II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte 13 a 15 de setembro de 2010 GT02- Democracia, Violência e Conflitos Sociais. Título do Trabalho Estratégias de acesso a Justiça do MOVIDA (Movimento pela Vida) frente à violência institucional: Análise do caso Gustavo Maia Russo. Glaucy Learte da Silva –PPGCS/UFPA Deuzélia Patricia Valente Machado–PPGCS/UFPA Márcio Pereira de Sousa–PPGCP/UFPA Belém (PA) Estratégias de acesso a Justiça do MOVIDA (Movimento pela Vida) frente à violência institucional: Análise do caso Gustavo Maia Russo. Glaucy Learte da Silva1 Deuzélia Patricia Valente Machado2 Márcio Pereira de Sousa3 RESUMO: A violência policial tem sido uma constante na sociedade brasileira, a cada dia surgem novos casos e parece ser um problema sem solução. Perduram por vários motivos: a falta de impunidade, a formação deficitária do policial, os resquícios do período ditatorial, entre outros. Este estudo busca compreender quais as estratégias que o Movimento pela Vida (MOVIDA) Movimento pela Vida, que reune os Familiares das Vítimas da Violência Urbana em Belém utiliza para ter acesso à justiça. Escolhemos um caso ocorrido em 2005, onde um pomotor de eventos que estava em seu carro foi sequestrado por um ladrão em fulga, sendo que após a intervenção da polícia militar, ambos foram alvejados com vários tiros, morrendo a vítima e seu raptor. Nossa inquietação gira em torno das estratégias tomadas por este movimento para ajudar as famílias das vítimas a lutar por justiça, que nem sempre conseguem a condenação dos reús. Pretendemos entender de que maneira o MOVIDA se mobiliza para reivindicar punição aos acusados, neste caso os policiais. PALAVRAS CHAVE: Violência Policial, Movimentos Sociais e Aceeso à Justiça. 1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará PPGCS/UFPA. 2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará PPGCS/UFPA. 3 Mestrando no Programa de Pós-Graduação de Ciência Política da Universidade Federal do Pará PPGCP/UFPA. 2 1. INTRODUÇÃO A sociedade brasileira vem acompanhando, desde os anos 80, o crescimento da criminalidade violenta, seja através da mídia, seja através de relatos de terceiros ou até mesmo de suas próprias experiências cotidianas: assaltos, latrocínios, seqüestros, confrontos polícia X traficantes, enfim, uma série de situações que colocam em discussão a problemática da segurança pública, que não está sendo garantida aos cidadãos tutelados pelo Estado, haja vista que este não vem cumprindo seu papel. As competências do Estado no âmbito da Segurança Pública vão além das políticas de combate à criminalidade e não estão vinculadas somente à atuação policial, devendo então as instituições inibirem, paralisarem e até mesmo reprimirem o exercício de atos reprovados socialmente, assegurando a proteção tanto da coletividade quanto dos bens e serviços. Os chamados Movimentos Sociais tem cada vez mais se proliferado em nossa sociedade, de maneiras diferentes, com objetivos diferentes, lutando por inúmeros motivos, estando entre os principais a luta contra as desigualdades sociais e busca por melhores condições de vida e trabalho, seja no campo ou na cidade, sendo a luta contra a impunidade uma de suas reivindicações bem atuais. Porém a violência também está presente nas instituições encarregadas de combater a violência e de promover a justiça. Os órgãos de segurança, cujos representantes são as polícias Civil e Militar, aparecem constantemente envolvidos em violência policial cometida em especial contra as populações segregadas e suspeitas de algum crime. Este estudo pretende compreender quais as estratégias que o MOVIDA Movimento pela Vida, que reune os familiares das vítimas da violência urbana em Belém, utiliza para ter acesso à justiça. Escolhemos um caso ocorrido em 2005, o de Gustavo Maia Russo, que foi sequestrado às próximidade de sua residência por um fugitivo da policia, sendo que após intervenção desta militar, 3 teve seu carro alvejado com vários tiros, morrendo a vítima e seu raptor, que segundo laudos da perícia o revólver que portava não continha balas. Nossas inquietações giram em torno das estratégias tomadas por este movimento, criado por sua mãe e seus familiares para ajudar a família de outras vítimas a lutarem por justiça, que nem sempre conseguem a condenação dos reús. Pretendemos entender de que maneira o MOVIDA se mobiliza para reivindicar punição aos acusados, neste caso os policiais. Durante entrevista realizada junto à presidente do MOVIDA, pudemos verificar como ocorreu o surgimento desse movimento, as expectativas dos integrantes, quais as reais motivações para o prosseguimento e as dificuldades enfrentadas durante atuação e busca por justiça. Ressaltamos que essas são informações preliminares, fruto de pouco tempo de trabalho, mas a pesquisa será realizada num período de dois anos, onde será realizada obervações e análises mas criteriosas de maneira a compor uma dissertação de mestrado. 