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Classificação do artigo 11 dez 2014 O Globo
FLÁVIA PIOVESAN Flávia Piovesan é professora de Direito da PUC/SP e procuradora do Estado de São Paulo
Violência policial
Adecisão de um grande júri de Nova York de não indiciar Daniel Pantaleo, um policial branco, pela
morte de Eric Gardner, um negro desarmado e pai de seis filhos, foi criticada tanto por liberais como por
conservadores. Dominada por cinco policiais, a vítima foi imobilizada com uma gravata, tendo repetido por
11 vezes que não conseguia respirar, até morrer inconsciente por sufocamento. Protestos ocorreram em
diversas cidades dos EUA, com a convocação de uma marcha nacional contra a violência policial. O caso
ocorre após a decisão de outro grande júri no Missouri ter isentado o policial branco Darren Wilson de
responsabilidade pela morte de Michel Brown, jovem negro de 18 anos, também desarmado, vítima de
seis tiros. Estes casos dramáticos acentuaram o debate sobre violência policial, racismo e justiça nos EUA.
Para o prefeito de Nova York, “a relação entre a polícia e a comunidade tem que mudar”.
CAVALCANTE
Por sua vez, o 8º Anuário de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançado em
11 de novembro, revela que a polícia brasileira matou em média seis pessoas por dia entre 2009 e 2013.
Em cinco anos, o número de mortes totalizou 11.197 — número superior ao da polícia americana no
período de 30 anos (11.090). A maior parte das ocorrências foi registrada como confronto com a Polícia
Militar. A taxa de homicídios no Brasil atinge 25,2 por cem mil habitantes, sendo que as taxas mais altas
estão no Nordeste. Em todos os estados do Brasil, o índice supera dez homicídios por cem mil habitantes
— o máximo tolerado pela Organização Mundial de Saúde. No topo está Alagoas, com 64,7 homicídios por
cem mil habitantes, seguido do Ceará com 48,3, tendo São Paulo e Santa Catarina o índice de 10,8
homicídios por habitantes.
Na América Latina, o índice médio chega a 25,6 homicídios por cem mil habitantes. A região concentra
27% dos homicídios, tendo apenas 9% da população mundial. Dez dos 20 países com maiores taxas de
homicídio são latino­americanos. Se na Venezuela a taxa de homicídios é de 53,7 para cada cem mil
habitantes e na Colômbia é de 30,8; no Uruguai alcança 7,9 e no Chile 3,1 por cem mil habitantes (ver
“Global Study on Homicide 2013: trends, contexts and data”, United Nations, 2014). Na Alemanha o
índice é de apenas 0,8; nos EUA, 4,7.
Pesquisas apontam ser a vítima preferencial a população jovem, entre 15 a 29 anos de idade, a
totalizar 43%. A violência ainda tem aspecto étnico: no Brasil o alvo preferencial da violência policial é o
jovem, negro e pobre.
Neste contexto, emergem sete desafios. O primeiro deles é adotar um novo paradigma de segurança
pública, inspirado não mais na ótica da segurança nacional, mas na ótica da segurança “cidadã”, que tem
como eixo de uma nova política de segurança o indivíduo e o respeito aos seus direitos básicos (como o
direito à vida; o direito à integridade pessoal; e o direito à proteção judicial). Há que se romper com o
antagonismo entre direitos humanos e segurança, tendo em vista que não há direitos humanos sem
segurança e tampouco segurança sem direitos humanos.
Um segundo desafio é incorporar uma visão integral da problemática da (in)segurança,
compreendendo suas causas, seus atores e suas consequências, de forma a combinar medidas
preventivas e repressivas no combate à impunidade. Adotar medidas efetivas de proteção aos grupos mais
vulneráveis surge como um terceiro desafio, em reação à violência racializada e etnizada. Fundamental,
ainda, é realizar profundas reformas institucionais no aparato da segurança pública, com o efetivo
combate ao arbítrio, à violência e à corrupção, para que tenha fortalecidas sua confiabilidade e sua
credibilidade junto à população à qual serve. Outro desafio é adotar indicadores capazes de avaliar, com
maior rigor metodológico, o impacto da implementação de políticas públicas de segurança, utilizando dados
desagregados com base em raça, etnia, gênero e idade. Fomentar a participação da sociedade civil no
processo de implementação das políticas públicas de segurança traduz o sexto desafio, a demandar acesso
à informação, à transparência, à participação e accountability. Finalmente, há o desafio de identificar as
práticas exitosas em endossar a perspectiva de direitos humanos na segurança pública.
Se, no Estado Democrático de Direito, o Estado detém o legítimo monopólio do uso da força, esta
legitimidade está absolutamente condicionada ao dever de exercer a força sem abuso e sem arbítrio, em
estrita conformidade com os parâmetros constitucionais e internacionais, na afirmação de uma segurança
“cidadã”, capaz de combater a impunidade e assegurar justiça às vítimas.
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