Divulgação MOSTRA SP 2015 Cinema contemporâneo e filmes do passado Págs. 14 e 15 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional Ano 13 • Número 660 São Paulo, de 22 a 28 de outubro de 2015 R$ 3,00 www.brasildefato.com.br Os evangélicos da política Reportagem especial retrata como atuam os pastores do Congresso e como as igrejas evangélicas escolhem seus políticos. Mostra também o segredo da força da bancada para barrar os avanços sociais e garantir privilégios como a isenção fiscal e a concessão de rádios e TV. Págs. 9, 10, 11 e 12 ISSN 1978-5134 ISSN 1978-5134 A disputa entre comunidade e mineradora no Pará Págs. 4 e 5 A agricultura e a legislação sobre agrotóxicos Pág. 8 Marcelo Barros Elaine Tavares Altamiro Borges Uma nova política No hospital As “contas” de Nardes Nesses dias, o Brasil se debate em uma violenta onda de ódio. A elite nacional e os grandes meios de comunicação tudo fazem para que o exercício da política caia em descrédito geral. Pág. 2 Imaginem um hospital no interior, privado, com uma pequena ala do SUS que, por conta de maus administradores, acaba sendo no mais das vezes o saguão do inferno. Pois, num assim, caí eu. Pág. 2 O ministro Augusto Nardes, do TCU, ganhou fama no noticiário político ao propor a rejeição das contas do governo Dilma. Agora, porém, pode ganhar fama no noticiário policial. Pág. 3 2 de 22 a 28 de outubro de 2015 editorial Por quem os sinos dobram? A SEMANA PASSADA (11 a 18 de outubro) encheu o país e o mundo de novos “mistérios” sobre os rumos da política brasileira que, nesta segunda-feira (19), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras só ajudou a ampliar, depois que o relator da Comissão, deputado Luiz Sérgio (PT-SP), anunciou a conclusão dos seus trabalhos, e que a CPI não pedirá o indiciamento de qualquer dos envolvidos. O primeiro sinal dos “mistérios” veio a púbico através das manchetes dos oligopólios de mídias na noite da quinta-feira, 15 de outubro, e na manhã da sexta (16). Ambígua, a manchete da capa do jornal O Estado de S. Paulo, afirmava: “Por Dilma, Lula articula para salvar mandato de Cunha”, acompanhada, logo abaixo, por uma linha-fina: “Ex-presidente tenta barrar processo no Conselho de Ética; em troca, impeachment da presidente não avançaria”. Ora, na construção da manchete, o “Por Dilma” ganha um duplo sentido: o sentido de “Com o aval de Dilma” / “Se depender de Dilma” ou, um segundo sentido: “Para salvar Dilma” / “Para proteger Dilma”. A ambiguidade não era acidental ou opinião inocente: na manchete da página 4 (para onde nos remetia a chamada de capa), temos a mesma construção: “Por Dilma, Lula aciona PT em busca de acordo para salvar o mandato de Cunha”. E mais: os textos da capa e da matéria começam afirmando: na capa, “O Governo e o ex-presidente Lula articulam para salvar o mandato do presidente da Câmara (PMDB-RJ), no Conselho de Ética”; e na página 4, “O Palácio do Planalto e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva...” (todos os grifos neste texto são nossos). Com variações mais (ou menos) discretas, foi esse o tom de todos os oligopólios da mídia – em seus impressos, TVs, rádios e internet, para noticiar a reunião do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com cerca de uma dúzia de deputados federais do PT, num hotel onde o ex-presidente estava hospedado em Brasília, na quinta-feira (15). A partir daí, o assunto ganhou corpo, e um tom cada vez mais agressivo contra o PT e, sobretudo, contra a presidenta Dilma Rousseff, até chegar à capa da Isto É desta semana: “Dilma e Cunha – Um acordão indecente”. Se nem o Partido dos Trabalhadores, e nem o governo autorizam tal negociação, em nome de quem ou do que articula o expresidente? O fato dos oligopólios da mídia manipularem descaradamente a informação, não se constitui em qualquer “mistério”. Infelizmente esse expediente, hoje, já foi assimilado e – como diria Hanna Arendt – é apenas mais um dos muitos capítulos da “banalização do mal” em nosso país. O problema é que, desde a manhã da mesma quinta-feira (15), quando o ex-presidente Luiz Inácio se reunia com os deputados, o presidente nacional do Partido dos Trabalha- dores – Rui Falcão, já postara em seu blog que “não há nem haverá qualquer acordo com o parlamentar Eduardo Cunha para barrar o processo em trânsito na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. Quem tem acerto com ele é a oposição de direita [...]. Notícias a este respeito são deslavadas mentiras ou plantações de quem eventualmente deseja semear confusão [...]. Denúncias contra Cunha seguirão seu rito normal e os representantes petistas votarão conforme as provas e sua consciência [...] continuaremos a lutar contra o golpismo nas ruas e nas instituições, em defesa da legalidade constitucional e do mandato da presidente Dilma Rousseff”. “Tanto o governo quanto o PT já deixaram claro que não existe hipótese de complacência com o malfeito e a corrupção, que devem ser apurados e punidos doa a quem doer.” Ainda na mesma manhã, o jornalista Breno Altman, em seu blog – “Opera Mundi”, publicou artigo repercutindo e chamando a atenção dos leitores para o texto do presidente Rui Falcão. Ora, não fosse suficiente a declaração do presidente do PT, que deixou crônica Marcelo Barros Na construção de uma nova política NESSES DIAS, o Brasil se debate em uma violenta onda de ódio. A elite nacional e os grandes meios de comunicação tudo fazem para que, além de derrubarem um governo frágil e autista, o próprio exercício da política caia em descrédito geral. Enquanto isso, a ONU celebra o 70º aniversário de sua fundação (24 de outubro de 1965), com atividades contra o armamentismo e em favor da paz. A ONU cumpre a importante missão de zelar para que a sociedade internacional seja impregnada de valores fundamentais, como o respeito à dignidade de todos os seres humanos, a supremacia da justiça, a consciência ecológica e a abertura à diversidade cultural e religiosa. Grande parte da humanidade apoia a ONU, mas sonha com um organismo mundial que abranja não somente governos, mas também uma representação legítima da sociedade civil internacional. Só uma organização internacional, que reúna Estados e representantes das organizações civis, terá força para exigir das grandes potências respeito pelas leis e decisões internacionais. Somente um organismo assim poderá intervir para que o governo de Israel pare de massacrar o povo palestino. E proíba os países ricos de estabelecer leis agrícolas protecionistas que destroem a economia dos países africanos. Através da FAO, a ONU reconheceu que a Venezuela superou o analfabetismo e em todo o país está superada a fome e a desnutrição. Por que, então, não se coloca decididamente a favor dos governos e dos povos da Bolívia, Venezuela e Equador, que enfrentam o imperialismo e refazem o sonho da integração e da libertação? Os organismos da ONU mostram que, se os alimentos produzidos no mundo e a riqueza que existe, fossem repartidos de forma mais justa, daria para alimentar toda a humanidade e garantir saúde e vida digna para todos. No entanto, a riqueza está cada vez mais concentrada