2. A VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL E NO PARÁ. A década de 1980 nos remete às lembraças da derrocada dos regimes autoritários na América Latina e a emergência dos regime democráticos, fato este que garantiu mecanismos de participação da sociedade porém o Estado de Direito não foi estabelecido de maneira concreta, o que acarreta no não exercício pleno da cidadania. A diferença entre o exercício da cidadania social diverge do exercício da cidadania política. Como fazer com que as instituições policiais sejam controladas de maneira que elas venham a desempenhar seus papéis sem maiores prejuízos à sociedade? Segundo CALDEIRA (2000), a violência policial não é algo recente na sociedade, tanto a violência como o desrespeito dos direitos civis por parte da polícia já ocorre há um longo tempo. Especialmente no caso da cidade de São Paulo, a autora afirma que esses tipos de abuso policial são reforçados nas décadas de 80-90, primeiramente por causa dos seus altos índices e da 4 incrustação no cotidiano das pessoas, e depois pelo fato desses abusos manifestarem-se durante a consolidação democrática. O cooperativismo acaba contribuindo para que os policiais não sejam punidos, além do que não há fatores que possam diferenciar uso da força de violência. Se o policial abusa do uso da força, acaba ultrapassando os limites que cabem ao Estado, fato que poderia por em cheque a sua própria legitimidade. Mas esses episódios não são vistos dessa maneira e o Estado acaba protegendo os policiais que cometem crimes. Enquanto os policiais não forem responsabilizados e punidos por atitudes ilegais e extralegais, a violência e os abusos tendem a permanecer como uma prática usual e comum do ofício de polícia. A impunidade tem sido considerada a principal motivadora do emprego indiscriminado da força, como se o uso ilegítimo da força fosse considerado inerente à atividade policial ( COSTA, 2004). Segundo dados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao referir-se à violência policial no Brasil, apontou que: Em 1994, dados parciais para 14 estados federados do Brasil revelam que ocorreram 6.494 homicídios de todos os tipos e que, para cerca da metade deles, há atribuição de responsabilidade. Destes últimos, 8% são atribuídos a policiais "militares" e outros 4% a "esquadrões da morte". Analisando Estado por Estado o perfil dos acusados, há importantes diferenças: acusam-se policiais como responsáveis em 17% dos casos em Alagoas; em 6% a 9% dos casos no Amazonas, Amapá, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul; e em 5% ou menos dos casos no Ceará, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Roraima e Sergipe. Os constantes abusos policiais estão bastante associados às políticas públicas de segurança e ao sistema de accontability. Para CALDEIRA, se os abusos aumentaram principalmente durante o regime democrático deve-se ao fato da forma como são tomadas as decisões administrativas e políticas no país. Atualmente, com a criminalidade em voga na sociedade, altos índices de crimes e violências sendo debatidos, a segurança passa a ser questionada amplamente e com isso, os agentes que influenciam nesse processo são 5 revistos, com destaque para os próprios policiais e para a forma como estes agem durante o exercício de suas atividades. Entendemos que a violência policial está presente em todas as corporações policiais brasileiras e estão visíveis, estampada nas páginas dos jornais ou no noticiário da TV: O senso comum, a mídia e também análises de cunho acadêmico têm revelado grande consenso ao insistir no caráter violento da atuação policial, além de enfatizar que essa violência é o estopim para outros tipos de violência protagonizados pelo cidadão comum, numa resposta em cadeia, que se converte em uma espécie de círculo vicioso (PORTO, 2004). Segundo o Relator Especial da Organização das Nações Unidas - ONU sobre Execuções Sumárias, Extrajudiciais e Arbitrárias, Philip Alston, ao visitar o Brasil em 2008, ao trata a respeito