estado Democrático de Direito o respeito á dignidade da
pessoa humana. Constitui garantia individual que ninguém será
submetido à tortura ou tratamento degradante, inclusive preso na sua
integridade física e moral, devendo a lei punir as práticas atentatórias
aos direitos fundamentais, direitos que se opõem ao Estado, de
forma auto-aplicável, sem prejuízo dos vários tratados de que somos
signatários, recentemente compilados pelo Centro de Estudos da
Procuradoria Geral do Estado, que instrumentaliza proteção de
direitos humanos.186
184
NICOLI. Pedro Augusto Gravatá. Trabalho encarcerado e privatização dos presídios:
reflexões à luz da convenção 29 da OIT. Disponível em http://www.conpedi.org.br/manaus/
arquivos/anais/brasilia/11_226.pdf. Acessado em 13/03/11.
185
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 2008.006338-1, Relator
Desembargador José Volpato de Souza, julgado em 27.11.2008.
67
Vale suscitar, por fim, decisum do magistrado Marcos d’Avila
Scherer, titular da Segunda Vara Cível da Comarca de Navegantes, Santa Catarina:
“Inaceitável que seres humanos sejam mantidos em situação tal
como a vivenciada na carceragem da Delegacia de Polícia de
Navegantes. Não é preciso sequer enumerar os direitos que estão
sendo violados pelo Estado de Santa Catarina ao manter os presos
provisórios naquelas condições. Argumentos acerca da chamada
reserva do possível não merecem guarida diante de tais quadro. A
tese de que não se pode impor ao Estado uma obrigação que
depende de recursos financeiros escassos não me parece mais
importante que o resguardo da integridade física das pessoas
submetidas ao poder estatal, respeitadas as opiniões em contrário.
Adentrando apenas de forma perfunctória na chamada teoria do
custo dos direitos, é possível afirmar atualmente que nenhum direito
se mostra desacompanhado de um custo a ser suportado pela
sociedade, mesmo aqueles tradicionalmente chamados de primeira
geração187. Portanto, sustentar a flagrante violação ao direito da
dignidade da pessoa humana que se encontra enclausurada na
Delegacia de Navegantes na ausência de recursos financeiros soa
verdadeiramente pouco razoável.”188
Para o resgate da dignidade da pessoa humana na atual
realidade carcerária brasileira, faz-se mister a reestruturação de todo o sistema
prisional, evitando-se a superpopulação carcerária e propiciando à pena a sua real
função, qual seja, ressocializar.
Um dos principais pressupostos para garantir a efetividade da
ressocialização do apenado é a submissão deste à realização de atividades laborais
(trabalho prisional), que contribuam para sua qualificação profissional, de modo a
garantir a reintegração à sociedade de forma humanamente digna.
186
BRASIL. Vara da Comarca de Altinópolis, SP. Ação Indenizatória. Processo n. 323/97, relator: Juiz
Evandro Renato Pereira.
187
Segundo Marcelo Antônio Teodoro (in Direitos Fundamentais e sua concretização. Cuiabá: Juriá,
2002. p. 28/29), são direitos de notória inspiração jus naturalista, como o direito à vida, à liberdade, á
propriedade e à igualdade perante a lei (igualdade normal). Complementam-se esses direitos pelas
chamadas liberdades (de expressão, e imprensa, reunião e associação) e pelos direitos de
participação política, como o direito ao voto e à capacidade eleitoral.
188
BRASIL, 2ª Vara da Comarca de Navegantes, SC. Ação Civil Pública. Processo n. 135.10.0045905, relator: Juiz Marcos d’Ávila Scherer. Decisão proferida em de 07 de abril de 2010. fls. 38/40.
68
CAPÍTULO 4
O TRABALHO CARCERÁRIO
4.1 O TRABALHO CARCERÁRIO
De acordo com Dallari189, “o trabalho permite que a pessoa
desenvolva sua capacidade física e intelectual, conviva de modo positivo com outros
seres humanos, realize-se integralmente como pessoa, obtenha condições
financeiras para suprir suas necessidades básicas, melhore sua auto–estima e
comunicação além de outros benefícios”.
Com efeito, a constituinte de 1988 deu grande valor ao
trabalho, conforme se extrai dos artigos 1º, 170 e 193:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios [...]
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
É importante ressaltar que no Brasil a ociosidade é anti-social
e a vadiagem é classificada como um ilícito penal previsto no artigo 59, caput, da Lei
de Contravenções Penais.
Logo, para que a sociedade e o Estado possam ter
legitimidade em abominar a ociosidade e a vadiagem, devem primeiramente assumir
efetivamente a responsabilidade de proporcionar oportunidades de trabalho a todos.
189
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania, São Paulo: Moderna, 2006, p. 41.
69
O que se verifica, entretanto, é que muitos governos
desenvolvem políticos voltados apenas para economia, considerando o desemprego
como algo participante e pacífico.190
Segundo Medeiros:
[...] a laboterapia é a pedra de toque de toda a moderna Penalogia. O
trabalho acaba com a promiscuidade carcerária, com os malefícios
da contaminação dos primários pelos veteranos delinquentes e dá ao
condenado a sensação de que a vida não parou e de que ele
continua a ser útil e produtivo, além de evitar a solidão, que gera
neuroses, estas, por sua vez, fator de perturbação nos
estabelecimentos penais e fermento de novos atos delituosos.191
A verdade é que a ociosidade impera em nossos presídios, e
como bem diz Heleno Fragoso, “como não há orientação no sentido de incentivar
escolas profissionalizantes que ensinem os internos e aperfeiçoem os seus
conhecimentos, perdem a oportunidade de utilizar maneira mais produtiva no
período da pena e de desenvolver suas aptidões, as quais se vêem adaptadas às
necessidades da prisão”.192
Segundo Juçara Fernandes Leal193, “a falta de trabalho numa
penitenciária estimula a pederastia, dá oportunidades para que os presos criem
novas formas de delinquir e maquinem vingança”.
Em consonância, leciona Mesquita Júnior:
De há muito é conhecido o brocardo popular de que a mente vazia é
a oficina do diabo. Assim, a LEP dá o devido destaque à questão
laborativa, infelizmente, não compreendido tal aspecto, haja vista a
visível deficiência de oportunidade para os privados de liberdade.
Estimados, nos dias de hoje – out./08 – em mais de 450.000 privados
de liberdade, o percentual daqueles que labutam mal atinge 20%.
Quadro deveras lamentável.194
190
DALLARI, op. cit.,.p. 50.