nas mãos de uma pequena elite e a sobrevivência da imensa maioria de pobres tem sido, cada dia, mais difícil e exigente. A Unicef adverte que, por causa dessa organização injusta da sociedade, a cada ano, 40 a 60 milhões de pessoas morrem de fome ou de doenças ligadas à desnutrição. Mais de um bilhão de crianças vive abaixo do nível da pobreza. Mesmo o Brasil, que em 12 anos conseguiu tirar milhões de pessoas da miséria, a realidade das aldeias indígenas e das comunidades remanescentes de Qui- “A política não deve submeter-se à economia e esta não deve submeterse aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje, precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente a serviço da vida” lombo é dramática e terrível. Conforme cálculos do Banco Mundial, com 40 bilhões de dólares, se poderia resolver todo o problema da fome e da saúde dos pobres do mundo. Ora, somente em um ano, os Estados Unidos gastam mais de um bilhão de dólares em armas para as guerras que mantêm no mundo. Ao mesmo tempo, a sociedade dominante que windtoons.com provoca as guerras contra os povos pobres, fecha suas fronteiras aos migrantes que tentam sobreviver ao extermínio e decreta que o destino deles deve ser a morte em seus países ou o fundo do mar nas portas das ilhas de luxo do primeiro mundo. A maioria das pessoas que pensam percebe que a hegemonia e o controle exercido pela economia sobre a política, no decorrer dos últimos 30 anos, foi uma catástrofe para o mundo. Quando, na crise de 2008, a situação tornou-se incontrolável e sem saída, as empresas recorreram de novo à política. Mas, que tipo de política? Na encíclica sobre o cuidado com a Terra, nossa casa comum, o papa Francisco pondera: “A política não deve submeter-se à economia e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje, precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente a serviço da vida, especialmente da vida humana” (L. S., 189). É preciso unir todas as pessoas de boa vontade e grupos articulados da sociedade civil para “democratizar a democracia”, ou seja, elaborar um novo modelo de política, efetivamente, centrado no bem comum. Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, martirizado em 1980, propunha um retorno ao que ele chamava de “grande política”. Em meio à crise política em que estamos mergulhados, as pessoas que creem em Deus e em seu projeto para o mundo devem ser testemunhas de que todo sofrimento e decepção podem se transformar em dores de parto, através das quais podemos gerar uma realidade nova que nos ajude a viver o projeto divino de paz e justiça para esse mundo. Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo. Atualmente, é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT) e assessora comunidades eclesiais de base e movimentos sociais. claro que falava pelo partido e pelo governo, neste final de semana, entrevistada durante sua visita à Suécia sobre o tal “acordo” com o deputado Eduardo Cunha, a presidenta Dilma Rousseff negou qualquer iniciativa ou concordância sua ou do seu governo com qualquer movimento nessa direção. Ora, se nem o Partido dos Trabalhadores, e nem o governo autorizam tal negociação, em nome de quem ou do que articula o ex-presidente? E, se não se trata de negociar o andamento do processo de impeachment da presidenta, que outra coisa tão misteriosa (e valiosa!) detém o deputado Eduardo Cunha para oferecer ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que faz este último atropelar toda a decisão do seu partido, desconhecer a posição do nosso Governo e se expor do modo que tem feito? Para agravar e adensar ainda mais esse silêncio cheio de “mistérios”, o Instituto Lula até hoje não emitiu sequer uma nota sobre o assunto. PS: Quando encerrávamos este editorial, da nossa redação escutamos sinos. Dobrados um tanto fúnebres. Por quem os sinos dobram? Elaine Tavares Uma noite no hospital IMAGINEM UM HOSPITAL no interior, pequeno, privado, com uma pequena ala do SUS, esse incrível sistema de saúde do Brasil, que permite a qualquer pessoa ser atendida gratuitamente. Mas, que, por conta de maus administradores, acaba sendo no mais das vezes o saguão do inferno. Pois, num assim, caí eu. Poucos médicos na ala SUS, poucas enfermeiras, poucos técnicos e muitos doentes. Muitos. Na emergência chegam os estropiados, os quebrados, os urgentes. Os poucos leitos vivem lotados e os que chegam ficam nas macas, nos corredores. Não por maldade dos médicos ou atendentes. Não há vagas mesmo. E se a pessoa não tem dinheiro, tem de se submeter. Meu pai foi quem precisou do hospital e só no segundo dia conseguiu um leito. O quarto onde ficou é simples e coletivo. As coisas estão velhas, mas parece limpinho. Há que destacar o trabalho quase desumano a qual estão submetidas as assistentes de enfermagem. Garotas guerreiras que seguram na força do braço um andar inteiro de gente para trocar, medicar e cuidar. Junto com meu pai estavam mais outros dois doentes. Um deles, com o pé necrosado, mal sabia o que tinha. “O médico vem, mas não explica direito, ou eu é que não entendo, não sei.” O que sim, sabe, é que lhe falta o ar e lhe explode o coração. Sem outro recurso, tem de confiar no tratamento. O outro companheiro era um jovem que estava morrendo. Como são longas, tristes e inacreditavelmente belas as madrugadas nas alas do SUS “A médica veio aqui e já desenganou ele”, conta a mãe, dona Maria, uma mulher de uns 60 anos que parece ter 80. O corpo magrinho se debruça sobre a cama e ela reza, entre lágrimas. Na noite de vigília que compartilhamos, chovia à cântaros, e ela se sentiu ofendida com a maneira da enfermeira falar e foi ficar lá fora do hospital, no meio da rua, chorando e clamando aos céus. Uma cena de cortar o coração. As assistentes, penalizadas, tentaram trazê-la de volta, mas ela não quis. Só no comecinho da manhã, quando o filho gritava por ela, sem parar, é que as jovens conseguiram fazê-la voltar, toda molhada. Ela veio, e ali ficou chorando, chorando, sem parar. Nenhum consolo parecia possível. Dona Maria diz que há um descaso com os pobres. Os médicos falam como se estivessem fazendo um favor e, se as perguntas são muitas, fazem cara de irritação e respondem sem paciência. Não explicam. Falam na língua de médico e esperam que as pessoas apenas confiem. Por vezes não é suficiente. Um pouco de ternura com uma mãe, ou um filho, ou uma esposa que cuida do parente, poderia ser muito producente. A gente confia, não há saída, mas custava ter um pouco de compaixão? E assim vai a noite, entre barulhos, como se os doentes não importassem. Há uma perplexidade no olhar de cada um. Assustados pela morte que espia nas portas, precisam se submeter a situações tão constrangedoras. E a gente se divide entre o terror e a solidariedade, na medida em que todos cuidam de todos, porque não há enfermeiros. A tal ponto que alguns fazem a ronda junto aos que estão nas macas e cadeiras, nos corredores, levando um café, um pão. É de enternecer. Assim, os corredores do SUS são universos de tristeza, de abandono, de desespero, de repulsa, mas também são territórios da beleza, da solidariedade, da ternura. Tudo está ali, ao mesmo tempo. E o que sustenta aquele que está parado ao lado da cama do seu familiar é justamente o terno compartilhamento da dor. Parece que assim, juntos, todos conseguem atravessar, com certo consolo, o caudaloso rio da doença. Como são longas, tristes e inacreditavelmente belas as madrugadas nas alas do SUS. Elaine Tavares é jornalista. Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Aparecida Terra • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Juliana Fernandes • Endereço: Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – SP CEP: 01155-040 – Tel. 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A mídia oposicionista e seu dispositivo partidário (PSDB, DEM, PPS e SD) encararam a sua decisão como o primeiro passo para a abertura do processo de impeachment contra a presidenta. Agora, porém, o impoluto ministro pode ganhar outros minutos de fama, mas no noticiário policial. É que, a cada dia que passa, surgem novas sujeiras envolvendo o seu nome e de seus familiares. Na semana passada, soube-se que várias estatais repassaram R$ 2,9 milhões a uma entidade ligada a sinistro Augusto Nardes. A entidade tem como um dos responsáveis Carlos Juliano Nardes, investigado na Operação Zelotes, que apura fraudes fiscais no sul do país Segundo matéria da insuspeita Folha, que tanto vibrou com a rejeição das contas de Dilma, “estatais ligadas ao governo federal repassaram nos últimos dois anos quantias milionárias de patrocínio a um instituto ligado ao sobrinho do ministro do Tribunal de Contas da União. Petrobras, BNDES, Caixa Econômica e Banco do Brasil pagaram, com dispensa de licitação, um total de R$ 2,9 milhões para o Instituto Pela Produção, Emprego e Desenvolvimento promover eventos culturais na cidade natal do ministro, Santo Angelo (RS), que tem 79 mil habitantes, e em um município vizinho”. A entidade tem como um dos responsáveis Carlos Juliano Nardes, investigado na Operação Zelotes, que apura fraudes fiscais no sul do país. Suspeita-se que o sobrinho e o ministro tenham recebido dinheiro das empresas privadas metidas no esquema milionário de assalto à Receita Federal. Num aparente tráfico de influência, “o instituto que recebeu verbas de patrocínio se apresenta na internet como formulador de estudos e ‘projetos novos’ para congressistas. Não há menções a promoção de eventos culturais. Só a Petrobras pagou, em 2014, R$ 1 milhão para o festival ‘Natal Cidade dos Anjos’. O valor é o equivalente ao repassado pela entidade para eventos mais tradicionais e com maior público, como a Bienal de São Paulo ou a Virada Cultural paulistana”, relata o jornal. Beto Almeida As lições da história IMPORTANTÍSSIMA A PRESENÇA da presidenta Dilma Rousseff no 12º Congresso Nacional da CUT, especialmente por trazer de novo ao centro político a relação com as forças dinâmicas que foram decisivas para sua eleição e reeleição. Da mesma forma, são decisivas para a estabilidade do governo, ameaçado pelo golpismo. De nenhum modo se pode permitir a repetição de erros históricos ante a imperiosa obrigação de defesa da democracia, ainda com as insuficiências evidentes do governo. Às vésperas do golpe de 1964, havia inúmeras greves organizadas pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) contra certas políticas setoriais do governo Jango. Era razoavelmente fácil a realização destas greves. No entanto, apesar de registrar uma popularidade de 73% – informação que foi escondida dos brasileiros por décadas – o governo Jango foi derrubado sem ter esboçado uma reação à altura de sua popularidade. E olhe que aquele era um governo que havia decretado o 13º salário, aumentado em 100% o salário-mínimo, controlado as remessas de lucros, alfabetizava em massa (Paulo Freire), ampliou relações com a URSS e China, nacionalizava a indústria do petróleo e lançou as reformas de base. E foi derrubado sem nenhuma reação dos sindicatos, todo o grevismo virou paralisia! É importante que esta experiência não se repita hoje e que não se permita que o governo perca uma de suas características fundamentais, o de ser baseado nos sindicatos. Tal como o PT, com todas as dificuldades, é um partido baseado nos sindicatos. Por si só, Dilma, Lula e Mujica num congresso da CUT é uma poderosa mensagem convocatória para resistir ao golpe. A ênfase de Lula ao conclamar a CUT a dar apoio incondicional ao governo contra o golpismo já é fruto da lição amarga retirada do grevismo inconsequente contra Jango, que, no momento decisivo não foi capaz de uma posição sequer em defesa de um governo nacionalista e popular, com maiores avanços até do que os obtidos atualmente. A ditadura que se implantou com o golpe de 1964 foi decididamente anti-trabalhador, anti-sindical e proporcionou um dos maiores arrochos salariais da história brasileira. Por mais insuficiente que seja o atual governo, qualquer articulação golpista vencedora, judicial ou parlamentar, não importa, terá como meta um arrasa quarteirão nas conquistas dos últimos 13 anos, além de lançar uma perigosíssima perseguição ao PT e a sua relação com os sindicatos e movimentos sociais, que também serão implacavelmente perseguidos. Estas são experiências que não podem ficar fora da mesa de trabalho da CUT um só dia! Diante destas evidências, talvez fosse o caso do Tribunal de Contas da União (TCU), já tão desmoralizado na história, apurar melhor a atuação do seu “famoso” ministro Flávio Aguiar Jovens europeus viverão menos A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL da Saúde (OMS) – seção Europa – lançou uma advertência: os jovens europeus de hoje podem viver menos do que a geração de seus pais e avós. As últimas décadas registraram um aumento da longevidade no continente devido ao combate mais eficaz a doenças cardiovasculares, respiratórias, diabetes e correlatas, e também a maior precocidade no diagnóstico dos vários tipos de câncer. Porém, diz a OMS, a tendência corre o risco de reverter, graças, sobretudo, ao aumento do tabagismo, da maior precocidade no consumo de bebidas alcoólicas e da tendência à obesidade entre os jovens. Sobre isso, tenho uma observação pessoal a fazer. Minha sensação empírica corrobora esta advertência da OMS. Tenho visto que o número de fumantes – e de fumantes jovens – voltou a aumentar significativamente. Outro dia passei pela frente de uma escola de ensino médio perto de minha casa, em Berlim, e o número de jovens de 12, 13, 14 anos que fumavam do lado de fora (era recreio e o fumo continua proibido dentro da escola) impressionava. Dizem dados estatísticos da OMS que 30% dos europeus fumam. Este percentual deve ser compensado para cima, ao se levar em conta a população, digamos, com idade menor de 12 anos. Em média um europeu consome 11 litros de álcool puro por ano. A Europa é a campeã mundial nesses dois itens, tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas. E é a vice-campeã em obesidade, perdendo apenas para a América, onde os Estados Unidos dão contribuição essencial. Na Europa, 59% da população está acima do peso. De acordo com a OMS, isso deve-se ao progressivo aumento do consumo de produtos açucarados, como