da violência policial: “a maioria das recomendações não foram implementadas. A impunidade continua a ser a regra no Brasil, com poucas execuções extrajudiciais sendo efetivamente investigadas e julgadas. A violência policial continua sistemática e generalizada, afetando desproporcionalmente os elementos mais vulneráveis da população”4. Essas observações foram feitas já na segunda visita do relator. E segundo MESQUITA NETO: Os casos de violência policial ainda que isolados, alimentam um sentimento de descontrole e insegurança que dificulta qualquer tentativa de controle e pode até contribuir para uma escalada de outras formas de violência. A violência policial, principalmente quando os responsáveis não são identificados e punidos, é percebida como um sintoma de problemas graves de organização e funcionamento das polícias. Estes problemas, se não forem solucionados, particularmente em democracias emergentes como o Brasil, podem gerar problemas políticos, sociais e economicos sérios e podem contribuir para a desestabilização de governos e de regimes democráticos (1999) 4 Report of the Special Rapporteur, Philip Alston, Addendum: Follow-Up to Country Recommendations, UN Doc. E/CN.4/2006/53/Add.2, 28 de fevereiro de 2006, parágrafo 117 (sem grifo no original). 6 A partir de informações obtidas no site da Ouvidoria de Polícia do Pará: O que nos causa estranheza é que quando pessoas são mortas por policiais, a primeira versão que estes últimos apresentam é de que houve troca de tiros, o que nem sempre é verdade. Como na maioria das vezes as vítimas têm ou tiveram registro contra si nas Delegacias de Polícia, lá a morte é registrada em um lacônico AUTO DE RESISTENCIA SEGUIDA DE MORTE. Vale ressaltar que na maioria dos casos não houve a apuração dos fatos ou investigação policial, peça técnica de competência da polícia judiciária. E na polícia judiciária, nos casos em tela, é comum, principalmente nas versões de que houve tiroteio, não ser requisitado ao CPC Renato Chaves o exame de pólvora combusta nas vitimas, bem como não é solicitado perícia da cena do evento, além do descaso em levar a apuração até sua conclusão. Ademais, os policias militares ou civis envolvidos nestes eventos, a pretexto de socorrer a vítima removem-na do local do fato, modificando assim a cena do crime5. As queixas até são registradas, agora as ações em torno do problema são preocupantes. Há toda um trabalho para que não haja punição. Segundo as informações obtidas ainda no site da ouvidoria, somente no início de 2009, nas duas primeiras semanas de janeiro, a Ouvidoria acompanhava 09 casos de execução policial. Entendemos que esta letalidade excessiva, utilizada por nossos policiais estaduais, só será minimizada, sem por em risco suas vidas no exercício do dever, se for devidamente apurada com seriedade pelas autoridades judiciárias e pela administração pública no âmbito de sua competência, sem corporativismo. Em todos os casos, a falta de apuração séria e técnicamente correta, gera entre os policiais contumazes na transgressão da disciplina e criminal, o poder do uso da arma de fogo sem critérios, indiscriminado e na impunidade, colocando-os cada vez mais perto, em seu cotidiano funcional, de condutas ilegais, criminosas e imorais 6. A força física legitimada ao Estado, quando usada de maneira inadequada torna-se violência, por exemplo, um policial ao abusar do poder para impor sua vontade, tendo como outros agravantes que devem ser mencionadas como a tortura e a extorsão. 5 http://ouvidoria.ssp.pa.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=63 último acesso em 27 de agosto de 2010. 6 http://ouvidoria.ssp.pa.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=63) último acesso em 27 de agosto de 2010.. 7 Para SKOLNICK (1966), a experiência policial e as suas práticas giram em torno da combinação de perigo e autoridade. É o perigo que vai pôr em risco o emprego da autoridade. Desta forma a adesão do policial às normas legais variaria de acordo com o perigo a que é exposto. Ou seja, o policial tende a fazer uso da força policial a partir do momento em que se sente ameaçado ou quando sua autoridade é questionada. Geralmente o policial atribui aos bairros periféricos, de forma subjetiva, o espaço da violência e da criminalidade, erroneamente agem como mais rigor ou com excesso de poder e arbitrariedade. No que diz respeito ao relacionamento com as classes mais abstardas, os policiais tendem a ser mais cautelosos, porque teoricamente essas pessoas aparentam não oferecer nenhum risco à segurança. A população vive rotineiramente a violência, convive com ela tanto por parte do criminoso como por parte da polícia, sendo que para muitos, as experiências com um órgão (Segurança Pública) que deveria ser defensor da ordem social, acaba sendo sinal da arbitrariedade presente no cotidiano. Ao mesmo tempo em que o pobre é morto pelo “bandido” pode ser vítima de um policial que o confunde com o criminoso, ou seja, a fronteira que separa a imagem do trabalhador pobre com a do criminoso é quase invisível e muitas vezes a polícia está despreparada para sua função. 