MEDEIROS, Rui. Prisões Abertas. Forense, 1985. p. 61.
192
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direitos dos Presos. Forense, 1980. p. 107.
193
LEAL, Juçara Fernandes. O Trabalho Penitenciário. Revista da Faculdade de direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, v. 27, n. 22, p. 221-240, out. 1979. p. 224.
194
KUEHNE, Maurício. Lei de Execução Penal anotada. 8 ed. Curitiba: Juruá, 2010 p. 154.
191
70
Extrai-se da leitura da Exposição de Motivos à Lei de
Execução Penal que o trabalho dos condenados tem a finalidade de educar e gerar
produção, garantindo também a dignidade humana:
56. O Projeto conceitua o trabalho dos condenados presos como
dever social e condição de dignidade humana tal como dispõe a
Constituição, no artigo 160, inciso II, assentando-o em dupla
finalidade: educativa e produtiva.195
Atualmente, a Lei de Execução Penal trata sobre o trabalho
prisional dentro dos artigos 28 a 37, destacando-se no presente momento os três
primeiros dispositivos, in verbis:
Art. 28 - O Trabalho do condenado, como dever social e condição de
dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as
precauções relativas à segurança e à higiene.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação
das Leis do Trabalho.
Art. 29 – O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia
tabela, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo.
§ 1º O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que
determinados judicialmente e não reparados por outro meio;
b) à assistência à família;
c) às pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a
manutenção do condenado em proporção a ser fixada e sem prejuízo
da destinação prevista nos parágrafos anteriores;
195
MAIA NETO, Cândido Furtado. Direitos humanos do preso: lei de execução penal, Lei nº
7.210/84. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 65.
71
§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte
restante para constituição do pecúlio, em cadernetas de poupança
que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.
Art. 30 – As tarefas executadas como prestação de serviços à
comunidade não serão remuneradas.
Cabe ressaltar ainda as disposições do artigo 39, inciso V196, e
41, inciso II197, que dispõem ser o trabalho um dever e um direito do preso,
respectivamente, o artigo 50, inciso VI198, prevendo falta grave para o
descumprimento do dever de trabalhar.
O trabalho é um direito e uma obrigação do condenado, sendo
que os preceitos constantes na LEP, bem como os insertos no Código Penal (arts.
34-36199), têm vasto apoio doutrinário. Historicamente, a preocupação com o trabalho
sempre esteve presente em nosso ordenamento jurídico, o que se pode verificar
com a inserção de vários artigos regulamentando o trabalho penitenciário200.201
Desse modo, todo o capítulo III do título II do CEC202 é
destinado ao trabalho, dispondo este é dever de condenado (art. 28, caput), salvo o
196
BRASIL, Lei nº 7.210 de 1984 - LEP – Art. 39 – Constituem deveres do condenado: [...] V –
execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas.
197
BRASIL, Lei nº 7.210 de 1984 - LEP - Art. 41 – Constituem direitos dos presos: [...] II – atribuição
de trabalho e sua remuneração.
198
BRASIL, Lei nº 7.210 de 1984 - LEP – Art. 50 – Comete falta grave o condenado à pena privativa
de liberdade que: [...] VI – inobservar os deveres previsto nos incisos II e V do artigo 39 desta lei.
199
Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico
de classificação para individualização da execução. § 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no
período diurno e a isolamento durante o repouso noturno. § 2º - O trabalho será em comum dentro do
estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que
compatíveis com a execução da pena. § 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em
serviços ou obras públicas; Art. 35 - Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado
que inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto. § 1º - O condenado fica sujeito a trabalho
em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. § 2º O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de
instrução de segundo grau ou superior; Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso
de responsabilidade do condenado. § 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem
vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido
durante o período noturno e nos dias de folga. § 2º - O condenado será transferido do regime aberto,
se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não
pagar a multa cumulativamente aplicada.
200
O Projeto de Código Penitenciário nº 1, de 1935, foi elaborado em 1933, regulamentando o
trabalho em seu título IX (artigos 509-555).
201
MESQUITA JÚNIOR. op. cit., p. 170.
202
Código de Execução Criminal.
72
condenado por crime político (art. 200) devendo-se se aplicar às preocupações de
higiene e segurança (art. 28, § 1º), mas que o trabalho do preso não se enquadra no
regime celetista (art. 28, § 2º).203
Consoante § 1º do art. 28 da LEP, necessário se faz
estabelecer para o trabalho penitenciário as mesmas exigências em relação à
higiene que existe no trabalho livre e as prescrições preventivas de segurança. Cabe
ao Estado a proteção, responsabilizando-se pelos acidentes.
A remuneração obrigatória do trabalho prisional, por sua vez,
foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei 6.416 de 1977 e acolhida
pela Lei de Execução Penal. Esta dispõe que o trabalho do preso não estando
sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 28, § 2º), será
remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a ¾ do salário mínimo
(art. 29, caput), assim, a obrigatoriedade do trabalho no presídio decorre da falta do
pressuposto de liberdade, pois, em contrário, poder-se-ia considerar a sua prestação
como manifestação de um trabalho livre, que conduziria a sua inclusão no
ordenamento jurídico trabalhista.204
Dispõe o artigo 29 da Lei de Execução Penal sobre a
destinação do rendimento do trabalho penitenciário, como o fizera em parte, a Lei
6.416 de 1977, prevendo o desconto para indenização do dano ex delito e
assistência a família, bem como o ressarcimento do Estado pela despesa com a
manutenção do preso ou internado.205
A esse respeito, merece guarida o comentário de Pimentel:
O trabalho do preso deve ser remunerado não apenas do pagamento
do pecúlio, a cargo do Estado, mas propiciando-se ao interno uma
ocupação rendosa que tenha uma direta relação de
proporcionalidade com o seu ganho. Para o preso institucionalizado o
trabalho é um valor negativo. Mas o dinheiro é um fator positivo.
Conjugar esses dois valores, para que o interno, objetivando o fim
203
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução Criminal. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 170.
PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7ª ed. São Paulo: RT, 2007. p. 575.
205
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 93.
204
73
(dinheiro), habitue-se com o meio (trabalho), é uma estratégia
necessária.206
Além disso, parte da remuneração do trabalho carcerário
desonera os cofres públicos, pois “o preso deverá pagar o custeio de sua estada no
estabelecimento penal a fim de que as prisões não sejam pesos mortos para o
Estado”.207
As disposições seguintes da LEP referentes ao trabalho
prisional tratam acerca do trabalho interno e externo dos apenados.
