CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES Hemicolectomia direita por porta única Single-port laparoscopic right hemicolectomy MALAQUIAS R, BRÁSIO R, GIL I, RAMA N1, ALVES P2, FARIA V3 RESUMO ABSTRACT Introdução: A laparoscopia na patologia oncológica colorretal é uma realidade em vários centros nacionais e estrangeiros. Com o intuito de minimizar o número e dimensão das incisões, novos métodos, como o acesso por porta única e a extração transanal da peça estão em franco desenvolvimento. O acesso por porta única representa a nova geração de cirurgia minimamente invasiva, combinando as vantagens cosméticas com a utilização do arsenal cirúrgico da laparoscopia convencional. Objetivo: Descrição da técnica de hemicolectomia direita por porta única, demonstrando a sua exequibilidade e segurança oncológica. Material e métodos: Descreve-se uma hemicolectomia direita por porta única, numa doente de 36 anos com tumor neuroendócrino do apêndice, operada no Serviço de Cirurgia 1 do Centro Hospitalar de Leiria, em Novembro de 2012. O procedimento foi realizado de acordo com a técnica padronizada com recurso à plataforma de porta única Gelpoint® e instrumentos laparoscópicos convencionais. Resultados: Os autores destacam os principais passos. O tempo cirúrgico foi de 80 minutos, tendo o pós-operatório decorrido sem complicações, com alta clínica ao 3º dia. Conclusões: A hemicolectomia direita com acesso por porta única em doentes não obesos com patologia neoplásica é um procedimento seguro, oncologicamente adequado e exequível, quando realizada por cirurgiões com experiência sólida em laparoscopia colorretal. Introduction: Laparoscopic approach of malignant colorectal disease is nowadays a national and international reality. New techniques, including single port access and transanal specimen extraction, that minimize the number and size of abdominal incisions are being proposed. The single port access represents a recent evolution of minimally invasive surgery, providing an optimal cosmetic result even employing the standard laparoscopic instruments. Objective: We report the surgical technique of a single port right colectomy, emphasizing its exequibility and oncological safety. Methods: The authors describe a single port right colectomy on a 36 years old woman with an appendicular neuroendocrine tumor performed on November 2012 at the Department of Surgery 1 of the Centro Hospitalar de Leiria. The surgical team used its standard laparoscopic technique and instruments, through the GelPoint® single port device. Results: The authors emphasize the most important steps of the technique. The procedure lasted for 80 minutes. The postoperative period was uneventfully with the patient being discharged at the 3rd day. Conclusions: Single port right colectomy in malignant disease is an oncological safe and reproducible procedure in non obese patients if performed by experimented colorectal surgeons. INTRODUÇÃO A opção pela via laparoscópica no tratamento da patologia oncológica colo-rectal é atualmente uma realidade em vários centros nacionais e estrangeiros. Diversos estudos prospectivos e randomizados demonstraram já os benefícios desta técnica: melhoria do controlo da dor, restabelecimento mais rápido do trânsito intestinal e melhor resultado cosmético. Acima de tudo, a laparoscopia demonstrou ser tão eficaz a longo prazo no tratamento do cancro como a resseção cólica por laparotomia.1,2 Apesar destes resultados, a via laparoscópica convencional apresenta também fragilidades, já que necessita de várias incisões abdominais, apresentando cada incisão abdominal um risco potencial de morbilidade, incluindo hemorragia, hérnia, dor, potencial iatrogénico e resultado cosmético subóptimo.3 O acesso por porta única reduz a invasibilidade da laparoscopia convencional e pode, teoricamente, diminuir as taxas de complicações, com melhor resultado cosmético. Esta técnica surge assim como um novo ramo no campo da cirurgia colorretal, sendo que diversas séries confirmam a sua segurança na resseção cólica4, e a par com a extração transanal da peça cirúrgica (natural orifice specimen extraction – NOSE) representa uma possível mais valia num grupo de doentes. MATERIAL E MÉTODOS Apresenta-se a descrição da técnica de hemicolec- Serviço de Cirurgia 1 – Centro Hospitalar de Leiria E.P.E. - Portugal; 1Equipa de cirurgia colorretal, Fellow of the Division of Coloproctology – European Board of Surgery; 2Equipa de cirurgia colorretal; 3Diretor de Serviço Conflitos de Interesses: Os autores declaram que não houve conflito de interesse na realização deste trabalho. Correspondência: Rita Malaquias • E-mail: [email protected] • Morada: Serviço de Cirurgia 1 – Centro Hospitalar de Leiria - Rua das Olhalvas, 2450 Leiria • Telemóvel: 917786211 • Telefone: 244817062 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015 37 CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES FIGURA 1. Posicionamento dos cirurgiões e colocação dos instrumentos na porta única. A plataforma usada permite a colocação de vários instrumentos de trabalho otimizando a triangulação e permitindo o uso de instrumentos convencionais. FIGURA 3. Identificação e disseção dos vasos ileocólicos. (Imagem da direita adaptada de Milsom JW, Bohm B, Nakajima, K. Laparoscopic Colorectal Surgery. 