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COMUNICAÇÃO
TEATRO E EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE:
UM ESTUDO DAS TRANSFORMAÇÕES FÍSICAS E EDUCACIONAIS
EM UMA ESCOLA PÚBLICA DIFERENCIADA
Marose Leila e Silva (mestranda)
UNESP-Universidade Estadual Paulista
RESUMO
O presente trabalho analisa as transformações físicas e educacionais em uma escola pública
diferenciada nos últimos cinco anos (2005-2010). A escola, localizada no distrito do Butantã em São Paulo,
inspirou-se inicialmente na Escola da Ponte, instituição pública localizada na Vila das Aves no distrito do
Porto em Portugal. Conhecida por seu projeto inovador, a Escola da Ponte tem como diferencial a parceria
construída com a comunidade, principalmente os pais dos estudantes, parceiros efetivos na gestão
administrativa e educativa da escola.
Em 2005 a escola municipal paulista inspirada na Escola da Ponte, iniciou, juntamente com a
comunidade local um processo de revisão de toda sua estrutura educacional com o objetivo de oferecer aos
seus estudantes uma escola pública mais democrática e de qualidade. A escola, na época, sofria com
problemas graves como violência, exclusão escolar, ausência de professores e isolamento entre equipe
pedagógica e comunidade escolar. Entre as transformações da escola, estiveram a ampliação do espaço à arte
e a cultura. Atualmente, fazem parte de seu currículo oficinas de música, capoeira, cultura corporal, artes
visuais, teatro e artesanato. Outras mudanças significativas na escola foram, sem dúvida, a quebra de paredes
e o rompimento da divisão por série, assim como também a separação em agrupamentos por salas. Diante da
necessidade urgente de melhorar a qualidade do ensino público no Brasil, investigaremos nessa pesquisa
como as mudanças na escola pesquisada têm repercutido na formação de seus estudantes e de como o teatro
em suas modalidades mais atuais como a intervenção artística está sendo utilizada nessa instituição.
PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura Escolar; Educação pública; Teatro contemporâneo.
Se o mundo é um museu, por que não seria também uma escola?
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[...] Tempos difíceis, a gente tem um monte de coisa que não concorda. O que a gente faz
para avançar ao invés de só reclamar passivamente? O governo não tá bom, a escola não tá
boa, a rua não tá boa. O culpado é sempre o outro. Como eu faço para agir1?
Nosso trabalho com as artes, na escola pesquisada, começa em 2010. Embora nas aulas
o foco seja a linguagem teatral, tem sido comum em nossa prática a utilização de outras
linguagens artísticas. Não caracterizamos este entremear como a valorização de uma
linguagem em detrimento ou subserviência a outra. Diríamos que uma potencializa a outra,
como veremos adiante.
Nesta escola as artes ocupam um lugar privilegiado no currículo. Enquanto na maioria
das escolas públicas paulistas os estudantes têm em média uma ou duas aulas de artes por
semana, nesta escola o número de aulas pode até triplicar. Além de aulas com o professor
titular, acontecem atualmente no Ensino Fundamental II, oficinas de música, percussão,
violão, teatro, dança e artesanato, além destas oficinas existem atividades opcionais, fora do
horário regular, como a capoeira e o grafite.
Podemos notar que nesta escola a arte ocupa um lugar privilegiado, todavia percebe-se a
ausência de formas artísticas contemporâneas entre suas manifestações. Atuar nesta lacuna
talvez fosse um desafio para as aulas de artes. A escola já extrapolou o espaço limitante da
sala de aula, reduziu dispositivos disciplinadores do corpo e está receptiva ao que acontece
do lado de fora de seus muros. Vemos aí um caminho propício e solo fértil para uma
experiência mais inovadora com as artes.
O fato de contar com o trabalho de vários oficineiros, além de seus professores titulares,
permite à escola organizar agrupamentos menores de estudantes para a realização das
oficinas. Os grupos têm, em média 20 estudantes, entretanto esse número possa variar para
mais. Essa possibilidade, embora não seja garantia de aprendizagem, é inegavelmente
favorável, principalmente se considerarmos que nas escolas públicas em geral este número
de alunos duplica em cada sala de aula.