refrigerantes, doces, chocolates, bombons, balas, etc. De acordo com a organização, apenas algo entre 5% e 10% das calorias consumidas pelo ser humano deveriam provir do açúcar, mas esse percentual tende a aumentar. Os países mais obesos do continente são Malta (64% da população acima do peso), Reino Unido e República Tcheca, ambos com 63,4%. Porém, todos os países do continente registram taxas maiores de 50% de pessoas acima do peso. As menores taxas são as da Áustria, 53,1%, Dinamarca e Finlândia, 55,2%, e Portugal, 55,6%. A OMS diz ainda que um dos fatores decisivos no consumo de bebidas alcoólicas e fumo é o preço, bem como dos produtos açucarados. Por isso, ela recomenda a adoção de preços mínimos para essas bebidas e de uma maior taxação dos açúcares, ao lado de mais subsídios para frutas e vegetais. (RBA) O sinistro instituto foi fundado em 2003 com o apoio de Augusto Nardes, então deputado federal pelo PP gaúcho. À época, ele mesmo declarou que a entidade representaria os empresários junto ao Poder Legislativo. Na internet, Carlos Juliano se apresenta como vice-presidente e secretário-executivo da entidade. “O instituto está em nome de Mário Augusto Ribas do Nascimento, ex-prefeito pelo PP de São Miguel de Missões, município beneficiado com R$ 1,6 milhão de patrocínio do BNDES em 2013 e 2014 para um evento musical... O PP, partido dos familiares de Nardes e ao qual ele também foi filiado, governa a Prefeitura de Santo Ângelo. O ministro visita a cidade com frequência e prestigiou o festival de Natal nos últimos anos”. Apesar dos vários indícios, Augusto Nardes afirma que “não possui nenhuma relação com a entidade” e que não atuou para viabilizar os patrocínios das estatais. Já o seu sobrinho, Carlos Juliano Nardes, “disse à reportagem que está afastado da instituto e que não participou da negociação por verbas das estatais. ‘Eu saí’, disse. Na página da entidade no Facebook, porém, aparecem o número de telefone e atualizações recentes feitas por ele”. Diante destas evidências, talvez fosse o caso do Tribunal de Contas da União (TCU), já tão desmoralizado na história, apurar melhor a atuação do seu “famoso” ministro. As suas contas não batem e sua conversa fiada também não convence ninguém! Altamiro Borges é jornalista, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, militante do PCdoB. fatos em foco da Redação Nova-iorquinos mais pobres vivem 11 anos a menos Nova York é uma cidade desigual. A diferença na expectativa de vida entre um bairro pobre no Brooklyn e em Manhattan é de 11 anos, segundo dados divulgados pela prefeitura. O distrito de Brownsville, com população de maioria negra (76%), tem uma das expectativas de vida mais baixas da cidade (74,1 anos), mais de 11 anos a menos que Manhattan (85,4 anos). (Agência Sindical) Audiência na Alesp amplia luta contra abusos no McDonald’s As entidades que representam os trabalhadores do McDonald’s apertam o combate às condições degradantes de trabalho na rede de fast food. Para tanto, realizaram dia 16, audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. A iniciativa é do deputado Carlos Giannazi (PSOL), após assistir vídeo-denúncia do sindicato da categoria, o Sinthoresp. Participaram a Confederação nacional (Contratuh), Nova Central e Ministério Público do Trabalho (MPT) – que tem sido aliado da luta. Projetos de estímulo ao hábito da leitura receberão R$ 2,4 mi O Ministério da Cultura vai lançar dois editais para premiar projetos em bibliotecas, pontos de leituras comunitários e eventos literários que estimulem o hábito de ler. O edital “Todos por um Brasil de Leitores” distribuirá R$ 2,4 milhões em prêmios para duas categorias: A e B. A primeira é destinada a bibliotecas comunitárias e pontos de leitura, que tenham registro no Cadastro Nacional de Bibliotecas, e a segunda para a promoção da leitura em espaços não formais. Serão 50 contemplados na categoria A e 30 prêmios na categoria B. Para o ministro Juca Ferreira, é preciso reconstruir relação do brasileiro com o livro. Vagner Freitas é reeleito para comandar a CUT Os delegados do 12º Congresso Nacional da CUT elegeram, dia 16, os dirigentes que comandarão a Central até 2019. Serão 44 nomes, pela primeira vez com paridade de gênero. Vagner Freitas, reeleito presidente nacional da Central, ressalta que a nova configuração, com representantes de todo o país, reflete a pluralidade da base cutista. Ele destacou que a CUT manterá o compromisso com as lutas do mundo sindical. “Construímos a Central pensando em cada trabalhador e trabalhadora, os que estão nas roças e fábricas, nas escolas, nos bancos. Somos uma Central para enfrentar os patrões” , enfatizou. Caixa lança aplicativo do Bolsa Família A Caixa Econômica Federal lançou, dia 19, um aplicativo para facilitar o acesso de 13,9 milhões de famílias a informações do Bolsa Famí- lia. O lançamento faz parte das comemorações dos 12 anos do programa. O aplicativo pode ser baixado gratuitamente em celulares com os sistemas Android, Windows Phone e IOS. Pela nova ferramenta, beneficiários do programa poderão verificar rapidamente a situação do seu benefício, o calendário de pagamentos e a rede de atendimento da Caixa. Crise eleva jornada de trabalho em Portugal O número de portugueses submetidos a jornada de trabalho de 50 horas ou mais quase duplicou nos últimos anos, de acordo com relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Estudo da instituição mostra que, entre 2009 e 2013, esse percentual de trabalhadores aumentou em 4,4%, chegando a 9,5%. O levantamento avaliou o bem-estar em mais de 30 países. Portugal ficou em destaque por sofrer mais com as consequências da crise de 2008. 4 5 brasil de 22 a 28 de outubro de 2015 Eles são garimpeiros e querem seguir a lei, mas não conseguem Fotos: Guilherme Gomes MINERAÇÃO Comunidade tradicional e mineradora disputam área rica em ouro na floresta amazônica. Enquanto processo se estende na justiça, trabalhadores e meio ambiente são prejudicados Guilherme Rosa de Jacareacanga (Pará) ANTÔNIO FERREIRA da Silva tinha apenas 15 anos quando chegou na Vila de São José, em 1970. Apesar da pouca idade, ele fora atraído pelos relatos de que aquelas terras, localizadas à beira do rio Pacu, um afluente do Tapajós, no Pará, eram ricas em ouro. Foi ali, em meio aos rigores da floresta amazônica, que ele aprendeu a empunhar picareta e pá e cavar o chão atrás do minério. Enquanto crescia, presenciou as transformações da vila: a chegada dos primeiros garimpeiros, os anos de intensa e violenta corrida do ouro, a calmaria que se seguiu e a formação de uma comunidade estável no local. “Eu já passei por fases boas e outras difíceis aqui. O garimpeiro é assim: ele pode até sofrer, mas quando ganha dinheiro esquece de tudo”, diz Antônio, que hoje trabalha no garimpo ao lado de dois filhos. Durante os 45 anos que viveu ali, ele nunca precisou de documento para trabalhar nas minas da região. A posse das terras era mantida apenas na palavra. Mas tudo mudou em 2010, quando a Mineradora Ouro Roxo, que tem entre seus acionistas o grupo canadense Albrook Gold Corporation, pediu ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a autorização para explorar uma área onde centenas de garimpeiros trabalhavam. Como eles atuavam ali de maneira informal, o órgão concedeu o pedido e os ocupantes foram expulsos do local. Segundo os habitantes da vila, antes da Ouro Roxo aparecer, garimpeiros locais já haviam feito o pedido para explorar a área, mas não receberam resposta do órgão. São muitas as diferenças entre o modo como uma grande empresa atua e os garimpeiros locais exploram a terra. O fato dos trabalhadores morarem no local é determinante para a preocupação com os impactos ambientais, já que eles bebem a água dos rios, se alimentam da fauna e flora e sentiriam na pele qualquer tipo de contaminação. Os métodos que eles usam mudaram pouco desde os anos 1970 e são menos invasivos: são poços cavados no chão, que podem chegar a 30 metros de profundidade, e poucas máquinas para processar o material retirado da terra. Isso contrasta com a atuação das grandes mineradoras, que operam usando retroescavadeiras e outros maquinários de grande porte, causando mudanças mais radicais no meio. Gilmar de Araújo investiu o ouro na casa e educação dos filhos O garimpo feito pelos moradores da comunidade São José é baseado em extração artesanal “Sempre reclamamos da falta de proteção ao usar o cianeto. Aquilo era derramado no igarapé, matava os peixinhos” A proteção ao meio ambiente foi um dos fatores citados em uma decisão liminar da Justiça Federal, baseada numa ação do Ministério Público Federal, que obrigou o DNPM a suspender a concessão em nome da Ouro Roxo e a analisar o pedido de lavra garimpeira dos moradores da Vila São José. A decisão foi em dezembro de 2014. Até hoje, no entanto, o pedido dos garimpeiros não foi analisado, o que deixa a comunidade em situação frágil, sem contar com a posse formal da terra. Formalização A formalização das atividades seria essencial para que os garimpeiros fossem instruídos e obrigados a cumprir as regras de preservação ambiental e de segurança do trabalho. A ausência dessas normas ameaça a própria vida dos trabalhadores. No dia 18 de setembro, quando a Repórter Brasil visitava a vila, um acidente tirou a vida de uma das principais lideranças do local. Osmar Silva, presidente da comunidade, inalou gás ao entrar em uma das minas, ficou inconsciente e caiu no fundo do poço, morrendo com o impacto. O luto parou a comunidade por dois dias. Segundo os moradores, esse tipo de acidente é raro no local. Ainda assim, ele poderia ser evitado se o garimpo fosse regularizado e os garimpeiros fossem instruídos a seguir as regras básicas de segurança do trabalho. A regularização também é importante pelo fato de a comunidade estar localizada dentro da Área de Proteção Ambiental do Tapajós, que tem mais de 2 milhões de hectares e foi criada em 2006. Esse tipo de unidade de conservação permite presença humana maior do que os Parques e Florestas Nacionais. Ainda assim, as atividades econômicas devem ser planejadas de modo a preservar a fauna e a flora do local. Esse foi um dos fatores que norteou a ação do Ministério Público Federal, uma vez que foram constatados prejuízos ao meio ambiente no trabalho da mineradora. Os moradores de São José denunciam, por exemplo, o uso irregular, pela empresa, de cianeto, um produto químico usado para tratar o rejeito do garimpo. Ele pode ser altamente tóxico se despejado no ambiente e contaminar rios e lençóis freáticos. “Eu não me agradei quando vi eles chegando aqui com as máquinas e os produtos químicos”, diz Osimar Alves Jesus, conhecido como Marcha Lenta, que era presidente da comunidade quando a mineradora começou a atuar na região. “Sempre reclamamos da falta de proteção ao usar o cianeto. Aquilo era derramado no igarapé, matava os peixinhos.” O governo do Pará constatou irregularidades no uso do produto, incluindo rachaduras e furos no material usado para contê-lo. Na ação movida pelo Ministério Publico Federal, o órgão afirma que a empresa causa “graves impactos ao meio ambiente, à população local e, ainda, aos seus próprios colaboradores, vez que não armazena substância tóxica da forma devida”. Por não cumprir as condições ambientais, a ação pede que a licença ambiental da Ouro Roxo seja anulada. Procurada pela reportagem, a Mineradora Ouro Roxo não respondeu aos pedidos de entrevista. (Repórter Brasil) Corrida pelo título da terra de Jacareacanga (Pará) A posse da terra nunca foi motivo de muito debate em São José. De modo geral, ninguém era impedido de trabalhar em um pedaço de chão que já tivesse um dono, bastava ao garimpeiro pagar uma porcentagem pelo uso do local. “Aqui não tinha isso de assinar papel não, todo mundo sabia de quem a terra era. Era palavra de homem”, diz José da Costa, o Zé Cabeludo, que trabalha na região desde 1978. “Foi só nos últimos anos que isso mudou, com a vinda de gente de fora.” A prática foi alterada com a chegada da Mineradora Ouro Roxo, nome inspirado num garimpo da região e da cooperativa que explorava o local. Em 2007, no entanto, a empresa dirigida por Dirceu Frederico Sobrinho comprou o direito de explorar a área da cooperativa e adotou o nome para si. Até hoje, essa compra é contestada na justiça, uma vez que apenas 14 dos cooperados receberam pelo negócio. Os outros 300 garimpeiros que atuavam no garimpo foram expulsos do local. A maior parte dos trabalhadores expulsos passou a atuar em outros dois garimpos próximos dali: a Pimenteira e a Paxiúba. Mas foi aí que a comunidade sentiu o maior golpe. Em 2010, a mineradora também conseguiu o direito de explorar o subsolo dessas outras áreas. “Isso foi muito injusto. Todo mundo sabe que quem descobre onde tem ouro são os garimpeiros. A gente estava aqui trabalhando, mas como não tínhamos os documentos, perdemos a área”, diz Wanderley Pinheiro da Silva, presidente da Associação de Moradores de São José. “Isso foi muito injusto. Todo mundo sabe que quem descobre onde tem ouro são os garimpeiros. A gente estava aqui trabalhando, mas como não tínhamos os documentos, perdemos a área” Em abril do mesmo ano, a Polícia Federal apareceu em São José, expulsou todos os trabalhadores que atuavam no local e apreendeu o maquinário utilizado. Como 90% dos garimpeiros da vila trabalhavam ali, a comunidade passou por sérias dificuldades durante os três anos em que as atividades ficaram paradas. O ouro sumiu das ruas e muita gente teve que ir embora para não passar fome. Consequências O caso não atrapalhou a vida só dos garimpeiros. O ouro retirado das minas era responsável por fazer girar toda a economia local. Esterlito dos Anjos, por exemplo, é dono de um mercado na vi- Ouro sem febre os bêbados, o que seria impensável nos anos de 1980. Nessa época, quando foi garimpado muito ouro na região, os bares passaram a ficar lotados, e a violência explodiu. “Era muito comum as pessoas morrerem de facada ou de tiro. E o pessoal continuava bebendo e dançando em volta do morto, como se nada tivesse acontecido”, diz Mara, dona de um dormitório na comunidade. de Jacareacanga (Pará) No imaginário brasileiro, os garimpos são terras sem lei, onde os conflitos são resolvidos à bala e