4.1.1 TRABALHO INTERNO
Trabalho interno, como a própria nomenclatura sugere, é o
trabalho realizado nas dependências do ergástulo prisional, nos moldes dos artigos
31 a 35 da LEP:
Art. 31 – O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao
trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.
Parágrafo único – Para o preso provisório o trabalho não é
obrigatório, e só deverá ser executado no interior do
estabelecimento.
Art. 32 – Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a
habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso,
bem como as oportunidade oferecidas pelo mercado.
§ 1º Deverá ser limitado tanto quanto possível o artesanato sem
expressão econômica, salvo nas regiões de turismo.
§ 2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação
adequada à sua idade.
§ 3º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades
apropriadas ao seu estado.
206
PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: RT, 1983. p. 352.
LEAL, Juçara Fernandes. O Trabalho Penitenciário. Revista da Faculdade de direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, v. 27, n. 22, p. 221-240, out. 1979. p 225.
207
74
Art. 33 – A jornada normal e trabalho não será inferior à 6 (seis) nem
superior à 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.
Parágrafo único – poderá ser atribuído horário especial de trabalho
aos presos designados para os serviços de conservação e
manutenção do estabelecimento penal.
Art. 34 – O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou
empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a
formação profissional do condenado.
§ 1º Nessa hipótese, incumbirá a comunidade gerenciadora
promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos
empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como
suportar as despesas, inclusive pagamento de remuneração
adequada.
§ 2º Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar
convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de
trabalho referentes à setores de apoio dos presídios.
Art. 35 – Os órgão da administração direta ou indireta da União, dos
Estados, Territórios, Distrito Federal e dos Municípios adquirirão,
com dispensa de concorrência pública, os bens ou produtos do
trabalho prisional, sempre que não for possível ou recomendável
realizar-se a venda à particulares.
Parágrafo único – Todas as importâncias arrecadadas com as
vendas reverterão em favor da fundação ou empresa pública a que
alude o artigo anterior ou, na sua falta, do estabelecimento penal.
O artigo 31 da Lei de Execução Penal, além de confirmar o
dever de trabalhar do preso, refere-se às aptidões e capacidade do condenado,
remetendo-se às condições físicas, mentais, intelectuais e profissionais do detento.
Cita-se, por oportuno, o item 58 das Exposições de Motivos da
Lei de Execução Penal:
58. Evitando possíveis antagonismos entre a obrigação de trabalhar
e o princípio da individualização da pena, a LEP dispõe que a
75
atividade laboral será destinada ao preso na medida de suas
aptidões e capacidade. Serão levadas em conta a habilitação, a
condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as
oportunidades oferecidas no mercado.
Segundo Mirabete:
[...] o trabalho nas prisões, que podem ser industrial, agrícola ou
intelectual, tem como finalidade alcançar a reinserção social do
condenado e, por isso, deve ser orientado segundo as aptidões dos
presos, evidenciadas no estudo da personalidade e outros exames,
tendo-se em conta, também, a profissão ou ofício que o preso
desempenhava antes de ingressar no estabelecimento. Na medida
do possível, deve permitir-se que o preso eleja o trabalho que prefere
e para o qual se sinta mais motivado e atraído. Devem ser levadas
em conta, todavia, a habilitação, a condição pessoal e as
necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades
oferecidas pelo mercado.208
De acordo com as Regras Mínimas da ONU, o trabalho deve
ser suficiente para ocupar o preso durante a duração de uma jornada normal (nº
71.3209), devendo a lei ou regulamento fixar o número máximo da atividade
laborativa, tendo em conta os regulamentos ordinários e os usos locais referentes ao
emprego do trabalhador livre (75.1210).211
Mesquita Júnior, remetendo-se às dependências e a estrutura
dos presídios no que tange à efetividade do trabalho prisional, diz que:
[...] o trabalho é um direito buscado por todo preso, visto que trará
benefícios para o mesmo como no cômputo da pena. Infelizmente, o
presídio não está aparelhado para assegurar a eficácia da lei, com
efeito, a grande maioria dos condenados que se encontram em
regime fechado não está classificada para o trabalho, o que
representa um desvio na execução, pois um direito não está sendo
assegurado, sendo que a concretização do trabalho atende ao
208
MIRABETE, op. cit., 93/94.
71.3. Será proporcionado aos reclusos um trabalho produtivo, suficiente para ocupá-los durante a
jornada normal de trabalho.
210
75.1 A lei e o regulamento administrativo fixaram o número máximo de horas de trabalho para os
reclusos, por dia e por semana, tomando em consideração os usos locais seguidos com respeito dos
trabalhadores livres.
211
MIRABETE, op. cit., p. 96.
209
76
objetivo
da
reintegração
social
do
detento.
Assim,
independentemente do regime fixado, o condenado terá direito ao
trabalho212.
Nota-se que a LEP limita o tipo de trabalho a ser realizado
pelos apenados, sendo que o artesanato sem expressão econômica, por exemplo, é
permitido apenas nos presídios existentes em regiões de turismo (item 61 da
Exposições de Motivos).
4.1.2 TRABALHO EXTERNO
Acerca do trabalho externo dos apenados, dispõe o item 54 da
Exposição de Motivos da LEP:
54. O Projeto adota a idéia de que o trabalho penitenciário deve ser
organizado de forma tão aproximada quanto o possível do trabalho
na sociedade. Admite-se por isso, observado o grau de recuperação
e os interesses de segurança pública, o trabalho externo do
condenado, nos estágios finais de execução da pena.
A Lei 7.210/84, por sua vez, disciplina o trabalho externo nos
seus artigos 36 e 37:
Art. 36 – O trabalho externo será amissível para os presos em regime
fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgão
da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que
tomadas as cautelas contra fuga e em favor da disciplina.
§ 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por
cento) do total de empregados na obra.
§ 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa
empreiteira a remuneração desse trabalho.
§ 3º A prestação de trabalho depende do consentimento expresso do
preso.
Art. 37 – A prestação de trabalho externo será autorizada pela
direção do estabelecimento e dependerá de aptidão, disciplina,
212
MESQUITA JÚNIOR, op. cit., p. 174.
77
responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da
pena.
Parágrafo único – Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao
preso que vier a praticar ato definido como crime, for punido por falta
grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos
neste artigo.
Enquanto a LEP, em seu artigo 36 dispõe que o trabalho
externo é admissível para o condenado que se encontra no regime fechado, o artigo
35 Código Penal estabelece que o trabalho externo é admissível aos condenados
que se encontrarem em regime fechado e semi-aberto.