Outro diferencial significativo em relação às demais escolas públicas, diz respeito ao
espaço físico adequado para as artes, perdido outrora. A grande maioria das escolas perdeu,
nas últimas décadas, espaços garantidos às necessidades especificas de algumas áreas do
conhecimento2. Com o novo projeto da EMEF (2005), a sala de artes foi „recuperada‟. O
espaço anteriormente ocupado servia de estacionamento para os funcionários da escola e
1
2
Entrevista concedida por mãe da escola em 04.05.2011.
Não só as atividades artísticas perderam o antigo ateliê (sala de artes) como o laboratório de ciências e
outros espaços foram sendo transformados em sala de aula. Em parte pela enorme demanda de estudantes e
número insuficiente de escolas; também pela desvalorização da educação (e do prédio escolar) nas últimas
décadas.
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com as mudanças acabou sendo transformado na sala Conceição Acioli3, local onde
atualmente funcionam as salas de leitura e artes.
O que significa transformar o estacionamento de uma escola em espaço para aulas?
Normalmente a exclusão social é também exclusão territorial. A escola ao optar em deixar
os carros dos funcionários na rua construindo neste lugar um espaço às práticas educativas
subverte a prática rotineira da sociedade contemporânea, principalmente nas grandes
metrópoles, de priorizar o privado e não o público. Uma escola que quebra as paredes das
salas de aula não interfere só na forma arquitetônica do espaço escolar. Assim como, o
teatro no século XX, que ao fraturar o espaço tradicional, romper as fronteiras entre
espectador-ator, invadir espaços não convencionais como fábricas, hospitais, presídios e
praças, marca a tomada de novos paradigmas na estrutura cênica, a transformação na
EMEF revela o começo de novas propostas educacionais. Na escola ou no teatro, o espaço
reservado ao encontro das pessoas define a relação estabelecida entre elas. Não é só um
detalhe secundário, mas uma demonstração do seu próprio fundamento.
É verdade que com tantas atividades artísticas, a sala para as artes é muitíssimo
disputada e, não raro, professores destas áreas têm que utilizar outros espaços da escola
para suas atividades. No nosso caso, particularmente, a falta e a consequente mudança e
exploração de novos espaços estimularam a criação de novas propostas.
Figura 1 e 2- Sala de artes. Fonte: Arquivo pessoal. Foto- Marose Leila e Silva
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O nome da sala é uma homenagem à Conceição Acioli, já falecida. Conceição foi mãe de aluno e
colaboradora no novo projeto da escola.
4
Com relação ao tempo, a mudança no projeto da EMEF também foi favorável. Enquanto
a maioria das escolas públicas têm em cada período 6 aulas com a duração média de 45
minutos, com as mudanças do projeto acresceram-se 15 minutos às aulas. Percebemos, na
rotina diária da escola, a opção por um número menor de aulas, mas com maior duração.
Essa mudança não transforma, mas minimiza a fragmentação e compartimentação do tempo
e do conhecimento, respectivamente, tão característicos da educação formal.
Diante dessas diferenças, grande parte delas, reivindicações antigas dos professores,
inclusive os de artes, é de se pensar que o trabalho na escola seja mais fácil e melhor - ao
menos é o que se espera. Com condições tão ideais, como pensar, encaminhar a arte nesta
instituição? Com todas as vantagens já mencionadas nessa estrutura física e pedagógica
mais favorável (espaço mais adequado, número menor de estudantes em cada agrupamento,
maior diversidade de linguagens artísticas e tempo maior de aula), seria possível ousar,
realizar experimentos novos nas aulas de artes?
Se até então nosso trabalho com o teatro se orientava numa perspectiva voltada
à expressão e reflexão, principalmente através do jogo teatral, improvisação e história do
teatro. O contato com a nova escola estimulava uma nova experimentação. Além disso, o
contato recente e mais próximo com as formas artísticas contemporâneas como a
performance e a intervenção artística despertavam o desejo de utilizá-las na escola. Mas,
por
onde
começar?
Jogos
Começo do novo ano letivo (2011). Importante lembrar que os novos desafios (e riscos)
a que nos lançamos, colocavam professor e estudantes no mesmo „barco‟ e pelo menos num
primeiro momento, à deriva. Mas se considerarmos que “criatividade é antes descobrir o
que não se conhece” (GROTOWSKI, 2007, p. 227), a dificuldade pode se transformar em
aliada. Pelo menos, é o que se espera.
