Cópia da sentença proferida pela 7.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa no processo de registo de marca internacional n.°671 904.
1- Relatório
François Fernand Gros, comerciante e industrial, estabelecido em La Cadière et Cambo, F-30 170 Saint-Hippolyte-du-Fort, França, veio, nos termos do artigo 38.° do Código
da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 16/
95, de 24 de Janeiro, interpor o presente recurso contencioso do despacho do director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu parcialmente protecção ao registo de marca internacional
n.° 671904, Petits Petons. requerido internacionalmente por
Societe Banc SARL, com sede em 26 Rue Lienard, F-92 500
Rueil Malmaison, França.
Alega fundamentalmente que:
O recorrente é titular do registo de marca internacional
n.° 526 699, Petit Pataporr, destinado a assinalar, entre outros, artigos da classe 28.ª, com os quais a marca recorrida
provoca confusão.
Conclui que se verificam os requisitos do artigo 93.° do
Código da Propriedade Industrial, com base no qual a protecção da marca deveria ter sido recusada, por as duas marcas se destinarem aos mesmos produtos, sendo susceptíveis
de induzir em erro o consumidor.
Juntou os documentos de fl. 9 a fl. 17, cujo teor aqui se
dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e procuração forense a fl. 20.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 40.° do
Código da Propriedade Industrial, tendo sido remetido a este
tribunal o processo sobre o qual recaiu o despacho recorrido, que foi autuado por apenso, tendo o vice-presidente da
direcção do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial vindo responder, nos termos a fl. 22,
esclarecendo que «parece que a recorrente tem razão: o referido registo é fundamento de recusa».
Notificada a sociedade recorrida, nos termos do artigo 41.°, n. 3, do Código da Propriedade Industrial, conforme decorre a fl. 33, não foi deduzida qualquer contestação.
O tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da
matéria e da hierarquia.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigo 38.° do Código da Propriedade
Industrial) e o recorrente encontra-se devidamente patrocinado.
O recurso é tempestivo, uma vez que o despacho recorrido foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial de
3 de Agosto de 1998, e que o recurso entrou em juízo em
2 de Novembro de 1998, face ao disposto nos artigos 39.° e
9.° do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo
Decreto-Lei n.° 16/95, de 24 de Janeiro.
Não existem nulidades nem ocorrem quaisquer outras
excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
11- Fundamentação de facto
Factualidade que consideramos provada para efeitos de
apreciação do presente recurso, face ao teor dos documentos
juntos, nomeadamente ao apenso técnico e à não contestação:
1 - No Boletim da Propriedade Industrial, n.° 5/98,
de 31d e Agosto, foi publicado o despacho do Sr. Director
do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade
Industrial que concedeu protecção em Portugal ao registo
internacional n.° 671 904, Petits Petons, para assinalar produtos insertos na classe 28.ª
2 - A recorrente é titular da marca internacional
n.° 526 699, Petit Patapon, para assinalar, entre outros, produtos da classe 28.ª
3 - O pedido de marca da recorrida foi formulado para
assinalar produtos das classes 25.ª e 28.ª
4 - O INPI recusou protecção à recorrida para os produtos da classe 25.ª, mas concedeu-a para os produtos da
classe 28."
5 - A marca recorrente, Petit Patapon, destina-se a assinalar produtos das classes 16.ª, 20.ª, 24.ª, 25.ª,28.ª e 4 1
.ª
6 - A marca recorrente foi registada em data anterior à
da recorrida.
III- Fundamentação de direito
Apurada a matéria de facto pertinente à presente decisão,
cumpre indagar da eventual procedência do recurso interposto
face ao direito aplicável, tendo em conta que a questão em
análise é a de saber se a marca Petits Petons é por tal forma
semelhante à marca Petit Patapon que possa induzir em erro
o consumidor.
A legislação aplicável ao caso concreto é o Código da
Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 16/95,
de 24 de Janeiro, dado que o despacho recorrido e que se
pretende ver revogado é posterior à entrada em vigor do novo
diploma, face ao estatuído no artigo 9.° do decreto-lei supracitado, segundo o qual o novo Código da Propriedade
Industrial entrou em vigor em 1 de Junho de 1995.
Em primeiro lugar, há que ter em conta que o tim da
propriedade industrial é o da garantia da lealdade da concorrência.
O artigo 189.°, n.° I,alínea nt), do Código da Propriedade Industrial estipula que será recusado o registo das marcas
quando todos ou alguns dos seus elementos contenham «reprodução ou imitação no todo ou em parte da marca anteriormente registada por outrem para o mesmo produto ou
serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que
possa induzir em erro ou confusão o consumidor».