O condenado que estiver cumprindo pena em regime semiaberto está sujeito ao trabalho em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar (art. 35, § 1º, CP), sendo admissível à atribuição do trabalho externo, bem
como a frequencia em cursos profissionalizantes (art. 35, § 2º, CP). Nada impede
que esse trabalho seja prestado a empresas privadas ou mesmo que tenha caráter
autônomo. Segundo o artigo 36, caput, da Lei de Execução Penal, e artigo 34, § 3º,
do Código Penal, ao preso que estiver cumprindo a pena em regime fechado,
somente poderá ser atribuído trabalho externo em serviços ou obras públicas,
realizados por órgãos da administração direta ou indireta ou entidades privadas,
tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina213.
Entende-se por serviço público aquele que é mantido e
executado pelo Estado, por meio de suas instituições e seus órgãos, com o objetivo
de satisfazer as necessidades coletivas.214
Segundo Mirabete:
[...] tratando-se de serviços ou obras públicas, não há vinculo
empregatício entre o condenado e a Administração ou empresa
privada que realiza tais obras, pois as normas que regem o trabalho
prisional são de direito público e não estão sujeitas à Consolidação
das Leis do Trabalho. Somente ao condenado que se encontra em
213
214
MIRABETE, op. cit., p. 36.
MIRABETE, op. cit., p. 100.
78
regime aberto possibilita-se o trabalho com vínculo empregatício,
sujeito às normas da CLT.215
O trabalho externo do condenado que cumpre pena em regime
fechado e efetuado sob vigilância direta da Administração, ou seja, é necessária a
escolta como cautela contra a fuga e em favor da disciplina.216
Algumas considerações são importantes visto que a LEP limita
a concessão do trabalho externo por parte da autoridade policial. Estabelece que a
concessão do benefício do trabalho externo dependerá do cumprimento de 1/6 da
pena. Entretanto, esse requisito temporal restringe-se ao condenado que está em
regime fechado. Outrossim, o requisito só será exigido quando o benefício for
concedido pela administração do estabelecimento, ex vi o disposto no artigo 37 da
LEP217.
Acerca da desnecessidade do cumprimento mínimo de 1/6 da
pena para a concessão do trabalho externo para o condenado em regime semiaberto, colaciona-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
O trabalho do condenado é de suma relevância no processo de sua
reeducação e ressocialização, elevando-se a condição de
instrumento de afirmação de sua dignidade humana. Admite-se o
benefício do trabalho externo ao condenado que inicia o
cumprimento da pena em regime semi-aberto, independentemente
do cumprimento de 1/6 da pena, se a situação fática e as condições
pessoais do sentenciado o favorecem e guardam sintonia com o
princípio da razoabilidade.218
Não podemos nos olvidar que o trabalho é um direito do preso,
o qual deve ser proporcionado pelo Estado. Como o Estado não pode dar eficácia à
previsão legal, não se deve negar o direito ao condenado de trabalhar externamente,
com vínculo empregatício, quando o mesmo tem oferta de emprego, ou quando o
mesmo pode atuar como profissional liberal.219
215
MIRABETE, op. cit., p. 101.
MIRABETE. op. cit., p. 101.
217
MESQUITA JÚNIOR, op. cit., p. 174.
218
BRASIL. STJ – REsp. 450.592-RS, 6ª Turma, relator Ministro Vicente Leal, DJU 04/08/2003.
219
MESQUITA JÚNIOR, op. cit., p. 176.
216
79
O trabalho externo do preso no regime semi-aberto é admitido,
mas o trabalho com vínculo empregatício só é regra no regime aberto. Nesse tipo de
trabalho, o condenado trabalhará normalmente, retornando à casa de albergado, ou
para o presídio, somente nos momentos de folga. Não obstante, a caótica situação
do sistema penitenciário nacional transforma em regra o trabalho externo com
vínculo empregatício no regime semi-aberto.220
4.2 REMIÇÃO
Remir significa resgatar, abater, descontar, pelo trabalho
realizado dentro do sistema prisional, parte do tempo de pena a cumprir. O preso
provisório, que não está obrigado ao trabalho, se trabalhar, também poderá remir
parte de sua futura condenação.221
A Lei de Execução Penal trata do instituto da remissão em
seus artigos 126 a 130, in verbis:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou
semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução
da pena.
§ 1º. A contagem do tempo para o fim desde artigo será feita à razão
de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho.
§ 2º. O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente,
continuará a beneficiar-se com a remissão.
§ 3º. A remição será declarada pelo Juiz da execução, ouvido o
Ministério Público.
Art. 127. O condenado que for punido com falta grave perderá o
direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data
da infração disciplinar.
Art. 128. O tempo será computado para a concessão de livramento
condicional e indulto.
220
MESQUITA JÚNIOR, op. cit., p. 176-177.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: Parte Geral, v. 1. 6 ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 435-436.
221
80
Art. 129. A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao
Juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que
estejam trabalhando e dos dias de trabalho de cada um deles.
Parágrafo único. Ao condenado dar-se-à relação de seus dias
remidos.
Art. 130. Constitui crime do art. 299 do Código Penal declarar ou
atestar falsamente prestação de serviço para fim de instruir pedido
de remição.
A LEP prevê o incentivo ao trabalho, uma vez que o mesmo
constitui um dos mais eficazes meios de reintegração social do condenado. Tal
incentivo manifesta-se pela remição, ou seja, o condenado que estiver trabalhando
será beneficiado com a redução da pena, descontando-se um dia da execução, a
cada três dias trabalhados.222
Trata-se de um meio de abreviar ou extinguir parte da pena.
Oferece-se ao preso um estímulo para corrigir-se, abreviando o tempo de
cumprimento da sanção para que possa passar ao regime de liberdade condicional
ou a liberdade definitiva. 223
Segundo Dias, trata-se de um instituto completo, “pois reeduca
o delinquente, prepara-o para a sua reincorporação à sociedade, proporciona-lhe
meios para reabilitar-se diante de si mesmo e da sociedade, disciplina sua vontade,
favorece sua família e sobretudo abrevia a condenação, condicionando esta ao
próprio esforço do condenado.”224
Cumpre mencionar que a Súmula 341225 do STJ “garante a
remição da pena pelo estudo, nos regimes fechado e semi-aberto, explicando que a
abreviação da condenação pelo instituto em comento, tem por objetivo a
222
MESQUITA JUNIOR, op. cit., p. 408.
MIRABETE, op. cit., p. 478.