o ouro desperdiçado em cachaça, jogos e prostituição. São José é o oposto dessa imagem. Uma comunidade pacata de 1.500 habitantes encravada na floresta. As casas e mercados da vila estão distribuídos em volta de um campo de futebol, que permanece vazio a maior parte do tempo e, aos domingos, sedia partidas entre times de garimpeiros. Uma escola atende 56 crianças, que brincam pelas ruas de terra quando não estão em aula. “Eu fico muito feliz quando consigo reunir toda a família para almoçar aqui no domingo” “Eu só sei trabalhar com garimpo. Se sair daqui, passo fome. Mas quero um futuro diferente para meus filhos” É também ao redor do campo de futebol que se concentram os bares e bordéis em que os garimpeiros costumam gastar o ouro ganho durante a semana. Em São José, no entanto, as noitadas não têm mais a mesma intensidade de outros tempos. Em algumas noites, os cachorros da vila fazem mais barulho do que Iranilda Sales chegou a São José com cinco meses de idade e hoje tem filhos e neto na vila Laços Com o passar dos anos a vila se acalmou. A quantidade de minério retirado das minas diminuiu e a febre do ouro abrandou. Ao mesmo tempo, os primeiros garimpeiros envelheceram, casaram-se — alguns com as prostitutas da vila — e formaram famílias. As crianças cresceram, casaram e formaram uma comunidade ligada também por laços de sangue. Iranilda Sales, por exemplo, chegou em São José no ano de 1967, com apenas cinco meses de idade. Seus pais vieram trabalhar no garimpo. Ali, ela se casou com Antonino Ferreira, teve três filhos e um neto. São quatro gerações de sua família que viveram ali, tirando sustento diretamente do ouro explorado na região. “Eu fico muito feliz quando consigo reunir toda a família para almoçar aqui no domingo. É uma satisfação muito grande”, diz, apontando para a mesa onde a refeição é servida. Enquanto alguns garimpeiros desperdiçaram todo o ouro que coletaram, outros o usaram para comprar bares, lojas e investir no futuro da família. José Gilmar de Araújo, por exemplo, usa o dinheiro que ganha para pagar a mensalidades da faculdade de dois filhos que estudam fora. “Eu só sei trabalhar com garimpo. Se sair daqui, passo fome. Mas quero um futuro diferente para meus filhos”, diz. A noção de que havia se instalado ali uma comunidade tradicional foi um dos principais argumentos usados na ação do Ministério Público Federal. As primeiras notícias de ocupação da área datam dos anos de 1940, quando seringueiros exploravam a região. Com o fim do ciclo da borracha, garimpeiros começaram a atuar já nos anos 1950. Baseados em um parecer elaborado pelos pesquisadores Maurício Torres e Natalia Ribas Guerrero, os procuradores federais afirmaram que a Vila São José tem características de uma população tradicional, que estava na região antes da empresa chegar e, por isso, teria o direito de garimpar a terra. (GR) (Repórter Brasil) A balança está em todo o comércio da vila que, sem o garimpo, não sobrevive la. Ele diz que teve um prejuízo de pelo menos 500 mil reais com a ação. “Muitos garimpeiros nunca puderam me pagar o que deviam. Essa ação foi uma barbaridade, uma brutalidade”, diz. Foi aí que os moradores do local procuraram o Ministério Público Federal. Em 2013, enquanto o órgão analisava a questão, eles decidiram agir e reocupar os dois garimpos como forma de protesto. No final do ano passado a Justiça proferiu a primeira decisão sobre o caso, obrigando o DNPM a suspender a concessão de lavra à Ouro Roxo e a analisar os pedidos de permissão de lavra dos comunitários de São José. Procurado, o DNPM diz que cumpriu a primeira parte da decisão, mas não identificou nenhum requerimento ou pedido formalizado pelos garimpeiros da Vila São José. “Portanto, legalmente, perante o DNPM quem detêm a titularidade da área é a empresa Mineradora Ouro Roxo Ltda”, afirmou o órgão em comunicado. Segundo o advogado dos garimpeiros, isso não é verdade. Embora não haja requerimento feito em nome da comunidade como um todo, diversos moradores já deram entrada com pedidos no órgão. O Ministério Público Federal confirma ter informações sobre a existência desses requerimentos. O processo ainda está tramitando, e deve se estender por mais alguns anos até que tudo seja resolvido. Enquanto esperam a decisão da justiça ou um acordo com a empresa, os “Hoje dependemos da legalização para que possamos ter uma melhoria de vida. Com ela vamos poder conseguir do governo melhorias e empréstimos” garimpeiros não podem fazer planejamento ou investimento na área, pois correm o risco de perder a posse a qualquer momento. “Hoje dependemos da legalização para que possamos ter uma melhoria de vida. Com ela vamos poder conseguir do governo melhorias e empréstimos”, diz José de Alencar, presidente da Cooperativa de Garimpeiros que atua na área. Outro projeto que depende da regularização para ser posto em prática é o de reflorestamento de áreas já garimpadas. Segundo José de Alencar, existe um plano de criar uma cooperativa extrativista e plantar açaí e buriti em áreas de baixões que já foram explorados. “Queremos reflorestar o que nossos antepassados danificaram e assim, garantir a sobrevivência da nossa comunidade”, diz. “Nós precisamos da legalização do nosso pedaço de terra na Pimenteira e no Paxiúba. Pois essa terra foi de nossos avós, passou de geração em geração e um dia vai ser de nossos filhos.” (GR) (Repórter Brasil) 6 de 22 a 28 de outubro de 2015 brasil “Os governos não querem aprovar este projeto” Fotos: Marcos Oliveira/Agência Senado ENTREVISTA Para o senador Paulo Paim (PT-RS), autor de projeto que regulamenta o direito de greve no setor público, os governos querem aprovar outro projeto que não garante a negociação coletiva, não garante a sindicalização e proíbe o direito de greve do Rio de Janeiro (RJ) NO DIA 7 DE OUTUBRO, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado aprovou um projeto que regulamenta o direito de greve de servidores e empregados públicos da administração direta e de autarquias e fundações da União, estados, municípios e Distrito Federal, bem como o direito à negociação coletiva e à sindicalização. O PLS 287/13, de autoria da CDH, foi elaborado pelo Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) como alternativa a outro projeto (PLS 710/11), de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). A articulação para barrar o projeto do tucano, apelidado de “lei antigreve”, foi uma resposta às greves de 2012, quando 350 mil servidores públicos paralisaram atividades em diversos momentos ao longo de quatro meses. Ao fim daquela mobilização, o governo federal orientou sua base parlamentar em torno da regulamentação proposta por Nunes, que, entre outras coisas, exigia que entre 50% e 80% dos servidores continuassem trabalhando durante a greve e previa o desconto em folha dos dias paralisados. A estratégia de aprovação relâmpago do PLS 710 previa o envio à Câmara dos Deputados sem que o projeto sequer passasse pelo plenário do Senado, o que não chegou a acontecer graças a uma requisição do senador Paulo Paim (PT-RS) que “puxou” o projeto para a CDH, que finalmente rejeitou o texto