3. O que se entende por Acesso à Justiça? Esse artigo nos leva a reflexão, de maneira breve, a respeito de quem realmente tem direito ao acesso à justiça na sociedade brasileira. Será que ter acesso à justiça é somente ter acesso aos tribunais? Será que todos os cidadãos brasileiros, iguais em direitos como afirma nossa constituição tem acesso à justiça garantido? Uma pessoa que desconhece seus direitos terá acesso a eles? A falta de condições financeira garante à uma pessoa pobre esse acesso à justiça? CAPPELLETTI e GARTH na obra “Acesso à Justiça” afirmam que: 8 O „acesso‟ não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica (1988). Os autores apontam ainda em sua obra o que consideram três possiveis soluções para os problemas de acesso à justiça: (...) a primeira solução para o acesso – a primeira „onda‟ desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses „difusos‟, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente „enfoque de acesso á justiça‟ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma uma tentativa de atacar as barreiras do acesso de modo mais articulado e compreensivo (1988). Em apoio aos autores acima citados SANTOS (2007) defende o fortalecimento da assistência judiciária para as pessoas sem condições: A revolução democrática da justiça exige a criação de outra cultura de consulta jurídica e de assistência e patrimônio judiciário, em que as defensorias públicas terão certamente um papel muito relevante." (SANTOS, 2007). A pobreza é vista como um obstáculo ao acesso à justiça, ainda CAPPELLETTI e GARTH (1988) : pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas. Essa então pode vir a ser um recurso, uma estratégia das pessoas em se organizarem em grupos para pressionar o judiciário contra a impunidade, sendo o MOVIDA um exemplo desta mobilização. Porém não podemos focar o problema da falta de acesso somente às classes menos favorecidas, pelo fato de que se uma pessoa de classe média, que tenha recursos para custear um processo na justiça, porém se os réus forem agentes do Estado, talvez a causa não seja deferida em seu favor. Chegar às audiências é uma questão e sair vitorioso dela é outra completamente diferente. 9 Ao recorremos a SANTOS para reforçar nossas análises destacamos o seguinte: Além dos intricados labirintos que os processos judiciais devem percorrer lentamente, as chamadas custas desses processos desanimam até mesmo os que dispõem de alguns recursos financeiros. Para os pobres, a justiça é mais barreira intransponível que uma porta aberta. As manifestações de desalento e descrença quando uma ofensa ao direito é constatada são muitas vezes mais numerosas que as palavras ou gestos de confiança, ou, ao menos, respeito pelo aparelho judicial-policial. Além desses entraves propriamente processuais, contêm-se, no lado ideológico ou sociológico, com a inadequação ou desatualização em que se encontram muito dos que são, oficialmente, guardiões da justiça e da paz social (2000). São inúmeros os obstáculos que impedem o acesso à justiça como a corrupção, falta de recursos dos requerentes, inúmeros processos que tramitam pelos tribunais e sua consequente lentidão, falta de conhecimento dos direitos instituidos em lei, o descrétido na justiça por parte de muitas pessoas entre outros podem ser elencados como entraves ao acesso à justiça e que devem ser superados. 4. MOVIMENTO PELA VIDA – MOVIDA 4.1- O que é o MOVIDA? MOVIDA é a sigla do Movimento pela Vida que engloba familiares de vítimas da violência urbana em Belém fundado por Iranilde Russo7, mãe de um jovem promotor de eventos que foi atingido por vários disparos de arma de fogo numa ocorrência policial, em um bairro da cidade de Belém, ao estar em poder de um assaltante, onde ambos morreram. Segundo a presidente, o MOVIDA surge em Agosto de 2005, sete meses após a morte de seu filho Carlos Gustavo Russo em janeiro do mesmo 7 formada em Administração de empresas, trabalhou vários anos na administração pública, atualmente aposentada atua como profissional liberal em sua empresa de promoção de eventos, além da tarefa de comandar o MOVIDA. 