ÁREA TEMÁTICA: EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNO-CULTURAIS PLURALIDADE CULTURAL NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: A CONTRIBUIÇÃO DE DIFERENTES POVOS* BENTO, Clovis Claudino. (SEE/SP – NEFEF/UFSCar – SPQMH) [email protected] GONÇALVES JUNIOR, Luiz (PPGE e NEFEF/DEFMH/UFSCar – SPQMH) [email protected] Resumo Nas aulas de educação física escolar comumente se observa à predominância de conteúdo esportivo, o que acaba por reduzir o universo da cultura corporal ao contexto do esporte, mais comumente os praticados em quadra: futsal, basquete, vôlei e handebol. Tal ocorrência reduz ou até elimina o acesso dos alunos ao contato com outras práticas corporais, como jogos, brincadeiras, danças e lutas, inclusive provenientes de diferentes povos. Diante dessa situação e entendendo a educação física como um dos componentes curriculares que pode e deve contribuir para apresentação, diálogo e reflexão acerca da temática pluralidade cultural resolvemos desenvolver intervenção em aulas regulares deste componente curricular e, nesta perspectiva, possibilitar aos educandos o (re)conhecimento das influências de diferentes povos. A pesquisa teve como objetivo central observar a valorização das crianças e os processos educativos envolvidos diante do levantamento, apresentação, aprendizado e diálogos acerca dos jogos e brincadeiras de diferentes culturas. Propusemos, assim, inicialmente aos educandos de uma turma de 3ª série do 1º ciclo do ensino fundamental de uma escola pública estadual, localizada em Santo André (área metropolitana de São Paulo), que levantassem junto a seus pais ou responsáveis a sua descendência e, conjuntamente, uma ou mais brincadeiras/jogos relacionados a esta. A partir desse levantamento, o qual foi trazido por eles na forma de um trabalho escrito, juntos identificamos e promovemos um diálogo acerca da pluralidade cultural e a contribuição de diferentes povos na construção da cultura corporal brasileira, particularmente na forma de jogos e brincadeiras. Como resultados, observamos a * Referência: BENTO, Clovis Claudino, GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Pluralidade cultural nas aulas de educação física escolar: a contribuição de diferentes povos In: VII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – EDUCERE: Saberes Docentes – edição internacional, 2007, Curitiba. Anais... Curitiba: PUCPR, 2007. p.868-873. 2 valorização dos jogos e brincadeiras de diferentes culturas pelas crianças educandas e os processos educativos, sendo que uns com os outros, em processo de diálogo igualitário, foram ensinando e aprendendo e ao mesmo tempo construindo uma compreensão significativa acerca da Pluralidade Cultural. Palavras chaves: processos educativos, educação física escolar, pluralidade cultural Introdução Nas aulas de educação física escolar comumente se observa à predominância de conteúdo esportivo, o que acaba por reduzir o universo da cultura corporal ao contexto do esporte, mais comumente os praticados em quadra: futsal, basquete, vôlei e handebol. Tal ocorrência reduz ou até elimina o acesso dos alunos ao contato com outras práticas corporais, como jogos, brincadeiras, danças e lutas, inclusive provenientes de diferentes povos. Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - (BRASIL, 1997) indicam a importância de se: “conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crença, de sexo, de etnia ou características individuais e sociais” (p.7). O mesmo documento indica ainda que: A Educação Física permite que se vivenciem diferentes práticas corporais advindas das mais diversas manifestações culturais e se enxergue como essa variada combinação de influências está presente na vida cotidiana. As danças, esportes, lutas, jogos e ginásticas compõem um vasto patrimônio cultural que deve ser valorizado, conhecido e desfrutado. Além disso, esse conhecimento contribui para a adoção de uma postura não-preconceituosa e discriminatória diante das manifestações e expressões dos diferentes grupos étnicos e sociais e às pessoas que dele fazem parte (BRASIL, 1997, p.28-29). Diante dessa situação e entendendo a educação física como um dos componentes curriculares que pode e deve contribuir para apresentação, diálogo e reflexão acerca da temática pluralidade cultural resolvemos desenvolver intervenção em aulas regulares deste componente curricular e, nesta perspectiva, possibilitar aos educandos o (re)conhecimento das influências de diferentes povos. 