A Manutenção dos Drenos de Fundação da Usina Hidrelétrica de
Itaipu
Claudio Issamy Osako
Itaipu Binacional, Foz do Iguaçu, Brasil
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo principal avaliar a eficiência da manutenção dos
sistemas de drenagem nas fundações da barragem de concreto, utilizando como objeto de estudo o
sistema de drenos de fundação da Usina Hidrelétrica de Itaipu, nos quais foi executada uma
manutenção utilizando-se o método de lavagem por circulação de água.
PALAVRAS-CHAVE: Barragem, Fundação, Subpressão, Hidrogeotecnia, Drenagem
1
INTRODUÇÃO
O propósito dos drenos de fundação em
barragens é aliviar as subpressões nas
superfícies permeáveis do contacto concretorocha ou nas descontinuidades geológicas da
fundação. A sua função portanto é aumentar a
estabilidade e a segurança destas estruturas. A
drenagem de fundação constitui-se no meio
mais efetivo de redução da subpressão,
fornecendo um caminho direto e altamente
permeável para coleta e condução da água de
percolação.
No entanto, observa-se que o fluxo de água
carrega para os drenos compostos químicos que
podem bloquear ou colmatar os mesmos. O
processo mais comum e importante de
colmatação é causado por depósitos de
carbonato de cálcio.
Neste trabalho avalia-se a eficiência da
manutenção dos sistemas de drenagem nas
fundações da barragem de concreto e
apresentam-se recomendações para as próximas
campanhas de limpeza, utilizando como objeto
de estudo o sistema de drenos de fundação da
Barragem Lateral Direita da Usina Hidrelétrica
de Itaipu, nos quais, à semelhança dos outros
trechos da barragem de concreto, foi executada
uma manutenção utilizando-se o método de
lavagem por circulação de água, no período de
março a abril de 1999.
A avaliação deste método inclui a análise
química de amostras de água coletadas no
reservatório e nos drenos, medidas de variação
de nível d'água ou vazões no interior dos drenos
e também o histórico de subpressões nos
piezômetros das fundações.
Como objetivo secundário, será apresentada a
evolução do assunto no âmbito da ITAIPU, a
partir da especificação elaborada em 1990 para
a primeira campanha de limpeza dos drenos de
fundação, executada entre 1991 e 1993, após a
qual foram feitas sugestões para aprimoramento
do método, as quais foram aplicadas na
campanha de 1999.
2
O
PROCESSO
COLMATAÇÃO
QUÍMICO
DA
O carbonato de cálcio (CaCO3) é depositado
nos drenos de fundação através de uma reação
química de três etapas. Na primeira etapa o
carbonato de cálcio é dissolvido de uma fonte,
na segunda etapa sob a forma de bicarbonato é
transportado em solução através das
descontinuidades, e finalmente na última etapa
é redepositado nos drenos.
O processo de dissolução inicia-se quando a
água absorve dióxido de carbono, (CO2) que
pode vir diretamente do ar ou pode ser recebido
pela percolação através do solo (muitos solos
são enriquecidos com CO2 como produto de
decomposição orgânica).
A alta pressão de água no fundo do reservatório
pode causar a combinação do gás CO2 com a
água e formar o ácido carbônico (H2CO3),
reação esta sensível à pressão.
CO2 + H2O → H2CO3
Como mais ácido carbônico se forma, o pH da
solução cai, ou seja aumenta a acidez. Segundo
relatos de outras barragens, a solução com um
pH menor que 8,2 pode dissolver carbonato de
cálcio (da barragem de concreto, da cortina de
injeção ou da rocha da fundação) formando
bicarbonato de cálcio (Ca(HCO3)2), que é por
sua vez transportado em solução pelo fluxo de
água na fundação.
H2CO3 + CaCO3 → Ca(HCO3)2
No entanto, o bicarbonato de cálcio é instável e
se a pressão d’água diminui (como quando a
água flui para os drenos), causa a reação inversa
e o carbonato de cálcio dissolvido é depositado
nos drenos. O processo da colmatação é
semelhante à formação das estalactites e
estalagmites.
A taxa e a magnitude do decréscimo da pressão
afetam a densidade dos depósitos e a quantidade
das várias formas precipitadas. O tempo que um
dreno leva para entupir depende de um número
grande de parâmetros: minerais solúveis na
fundação e no concreto, velocidade de fluxo,
pH, etc.