10 ano. Gustavo, era seu segundo filho dentro os três que tinha, era casado, sem filhos e foi vitima de violência policial durante perseguição à um bandido na cidade Belém. Após sete meses corridos da morte de Gustavo, D. Iranildes decidiu, juntamente com alguns de seus familiares, reunirem-se em praça pública todos os domingos para divulgação da indignação sentida pela violência que vem se alastrando na cidade. A praça escolhida foi a Praça da República, local bastante movimentado e variado, principalmente aos fins de semana. Logo em seguida, vários familiares que já haviam sofrido algum tipo de violência prejudicial à um ente querido seu, se interessaram pela manifestação e resolveram aderir. Passando a freqüentar também, pessoas que já mais se imaginaram passar por uma dor semelhante à de D.Iranilde, tempos deposi passaram a integrar o movimento Segundo D. Iranildes, os integrantes do MOVIDA são movidos pelo sentimento de justiça, pelo rompimento da impunidade e por uma força superior que é o amor aquele que se perde. No caso de D.Iranildes, pessoa pertencente a uma parte economicamente abastada da população sentiu certos preconceitos, as pessoas do mesmo meio social se admiravam dela está se mobilizando, expondo-se, mas segundo ela, seu sofrimento ultrapassou qualquer tipo de obstáculo, assim como outras pessoas que fazem parte do grupo. Para ela, as pessoas precisam para de sentir medo de expor-se, pois com avanço da violência, além dos pobres, todos estão sujeitos a qualquer tipo de criminalidade, independente do segmento social a que pertença. Uma das exigências para compor o MOVIDA é que os integrantes não sejam filiados à partidos políticos por acreditarem que as causas que eles reivindicam dizem respeito à todos e não a certos setores da sociedade. A outra exigência é que a vítima não tenha tido pendências com a justiça. O MOVIDA, segundo sua presidente, não tem relação direta com a Secretaria Paraense de Defesa do Direitos Humanos- SDDH8, por ser uma 8 Localizado à Av. Govenador José Malcher, 1381 Bairro Nazaré CEP: 66055-090. 11 entidade ligada ao Governo e portanto não tem disposição para expor-se. Em visita ao SDDH fomos informados que não atuam diretamente com o MOVIDA por questões ideológicas. O MOVIDA não possue parceria com empresas ou orgãos do governo, sobrevivem de seus próprios recursos, não possuí sede ainda, sendo que fomos atendidas para a entrevista na residência de Iranilde Russo, local em que também funciona sua empresa Sintonia Eventos. 4.2- As ações do MOVIDA e a busca por acesso à justiça em Belém. As mobilizações ocorrem a partir das reuniões realizadas semanalmente na praça da República. São mobilizações nos tribunais e acompanhamento nos processos dando orientações a famílias tentando indicá-las um melhor caminho, visto que muitas ficam tão desamparadas que não sabem a quem recorrer, prestam informações jurídicas sobre o processo, pois a maioria dos familiares não tem condições para arcarem com as despesas com advogados, então eles mesmos pesquisam e assessoram essas familias que perderam um parente vítima da violência. Pois a falta de informação do cidadão sobre os seus direitos no Brasil ainda é um fator muito forte e isso impede que as pessoas busquem seus direitos, que tenham acesso à justiça. . Os participantes fazem o planejamento, cada um se responsabilizando por algo que irá fazer, geralmente em dias de julgamento, dependendo do tipo de crime (júri popular) podem até ter acesso ao tribunal, quando não, fazem a mobilização fora do tribunal mesmo por meio de carro-som, trios elétricos, carreatas, entre outros. Tudo com intuito de chamar a atenção não só das autoridades, mas da sociedade em geral para o sentido da JUSTIÇA. E perguntada sobre o que seria a “justiça” na visão do MOVIDA, D. Iranildes afirma “a justiça dos homens já mais satisfará, não preenche a lacuna deixada, não há dinheiro e nem justiça que traga de volta o ente querido, porém como cidadã e integrante do MOVIDA eu penso que tem que haver punição condizente com o ato, caso contrário, elas não serão exemplo para os outros e será uma desorganização total uma terra sem lei, por isso a punição é necessária. A sociedade precisa de muitas escolas e muitas