PAINEL
SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI, SEJA PROFESSOR
Adriele Silva da Silva1
FAV | ICA | UFPA
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O estandarte “Seja Marginal Seja Herói” produzido por Hélio Oiticica, em 1968, foi o mote
decisivo para produzir a experiência de participação mais simbólica e significativa do e ao
processo desenhado pelo projeto educativo “atitudes e forma” integrante da exposição “Hélio
Oiticica – museu é o mundo” em sua edição Belém. Uma nova bandeira foi feita, mas essa de
papel jornal, tinta, cola e ilegalidade. No total foram produzidas 32 (trinta e duas) bandeiras
destinadas a 16 (dezesseis) diferentes localidades da cidade de Belém, para falar visualmente
da marginalidade heróica que envolve todo professor. A ação conseguiu envolver a
participação de 12 (doze) dos 18 (dezoito) integrantes da equipe de mediação cultural
educativa e propor a esses participadores2 a experimentação das tensões com a obra, levando
ao máximo as manifestações ambientais tão possíveis dentro da obra de Hélio Oiticica,
levando ao máximo a reflexão sobre o papel do professor, levando a outras produções e
reflexões de arte e de vida.
PALAVRAS-CHAVE: Hélio Oiticica; Marginalidade; Heroísmo.
O carioca Hélio Oiticica nasce em 1937 no cerne de uma família historicamente
anarquista que opta por ensinar aos filhos matemática, ciências, línguas, história e geografia
dentro de casa. Sua principal influência e formação intelectual é atribuída ao avô, professor,
escritor, anarquista José Oiticica. Aos 10 (dez) anos de idade ele frequenta, junto com os
irmão mais novo, pela primeira vez uma escola oficial, em Washington DC, devido a ida de
seu pai José Oiticica Filho então ganhador de uma bolsa da Fundação Guggenheim por onde
permanecem por 2 (dois) anos. Depois da volta ao Brasil aos 17 (dezessete) anos junto com o
irmão César Oiticica começa a estudar pintura no museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
com Ivan Serpa. Os primeiros saltos para o mito que se tornou são dados nessa época com a
produção dos Metaesquemas, dos Secos, dos Monocromáticos, do Projeto Cães de Caça, do
Bólide B1. A limpeza e exatidão geométrica marcam toda sua produção junto ao grupo frente
1
Adriele Silva da Silva – estudante de artes visuais, ex-bolsista PIBIC/CNPq com a pesquisa denominada
“Caminhos Cruzados: entre a crítica de arte e a curadoria”, integrante do grupo de estudos “Pedagogia da Luz”
na Associação FotoAtiva.
2
Definição dada por Hélio Oiticica ao espectador de sua obra.
e sua produção individual até 1963 quando conhece e começa a se envolver profundamente
com o morro da mangueira, com o samba, com a comunidade. Oiticica se encanta com as
cores, com os ritmos, com as materialidades e leva isso a sua obra sem estereotipar a favela,
desenvolvendo a partir daí os Parangolés, o Programa Ambiental, as proposições e definições
do Suprasensorial, do Delírio Ambulatório.
Manoel Moreira, conhecido como Cara de Cavalo, em 1964 mata o detetive Milton de
Oliveira Le Cocq. Fato que leva a sua caçada e morte 4 (quatro) meses depois. Cara de
Cavalo era não só o bandido famoso do Rio de Janeiro, mas o amigo querido de Hélio
Oiticica que em 1969 escreve
Afora qualquer simpatia subjetiva pela pessoa em si mesma, este trabalho representou para mim
um momento ético que se refletiu poderosamente em tudo que fiz depois: revelou para mim mais
um problema ético do que qualquer coisa relacionada com estética. (OITICICA, 2010)
Hélio Oiticica quando produziu o estandarte Seja Marginal Seja Herói falava do amor,
de um a margem não visto muito mais do que de qualquer apologia a violência. Ele ainda
escreve “Eu quis homenagear o que penso que seja a revolta individual social: a dos
chamados marginais.”
Hélio Oiticica tratava aqui de apontar suas dúvidas sobre e para uma sociedade que
escolhe suas vítimas e seus vilões. Que prefere muitas vezes a certeza de uma justiça
longínqua e feita para poucos que uma educação significativa além dos números, mas que
considere a qualidade de todo o seu sistema, desde a limpeza diária de seus espaços até a
disponibilização de ferramentas de ensino atualizadas passando ainda pela possibilidade de
investir na parceria com a educação não formal. Muitas são as questões que tangenciam essa
constante passagem entre heroísmo e marginalidade, pois o conceito do que é violência
atualmente é algo que lida diretamente com uma “hiperbanalização”3 em uma realidade
construída pela hiper veiculação de notícias em jornais que alimentam a banalização
dessa sociedade complexa e em conflito.