O grau de dureza de um depósito pode variar de
frágil até muito endurecido, de maneira que a
sua remoção só possa ser conseguida com uma
reperfuração do dreno. Os depósitos frágeis
geralmente vão endurecendo ao longo do
tempo.
3
água da camada superficial do reservatório
tornando-a mais densa. Essa água desloca-se
para baixo criando uma corrente de convecção,
que provoca uma uniformização das
temperaturas ao longo da coluna d'água, por
isso os valores de pH nas diversas
profundidades são mais próximos entre si e se
estabilizam em um patamar mais alcalino, à
medida em que avança o inverno. As figuras 1 e
2 revelam esse comportamento:
Figura 1. Temperatura da água no reservatório.
ANÁLISE QUÍMICA DA ÁGUA
Foram analisados e comparados os valores de
pH da água coletada no reservatório e em
alguns drenos de fundação, com o objetivo de
identificar alguns fatores que influíssem
diretamente na variabilidade dos resultados, tais
como a temperatura ambiente e a profundidade
da amostra coletada.
Constatou-se que o valor do pH muda conforme
a profundidade e a temperatura da água.
Durante os meses mais quentes a coluna d'água
apresenta uma estratificação térmica por
camadas, entre as quais ocorre uma nítida
diferenciação de valores de pH, sendo que no
fundo do reservatório a água atinge valor de pH
mais ácido do que as demais camadas.
No início do inverno, com a queda da
temperatura ambiente, ocorre o resfriamento da
Figura 2. O pH da água do reservatório.
Note-se que no verão o pH do fundo do
reservatório atinge seu valor mais ácido, em
torno de 6,6. Portanto, nos meses mais quentes,
devido à estratificação térmica da coluna d'água
o equilíbrio químico da reação a seguir tende a
se deslocar para a direita:
CaCO3 + H2CO3 (aq)→ Ca(HCO3)2 (aq)
O valor do pH da água dos drenos também varia
de acordo com a temperatura da coluna d'água
do reservatório. Nos meses mais quentes a água
do fundo do reservatório, ao se tornar mais
ácida, provoca a dissolução de maior
quantidade de carbonato de cálcio do que nos
meses frios, e com isso o pH medido nos drenos
tende a aumentar nesse período devido à maior
concentração de carbonatos e bicarbonatos. Na
figura 3, demonstra-se que o pH da água dos
drenos é mais alto (básico) nos meses em que a
água do fundo do reservatório está mais ácida,
comprovando que ocorre maior dissolução de
carbonato durante o verão. Esse comportamento
é mais evidente nos drenos que coletam água
em profundidades maiores, ou sejam os drenos
DTM-163 e DTM-211.
qualquer situação de anormalidade;
▪ correlação entre a perda da eficiência da
drenagem com a redução das vazões e aumento
de subpressões na área dos drenos.
As frequências utilizadas para as inspeções
foram:
▪ anual, para a inspeção visual detalhada;
▪ quinzenal, para a medição de vazão;
▪ eventual, para a medição de N.A.;
▪ anual, para análise de subpressões.
A verificação de eventuais obstruções nos
sistemas de drenagem deveria ser realizada
através de inspeções visuais, ou então, quando
isto não fosse possível, pela passagem de um
gabarito no furo de drenagem. Este gabarito
deveria apresentar a forma de um torpedo, sem
cantos vivos, para que não se prendesse
facilmente no interior do furo.
Figura 3. O pH da água dos drenos e do fundo do
reservatório.
4
A MANUTENÇÃO DOS DRENOS DE
FUNDAÇÃO EM ITAIPU
O método utilizado abrangia as seguintes
atividades:
▪ inspeção visual com auxílio de lanternas, para
observação da existência de carbonatações,
algas, resíduos de construção, turbidez,
desprendimento de gases, etc.;
▪ medidas de vazão, para avaliar eventuais
variações não associada aos níveis do
reservatório e do canal de fuga e para o próprio
esclarecimento das causas dessas variações;
▪ verificação do N.A. nos drenos, empregada de
maneira não-sistemática, somente aplicando-se
em casos especiais, quando variações de vazão
não estivessem associadas a variação de nível
d'água de montante ou jusante ou com os ciclos
sazonais de temperaturas;
▪ realização de uma medição de N.A. em todos
os drenos instalados a partir da superfície da
fundação (sem interligação com os túneis) ou a
partir do piso dos túneis e galerias de drenagem,
com o objetivo de se dispor de uma referência
"zero", para o caso de se precisar estudar
No caso dos drenos verticais que trabalham
afogados, a verificação de eventuais obstruções
deveria se limitar à inspeção visual da boca dos
drenos e à verificação de suas profundidades,
para se determinar a ocorrência da deposição de
material carbonático em seu interior.