224
DIAS, Maria da Graça Morais. A redenção das penas pelo trabalho. Breve notícia de um
sistema. RT 483/251.
225
STJ - Súmula 341: A freqüência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de
execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto.
223
81
ressocialização, possibilitando o uso da analogia in bonam partem”, para admitir a
aplicação da remição, no caso de atividades não expressas no texto legal.
O condenado que for punido com falta grave (artigos 50 a
52226, LEP), perderá o direito ao tempo remido, começando a contar novo período a
partir da data da infração disciplinar (artigo 127227 da LEP). A perda dos dias remidos
pode ser decretada, a qualquer tempo, enquanto não extinta a pena do preso, uma
vez que a decisão que concede a remição não faz coisa julgada material.228
4.3 O TRABALHO DO APENADO COMO INSTRUMENTO DE RESGATE
DA DIGNIDADE HUMANA
Conforme ressaltado no tópico anterior, o artigo 28 da LEP
reza que o trabalho prisional tem caráter de resgate da dignidade da pessoa humana
e finalidade educativa e produtiva, assim como disciplina o item 56 da Exposição de
Motivos da LEP.
226
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I - incitar ou participar
de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente,
instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos
incisos II e V, do artigo 39, desta Lei; VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico,
de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo;
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.
Art. 51. Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que: I - descumprir,
injustificadamente, a restrição imposta; II - retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação
imposta; III - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione
subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da
sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I - duração
máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de
mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol; § 1o O regime
disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou
estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade.
§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o
condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título,
em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
227
Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido,
começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.
228
MALULY, op. cit., p. 731.
82
Hassen apud. Vasconcelos229, considera “o trabalho no sistema
prisional, positivo para criar laços sociais, transmitir ética social, apresentar-se como
um valor que diferencia os homens do bem, sendo sinal de decência, organização e
marca de honestidade”.
Além
disso,
a
laborterapia
diminui
as
promiscuidades
carcerárias, dando ao apenado a sensação de que a vida não parou. Faz com que a
pessoa sinta-se útil, responsável, evita a ociosidade, solidão, perturbações que
fomentam até novos delitos, motins e rebeliões.
O trabalho como princípio educativo no sistema prisional não
somente ensinará uma profissão, mas formará um indivíduo com características de
trabalhador, preparado para buscar sua própria reinserção.
Àssaly assevera que “o trabalho penitenciário, consagrado em
todas as legislações hodiernas, constitui umas das pedras fundamentais dos
sistemas penitenciários vigentes e um dos elementos básicos da política criminal”.230
Segundo a doutrina de Mirabete231, “a concepção de trabalho
penitenciário, inicialmente, estava vinculada à idéia de vingança e castigo, mantendo
suas características como forma mais grave e aflitiva de cumprir a pena de prisão”.
Explica, ainda, que na concepção moderna, “a pena passou a conter uma finalidade
reabilitadora, logo, o trabalho prisional constitui-se um mecanismo de complemento
do processo de reinserção social para promover a readaptação do preso, prepará-lo
para uma profissão, inculcar-lhe hábitos e evitar a ociosidade”. Por fim, assinala o
seu caráter ressocializador, afirmando “serem notórios os benefícios que da
atividade laborativa trás para a conservação da personalidade do delinquente”.
Conforme ensinamento de Foucault, a prisão passa a ser
responsável pela administração de toda dimensão temporal da vida dos apenados,
além do controle dos seus corpos: deve haver uma modificação do tempo do
229
VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti. Trabalho Prisional e Reinserção Social: Função Ideal e
Realidade Prática. Revista Sociologia Jurídica. São Paulo, SP, n. 05, jul/dez 2007.
230
ÀSSALY, Alfredo Issa. O trabalho penitenciário. São Paulo: Martins, 1944 p. 15.
231
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2007 p. 89/90.
83
indivíduo em tempo disponibilizado ao trabalho e a transformação do seu corpo para
a realização do trabalho; deve “qualificar-se como um corpo capaz de trabalhar”.232
Ressalta, ainda, o fato de que a relação entre a prática de
encarceramento e as exigências do trabalho, sustenta que o prisioneiro que pode e
quer trabalhar será libertado não tanto pelo fato de ser novamente útil à justiça, mas
porque de novo aderiu ao grande pacto da existência humana233.
Acerca
da
finalidade
do
trabalho
penitenciário,
Miotto
assevera:
O trabalho tem seu sentido ético, como condição de dignidade
humana, e assim assume um caráter educativo. Se o condenado já
tinha o hábito do trabalho, depois de recolhido ao estabelecimento
penal o seu labor irá manter aquele hábito, impedindo que ele se
degenere; se não tinha, o exercício regular do trabalho contribuirá
para ir gradativamente disciplinando-lhe a conduta, instalando-se na
sua personalidade o hábito de atividade disciplinadora.234
No mesmo vértice, Arus:
O trabalho do preso é imprescindível por uma série de razões: do
ponto de vista disciplinar, evita os efeitos corruptores do ócio e
contribui para manter a ordem; do ponto de vista sanitário, é
necessário que o homem trabalhe para conservar seu equilíbrio
orgânico e psíquico; do ponto de vista educativo o trabalho contribui
para a formação da personalidade do individuo; do ponto de vista
econômico, permite ao recluso de dispor de algum dinheiro para suas
necessidades e para subvencionar sua família; do ponto de vista da
ressocialização, o homem que conhece um ofício tem mais
possibilidades de fazer uma vida honrada ao sair em liberdade.235
Afirma Reale Júnior que “o trabalho revela-se, portanto,
fundamental à saúde e futuro do preso, e primordial para o equilíbrio e a paz na
prisão”.236 Na mesma linha, Silva da Silva e Boschi, dizem:
232
FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1997. p. 124.
FOCAULT, op. cit., p. 73.
234
MIOTTO, Armida Bergamini. Curso de ciências penitenciária. São Paulo: Saraiva. 1975. p. 495.
235
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à lei nº 7.210 de 11-07-84. 8 ed. São
Paulo: Atlas, 1997 p. 93.