Fazer a escolha por um caminho desconhecido pode desestabilizar o professor, pois o
novo exige pensamentos novos, procedimentos novos. Não seria tão fácil abandonar, pelo
menos temporariamente, os planos de aula com objetivos, conteúdos e procedimentos
previamente estabelecidos e habituais. O desafio, a que nos lançávamos, exigia um certo
desapego. Não exatamente em negar ou esquecer o que se sabe, mas de não demarcar
antecipadamente o caminho. Usar os conhecimentos na medida da necessidade. Deixar as
necessidades surgirem para lançar mão do que se sabe e buscar aquilo que ainda não se
sabe.
Às sete da manhã começamos as atividades na escola. O corpo acostumado ao
relaxamento das férias não se acostumou fácil à jornada diária imposta. Estudantes novos
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chegaram. Preferimos, neste primeiro momento fincar os pés em chão conhecido. Durante
todo o mês jogamos com os tradicionais jogos. E de fato, a estratégia colaborou para
integrar os alunos novos, conhecer seus nomes, perceber limites e dificuldades. Interessante
observar que, nas atividades com os jogos, há uma participação maciça dos estudantes,
diferente do que acontece com outras propostas utilizando o teatro.
O jogo tende a estimular a imaginação, a expressão, a comunicação e o vínculo dos
jogadores no grupo porque exige uma aproximação diferente da cotidiana, comumente
baseada nas relações com formas padronizadas de agir, falar e pensar. No jogo tendemos a
quebrar, romper essas formas repetitivas. É um espaço privilegiado para constituir um
grupo. Segundo (RYNGAERT, 2009, p.39). “um espaço potencial definido como o campo
da experimentação criativa”.
Figura 3- (da esquerda para a direita e de cima para baixo). O sentido dos sentidos. Fonte: arquivo
pessoal. Foto- Diógenes dos Santos Miranda
Figura 4 e 5- Saborear (ou recusar) alimentos pelo cheiro. Fonte: arquivo pessoal. Foto- Diógenes
dos Santos Miranda
Figura 6- O jogo do olhar. Fonte: arquivo pessoal. Foto- Marose Leila e Silva
Figura 7- Reconhecer pessoas pelo toque. Fonte: arquivo pessoal. Foto- Marose Leila e Silva
Vídeos, reflexões e inquietações
Se a idéia para as aulas de artes partia de uma intenção deliberada de utilizar
modalidades artísticas mais contemporâneas como a performance, uma prosa a respeito dos
conceitos que permeiam essas formas artísticas se fazia necessária. Selecionamos alguns
vídeos de artistas e não artistas que, de alguma forma, criavam seus trabalhos numa
6
perspectiva, que naquele momento, nos interessava: problematizar, desestabilizar o
entendimento comumente disseminado do que seja (obra de) arte. Trouxemos para aula
„Hélio Oiticica-museu é o mundo‟4.
Muitos estudantes comentaram a respeito do vídeo visto, trazendo exemplos do que
viam na sua própria realidade, pois no entorno da escola é visível o movimento de artistas
que, pela arte interferem no cotidiano do bairro. O morro do Querosene5 é um bom
exemplo, conhecido por várias manifestações, entre elas, a festa do Bumba-meu-Boi, que
comemorou em 2011, vinte e cinco anos de realização.
No contato com esse novo repertório, alguns temas foram surgindo, desencadeando
debates, perguntas, comentários, discussões e conceitos.
O vídeo e as discussões possibilitaram alguns desdobramentos. Vejamos a seguir.
Se o mundo é um museu, por que não seria também uma escola?
Uma referência importante nos encontros semanais, no mês de março, foi o vídeo Hélio
Oiticica-museu é o mundo - documentário a respeito deste artista e suas criações. A maioria
dos estudantes já conhecia Oiticica. O contato acontecera no ano anterior (2010) durante a
29ª Bienal de arte no Parque do Ibirapuera. Nesta saída cultural pudemos penetrar o
„Parangolé cama‟, um dos experimentos de Oiticica presente na Bienal. O contato com o
parangolé acabou abrindo espaço para conhecermos o Tropicalismo e uma série de eventos
artísticos e políticos que marcaram o período (1968).
A proposta de Oiticica de criar verdadeiros ninhos sensoriais para despertar os sentidos e
outros graus de percepção nas pessoas trouxe inspiração para as aulas. Assim como Artaud,
que via o teatro como uma necessária e desejada „perturbação‟ para os sentidos.
4
O documentário „Hélio Oiticica-museu é o mundo‟ foi produzido pelo Itaú Cultural. Com direção de Max
Eluard e participação de Paula Braga, César Oiticica Fo., Fernando Cocchiarale.