2nd edition. USA: Springer; 2006. Figure 8.3.6) (Imagem da direita adaptada de Patel CB, Diego I, Ramos-Valadez, Ragupathi M, Haas EM. Single Incision Laparoscopic-Assisted Right Hemicolectomy: Technique and Application (With Video). Journal of Surgical Laparoscopic, Endoscopy and Percutaneous Technique Volume 20, Number 5, 2010; e147 Figure 1) FIGURA 4. Identificação do duodeno e emergência do pedículo íleo-cólico. A laqueação dos vasos cólicos deverá ser feita junto da sua emergência, respeitando os princípios oncológicos. (Imagem da direita adaptada de Milsom JW, Bohm B, Nakajima, K. Laparoscopic Colorectal Surgery. 2nd edition. USA: Springer; 2006. Figure 8.3.9) com a técnica padronizada, utilizada pela equipa cirúrgica, com recurso à plataforma de porta única Gelpoint® e instrumentos laparoscópicos convencionais. FIGURA 2. Identificação do cego e íleon terminal. A mobilização do grande epiplon e intestino delgado permite a retração do cego e íleon sendo visível o tumor na base apendicular (seta) e expondo o mesocólon, preparando a identificação do pedículo ileocólico. tomia direita por acesso por porta única, através de um caso clínico. Trata-se de uma doente do sexo feminino, 36 anos de idade, índice de massa corporal de 22 kg/m2, com antecedentes pessoais irrelevantes e antecedentes familiares de cancro colorretal. Realizou colonoscopia de rastreio, onde se observou lesão do orifício apendicular, cuja biopsia foi sugestiva de tumor neuroendócrino. Realizou exames de estadiamento sem evidência de disseminação metastática locorregional ou à distância e foi operada no Serviço de Cirurgia I do Centro Hospitalar de Leiria, E.P.E., em Novembro de 2012. O procedimento foi realizado de acordo RESULTADOS Os autores salientam os principais passos da técnica cirúrgica. A doente foi posicionada em decúbito dorsal, com a torre de laparoscopia no lado direito da doente, em localização cefálica, com ambos os cirurgiões posicionados do lado esquerdo do doente (Figura 1). Procedeu-se a uma incisão vertical umbilical de cerca de 4 cm. A plataforma usada para o acesso por porta única foi a plataforma GelPoint ® que permitiu a colocação de três trocartes de trabalho de 10 mm na posição escolhida pelo cirurgião, otimizando a triangulação (Figura 1). Após a exploração da cavidade abdominal, posicionou-se a doente em proclive e side esquerdo ligeiros de modo a permitir afastamento do grande epíplon e intestino delgado para a sua esquerda. Identificou-se o cego, íleon terminal, apêndice e pedículo vascular, sendo que a retração da junção ileocecal permitiu identificar facilmente o pedícu- 38 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015 CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES FIGURA 5. Disseção posterior de medial para lateral (seta da imagem da direita), num plano anterior à fáscia de Gerota e dos vasos gonadais (seta da imagem da esquerda). (Imagem da direita adaptada de Milsom JW, Bohm B, Nakajima, K. Laparoscopic Colorectal Surgery. 2nd edition. USA: Springer; 2006. Figure 8.3.6) FIGURA 7. Mobilização do cólon direito após laqueação dos ligamentos hepatocólico e gastrocólico e libertação de aderências retroperitoneais do cólon transverso. A hemostase e disseção deverão ser cuidadas pela possibilidade da existência do tronco de Henle (junção da veia gastroepiplóica com a veia cólica média, ou ramo direito desta). (Imagem da direita adaptada de Milsom JW, Bohm B, Nakajima, K. Laparoscopic Colorectal Surgery. 2nd edition. USA: Springer; 2006. Figure 8.3.15) FIGURA 6. Libertação da goteira parieto-cólica direita até ao ângulo hepático, pela fáscia de Toldt. (Imagem da direita adaptada de Milsom JW, Bohm B, Nakajima, K. Laparoscopic Colorectal Surgery. 