236
NOGUEIRA. Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execuções Penais. 3 ed. Saraiva, 1996 p. 41
233
84
[...] todo o ser humano, uma vez capacitado à atividade laboral, para
manutenção de sua própria subsistência e sua perfeita integração na
sociedade, de onde é produto, tem necessidade de fugir da
ociosidade através do trabalho, como dever social e condição da
dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.237
Já Nogueira defende “a necessidade do trabalho aos
condenados, eis que devidamente disciplinados e remunerados, só assim haverá
condições de torná-los úteis, produtivos e devidamente ocupados, o que evitará
outros males próprios da prisão”.238
A respeito do papel do trabalho penitenciário, descreve
Martinez239:
O trabalho útil tem papel extraordinário durante o cumprimento da
pena. Resgata a personalidade diminuída pela prisão, ocupa o tempo
do recolhido ao presídio, impõe ordem na carceragem, cria
subordinação necessária, disciplina o comportamento das pessoas,
ensina uma profissão, oferece algum recurso financeiro, faz emergir
a dignidade humana quase perdida, recupera o individuo e prepara a
volta à sociedade. Portanto, é absolutamente importante para quem
está preso.
Modernamente predomina o caráter reeducativo e humanitário
do trabalho penitenciário. Colabora na formação da personalidade do condenado ao
criar-lhe hábitos de auto-domínio e disciplina social, e na preparação da reinserção
social, ao dar ao recluso uma profissão, a ser posta a serviço da comunidade livre.
Se, para todo homem, o trabalho é um instrumento de auto-realização e
aperfeiçoamento, para o condenado será um instrumento de humanização e
liberação.240
237
SILVA, Odir Odilon Pinto e BOSCHI, José Antônio Paganella. Comentários à Lei de Execução
Penal. Aide, 1986 p. 39.
238
NOGUEIRA, op. cit., p. 44.
239
MARTINEZ. Wladimir Novais. Direito de trabalhar dos presos. Revista IOB Trabalhista e
Previdenciária. Porto Alegre. Síntese. V. 21, n. 242, agosto 2009, p.14.
240
ALBERGARIA, Jason. Direito penitenciário e direito do menor. Belo Horizonte, 1999, p. 166.
85
Segundo explica Oliveira:
[...] o trabalho visa não só manter o preso ocupado, evitando o ócio,
mas numa espécie de terapia ocupacional, sendo, também,
considerado como uma fonte geradora de riqueza que diminui os
custos operacionais do sistema penitenciário, preparando o recluso
para o retorno à sociedade.241
Por sua vez, Costa assevera que a reeducação dos apenados
através do trabalho, não está somente em retirá-los da ociosidade, mas também
abrindo efetiva possibilidade de inserção futura na sociedade, através da
profissionalização e perspectiva de um trabalho digno.242
Um instrumento, que juntamente com o trabalho deve ser
realçado como fator de relevante caráter ressocializador e garantidor da dignidade
humana do preso é a qualificação profissional. Nesse sentido, Resende disciplina:
Outro aspecto que merece destaque é a educação profissionalizante
dentro das penitenciárias, como é o caso de padarias, marcenarias,
pequenas confecções e fábricas de objetos de artesanatos. O
trabalho, além de valorizar o preso, ser-lhe-á muito útil em sua vida
pós-cárcere, não sendo incomum que o ex- presidiário consiga, logo,
vaga no mercado de trabalho, em ofício assemelhado ao que
aprendera na prisão243
Para Barros244:
[...] a formação profissional do preso é condição sine qua nom para
seu reingresso no mercado de trabalho além de constituir um fator
importante para evitar a reincidência criminal. Relata, que o cenário
mundial revela um aumento crescente de desempregados, vítimas de
recessão econômica, da falta de qualificação profissional, do
empobrecimento e da globalização econômica e cultural.
241
OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. Florianópolis: Editora da UFSC, 1984.
p. 181.
242
COSTA, Alexandre Marino. O trabalho prisional e a reintegração social do detento.
Florianópolis: Insular, 1999, p. 40.
243
REZENDE. Humanização das prisões e penas alternativas – Palestra proferida no 1º
Congresso sobre Execução da Pena, Fortaleza-Ceará, 1997 p. 09/10.
244
BARROS in COSTA, Alexandre Marino. O trabalho prisional e a reintegração social do
detento. Florianópolis: Insular, 1999, p. 40.
86
Afirma, ainda, que “neste cenário, o preso/egresso estará
automaticamente excluído do mercado de trabalho, pois a pouca oferta de mão-deobra torna o processo altamente seletivo entre contratar uma pessoa sem
passagem, na justiça e outra com passagem, certamente o seguindo estará
descartado”.
Costa afirma que:
O trabalho do preso trouxe os seguintes benefícios: ajuda na
administração do presídio através de melhorias do ambiente; houve
uma ocupação produtiva do tempo ocioso dos presos; o auxílio na
reintegração e ressocialização do preso; e, além do contato traz
consigo um rendimento extra para ajudar o preso e sua família. Há,
além disso, uma considerável melhoria no comportamento dos
internos, devido, também, à diminuição do estresse causado pela
frustração.245
Verifica-se que o aprendizado de uma nova profissão e,
conseqüentemente, uma oportunidade de obter renda de forma lícita, abre para o
detento a esperança de um futuro melhor. Pode-se dizer que a contribuição do
trabalho prisional para o desenvolvimento do detento está no fato de que aumenta a
empregabilidade deste ao sair da prisão. Além disso, o sentimento de ser útil a
sociedade, a gratidão da família pelo fato de o detento estar contribuindo para o seu
sustento e, ao mesmo tempo, demonstrando uma notória vontade de mudar de
rumo, são aspectos potencializados pelo trabalho, que acabam por influir
diretamente na qualidade de vida do detento.246
É oportuno mencionar que Mesquita Júnior diz que “não se
deve admitir colônia agrícola, salvo em raras exceções, porque, o preso brasileiro,
como regra, provem do meio urbano. Como a colônia agrícola exige maior espaço e
vigilância, além de não apresentar efeitos futuros positivos, deve ser evitada”.247
Destarte, observa-se que a solução para os problemas do
sistema penal não está apenas na ampliação do número de vagas, mas também na
245
COSTA, op. cit., p. 86.
COSTA, op. cit., p. 89/90.
247
MESQUITA JUNIOR, op. cit., p. 173.
246
87
busca de alternativas para torná-lo mais produtivo, assim como reeducar o preso
através do trabalho, resgatando a dignidade dos apenados.
4.4 EXEMPLO DE TRABALHO CARCERÁRIO COMO INSTRUMENTO DE
RESGATE DA DIGNIDADE HUMANA
Na presente pesquisa científica foi demonstrado como o
trabalho é um instrumento de extrema influência na vida em cárcere, pois auxilia no
combate à ociosidade dos presos e age como fator de resgate de sua cidadania e
dignidade para que retorne à sociedade ressocializado.