Os procedimentos recomendados na remoção de
eventuais obstruções foram:
a) drenos verticais com vazão ou com água até
a boca:
▪ lavagem sob pressão;
▪ escovação (eventual).
b) drenos sub-horizontais ou drenos verticais
interligando a superfície aos túneis de
drenagem:
▪ reperfuração;
▪ lavagem.
c) drenos dos taludes:
▪ reperfuração;
▪ lavagem.
Após o término de qualquer operação de
desobstrução de drenos, procedia-ser à uma
análise de vazões e de subpressões na área, para
a avaliação de sua eficiência.
Os dados resultantes das operações de
supervisão e controle dos sistemas de drenagem
fariam parte de três tipos de relatórios, a saber:
a) relatório de dados resultantes das inspeções
visuais de campo, assim como as medições de
vazão e de N.A. nos drenos seriam fornecidos
anualmente;
b) relatório de análise dos resultados de
subpressão e de vazões do sistema de drenagem
fariam parte dos relatórios de análise da
instrumentação de auscultação geral da
barragem, emitidos anualmente;
c) relatórios específicos, quando da ocorrência
de algum fato relevante, tal como a necessidade
de uma operação de desobstrução de drenos, os
resultados que fariam parte desse relatório
seriam:
▪ dados da instrumentação na área;
▪ a descrição dos problemas encontrados;
▪ os procedimentos utilizados na desobstrução;
▪ os resultados do controle de sua eficiência.
4.1 Avaliação da segunda campanha de limpeza
efetuada em 1999
Os procedimentos utilizados para a limpeza dos
drenos foram lavagem por circulação de água.
As duas hipóteses que estão sendo atualmente
utilizadas para avaliar a eficácia do método de
limpeza empregado são:
a) aumento no nível d'água ou na vazão dos
drenos indica a desobstrução da colmatação dos
mesmos;
b) as reduções na subpressão detectadas nos
piezômetros próximos às linhas de drenos, após
a data da limpeza, também indicam a
desobstrução.
4.2 Histórico das leitura dos piezômetros
Foram analisados todos os 144 piezômetros da
Barragem Lateral Direita, os quais são do tipo
"standpipe" e estão instalados no contacto
concreto rocha e nas feições geológicas dos
maciços.
Os piezômetros que apresentaram redução na
subpressão após a limpeza dos drenos estão
todos na mesma feição geológica (brecha D) os
D-40 e D-50, que a propósito apresentaram
balanço positivo de aumento do NA nos drenos.
Ou seja nesses blocos encontrou-se uma
correspondência entre a redução de subpressão
nos piezômetros e o aumento de nível d'água
nos drenos. A figura 4 mostra com detalhes as
leituras entre março e maio/1999, da subpressão
nesses instrumentos na época em que foi
realizada a limpeza dos drenos.
Figura 4. Cota piezométrica (março a maio de 1999)
Apesar de apresentarem historicamente uma
nítida tendência de diminuição do valor da
subpressão desde o período pós-enchimento do
reservatório, esses piezômetros indicaram
pequenas reduções de subpressão após a
limpeza dos drenos. Também observou-se que
estes piezômetros apresentaram além de valores
de subpressão que podem ser considerados
próximos uns dos outros, comportamento
bastante uniforme, sendo pouco influenciados
pelas variações do nível do reservatório além de
não acusarem comportamento cíclico sazonal.
Portanto só foi comprovada a validade das 2
hipóteses naquele trecho da barragem que vai
do bloco D-40 a D-50, onde ocorreu
simultâneamente aumento do nível d´água dos
drenos e redução da subpressão medida nos
piezômetros próximos a esses drenos. Nenhum
outro piezômetro foi sensibilizado nesse
período.
5
CONCLUSÕES
A primeira conclusão diz respeito à importância
da análise química da água do reservatório e
dos drenos. A maior dissolução de carbonato
nos períodos de verão foi comprovada pela
análise da água dos drenos, onde o valor do pH
cresce devido à maior concentração de
carbonatos e bicarbonatos de cálcio na água de
ensaio dessa época do ano. Também foi
observado que a água dos drenos localizados
em trecho onde a superfície da fundação é mais
profunda, possui pH mais básico mostrando a
ocorrência de maior dissolução de carbonato em
trechos onde a coluna d'água de montante é
maior.