5
Nas proximidades da escola está localizado o Morro do Querosene ou Vila Pirajussara, região de grande
efervescência cultural. O bairro é conhecido pela ação de seus moradores, que ao longo do ano realizam uma
série de manifestações culturais nas ruas do bairro, atraindo visitantes e pesquisadores da cultura popular.
Dentre os acontecimentos culturais, destacamos: Festa de Reis, São Benedito, Cosme e Damião, Blocos
Carnavalescos, Festa do Bumba-meu-Boi. http://www.morrodoquro.blogspot.com/ (acessado em 11.07.2011).
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Figura 8, 9 e 10 (de cima para baixo e da esquerda para a direita)- Painel “Tropicalismo”. Fonte:
arquivo pessoal. Foto- Marose Leila e Silva
A partir das discussões a respeito do vídeo Hélio Oiticica-museu é o mundo, criamos
uma série de experimentos com foco nos sentidos. Estes experimentos foram realizados
concomitantemente aos jogos teatrais que realizávamos desde o início do semestre. Vimos
uma possibilidade de diálogo entre os jogos que realizávamos com o universo lúdico e
suprasensorial provocado pelas criações de Oiticica. Intercalando os jogos, brincamos com
os sentidos inspirados em alguns experimentos do artista. Vimos em ambas estratégias a
possibilidade de expansão da capacidade perceptiva. Experimentamos:
o
o
o
o
o
o
Saborear (ou recusar) alimentos pelo cheiro
Ver objetos pelo tato
Descobrir rostos pelas mãos
Perceber ossos pelo toque
Ler uma música pelos ouvidos
Criar uma poesia pela forma e a cor
8
o
o
o
o
Descobrir a escola com os olhos do outro
Sentir uma presença invisível
Olhar com o corpo inteiro
Compartilhar uma ideia através de gestos
Oiticica mergulhou fundo no viés lúdico e multifacetado da nossa cultura para criar
obras que romperam os espaços museológicos tradicionais e foram para as ruas, praças e
parques, provocando reações nas pessoas que normalmente não frequentam os espaços
públicos onde acontecem as bienais e as exposições. Extrapolar os espaços convencionais
fez parte da trajetória de Oiticica. O artista chamava esse movimento anti-convencional
de acontecimentos poéticos-urbanos, uma espécie de delírio ambulatório6. A arte não
deveria continuar aprisionada em espaços fechados e restritos a um único público. Este
movimento era uma espécie de ação anarquista, herança do convívio familiar de muita
liberdade, principalmente pelo contato com o avô José Oiticica7. Levar a arte para a rua
significava, para Oiticica, invadir a vida, experimentar uma espécie de arquitetura móvel e
flexível, romper com um tipo de arte estagnada, morta. Esta atitude acaba por colocar o
artista, no final da década de 1950, muito próximo dos movimentos artísticos que
chacoalhavam a arte na Europa e nos EUA. Invadir a vida, sair dos museus, galerias e
teatros nos parecem uma prerrogativa não nova, mas ainda atual. É preciso entender esta
mudança não como mero deslocamento de espaço. Não é exatamente a porta que se abre,
mas os olhos, o pensamento: “parece impossível examinar as obras contemporâneas sem se
sensibilizar com a maneira pela qual os autores inscreveram seus discursos em arquiteturas
que já explicam o conteúdo” (RYNGAERT, 1998, p. 82).
Depois de tantos mergulhos em Oiticica surgiu a idéia de criarmos um parangolé. A
proposta não era tanto a reprodução das capas, mas que ao recriá-las pudéssemos
estabelecer com os objetos um contato lúdico, uma conversa fiada com pessoas da escola e
de fora dela. Uma espécie de participáculo (GROTOWSKI, 2007, p.42), que favorecesse o
contato de diferentes pessoas num determinado jogo no qual todos pudessem participar.
O termo parangolé no dicionário Aurélio, corresponde a uma gíria carioca que pode ser
traduzido como „conversa fiada‟. Pelo sentido do termo, podemos tentar traçar o caminho
percorrido por Oiticica nessa criação, que é a própria encarnação antropofágica da cultura
brasileira. Sem dúvida, que o convívio do artista com a escola de samba Mangueira 8 no Rio
de Janeiro foi inspirador, assim como, sua inquietude e curiosidade, qualidades que
acabaram levando o artista a renovar a arte brasileira, principalmente pela forma com que
aproximou „obra-público‟.
