Banco de Portugal Carta Circular nº 37/2001/DSB, de 26-10-2001 ASSUNTO: Aplicação do Regulamento (CE) 467/2001 do Conselho, de 6 de Março, sobre medidas restritivas contra os taliban do Afeganistão. Procedimento a adoptar Por se considerar útil para um correcto enquadramento do assunto em referência, envia-se em Anexo, para os efeitos tidos por convenientes, extracto, da parte relevante, de uma Informação elaborada no Gabinete do Sr. Procurador Geral da República. __________________________________________________________________________________ Enviada a: Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. ANEXO Extracto, da parte relevante, de uma Informação elaborada no Gabinete do Sr. Procurador Geral da República sobre a aplicação do Regulamento (CE) 467/2001 do Conselho, de 6 de Março “ (. . .) 2. O valor na ordem jurídica interna das normas do regulamento comunitário em referência. Sobre o valor do direito internacional na ordem jurídica interna dispõe a Constituição da República: Artigo 8.º (Direito Internacional) 1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. 3, As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. Ora, o Tratado que institui a Comunidade Europeia, com as alterações nelas introduzidas pelo Tratado de Amsterdão, assinado a 2 de Outubro de 1997, determina que: Artigo 249.º (ex-artigo 189.º) “Para o desempenho das suas atribuições e nos termos do presente Tratado, o Parlamento Europeu em conjunto com o Conselho, o Conselho e a Comissão adoptam regulamentos e directivas, tomam decisões e formulam recomendações ou pareceres. O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros. A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar. As recomendações e os pareceres não são vinculativos.” A aplicabilidade directa dos Regulamentos tem sido repetidamente confirmada pelo Tribunal de Justiça, “em termos peremptórios que não suscitam actualmente qualquer dúvida” 1. Como recorda Mota Campos (ob.cit.) “o efeito directo dos regulamentos está apenas condicionado à sua publicação no JOCE e à sua entrada em vigor. A aplicabilidade, embora directa, pode não ser imediata, quando o próprio regulamento subordina a aplicação das suas normas, ou de algumas delas, à adopção de medidas de execução pelos EstadosMembros. No regulamento em apreço, e no que importa às medidas de natureza financeira, apenas a norma que impõe aos Estados a obrigação de determinar as sanções a aplicar em caso de sua violação não é, também, imediatamente aplicável. Com efeito, as normas que determinam as sanções de congelamento, e outras de natureza financeira, definem os destinatários, o exacto conteúdo das medidas e a autoridade nacional responsável pelo controlo de cumprimento - inexiste, pois, necessidade de mediação do poder legislativo dos EstadosMembros. Os particulares de cada Estado-Membro são também destinatários das medidas adoptadas pelo Regulamento, de forma directa e imediata. 3 . A natureza das medidas As sanções impostas, de génese política e conteúdo financeiro, têm uma natureza administrativa. Inspirados nas medidas de sequestro dos bens inimigos admitidas pelo direito da guerra, o congelamento ou bloqueio de bens estrangeiros tornou-se uma medida relativamente frequente na prática recente das Nações Unidas e de outras organizações internacionais. O Conselho de Segurança aplicou este tipo de medidas, pela primeira vez, através da Resolução nº 661, de 2 de Agosto de 1990, contra o Iraque; a União Europeia, através do Regulamento do Conselho nº 2471/94, de 10 de Outubro, relativamente à Bósnia. Trata-se de medidas de carácter excepcional que se fundam em razões de política internacional sem relação com a prática de crimes, embora possam os factos que as geram constituir, também, ilícitos criminais e os efeitos que produzem sejam semelhantes a algumas das medidas cautelares legalmente admissíveis em processo penal. São, nessa medida, medidas a executar directamente pelos operadores económicos e financeiros e pelos organismos de supervisão. Prevalecem sobre o restante direito internacional e sobre os contratos públicos ou privados preexistentes. Os seus efeitos prolongam-se pelo período de tempo em que vigorarem as decisões sancionatórias. As sanções de bloqueio, dirigindo-se aos operadores do comércio internacional, interferem com as operações privadas do comércio internacional, impedindo a execução de contratos já concluídos, assim como a conclusão de novos contratos. A medida de congelamento dirige-se, em primeira linha, aos bancos e aos intermediários financeiros e implica com a execução dos contratos de depósito e a realização de pagamentos internacionais 2. Dizemos que as medidas sancionatórias em causa têm natureza administrativa na medida em que a sua imposição e execução é, em absoluto, estranha à ordem judicial. A decisão de congelamento de uma determinada conta bancária é uma decisão de direito interno, tomada pela instituição bancária onde a conta se encontra sediada, em execução de um regulamento comunitário. Sobre o banco recai igualmente o dever de informação contido no regulamento (à autoridade nacional e à Comissão). À autoridade nacional compete a implementação de acções concretas visando o cumprimento das medidas, a respectiva fiscalização e o dever de informação previsto no Regulamento. 4 . Coisa diferente é o facto de a existência da conta bancária ou de realização de operações financeiras poder constituir pressuposto de aplicação das normas de direito interno relativas à investigação criminal, designadamente em matéria de crime de branqueamento de capitais. Se tal ocorrer, a instituição bancária está obrigada, nos termos gerais, à comunicação à ProcuradoriaGeral da República e aos demais deveres que, em especial, a legislação relativa ao branqueamento de capitais lhes impõe. 5. Em conclusão: a) O Regulamento (CE) 467/2001 do Conselho, de 6 de Março, na parte em que impõe sanções de natureza financeira às entidades constantes na lista do Anexo I é directamente e imediatamente aplicável nos Estados-Membros; b) As sanções impostas, de génese política e conteúdo financeiro, têm uma natureza administrativa, estranha à ordem judiciária; c) A decisão de congelamento de uma determinada conta bancária é uma decisão de direito interno, tomada pela instituição bancária onde a conta se encontra sediada, em execução de um regulamento comunitário; d) À autoridade nacional compete a implementação de acções concretas visando o cumprimento das medidas, a respectiva fiscalização e o dever de informação previsto no Regulamento; e) Sempre que o facto que motivou a decisão da medida constitua também pressuposto de aplicação das normas relativas à investigação criminal, a entidade aplicadora procederá em conformidade com o direito interno vigente.” ___________________________ 1 Cfr., bem como o recenseamento de jurisprudência elaborado a propósito, Mota Campos, “Direito Comunitário”, 4.ª Edição, Vol II, pags 278-281 2 “Le gel d’avoirs étrangers”, Geneviève Burdeau, in “Journal du Droit International”, ano 124, nº l, pags:5-57.