Sombras de uma semana
José Manuel Fernandes
A crise regressou por via de relatórios independentes. Compreenda-se, pois o marketing
não resolve tudo, e tomem-se as muitas medidas que ainda estão por tomar
A revista The Economist da semana passada dedicava a sua capa à Europa e, depois de
comentar o impasse italiano e a paralisia francesa, concluía que para aplicar as reformas
necessárias poderá ser necessário que a crise bata ainda mais forte à porta dos europeus.
Ou se sinta ainda mais nos seus bolsos.
Os vários relatórios conhecidos esta semana sobre Portugal - o do Banco de Portugal, o
do FMI e o da OCDE - indicam que se isso é verdade para a Europa, ainda é mais
verdade para Portugal. Pior: mostraram que as medidas tomadas até agora pelo Governo
Sócrates são insuficientes. Pior ainda: a forma como se procurou manipular os números
do desemprego (que infelizmente continua alto e ainda aumentará mais, pois não há
milagres abaixo de um crescimento económico de dois por cento) e a forma como o
Governo apresentou triunfalmente uma execução orçamental do primeiro trimestre
apenas entre o mediano e o medíocre indicam algum desnorte face às adversidades.
Conta-se que Jardim Gonçalves costumava dizer aos quadros do seu banco, o BCP, que
naquela casa não se anunciava o que se ia fazer, anunciava-se o que se tinha feito. O
lema do Governo de José Sócrates tem sido o contrário, levando o marketing de
algumas medidas a tal ponto que o efeito positivo - porque moralizador - que lhes podia
estar associado corre o risco de se virar contra ele. A memória dos povos é curta, a dos
jornalistas também, mas sente-se que, agora, já todos começam a interrogar-se sobre
quantas vezes a mesma medida foi anunciada como nova. Nisso a própria blogosfera
tem desempenhado algum papel, pois recorda os mais desmemoriados de que há
mudanças que foram anunciadas três e quatro vezes e ainda nada mudou.
Este activismo, sem dúvida importante em algumas áreas onde há muito reinava a total
inércia, não permite iludir que a execução orçamental de 2005 foi muito má (até a
despesa ficou acima do previsto no famoso relatório Constâncio!) e que desde que
Campos e Cunha saiu das Finanças deixou de se ouvir falar de mais medidas
draconianas.
PRACE? Óptimo no papel, mas será que vai mesmo diminuir as despesas e facilitar a
vida aos cidadãos? Será que está realmente bem desenhado quando ouvimos o ministro
das Finanças dizer que não há funcionários públicos a mais e sabemos que gastamos
com eles, em salários, o que não gasta mais nenhum país da União Europeia?
Simplex? Muito eficaz para conseguir uma boa imagem, mas demasiado construído para
ter o máximo impacto mediático (até na obsessão de apresentar 333 medidas...) para que
não se instalem dúvidas. Sobretudo quando algumas perguntas foram ficando sem
resposta.
O Governo e todos nós queremos que isto mude, que isto melhore mesmo. Mas para
isso não basta criar o clima de que "estamos numa boa" ou para lá caminhamos, pois
esse momento não só vem muito longe como, sobretudo, todos os citados relatórios
mostram que nos devemos preparar para mais dias difíceis e, sobretudo, para quebrar
um tabu: há muitos "direitos adquiridos" que, se não terminarem depressa, não haverá
solução para o país.
O que o Governo tem de começar a dizer já é o que ontem aqui escrevia José Miguel
Júdice: os sacrifícios vão continuar e até aumentar; há muitas expectativas que serão
incumpridas; não chega acabar com privilégios, vai ser necessário acabar com modos de
vida que até são apenas medianos. Ou mudamos ou rebentamos - e só esperamos que os
portugueses não o percebam tarde demais. Tal como esperamos que, batendo a crise
forte, haja por fim predisposição para alterar hábitos.
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