6
Delírio Ambulatório foi um termo criado por Hélio Oiticica, referindo-se as suas intervenções artísticas nos
espaços urbanos nos anos 1960 e 1970.
7
8
José Oiticica, historiador e intelectual anarquista.
Hélio Oiticica foi passista da Estação Primeira da Mangueira. Em 1965, na Mostra Opinião no Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, Oiticica quebra o protocolo e leva integrantes da escola de samba para uma
manifestação nas salas do MAM e acaba sendo expulso. Nesse episódio, o artista acusa o museu de racismo.
9
O convívio de Hélio Oiticica com moradores da favela no Rio de Janeiro não deve ser
visto como um contato de pesquisador ou estudioso, mas de um visitador-amigo. O artista
se sentia inebriado na cultura criada nos morros: carnaval, música, vielas estreitas e
labirínticas, as rodas de samba. Segundo Paula Braga, “é preciso ver o Hélio como quem
passeia por um jardim, um labirinto”9, alguém que estando no Rio de Janeiro preferia o
morro à Ipanema: - “Eu conheço a mangueira melhor que qualquer espaço, parte do mundo [...],
tem a forma particular de andar, que se adquire andando no morro como quem busca caminhos no
coração da terra”10.
Ao criar seus parangolés, Oiticica não pretendia simplesmente substituir a obra de arte
por outros objetos, sua intenção era outra. Com uma nova proposição para os objetos
artísticos, o artista abria um território novo não só para a criação como também para a
recepção artística. Oiticica queria que as pessoas penetrassem suas obras. Muitos dos
seus experimentos que alcançaram a rua, exploravam o cotidiano, a relação arte-vida.
Portanto, o sentido da „obra‟ surgia somente na relação mantida com o „receptor‟ que se
transformava em co-autor da „obra‟. Nesta proposição, o artista “transforma a estrutura de
pensamento, a estrutura de comportamento. É muito mais transgressor e poderoso do que
você distribuir panfleto com regras [...]”11.
Na EMEF, criamos nossos parangolés com os materiais disponíveis na escola: retalhos
de tecido e papel, tampinhas, penas, fitas, tintas, etc. Depois de criados pelos estudantes, os
parangolés foram levados primeiramente ao espaço externo da escola, durante o recreio dos
alunos menores, criando um jogo lúdico com as capas coloridas.
Figura 11 e 12 - Confecção dos parangolés. Fonte: arquivo pessoal. Foto- Diógenes dos Santos
Miranda
9
Hélio Oiticica-museu é o mundo. Produção Itaú Cultural, 2010.
10
Hélio Oiticica no vídeo Hélio Oiticica-museu é o mundo. Produção Itaú Cultural, 2010.
11
Paula Braga no documentário „Hélio Oiticica-museu é o mundo‟. Produção Itaú Cultural, 2010.
10
Figura 13 e 14- Alunos oferecem os parangolés para os transeuntes da praça. Fonte: arquivo
pessoal.
FotoDiógenes
dos
Santos
Miranda
Figura 15- Alunos oferecem os parangolés aos policiais. Fonte: arquivo pessoal. Foto- Diógenes
dos
Santos
Miranda
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Levamos também os parangolés à Praça Elis Regina. A praça está localizada nas
proximidades da escola e é um espaço que recebe diariamente vários moradores do bairro.
Crianças, jovens e adultos brincam, jogam e exercitam-se nos diferentes espaços da praça.
Entendemos e vivenciamos a proposta com os parangolés como um experimento lúdicorelacional, uma vez que, vemos na estrutura do jogo um potencial não só para quebrar a
rigidez, automatismo e a resistência corporal como também desobstruir barreiras, abrir
brechas para a relação - o encontro entre pessoas e o mundo. Nesta relação o que interessa
não é tanto o aspecto interpessoal, embora não se possa dissociá-lo, mas dar espaço,
conspirar para uma relação mais plural, coletiva.
A proposta do jogo na Praça Elis Regina consistia em oferecer os parangolés para os
transeuntes. Estabelecer um contato com as pessoas, convidar para uma „conversa fiada‟,
rápida que fosse. As situações mudavam de acordo com a relação que se estabelecia com os
freqüentadores da praça.