cadeias, porque 12 se não criarem cadeias, as leis que temos e as políticas publicas que não alcançam a necessidade das pessoas será o caos”. Por outro lado, a instituição também deve ser responsabilizada pois é ela o agente transformador e de proteção da sociedade, então, a partir do momento que passamos por uma situação de violência na família, perdemos a vontade de viver, se tem outra visão de mundo, antes você era total defensor da instituição, depois você vê tudo isso desmoronar, quando a instituição não é capaz de defender a sociedade, os valores precisam ser repensados. No caso de seu filho, o bandido vinha sendo perseguido, seqüestrou Gustavo, mesmo os policias sendo avisados do seqüestro, atiraram sobre o carro da vitima matando tanto bandido quanto a vitima. Segundo D.Iranildes, a justiça é falha. Houve julgamento dos policiais envolvidos no caso, porém com 02 anos e 07 meses foram soltos e permanecem tranquilamente nas corporações, nem expulsos da corporação foram. Ela relata: “Levarei pra vida o sentimento de medo e impunidade, os criminosos já saíram (ficaram pouco mais de 02 anos) não perderam nada, a justiça da instituição é uma e a de fora é outra, isso preocupa. No caso do policial a situação é mais preocupante, tem bastantes privilégios, a justiça fica dentro da corporação. Policiais ficam na impunidade. Depende da política interna: das relações, de como a pessoa é vista dentro da corporação. Há sempre privilégio para os policiais”. Apesar de insatisfeita, o MOVIDA rompeu uma barreira no Pará, visto que até então, nenhum policial havia sido preso. O interessante é que mesmo decepcionada com a justiça no Estado, ela procura atualizar-se de tudo que passa no meio jurídico e vê nos movimentos sociais uma forma de minimizar a situação. Mesmo estes se ampliando no Brasil, ainda são para ela, insuficientes, visto que a violência ainda não está no ápice, e quando ela chegar já vai ter morrido muita gente. D.Iranildes a partir do MOVIDA se predispôs a tornar-se parceira da instituição policial, poder contribuir com seus trabalhos, porque conhece a importância da corporação para sociedade, e por mais dores que sinta acredita 13 que precisa colaborar. Algo incomum, pois ela com a dor que sente poderia por exemplo desprezar a insttuição. Atualmente, o MOVIDA é formado somente por famílias (99%) que tiveram no seio vitimas de todo tipo de violência. As reuniões continuam acontecendo na praça ou na casa de alguma família. Comemoram aniversários, anunciam os julgamentos do mês, levam informações, tem um jornal semanal preparado pela própria coordenação do movimento (D.Iranildes e Angélica que teve o noivo morto por assaltante em uma casa lotérica em Belém). O cronograma basicamente é baseado nas datas das mortes, geralmente são celebradas missas e ainda a data dos julgamentos. Analisando o movimento a partir dos relatos de D.Iranildes, conseguimos perceber tamanha indignação em sua fala, que o sentimento de superação, de busca por justiça em detrimento da impunidade é enorme e motiva seus integrantes a continuar na luta. Uma luta diária que dá a oportunidade de se refletir os direitos humanos, a cidadania e principalmente, as políticas públicas que venham fazer existir de fato uma qualidade de vida à todos. O MOVIDA deixa claro que não é preciso somente ter acesso à justiça, mas fazer valer a justiça. 4.3- Entendendo o caso Gustavo Maia Russo: O crime aconteceu em 10 de janeiro de 2005. Gustavo Maia Russo falava ao celular, no interior de seu veículo, na Avenida João Paulo II, quando foi rendido, com arma de fogo, por Lucivaldo, que o obrigou a iniciar a fuga. Lucivaldo, que estaria usando fardamento militar, teria cometido um assalto e fugiu após ser abordado pela Polícia, que passou a persegui-lo. Outras viaturas da Polícia Militar se juntaram à perseguição. Consta na denúncia, formulada pelo Ministério Público que, com o carro da vítima usado para fuga já parado, o suspeito saiu, sendo alvejado pelos policiais. Outros sete disparos teriam sido feitos em direção ao refém que morreu dentro do próprio veículo. O juiz se baseou em provas documentais, testemunhais e periciais para pronunciar oito militares denunciados pelo Ministério Público, 14 determinando que eles sejam submetidos a júri. Já foram julgados, em sessão realizada nos dias 19 e 20 de abril de 2006, os militares Jeilson Nazareno Moura, Edgar Fonseca de Souza e Nixon da Silva Barreto. Os dois primeiros receberam pena de reclusão de 18 