Por seu turno, o artigo 193.° do Código da Propriedade
Industrial considera imitada ou usurpada, no todo ou em
parte, a marca por outra quando, cumulativamente:
A marca registada tiver prioridade;
Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta;
Tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética
que induza facilmente o consumidor em erro ou
confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma
que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto.
Está aqui expresso o princípio da especialidade ou novidade da marca. Quando as marcas são de tal forma idênticas ou
semelhantes que conduzam a confusão entre elas ou induzam
em erro o consumidor, a protecção deve ser recusada.
No caso sub judice não existe qualquer dúvida quanto à
verificação dos dois primeiros requisitos: a marca de que a
recorrente é titular é anterior à marca da recorrida e há sobreposição das marcas no que se refere aos produtos da classe
28.ªpelo que ambas se destinam a assinalar produtos idênticos ou de afinidade manifesta.
Assim, o litígio circunscreve-se a determinar se se verifica ou não a semelhança gráfica, figurativa ou fonética entre
as marcas e, em caso afirmativo, se tal semelhança é susceptível de estabelecer entre os consumidores confusão ou
erro. V., neste sentido, o Acórdão daRelação de Lisboa de
14de Outubro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência,
t.v, p. 99.
Também, segundo o critério de apreciação sintetizado
pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de
Maio de 1960, in Boletim da Propriedade Industrial,
n.° 10/60, p. 1610, «aquilo que cumpre ter em atenção
para estabelecer a semelhança entre duas marcas não são
pormenores isolados de cada uma delas. Há que atender,
especialmente, ao conjunto, pois este é que, como é natural, impressiona e chama a atenção do consumidor e o
pode induzir em erro.»
Esta posição também foi acolhida no Acórdão de 13 de
Fevereiro de 1970 (Boletim do Ministério da Justiça, n.° 194,
p. 237), onde se lê: «Na apreciação das semelhanças entre
as marcas deve presidir o critério de afastar os pormenores
dc cada uma delas e prevalecer o do que as aprecie no seu
conjunto, no todo, pois este é o que impressiona o público
e o pode induzir em erro.»
O risco de confusão, aos olhos do consumidor médio atento, provém das semelhanças existentes entre as marcas em
causa.
E como é que as similitudes são realçadas?
A imitação aprecia-se segundo as semelhanças e não em
função das diferenças. São, com efeito, as semelhanças que
criam as possibilidades de confusão.
E as diferenças não suprimem as semelhanças, na sua
realidade e nos efeitos que produzem. Mas, para que as diferenças não anulem as semelhanças, é ainda necessário que
as semelhanças existam e existam sobejamente.
Conforme a doutrina e a jurisprudência vêm interpretando a lei, ndo é o consumidor especialista, e por isso atento,
que se pretende proteger: é o consumidor médio, por via de
regra distraído, que adquire produtos ou serviços pela convicção de estarem marcados com um sinal que a sua memória lhe diz conhecer.
A comparação entre as duas marcas deve ter em consideração a circunstância de o consumidor não as ter simultaneamente sob os seus olhos para efectuar um exame comparativo detalhado. A clientela decide-se com base nas suas
recordações, pelo que, no exame sucessivo, deve o julgador
verilicar se a impressão que lhe é deixada pela marca em
questão é ou não semelhante Ù que lhe produziu a marca
obstativa (Citando Paul Robier, Le Droit de la Proprieté Industrielle. vol. I, p. 360).
A confusão existirá quando, tendo-se em conta a marca
a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser
tomada por outra de que se tenha conhecimento.
O critério para averiguar se há ou não imitação é o que
atende fundamentalmente às semelhanças e, quanto às nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar é o da
semelhança fonética. Para se saber se há imitação, releva
mais a semelhança que pode resultar do conjunto dos elementos de uma designação do que da dissemelhança de
certos pormenores.
É, na verdade, por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das
marcas [...] (Acórdão de 10 de Fevereiro de 1998, proferido no processo n.° 641/97, 2.ª Secção, sendo relator o
Sr. Conselheiro Figueiredo de Sousa, publicado na página
do Supremo Tribunal de Justiça na Internet in http://
www.cidadevirtual.pt/stj/bol 18civel.html).
«A marca constitui o mais importante dos sinais distintivos existentes em comércio, tendo por função individualizar
os produtos ou serviços oferecidos pelo comerciante ao consumidor.
Trata-se de um sinal de utilização meramente facultativa,
em princípio podendo ser constituído por um elemento ou
conjunto de elementos normativos, figurativos ou emblemáticos» (artigos 75.° e 79.° do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto n.°30 679, de 24 de Agosto de
1940; são deste diploma - atenta a data dos factos, é inaplicável o Código da Propriedade Industrial aprovado pelo
Decreto-Lei n.° 16/95, de 24 de Janeiro - todos os preceitos que se citarem sem menção de proveniência).