As reações das pessoas foram as mais variadas no encontro com os estudantes. Alguns
diziam que não tinham tempo. Outros vestiam o parangolé e perguntavam sobre o sentido
do objeto. Passamos por um grupo de senhores que jogava dominó. Um deles vestiu o
parangolé por algum tempo. Não é que ele ganhou a partida do jogo! Segundo ele, o „tal
parangolé‟ trazia sorte. Paramos uma viatura da polícia que passava ao lado da praça e
oferecemos as capas coloridas. Mas, um dos dois policiais argumentou que estavam a
trabalho e que não poderiam participar do jogo. Apesar de negado o pedido, a resposta foi
dada com um sorriso.
Na conversa que tivemos após a experiência na praça os alunos comentaram:
- A última pessoa achou que a gente fosse rouba ela [...] ela levou um
susto [...] porque tinha muitas pessoas.
- Hoje em dia é assim, a pessoa tá andando na rua normal e chega um
homem e acham que ela quer assaltar.
- Não é só na sala que a gente aprende.
- Eles acham que a gente aprende mais aqui do que lá fora.
- Lá fora tem liberdade.
- Por isso que as coisas não vão pra frente, a escola tinha que ensinar a gente
a mudar, tem muita coisa que tá velha na escola.
12
-
Mudar
a
rotina
estimula
a
gente
a
aprender12.
Quando na década de 1970, Oiticica cria seus parangolés, havia uma intenção explícita
em tornar híbrida a poesia, o samba através de estandartes, bandeiras, tendas e capas
coloridas que quando movimentadas davam diferentes qualidades ao movimento.
O parangolé é um delírio ambulatório, um convite sensível ao lúdico. Para nós da
escola, foi quase uma brincadeira carnavalesca de todos os dias com o propósito de travar
um encontro e uma prosa com as pessoas conhecidas e desconhecidas.
Muitas pessoas que passaram por nossa intervenção na praça não tinham a menor idéia
do que propúnhamos. A praça utilizada diariamente para caminhadas, brincadeiras e batepapo estava diferente naquele dia e por mais indiferentes que algumas pessoas possam ter
visto nossas ações ou fingir que não viram, interferimos naquele espaço, criando uma
interação provocativa nos transeuntes que circulavam.
Será que a atividade realizada na praça Elis Regina poderia ser considerada uma
interrupção na realidade cotidiana daquelas pessoas, inclusive dos alunos? Embora para
alguns alunos tenha sido difícil o contato com as pessoas da praça, em parte pela timidez,
para outros não foi tão difícil, por entenderem o exercício como um jogo, um exercício
lúdico. Difícil definir o que fizemos: um exercício lúdico coletivo? Talvez isso não seja tão
importante. O que consideramos válido nesta experiência foi a aproximação, o contato com
os experimentos de Oiticica e se isso provocou, desencadeou uma mudança na percepção
dos alunos com relação à arte e ao próprio „formato‟ de aula comumente utilizado dentro
das escolas.
Depois dos parangolés ainda realizamos mais duas intervenções artísticas dentro e
fora da escola: „Banquete Tropicalista: é proibido proibir (uma vanguarda brasileira?)‟ e
„Homo Consumericus13‟.
12
Conversa com os alunos durante a aula.
13
Intervenção inspirada na obra da artista Letícia Parente.
13
Figura 16- (de cima para baixo e da esquerda para a direita) Banquete Panis et Circense ou
Banquete Tropicalista. Fonte: arquivo pessoal. Foto- Diógenes dos Santos Miranda
Figura 17, 18 e 19- Preparação para Banquete Panis et Circense/Banquete Tropicalista. Fonte:
arquivo
pessoal.
FotoDiógenes
dos
Santos
Miranda
14
Figura 20 a 27- Homo Consumerícus na praça e na escola. Foto: arquivo pessoal. Foto de Marose
Leila e Silva
15
Referências bibliográficas:
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Max Limonad, 1984.
COELHO, Teixeira. O que é ação cultural. São Paulo: Brasiliense, 1988.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1989.
GROTOWSKI, JERZY. O teatro laboratório. São Paulo: Perspectiva, 2007.
PAÇO DAS ARTES. Preparações e tarefas-Letícia Parente. São Paulo, 2007.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar. São Paulo: Cosacnaify, 2009.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Teses:
ANDRÉ, Carminda Mendes. O teatro pós-moderno na escola. 2007. (Doutorado em
Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, S Paulo, 2007.
Vídeos:
ITAÚ CULTURAL. Hélio Oiticica-museu é o mundo. São Paulo, 2010.
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