A violência policial ali e aqui JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN As últimas revelações sobre a morte de Jean Charles Menezes nas mãos da Scotland Yard indicam que seus agentes cometeram erros graves. A mídia britânica mostra que muitos ingleses se preocupam com a aparente inépcia da sua polícia e a trágica conseqüência. No mundo inteiro, exige-se que a apuração seja rigorosa e que eventuais culpados sejam punidos. Para os brasileiros, esse incidente é ainda mais inquietante, porque a vítima era um de nós. A ida de dois funcionários a Londres para acompanhar as investigações demonstra que o governo federal dá grande importância a proteger cada cidadão do abuso policial, pelo menos quando ocorre no exterior. É lamentável que essa proteção não se estenda aos sem-passaporte, vítimas da violência policial no nosso próprio país. As polícias brasileiras são extraordinariamente violentas. Em São Paulo, a polícia matou 915 pessoas em 2003, enquanto no Rio, que tem menos da metade da população de São Paulo, a polícia de Rosinha Matheus fez ainda pior: 1.195 vítimas. Para comparação, todas a polícias dos EUA reunidas matam cerca de 400 pessoas por ano. Além disso, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, as polícias paulista e fluminense matam mais do que ferem em confrontos com civis, um indicador do uso excessivo de força letal ou mesmo de execuções. A brutalidade policial não se expressa somente no número de mortos. O Instituto Futuro Brasil (www.ifb.com.br) realizou uma pesquisa de vitimizacão na cidade de São Paulo, na qual uma amostra da população respondeu a uma série de perguntas sobre se foram vítimas de crime ou violência nos últimos 12 meses. A pesquisa supre lacunas que existem com os registros policiais, causadas pela hesitação das pessoas em dar queixas à polícia. Em São Paulo, 44,5% dos homens negros ou pardos responderam que haviam sido abordados pela polícia nos últimos 12 meses e 6,9% dos homens negros disseram que haviam sofrido uma agressão policial no mesmo período. Rio e São Paulo são sociedades violentas, nas quais é natural que ocorra um número elevado de contatos hostis entre a polícia e a população, incluindo muitos que resultem em mortes. Mas a brutalidade da nossa polícia reflete hoje incompetência e corrupção. A solução do problema da alta criminalidade no Brasil passa necessariamente por um avanço na qualidade da polícia, melhores relações entre polícia e cidadãos e diminuição do número de mortes atribuídas a policiais. As instituições locais podem contribuir para diminuir a violência da polícia. O professor Leandro Piquet, da USP, um grande especialista na questão, credita ao Proar, um programa instituído pelo governo Covas para afastar temporariamente o policial que tiver participação em um episódio violento, a melhoria relativa da situação em São Paulo quando comparada com o Rio de Janeiro, onde a polícia é aparentemente mais corrupta, e o controle hierárquico, mais fraco. Comissões externas de controle, independentes e com acesso a informações, como no Reino Unido, certamente ajudariam a coibir os abusos da polícia. A diminuição da violência policial depende da ação dos governantes, mas também indiretamente da opinião pública. Os formadores de opinião ajudariam se, ao escrever sobre o deplorável incidente em Londres, fizessem também referência aos problemas das nossas polícias. Infelizmente, um leitor de jornais no último mês pode ficar com a impressão de que a violência e o racismo de policiais são como a cerveja morna, um mau hábito britânico que felizmente não temos.