também no último dia 7. Nessa entrevista, Paim comenta esse processo, defende a regulamentação do direito de greve - que não é ponto pacífico entre centrais e estudiosos do sindicalismo - e analisa a conjuntura, recheada de ataques aos direitos e ameaças aos trabalhadores. O senhor tenta regulamentar o direito de greve no serviço público desde 1988, quando era deputado federal. De lá para cá, apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 83/2007 e, em 2013, apresentou, como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), o atual PLS 287. Não existe consenso sobre se a regulamentação do direito à greve de servidores e empregados públicos seria um ganho ou não para esses trabalhadores, sob argumentos de que o direito à greve no serviço público já seria garantido pela Constituição, e por jurisprudência, além de uma preocupação sobre o caráter limitante que uma regulamentação possa vir a ter. Quais são os principais argumentos que sustentam a defesa da regulamentação? Paulo Paim – Eu busco a regulamentação do direito de greve para o servidor público desde a Constituinte. Na Constituição está assegurado o princípio, que, contudo, não está regulamentado. Já o trabalhador do regime geral tem esse direito regulamentado. Os governantes, naturalmente, nunca quiseram regulamentar. Não foi regulamentado por causa dos trabalhadores? Não. Os trabalhadores sempre quiseram regulamentar. Tanto que há mais de 25 anos que está tramitando na Câmara dos Deputados um projeto que apresentei nesse sentido e os governantes nunca deixaram aprovar. No Senado, apresentei dois projetos e a Fonacate [Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado], em nome dos servidores públicos e numa ampla discussão com as centrais, apresentou na Comissão de Direitos Humanos um projeto que busca a regulamentação do direito de greve, da negociação coletiva e do direito pleno à sindicalização e à organização. Baseado nesse projeto é que eu fiz o meu relatório. Hoje, sem a regulamentação, a decisão sobre a legalidade da greve fica à mercê do Tribunal Superior do Trabalho que, por analogia, aplica a regula- Reunião deliberativa da CDH realizada no dia 7 de outubro mentação que existe para o trabalhador do regime geral. E quem paga a conta é o servidor, que não tem regulamentado nem o direito de greve, nem a negociação coletiva e nem a sindicalização. Ora, se você apresenta um projeto que vai garantir essas questões não dá para entender por que alguma categoria do serviço público vai ser contra. É uma situação diferente do projeto anterior que eu peguei para relatar [PLS 710/2011, de autoria do senador Aloysio Nunes, do PSDB de São Paulo] que, com a desculpa de defender setores estratégicos, na prática proíbe o direito de greve. Na minha avaliação, é que nem você dizer que na Constituição está assegurado a liberdade plena de todo o indivíduo, então não precisa mais nenhuma lei de direitos humanos, nenhuma lei que vá na linha de preservar algo além do princípio constitucional. Claro que precisa, não é? Eu não fiz o relatório final porque inventei da minha cabeça. Eu fiz o relatório a pedido dos servidores públicos e não a pedido do governo. Os governos não querem aprovar este projeto, querem aprovar o outro que não garante a negociação coletiva, não garante a sindicalização e proíbe o direito de greve. Em sua opinião, quais são os pontos mais positivos do PL 287? Quais são os avanços em relação à jurisprudência? A jurisprudência não assegura nada para o servidor público. Há um equívoco aí. Quando há greve do servidor público o que acontece? Qual é o resultado? Diga um caso em que o servidor público se deu bem em uma greve. Noventa e nove por cento dos casos é pau, é demissão, é desconto dos dias pagados. Depois, chegam pedidos para ver se dá para entrar com um projeto de lei para não perder os dias parados, para reverter demissões. Então não sei qual é a lógica desse princípio. A vida nos ensina que entre o bom e o ótimo há uma distância, mas no caso do servidor só existe o ruim. Não tem nada que garanta para ele o direito de greve. Por isso que, bom, os governantes estão na deles. Não tem direito de greve e se fizer greve o tribunal entra, determina e acabou. É que nem quando eu apresentei o Estatuto do Idoso, tinha um setor que era contra, hoje todo mundo bate palma e abraça o Estatuto. Estatuto ao Comerciante e Estatuto da Igualdade Racial, a mesma coisa. Então não vamos cometer o mesmo erro. Vamos dar um tiro no pé se numa hora como essa os servidores não entenderem que precisam ser regulamentados o direito de greve, a negociação coletiva e a livre organização sindical – até com base na Convenção [n.151, da Organização Internacional do Trabalho, OIT]. “Eu não fiz o relatório final porque inventei da minha cabeça. Eu fiz o relatório a pedido dos servidores públicos e não a pedido do governo” Diante de um contexto de ataques aos direitos dos trabalhadores – como a movimentação em torno da aprovação do PL 4.330, da terceirização, do qual o senhor é relator no Senado –, ascensão do conservadorismo no parlamento e na sociedade, o senhor acredita que há clima político para aprovar no Congresso Nacional um projeto que regulamente o direito de greve no serviço público de forma positiva para os trabalhadores? Nada é fácil. Tanto que quem aprovou o 4.330 não fomos nós, foi a direita. Já aprovou e se nós não pegamos e fazemos todo esse embate, conseguindo a unidade do movimento sindical, tanto que estamos viajando todo o Brasil num esforço enorme, já fui a 17 estados, o ato é sempre na Assembleia, estamos escrevendo a carta de cada estado, e é unânime. Não há uma entidade sindical que seja contra. Isso tudo para que repercuta dentro do Congresso, mas é uma batalha de Davi contra Golias. Claro que o movimento sindical está todo unido, e só por isso está dando certo, senão eles já teriam votado há muito tempo. Porque acha que eles não votaram, se eles são maioria? Por que votaram com tanta facilidade na Câmara e aqui não? Porque a gente se entrincheirou no Senado e não deixou votar. Se depender do nosso trabalho com o conjunto do movimento sindical só vamos votar no momento que entendermos que é possível aprovar um projeto que garanta a melhoria da qualidade de vida dos 13 milhões de terceirizados e não aceitar a precarização. Esse é o nosso ponto de vista. Agora, é Davi contra Golias. Eles podem encaminhar um requerimento de urgência à revelia do relator, indicar outro relator e votar no plenário. Tudo isso pode acontecer. Por que não passou o negociado sobre o legislado [referência à Medida Provisória 680/15, que cria o Programa de Proteção ao Emprego]? Porque fizemos um enfrentamento no Senado, chamamos todo o movimento sindical, fomos para a sessão do Congresso dissemos que aquilo era um crime de lesa pátria, uma emenda cretina – foi o termo que usei –, que no contrabando de uma quinta-feira tentaram passar. Até isso conseguimos reverter. A mesma coisa aconteceu no caso da NR 12 [Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho, que trata de práticas O senador Paulo Paim de segurança no manuseio de máquinas e