3 A pesquisa teve como objetivo central observar a valorização das crianças e os processos educativos envolvidos diante do levantamento, apresentação, aprendizado e diálogos acerca dos jogos e brincadeiras de diferentes culturas. A intervenção com o tema transversal Pluralidade Cultural Gonçalves Junior (2004, p.133) ressalta que: (...) jogos, brincadeiras e brinquedos populares são parte da cultura, habitualmente transmitidos de geração para geração, por meio da oralidade. Muitos desses brinquedos e brincadeiras preservam sua estrutura inicial; outros se modificam, recebendo novos conteúdos. No entanto, observa-se, cada vez mais, que o contato das crianças com jogos, brinquedos e brincadeiras tradicionais vem perdendo espaço, possivelmente como conseqüência dos processos de urbanização e de produção / consumo de equipamentos de alta tecnologia (videogames, computadores, televisores e brinquedos de controle remoto). Propusemos, assim, inicialmente aos educandos de uma turma de 3ª série do 1º ciclo do ensino fundamental de uma escola pública estadual, localizada em Santo André (área metropolitana de São Paulo), que levantassem junto a seus pais ou responsáveis a sua descendência e, conjuntamente, uma ou mais brincadeiras/jogos relacionados a esta. A partir desse levantamento, o qual foi trazido por eles na forma de um trabalho escrito, juntos identificamos e promovemos um diálogo acerca da pluralidade cultural e a contribuição de diferentes povos na construção da cultura corporal brasileira, particularmente na forma de jogos e brincadeiras. Dos 35 educandos da 3ª série em estudo, após diálogo com seus pais, 15 afirmaram serem descendentes de italianos, 11 de portugueses, 5 de indígenas, 5 de espanhóis, 2 africanos, 1 de japoneses, 1 de romenos e 1 de poloneses. Salientamos que alguns alunos citaram mais de uma descendência e que alguns (descendentes de japoneses e poloneses) não relacionaram brincadeiras ou jogos. Dentre os jogos e brincadeiras vinculados as suas respectivas descendências levantados pelos educandos junto a seus pais e responsáveis, trouxeram os seguintes relatos: Italianos: bocha, pular corda, rodas cantadas e variantes de pega-pega; Portugueses: amarelinha, pular corda, rodas cantadas, variantes de pega-pega, o rei manda e cobra-cega; Indígenas: peteca, perna de pau, capoeira e rodas cantadas; 4 Espanhóis: tourada e cantigas; Africanos: variantes de pega-pega, cabo de força, capoeira, cantigas e parlendas; Romenos: bilboquê. Com base neste levantamento conjunto, combinamos de, a cada aula, experimentarmos as brincadeiras e jogos pesquisados. Neste sentido procuramos, conforme nos alerta Freire (1998), respeitar os saberes dos educandos, discutindo a relação desses saberes com o ensino de conteúdos, ou seja, aproveitando a experiência que eles têm, associando a realidade ao componente curricular cujo conteúdo se ensina e, ainda, estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência que eles têm como indivíduos. Trata-se, segundo Freire (2005) de respeitar o “saber de experiência feito”, ou seja, os saberes do educando, pois chegando ao espaço escolar, o mesmo já traz uma compreensão do mundo, isto é, possui saberes em torno da saúde, da religião, do corpo, da sexualidade, do lazer, do trabalho, da educação, da educação física, entre outros. Procedimentos Metodológicos Desde o início da intervenção pautamos o uso de registros sistematizados em diário de campo. Assim, realizamos 30 aulas sobre a temática transversal Pluralidade Cultural ao longo dos dois primeiros bimestres letivos do ano 2007. Em cada uma das aulas foram feitas notas de campo, sempre ao término dos compromissos na escola em que se desenvolveu o estudo. Conforme propõe Bogdan e Biklen (1994): Depois de voltar de cada observação (...) é típico que o pesquisador escreva (...) o que aconteceu. Ele ou ela dão uma descrição das pessoas, objectos, lugares, acontecimentos, actividades e conversas. Em adição e como parte dessas notas, o investigador registrará ideias, estratégias, reflexões e palpites, bem como os padrões que emergem. Isto são as notas de campo: o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e reflectindo sobre os dados de um estudo qualitativo. (p.150). Resultados No decorrer da intervenção fomos anotando em diários de campo os acontecimentos, observando, particularmente se ocorria à