Em que pese o trabalho carcerário possuir grande alicerce
legal, consubstanciado na Constituição Federal, na Lei de Execução Penal, no
Código Penal e até em regras internacionais, além dos entendimentos doutrinário e
jurisprudencial, sua efetividade depende de uma estrutura que é quase que
inexistente no atual cenário carcerário brasileiro.
Contudo, há algumas exceções a esta realidade, como é o
caso da Penitenciária Jucemar Cesconetto, em Joinville, Santa Catarina, que
considera o valor social do trabalho como instrumento de resgate da dignidade
humana, a qual passa-se a citar.
A Penitenciária Industrial de Joinville foi inaugurada no ano de
2005 pelo Governo do Estado de Santa Catarina, e tem como objetivo a
ressocialização dos apenados através do trabalho e estudo, com o envolvimento da
comunidade, concedendo condições dignas e adequadas para o cumprimento da
pena, dentro das obrigações impostas ao Estado pela Lei de Execuções Penais.
Em relatório elaborado no ano de 2010, o qual encontra-se em
anexo à presente pesquisa científica, o diretor do estabelecimento prisional industrial
de Joinville, Richard Harrison Chagas dos Santos, esclarece as medidas tomadas na
unidade para que o apenado retorne à sociedade e não volte a reincidir no crime.
Vale ressaltar pontos deste relatório, nas palavras do próprio
diretor:
88
“O trabalho no cárcere ainda é a atividade melhor aceita socialmente
para o indivíduo encarcerado, porém este trabalho não é somente a
troca de atividade por remuneração, ele contribui positivamente para
a reinserção social do indivíduo e tem seus efeitos terapêuticos
reconhecidos”
Ele ainda giza alguns instrumentos que são trabalhados
terapeuticamente nos grupos laborais onde estão inseridos os internos, como os
instrumentos no contexto social, que são: a) estabelecimento e manutenção das
teias de relacionamento; b) aceitação social; c) comunicação interpessoal com
conteúdos verbais e não verbais; d) gestão do ambiente circundante independente
das alterações.
Além dos instrumentos no processo de aprendizagem
individual, quais sejam: a) noção de responsabilidades e direitos; b) capacitação; c)
treinamento; d) desenvolvimento social; e) educação.
Segundo o relatório, o departamento responsável pelas
atividades de trabalho é a Gerência Laboral, sendo que a atividade desta é de suma
importância no que diz respeito ao andamento da produtividade e finalidade da
penitenciária, que é o trabalho como meio ressocializador.
Atualmente, a Penitenciária conta com trezentos e sessenta e
seis presos, exatamente sua capacidade máxima, e por meio de convênios com
onze empresas privadas, conta com canteiros de trabalho destinados à laborterapia
dos apenados.
Tais empresas garantem emprego para 240 internos, sendo as
seguintes: Ciser (parafusos e porcas), Tigre (tubos e conexões hidráulicas), Caribor
(elastômeros),
Panificadora
Maycon
(panificação),
Nutribem
(alimentação),
Montesinos (administração prisional), First Line (embalagens), Artbor (borrachas e
plásticos), Schulz (compressores de ar), Plasnor (plásticos e PVC) e Nova Aliança
Construtora (construção civil), dividindo a mão-de-obra carcerária da seguinte forma:
EMPRESAS
Nº DE INTERNOS
CISER
90
89
TIGRE
38
CARIBOR
31
MONTESINOS
16
PANIFICADORA MAYCON
15
NUTRIBEM
13
FIRST LINE
11
ARTBOR
7
NOVA ALIANÇA CONSTRUTORA
7
PLASNOR
7
SCHULZ
5
TOTAL
240
É importante destacar que o trabalho além de reduzir as
mazelas do cárcere e do ócio, representa uma fonte de renda ao apenado e sua
família. Com uma renda de um a dois salários mínimos, atentando-se que deste
montante pelo menos 25% é destinado diretamente ao interno, conforme as
disposições da LEP, o apenado, mesmo encarcerado, auxilia no orçamento familiar.
Ou seja, o encarceramento do individuo, que em outras unidades prisionais é uma
despesa a mais para a família, se torna uma fonte de renda auxiliar.
De outro lado, o Estado igualmente tem vantagens com o
trabalho do apenado. Primeiro porque por força do instituto da remição, para cada
três dias de trabalho um dia é descontado da pena, sendo que esta remição traduzse em economia, uma vez que o apenado alcançará a liberdade mais cedo,
desonerando os cofres públicos.
Nesse sentido, consoante o relatório da Penitenciária Industrial
de Joinville, entre os anos de 2006 e 2010 a soma dos dias trabalhados pelos
apenados totalizou 198.923 (cento e noventa e oito mil novecentos e vinte e três)
dias, sendo remidos 63.308 (sessenta e três mil trezentos e oito) dias.
Considerando, portanto, que um apenado custa aos cofres públicos R$ 77,93
(setenta e sete reais e noventa e três centavos) por dia, a remição na Penitenciária
Industrial de Joinville representou nestes quatro anos uma economia de R$
90
4.870.284,44 (quatro milhões oitocentos e setenta mil duzentos e oitenta e quatro
reais e quarenta e quatro centavos).
O resultado da atividade laborativa, além da economia pelos
dias remidos, é demonstrado pelos níveis de reincidência dos egressos da
Penitenciária.
Depreende-se que entre o período de 2005 a 2010, dos 698
(seiscentos e noventa e oito) apenados liberados da Penitenciária Industrial Jucemar
Cesconetto, apenas 69 (sessenta e nove) retornaram à prisão por cometimento de
novos delitos.
Segundo o relatório, consultando dados do sistema prisional
do país, apenas 9 % (nove por cento) dos egressos da Penitenciária Industrial de
Joinville voltam a delinquir, o que contrasta com níveis de 80 % (oitenta por cento)
de reincidência no sistema prisional brasileiro.
Na opinião do Coronel da Polícia Militar Calixto Antônio
Fachini248, ex-diretor da Penitenciária, o tratamento dispensado ao condenado é
essencial para reintegrá-lo à sociedade. Isso porque o sistema implantado envolve a
dignidade dos detentos, proporcionando cuidados, principalmente no que tange ao
trabalho.
Segundo ele, “no sistema convencional, os presidiários saem
pior do que entraram, e por não haver expectativa quanto ao futuro, regressam à
vida de crimes. O que PIJ está proporcionando é justamente o contrário, fomentado
a esperança de uma vida melhor por meio de serviços prestados ao apenado”.