2nd edition. USA: Springer; 2006. Figure 8.3.16) lo vascular ileocólico (Figuras 2 e 3), procedendo-se à sua cuidadosa disseção e respetiva laqueação proximal (Figura 4). À semelhança da abordagem laparoscópica convencional, foi utilizado o dispositivo LigaSure® 5mm para a laqueação/selagem vascular do pedículo. Prosseguiu-se com a dissecção posterior de medial para lateral, criando-se um “túnel”, num plano anterior à fáscia de Gerota, vasos gonadais, uréter e segunda e terceira porções do duodeno (Figura 5). Seguidamente procedeu-se à mobilização do cego e descolamento da goteira parieto-cólica direita pela fáscia de Toldt até libertar o ângulo hepático (Figura 6). Libertou-se o ligamento hepatocólico (Figura 7), gastrocólico e aderências retroperitoneais do cólon transverso, confirmando a mobilidade do cólon direito. Por fim, exteriorizou-se o cólon direito, permitindo a plataforma usada fazê-lo de forma protegida. Procedeu-se à laqueação do mesentério restante e anastomose mecânica latero-lateral (Figura 8). O encerramento da ferida operatória foi realizado com fio absorvível de longa duração e agrafos na pele com o resultado cosmético visível na Figura 8. O tempo cirúrgico foi de 80 minutos, tendo o pós-operatório decorrido sem complicações, com alta clínica ao 3º dia. O exame anatomopatológico da peça cirúrgica confirmou tratar-se de tumor neuroendócrino de 2,2 cm, com índice mitótico inferior a 2 mitoses por 10 campos de grande ampliação e Ki-67 inferior a 2% (NET G1), francamente positivo para cromogranina A e focalmente positivo para sinaptofisina. A lesão atingia a muscularis própria, sem focos de permeação vascular, com margens de excisão livres e com metastização de 2 gânglios linfáticos, num total de 20, classificando o tumor em pT2pN1. A doente mantém seguimento em consulta sem evidência de recorrência local ou sistémica da doença. DISCUSSÃO Em 2008 Remzi5, reportou o primeiro caso de resseção colorretal por porta única e desde estão mais casos têm sido descritos, destacando-se recentemente uma série publicada de 100 hemicolectomias direitas por porta única consecutivas, em doentes não selecionados e realizadas por cirurgiões colorretais experientes em laparoscopia, com morbilidade e mortalidade aceitáveis e sem compromisso dos parâmetros oncológicos convencionais.4 Atualmente recomenda-se que a abordagem por porta única do cólon deverá ser restrita a doentes altamente selecionados e a cirurgia realizada por cirurgiões laparoscópicos experientes, com espírito críticos dos outcomes cirúrgicos, sendo prudente iniciar-se em doentes sem história de doença inflamatória, sem cirurgias abdominais ou pélvicas REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015 39 CASOS CLÍNICOS CLINICAL CASES BIBLIOGRAFIA FIGURA 8. Exteriorização da peça e anastomose íleo-cólica mecânica. Note-se a exteriorização com a parede abdominal protegida. À esquerda, aspeto final. anteriores e não obesos (índice de massa corporal <30 kg/m2).6 É esperado que com a menor invasibilidade desta técnica em relação à laparoscopia convencional, pela diminuição do número de incisões, as taxas de complicações também diminuam, com melhor resultado cosmético. A cirurgia descrita foi realizada por cirurgiões com experiência em cirurgia minimamente invasiva do cólon e reto, com mais de 200 resseções cólicas laparoscópicas realizadas e já com alguns procedimentos por porta única realizados, nomeadamente colecistectomias (15 casos) e apendicectomias (3 casos), sendo que o caso descrito foi o quarto procedimento colorretal por porta única realizado pela equipa. A técnica padronizada pela equipa foi facilmente aplicada à porta única, utilizando os instrumentos convencionais de laparoscopia, sendo que a plataforma de acesso por porta única foi o único custo extra para o procedimento. Todos os passos críticos da cirurgia foram realizados em segurança, com cuidada identificação das estruturas e respeito pelos princípios oncológicos de resseção. 1. Guillou PJ, Quirke P, Thorpe H. Short-term endpoints of conventional versus laparoscopic-assisted surgery in patients with colorectal cancer (MRC CLASICC trial): multicentre, randomised controlled trial. Lancet. 2005; 365: 1718–1726 2. Rosati CM, Bonib L, Dionigi G, Cassinotti E, Giavarini L, David G et al. Single port versus standard laparoscopic right colectomies: results of a case–control retrospective study on one hundred patients. International Journal of Surgery. 2013; 11 S1: S50–S53 3. Mufty H, Hillewaere S, Appeltans B, Houben B. Single-incision right hemicolectomy for malignancy: a feasible technique with standard laparoscopic instrumentation. Colorectal Disease. 2012; 14: 764–770 4. Waters JA, Rapp BM, Guzman MJ, Jester AL, Selzer DJ, Robb BW et al. 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A hemicolectomia direita por porta única é um procedimento seguro, oncologicamente adequado e exequível, aplicável a doentes selecionados não obesos e quando realizada por cirurgiões com experiência sólida em laparoscopia colorretal. n 40 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2015