valorização dos jogos e brincadeiras de diferentes culturas 5 pelas crianças educandas e os processos educativos envolvidos diante do levantamento, apresentação, aprendizado e diálogos destes. Neste contexto, logo nas primeiras aulas foi necessário dialogarmos sobre do que se tratava Pluralidade Cultural, o que provocou perguntas e comentários acerca das influências culturais que recebemos dos diferentes povos que aqui chegaram, como europeus, africanos e asiáticos, bem como sobre aqueles que já viviam aqui, os indígenas. Ainda nestas aulas iniciais, ao perguntarmos para os alunos sobre as influências que tais povos exerceram em nós, os educandos falaram sobre as comidas típicas, a linguagem escrita e falada, as vestimentas, as festas, as danças, entre outras manifestações. Uns com os outros, em processo de diálogo igualitário, foram ensinando e aprendendo e ao mesmo tempo construindo uma compreensão significativa acerca da Pluralidade Cultural. Em um momento seguinte, como já descrevemos, solicitamos levantamento junto aos pais e responsáveis sobre a descendência de cada um e jogos e brincadeiras relacionadas a tal. A partir de então, conforme os educandos iam trazendo os seus levantamentos, entusiasmados com o que haviam descoberto com seus pais ou responsáveis, tanto de sua descendência (algumas nem a sabiam), como de jogos e brincadeiras, fomos conversando sobre elas, observando como a brincadeira ou jogo descrito era praticado e efetivamente o realizávamos. Antes de iniciarmos qualquer jogo ou brincadeira comentávamos quem havia pesquisado e qual a suposta origem, inclusive quando percebíamos incertezas (seria a capoeira indígena ou africana?) ou presença de jogos e brincadeiras similares em diferentes povos (rodas cantadas, variações de pega-pega, pular corda, cantigas). Cabia-nos contextualizar com base em nossos estudos e experiência, sem, no entanto, termos a pretensão de sermos a última palavra. Processos educativos também ocorreram no ensino e aprendizagem de diferentes nomenclaturas, regras ou formas de brincar das atividades. O jogo da amarelinha, por exemplo, foi nomeado pelas crianças de sapata, avião, macaca e pula macaca. Também apresentaram diferentes formas de desenhar o diagrama da amarelinha (formato de avião, de escada, de caracol) e o modo de percorrê-lo (saltar com um pé, saltar com os dois pés, colocando as mãos, pegando objetos atirados). Também explicitamos que, próximo ao final de cada bimestre, temos como parte do processo de avaliação, a realização de prova escrita com questões discursivas, nesta tivemos um bom desempenho dos educandos, principalmente citando e descrevendo a origem das brincadeiras e jogos trazidos pelos colegas de classe. 6 Considerações Finais Podemos dizer, com base nos registros em diário de campo, que com a valorização nas aulas de Educação Física dos conhecimentos dos educandos provenientes de ambientes externos a escola, promovemos maior participação, envolvimento e generosidade destes para com os colegas no ambiente escolar, que com entusiasmo apresentaram aos colegas suas descobertas sobre sua origem e jogos/brincadeiras relacionados. Acreditamos, como Freire (2005), que o ato de educar envolve necessariamente o de educar-se, sendo necessária a afetividade, a humildade, o gosto pelo ensinar e aprender, a busca incansável pela competência e pela esperança engajada da transformação pessoal (somos seres incompletos e inconclusos), da educação e do mundo. Podemos assegurar que além dos aprendizados realizados pelos educandos, nós mesmos aprendemos muito, e de modo significativo. Entendemos, no entanto, que nossa experiência e pesquisa foi uma aproximação inicial com o tema transversal Pluralidade Cultural nas aulas de Educação Física, e que há necessidade de experiências de trabalhos e estudos mais prolongados, efetivos e aprofundados, nossa e de outros colegas educadores. Referências BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari K. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC / SEF, 1997. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 12ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8ªed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Atividades recreativas na escola: uma educação fundamental (de prazer). In: SCHWARTZ, Gisele Maria. (Org.). Educação física no ensino superior: atividades recreativas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p.130-136.