Assim, as inarcas podem ser nominativas, quando constituídas por um sinal ou conjunto de sinais nominativos (nomes ou dizeres), figurativas ou emblemáticos, quando formadas por um sinal ou conjunto de sinais figurativos ou
emblemáticas (desenhos ou figuras) e mistas, se compreendem, simultaneamente, elementos nominativos e elementos
figurativos ou emblemáticos.
D e acordo com o artigo 74.° do Código da Propriedade
Industrial, aquele que adoptar certa marca para distinguir
produtos da sua actividade económica gozará da propriedade e do exclusivo dela desde que satisfaça as prescrições
legais, designadamente a relativa ao registo.
A protecção derivada do registo da marca, que se estende a todo o território nacional, fica assegurada não apenas
quando já está assegurada uma situação de concorrência mas
logo que se verifique tal possibilidade.
O objectivo do artigo 94.° do Código da Propriedade Industrial é o de proteger o consumidor- não o consumidor
perito ou especializado, mas o consumidor médio, menos
atento e cuidado.
Para haver confusão é preciso que o consumidor médio
possa, com facilidade, distinguir as marcas se não as tem na
sua presença e se não está - como normalmente sucede-apensar na possibilidade de haver uma imitação da
marca em que se mostra interessado. (Acórdão de 11 de Novembro de 1997, com aplicação das disposições do antigo
Código da Propriedade Industrial. proferido no processo
n.° 717/97. 1.ªSecção, sendo relator o Sr. Conselheiro Silva
Paixão, publicado na página do Supremo Tribunal de Justiça
na Internet in http://www.cidadevirtual.pt/stj/bol15civel.html).
Com razão, a este propósito, escreveu o Prof. Oliveira
Ascensão (Direito Comercial, 1988, pp. 149 e 154) que «o
agente do juízo de semelhança de marcas é o consumidor.
Não é o técnico do sector, não a pessoa especialmente atenta, mas o público consumidor [...]A confusão, o erro, devem
ser fáceis, não interessando, para esse efeito, observadores
perspicazes, capazes de fazerem ligações que escapam à
maioria das pessoas».
No caso dos autos, não pode haver qualquer dúvida de
que entre as marcas em questão, Petits Petons e Petit Patapon, existe semelhança fonética e gráfica evidente susceptível de causar confusão ao consumidor médio.
Sendo «a imitação a mais perigosa das fraudes, o imitador pretende aproveitar-se ilicitamente do crédito e da notoriedade de uma marca de outrem, mas, para poder defender-se, não a reproduz perfeitamente, limita-se a imitá-la para
poder sempre alegar que a sua marca é diferente daquela de
que se diz ser a imitação» (cf. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, p. 396).
Esta flagrante semelhança originará fatalmente no espírito do consumidor médio uma fácil confusão, tanto mais
que os produtos que ambas as marcas se destinam a assina-
lar são idênticos e manifestamente afins, podendo assim ser
inevitavelmente atribuída a mesma origem a ambos os produtos.
Tal poderá, efectivamente, e como alega o recorrente,
levar a que a marca recorrida pudesse vir a beneficiar do
prestígio e do conhecimento da marca Petit Patapon.
As marcas em presença, Petits Petons e Petit Patapon,
têm em comum o vocábulo «Petit(s)» e a semelhança fonética e são semelhantes os produtos assinalados pelas referidas marcas.
Forçoso é concluir que a marca internacional n.° 671 904,
Petit.s Petons. não está em condições de se manter registada
porque constitui imitação gráfica e fonética da marca nacional n.° 241 983, Petit Patapon, anteriormente registada em
nome da recorrente [artigos 189.°, n.° l, alínea m), e 193.°
do Código da Propriedade Industrial].
Consequentemente, o recurso merece provimento.
IV- Decisão
Assim sendo, nos termos das disposições legais citadas
do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 16/95, de 24 de Janeiro, julgo procedente por provado o presente recurso, concedendo-lhe provimento e assim revogando, consequentemente, o despacho recorrido,
publicado no Boletim da Propriedade Industrial. n.°5/98, de
31d e Agosto, que concedeu o registo da marca internacional n.° 671 904, Petits Petons.
Sem custas, considerando que o Instituto Nacional da
Propriedade Industrial é entidade delas isenta.
Registe e notifique.
Após trânsito, cumpra-se o disposto no artigo 44.° do
Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei
n.° 16/95, de 24 de Janeiro, enviando cópia desta decisão, e
proceda à devolução do apenso técnico ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, lavrando-se cota.
Lisboa, 28 de Abril de 2000 (posse em 11 de Abril de
2000). - A Juíza de Direito, (Assinatura ilegível.)
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Cópia da sentença proferida pela 7.ª Vara Cível da Co- marca