Nessa perpectiva qualquer semelhança com a realidade escolar em arte não é mera
coincidência, no máximo uma sincronicidade. O que se tornou ser professor, seja de educação
formal seja de não formal, se não a necessidade constante de sendo herói ser marginal a sua
3
Ver Ligia T. L. Simonian e Mário J. Brasil Xavier no texto “A violência das Gangues e os Guetos sociais em
Belém do Pará: Sociabilidades conflituosas”
própria remuneração, as suas condições de trabalho, as distâncias entre as realidades ditadas
pelos programas e as vivenciadas entre estudantes, ao mercado que explora as esperanças de
ganhos, a desvalorização dentro da própria classe. Que outro professor de química, português
ou geografia refere-se ao um colega de artes dizendo “Esse sim é O Professor!”?. Não
conheço nenhum.
Provocados por esse sentimento a equipe de mediação cultural educativa propôs uma
ação junto a cidade de Belém em que a partir do experimental que foi além das possibilidades
da época de Oiticica atravessando e se transformando em contemporâneo propunha agora a
transformação do contemporâneo em educação de um educador que grita sua marginalidade.
Instigados pela possibilidade de investir em uma produção coletiva de reflexão tanto
da nossa atuação enquanto corpo de educadores que vai além do espaço do museu e da escola
tomamos a intervenção urbana como meio de falar/comunicar. Produzimos então 32 (trinta e
duas) bandeiras “Seja Marginal Seja Herói” em stêncil sobre papel jornal (retirado das folhas
de classificados) destinadas a 16 (dezesseis) diferentes localidades da cidade de Belém dentro
dos bairros da Campina, Cidade Velha, Batista Campos, Telégrafo, Pedreira, Jurunas, Guamá
e São Brás que envoltas em zonas de conflito pudessem estabelecer falas de aceitação ou
reprovação. Saímos na noite do dia 02 de julho de 2011 para colar nossos cartazes. Medo,
euforia, atenção, felicidade, rejeição, cansaço, alívio.
Fomos todos dispostos a construir essa memória coletiva de sentimentos e de uma
ação para todos e para nenhum, de construir a possibilidade de diálogos. Uma sensibilização
estética e violenta, uma jogada entre a educação e os códigos urbanos e de relação.
Alguns desses cartazes sumiram no dia seguinte. Outros ficaram durante meses. E
outros ainda duraram até o próximo cartaz colado em cima. Uma efemeridade necessária, e
um ponto de partida ou de chegada. Pois foi a partir disso que ganhamos a dimensão dessa
marginalidade e desse heroísmo diário da educação. “O educador [...] deve dialogar com os
interesses de cada grupo e se possível de cada sujeito observante.”4 diz Ana Mae Barbosa.
Então porque não dialogar primeiro com os nossos próprios educadores, com nosos primeiros
observadores e fazer-los refletir sobre seus próprios trabalhos e condições. Um diálogo difícil
e possível a cada um dos que se dispuseram a estar em dúvida enquanto um exercício de
curiosidade e de pesquisa.
4
Ver “Arte/Educação em Museus: herança intangível” de Ana Mae Barbosa.
Hélio Oiticica - museu é o mundo
Belém - 2011
Curadores
Fernando Cocchiarele
Wagner Barja
César Oiticica Filho
Projeto Educativo
Adriele Silva da Silva
Heldilene Reale
Fotografias
Irene Almeida
Participadores da ação Seja Marginal Seja Herói
Keoma Calandrini
Breno Bitencourt
Ricardo Silva
Cindy Dória
Luana Peixoto
Tayná Cardel
Armando Queiroz
César Oiticica Filho
Júlia Oiticica
Adriele Silva da Silva
Heldilene Reale
REFERÊNCIAS
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FILHO, César Oiticica. Hélio Oiticica: Museu é o mundo. São Paulo: Itaú Cultural,
2010.
COCCHIARALE, Fernando. Quem tem medo de arte contemporânea. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2006.
TRIGO, Luciano. A Grande Feira: uma relação de vale-tudo na arte
contemporânea. Rio de Janeiro: Record, 2009.
MOKARZEL, Marisa (org.). Artes Visuais e Suas Interfaces. Belém: UNAMA,
2008.
CANONGIA, Ligia. O Legado dos Anos 60 e 70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005
GADAMER, Hans-Georg. A Atualidade do Belo: arte como jogo símbolo e festa.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
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