anos, e o terceiro, foi apenado em 12 anos. O quarto militar que enfrentou o júri popular foi Marcelo Ferreira Zeferino, em sessão realizada em 17 de março de 2008. Ele foi absolvido. O oitavo acusado, Sílvio Roberto Monteiro de Miranda, aguarda em liberdade o julgamento de recursos movidos contra a sentença de pronúncia. Informações essas públicadas em http://www.diariodopara.com.br/N-82234.html e condizem com os relatos de D. Iranilde Russo, que nos informou ainda que foi comprovado que não havia balas no revólver do assaltante e que os policiais sabiam que havia um refém, pois foram avisados pelas pessoas que presenciaram o acontecido. Segundo a presidente do MOVIDA provavelmente os policiais foram presos somente devido à pressão que o movimento fez durante todo o processo e ainda fazem, prova disso é que hoje todos os oito policiais já estão soltos: “durante a leitura da sentença os familiares e amigos do produtor de evento, integrantes do Movimento pela Vida (MOVIDA) deixaram silenciosos o plenário do júri, permanecendo somente os familiares dos policiais”. Os que foram condenados cumpriram 02 anos e 07 meses de pena, sendo que a condenação era de 30 anos pelo crime cometido. Podemos aferir que somente o acesso à justiça, aos tribunais não é o suficiente, o MOVIDA na concepção de sua presidente ainda conseguiu uma punição para os acusados, mas ainda não é o que eles enquanto um movimento social que luta por justiça esperam. Muito há ainda o que se fazer para que haja mudança nas estruturas sociais, outros movimentos terão que surgir, novas formas de mobilização para que novos rumos sejam tomados, que acabe a impunidade na sociedade brasileira. Outros casos como o do Gustavo surgem a cada dia, mas o MOVIDA não desânima e segue em sua árdua luta. Como afirmou a presidente do MOVIDA , eles não querem que o caso do Gustavo seja mais uma estatística e que sirva de lição para toda uma sociedade. 15 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. A violência no Brasil assume inúmeras modalidades, porém a violência policial tem nos chamado à atenção haja vista que ela é cometida constantemente por agentes do Estado, que tem como função a proteção dos individuos. Situação esta que vem provocando a inquietação de movimentos de cunho social que visam buscar punição para esses agentes, de maneira que sirvam de exemplo e que possa ser reduzida as estatísticas de violência policial no Brasil. Entendemos que violência cometida pela instituição policial, é um problema grave, urgente, mas que ainda está sem prazo para ser solucionado, ou pelo menos remediado, que faz inúmeras vítimas diariamente, seja por ações desastrosas, seja por ações pensadas, má formação do agente de segurança pública, abuso de poder, entre outros fatores que prejudicam a atuação da polícia e a vida de inúmeras pessoas. É necessário que a sociedade continue se mobilizando para que o acesso à justiça não se restrinja apenas ao acesso aos tribunais, que os julgamentos possam de fato punir, coibir atitudes que ocorrem em nossa sociedade e que se tornam repetitivos a partir do momento em que não se puni os culpados, pois como CALDEIRA afirma: A democracia brasileira provavelmente continuará a ser única, mas se aspira a ser menos violenta, ela tem não só que legitimar o sistema judiciário mais também deixar de exercitar seus jogos de poder e abusos de autoridade sobre os corpos dos dominados. Ela terá de encontrar maneiras de democratizar o espaço público, renegociar fronteiras e respeitar os direitos civis (2000). É necessário que as instâncias competentes passem a cumprir suas funções, pois se a polícia não investigar os crimes e prender os acusados, se a justiça não puní-los da maneira em que está constituido em lei, se os entraves de acesso à justiça não forem superados, a impunidade continuará imperando, trazendo à tona consequências gravíssimas, tais como o aumento da criminalidade e da violência policial por exemplo. 16 6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA. ARENDT, Hannah (1994). Sobre a Violência. Rio de Janeiro, Editora RelumeDumará. BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1985. __________Simulacros e Simulações. ANTROPOS, 1991 BECK, Ulrick. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Ulrick Beck, Anthony Giddens, Scott Lash; Tradução de Magda Lopes – São Paulo: editor da Universidade Estadual Paulista, 1997. – (biblioteca básica). BRETAS, M.L. 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