Durante a análise dos resultados das campanhas
de medições de nível d'água nos drenos,
verificou-se que a primeira hipótese qual seja o
aumento no nível d'água ou na vazão dos drenos
indicaria a desobstrução da colmatação dos
mesmos, não pôde ser totalmente conclusiva. O
aumento de nível d'água nos drenos poderia ser
apenas um residual da água de lavagem e sem
uma leitura subsequente não foi possível
confirmar se o nível d'água medido no dia
seguinte já estaria estabilizado ou não. A partir
dos resultados da campanha de medição
realizada em setembro de 2002, mostrou-se que
os drenos podem apresentar alterações nos seus
níveis d'água ou vazões devido à variação da
temperatura ambiente agindo sobre as faces do
paramento de jusante dos blocos de contraforte,
mais esbeltos que os blocos maciços, portanto
mais suceptíveis às tensões e deformações de
origem térmica.
Essas variações podem confundir os resultados,
pois os aumentos nos níveis d'água nos drenos
podem ser devidos à eficiência da limpeza
como também podem ser resultado da variação
sazonal da temperatura ambiente.
A ocorrência de grandes aumentos de nível
d'água em alguns drenos poderia ter afetado
também os piezômetros; ainda que estes não
estivessem na mesma posição dos drenos, a
proximidade entre eles permitiria a redução nas
subpressões medidas pelos piezômetros.
A segunda conclusão foi que o método de
limpeza por circulação de água, apresenta uma
boa relação custo benefício em comparação
com métodos mais sofisticados relatados no
meio técnico.
Decorrente da análise efetuada no estudo
apresentam-se a seguir as principais
recomendações para avaliação da eficiência da
limpeza de drenos de fundação:
▪ Realizar na mesma data a coleta da água do
reservatório e dos drenos para a análise
química, procurando abranger os período de
ocorrência da máxima e mínima temperatura
ambiente.
▪ Realizar anualmente testes de permeabilidade
em drenos profundos a serem escolhidos como
representativos de um conjunto. Os testes
consistirão de ensaios de rebaixamento ou
recuperação do nível freático dos drenos, para
se definir a necessidade de uma manutenção
seletiva.
▪ Passar a medir o pH da água coletada em
alguns drenos a serem seletivamente escolhidos,
com periodicidade trimestral
4▪ Introduzir a manutenção seletiva, baseada em
medidas de subpressão, teste de permeabilidade
e amostragem de pH da água dos drenos,
seguindo a seguinte estratégia:
a) Subpressão: caso seja detectado, em algum
piezômetro, aumento que ultrapasse o limite de
alerta estabelecido estatisticamente, e haja
suspeita de que esse aumento seja devido à
colmatação dos drenos próximos a esse
piezômetro, deve-se executar limpeza em todos
os drenos do bloco em que esteja localizado
este piezômetro, até que a subpressão normal
seja restabelecida. Se necessário, a limpeza se
estenderá para os blocos vizinhos;
b) Permeabilidade dos drenos: comparando-se
os resultados obtidos nos testes anuais de
rebaixamento ou recuperação de nível freático,
pode-se detectar a presença de carbonatação nos
drenos através da diminuição da permeabilidade
no dreno;
c) pH da água dos drenos: os valores obtidos
para o pH dos drenos podem ser um indicativo
de que alguns trechos da barragem são mais
susceptíveis de apresentarem carbonatação por
terem fundação em cotas mais baixas do que
outros trechos. Nesses casos pode-se prever um
novo ajuste para a periodicidade da manutenção
e para a distribuição dos ensaios em função da
susceptibilidade à colmatação.
▪ Na ocasião de limpeza dos drenos por
circulação de água, realizar simultâneamente
medidas de nível d'água nos drenos e
acompanhamento
da
subpressão
nos
piezômetros, no mínimo em três etapas:
a) antes da lavagem;
b) no dia seguinte;
c) uma semana depois, e a seguir
semanalmente, até a estabilização .
Esse procedimento visa a melhoria da avaliação
quantitativa do método empregado.
AGRADECIMENTOS
O autor registra os seus agradecimentos a Itaipu
Binacional e a Universidade Federal do Paraná,
e a todos que colaboraram para a conclusão
deste estudo.
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Central Hidrelétrica de Itaipu. Relatório no
1999.50.0001.P.R0, Parte I - Projeto Civil, Vol. 1,
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