Como se nota, os egressos trabalhadores do sistema prisional
têm maior chance de voltar a ter uma vida digna, pois ganharam oportunidade,
respeito e dignidade na penitenciária, dignidade esta que tende a ser cada vez mais
realçada pela própria mente do apenado, a qual está limpa e arejada por causa do
trabalho por ele perpetrado.
248
Revista Segurança Pública em Destaque. Coluna Opinião. Ed. 1. Joinville: Editora Grapho’s, 2010.
p. 33.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final de um percurso como este, muitas questões ganham
relevo, permitindo um olhar panorâmico sobre o objeto de estudo, afim de que se
possa apontar aquilo que mais se destaca, além de apresentar algumas
compreensões possíveis sobre o contexto estudado.
Como demonstrado, o crime é fruto da relação entre os
homens. É quase que impossível haver convivência sem que haja conflitos de
interesses, muitos destes de caráter egoísta, que ferem o direito do outro,
caracterizando no decorrer dos tempos o que hoje denominados crimes.
A evolução das penas de acordo com dados e informes
históricos colhidos mostra a plena convicção de que, atualmente, temos os melhores
tratamentos dados aos apenados em todos os tempos da
humanidade.
Ao longo da história humana, evolui-se das penas aplicadas
em favor das divindades para as penas decorrentes da infringência ao pacto social
de direitos, das penas cruéis para penas mais brandas e humanas, tanto que
atualmente caminha-se para uma efetividade extrema da intervenção mínima do
estado, colocando o sistema penal como ultima ratio para a solução dos conflitos
sociais.
No atual sistema penal, a tutela dos bens jurídicos socialmente
relevantes (vida, patrimônio, honra, fé pública, etc.) fica a cargo do Estado, que
investiga, acusa, processa e julga o delinquente, aplicando-lhe as penas previstas
na legislação e, particularmente, a pena de reclusão aos crimes mais relevantes.
Contudo, apesar da nítida evolução que sofreu o sistema
pena, no que tange ao sistema brasileiro, há questões que ainda merecem a devida
atenção, e uma das principais é a obediência aos preceitos legais da Lei nº
7.210/84, Lei de Execuções Penais, mormente no que é pertinente ao trabalho
prisional, uma das questões de maior relevância durante o período da reclusão.
92
Há um velho ditado popular que cada vez mais ganha força
nas cadeias: “cabeça vazia, oficina do diabo”. Como já o conhecemos, bem como
demonstrado no decorrer desta pesquisa, o trabalho é essencial à vida humana. O
trabalho interliga as relações entre os indivíduos, estando presente em todos os
setores da sociedade e servindo como força motriz para o desenvolvimento,
econômico, social e cultural da sociedade.
No meio carcerário não é diferente. Em que pesem
entendimentos no sentido de que o trabalho penitenciário somente serve como meio
disciplinador, conduzindo à remição das penas e sem ter a mínima função de
capacitação ou intenção de tornar o delinquente um homem reformado, há que se
prevalecer o caráter educativo e ressocializador do trabalho prisional.
O trabalho cumpre uma das suas mais nobres funções quando
aplicado aos apenados, que se encontram reclusos nas celas frias de uma prisão,
servindo para afastar o condenado da inércia, do ócio, dos pensamentos negativos.
Além disso contribui na remição da pena e ajuda na renda do apenado, que pode
auxiliar em sua despesa pessoal e também sua família.
Somando estes fatores, o trabalho prisional faz com que o
apenado venha a recuperar sua autoestima e ser valorizado como ser humano,
recuperando sua dignidade.
Dignidade. Condição declarada como fundamental para a
República Federativa do Brasil em sua Constituição de 1988, um preceito inerente
ao ser humano, fator essencial a uma vida plena em sociedade, pelo qual o homem
pode ter perspectiva de que sua vida tenha um futuro, e que possua condições para
efetivar sua dignidade.
Entretanto, essa não é a situação que encontramos nas celas
das cadeias brasileiras, onde prevalecem insetos, ratos e demais e imundices, além
do ócio e dos planos de fuga e organizações de crime, sendo ambiente em que não
há qualquer traço de dignidade humana, a qual, embora garantida pela Constituição,
é esquecida pelos governantes.
93
Em que pese haver vários exemplos de como a dignidade
humana encontra-se distante do sistema carcerário, há estabelecimentos prisionais
que acatam o princípio da dignidade da pessoa humana como valor fundamental e,
esse é o caso da Penitenciária Industrial de Joinville, destacada na parte final do
quarto capítulo desta pesquisa.
A PIJ tem como principal missão valorizar o trabalho prisional,
em cooperação com diversas empresas privadas a fim de que se possa dar
oportunidades aos apenados, fazendo com que estes tenham remidos
os dias
laborados, além de estarem aptos ao trabalho fora da prisão e, conseqüentemente,
ressocializados.
A demonstração da recuperação da dignidade dos presos está
no baixíssimo nível de reincidência dos egressos do citado ergástulo. Índices
demonstrados na pesquisa destacam que em comparação com a reincidência de
egressos nacional, o nível de Joinville é dez vezes menor.
Ocupados com o trabalho, os presos ocupam sua mente,
encontram utilidade em suas ações, além de aprenderem um ofício e arrecadarem
certa quantia em dinheiro, facilitando que retornem a sociedade de maneira digna e
não voltem a delinquir.
Nesse sentido, a hipótese levantada, portanto, foi concluída no
sentido de que o trabalho prisional constitui sim fator de alcance para a dignidade
humana dos apenados, uma vez que por meio do trabalho o preso enobrece sua
alma, limpa a mente, e, além disso, pode aprender uma profissão, tornando-se
menos inerente à reincidência, recuperando sua dignidade perante a sociedade.
Neste fim de pesquisa, analisando a função do trabalho
prisional, pode-se afirmar que além de ser muito importante como fator
ressocializador para o indivíduo que cumpre pena privativa de liberdade, coincide
com a melhora da relação com a sua família.
Ao ingressar em um programa de trabalho prisional, o preso
passa a poder colaborar com o sustento da família, ao contrário de depender dela.
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Por menor que seja a remuneração pelo trabalho, há a possibilidade de dispor dela
para a família, uma vez que a sobrevivência material mínima é garantida ao preso
pelo sistema penitenciário vigente.
As variáveis foram concluídas no sentido de que a Lei de
Execução Penal, em que pese ser “quase perfeita”, não é aplicada às prisões
brasileiras, seja por falta de vontade política, por falta de organização do erário, ou
até mesmo pela pouca atenção dada pela opinião pública ao assunto.
95
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o trabalho do apenado como instrumento de resgate da