equipamentos por parte dos trabalhadores dentro das empresas], que também tira toda a proteção do trabalhador no ambiente de trabalho. Tivemos que fazer correndo um combate no Senado, de sexta para segunda-feira, e revertemos a urgência. Mas é um combate enorme. Essa é a hora do movimento sindical se unir e fazer o bom combate com os aliados. Sabendo que o inimigo tem maioria hoje. Falando em embates, o projeto do senador Aloysio Nunes foi muito criticado por sindicalistas, e também pelo senhor, quando da tentativa, em 2012, de enviálo para a Câmara dos Deputados após aprovação pela CCJ. Durante a tramitação, partes do PLS 710/2011 ou mesmo a íntegra do projeto pode ser resgatada por outra Comissão? Claro que pode. Pode chegar na CCJ e dizer: rejeita-se o projeto apresentado pelas entidades e aprova-se o do Aloysio. Pode acontecer sem nenhum problema, basta ter 14 senadores favoráveis na Comissão. Aí o nosso cai e fica o deles só. O nosso veio para se contrapor ao dele, que já tinha sido aprovado. Quando [em 2012] vi que tinha sido aprovado, entrei com requerimento e puxei para a Comissão de Direitos Humanos, articulei com a Fonacate, com o movimento sindical, e botamos outro para fazer o contraponto. Esse esforço culminou com a aprovação do das entidades e a rejeição do dele. Ele pode fazer a mesma coisa porque agora o projeto volta para a CCJ e lá o relator “é deles”. Esse é o mundo real. Temos que ter claro, estou assinando embaixo de todo e qualquer bom projeto que existir. É como a questão da terceirização. Vamos deixar tudo como está? Tudo bem, só que eles pegam e aprovam a terceirização deles,. Ou nós temos um projeto para se contrapor ao deles, que garanta a regulamentação da situação dos 13 milhões de terceirizados para fazer o enfrentamento? Bom, se no enfrentamento eles também sentirem que a pressão do movimento sindical está muito grande, pode até ficar como está, sem regulamentar. Isso já é um ganho para nós. Se quisermos regulamentar a situação dos 13 milhões, melhor. O PLS 287/13 não traz uma definição do que deve ser considerado atividade essencial durante a greve, mas pondera que se deve “assegurar o atendimento das necessidades inadiáveis da sociedade”. Seu projeto anterior, PLS 83, elencava como essenciais “as urgências médicas, necessárias à manutenção da vida”. Já um dos maiores problemas apontados por sindicalistas no PLS 710/2011 era que o projeto elencava 21 áreas essenciais. Qual sua avaliação sobre esse ponto e por que ocorreu a mudança? Foi nesse diálogo com o Fórum? Muito mais do que isso. Todos nós em sã consciência sabemos que numa greve tu não podes fechar hospital porque vai matar pessoas. Isso todos sabemos. Deixamos então uma redação ampla de que nos setores os próprios trabalhadores saberão fazer os plantões. Foi essa a intenção, deixar de uma forma aberta porque nós trabalhadores temos consciência, mesmo numa greve, de fazer as ressalvas. Isso é o mínimo de bom senso no campo da razoabilidade. Nos últimos anos houve um notável crescimento dos movimentos, no serviço público e na iniciativa privada, que usam a greve como estratégia de luta. As mobilizações teriam se dado principalmente em torno da manutenção dos ganhos reais nos salários. Agora, vemos, como consequência da deterioração da economia, um aumento acelerado do desemprego neste segundo semestre, o que sempre é fator de recuo nas lutas. Como analisa esse quadro? A conjuntura é totalmente desfavorável, claro. Recessão, desemprego, ajuste fiscal puxam o arrocho salarial. Inclusive para os servidores públicos. E agora a ordem é não dar para os próximos anos um centavo de reajuste para os servidores. Há inclusive quem defenda aqui no parlamento que devia haver uma redução dos salários. Para todos: deputados, senadores, ministros, entre outros. Essa tese está crescendo no parlamento, para ver a que ponto nós chegamos. Então o quadro não é positivo. Nós temos que estar unidos e em estado de alerta, buscando parceria com aqueles deputados e senadores que têm compromisso com os trabalhadores. (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/Fiocruz) brasil de 22 a 28 de outubro de 2015 7 O calvário dos bancários contra o patrão mais rico do mundo Fernando Diegues GREVE Paralisados em todo o país desde o dia 6 de outubro, trabalhadores bancários mantêm uma rotina dura e, às vezes, desumana, para forçar os banqueiros a negociarem. Os bancários vêm ampliando ainda mais o movimento e fecharam 12.277 agências e 44 centros administrativos em todo o Brasil Luiz Gustavo de Mesquita Soares de Santos (SP) DESDE O DIA 6 de outubro os bancários estão em greve nacional. Na Baixada Santista (SP), por exemplo, 90% das unidades de Santos e Cubatão estão paralisadas e 70% em Guarujá, Praia Grande e São Vicente. No país, há paralisações em todos os bancos dos 26 Estados e no Distrito Federal. Os bancários vêm ampliando ainda mais o movimento e fecharam 12.277 agências e 44 centros administrativos em todo o país. Para isso, todos os dias são obrigados a madrugar, acordando às 5 horas da manhã para apresentarem-se em seus pontos determinados pela organização sindical. Ali enfrentam, além da chuva, do sol e do cansaço, o desprezo, a irritação, a incompreensão social e política da população ao movimento que quer, mais do que o reajuste, respeito aos trabalhadores de todo o Brasil. Inúmeras vezes são xingados, interpelados pela polícia e às vezes até por quem se acha porta-voz dos banqueiros, mas no fundo é apenas um trabalhador explorado, que tem que ser conscientizado sobre o mal que o individualismo faz ao ser humano. Toda hora os grevistas precisam lembrar aos clientes que eles também são explorados e, o que é pior, os bancos estão demitindo trabalhadores e colocando os clientes para trabalharem para eles e ainda cobram por isso. Alguns apoiam, mas querem resolver rápido o seu problema particular! Na hora do almoço, alguns bancários correm para ficar no lugar de outros, que precisam almoçar em no máximo 15 minutos, para segurar o movimento paredista. Muitas vezes ficam mesmo sem se alimentar comprando um sanduíche no boteco da esquina. No final do dia reúnem-se para organizar estratégias e avaliar a greve. Cansados, à noite voltam para suas casas – próprias ou alugadas – e preparam-se para um novo dia de luta. Uma rotina dura e desumana para quem quer apenas um salário digno do patrão que mais lucra no mundo. O Itaú/Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil são os três primeiros da lista (nesta ordem), segundo dados da agência Economática e do Dieese. Ganhando força, bancários vêm ampliando o movimento, tendo fechado 12.277 agências em todo o país Setores com lucros menores pagaram acima da inflação de Santos (SP) Outros setores da economia, com lucros muito menores e sem comparação aos dos bancos – e em alguns casos apresentaram prejuízos –, pagaram aumento acima da inflação aos seus trabalhadores, como mostra balanço das campanhas salariais do primeiro semestre, realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística de Estudos Socioeconômicos (Dieese). O setor do Comércio, por exemplo, que registrou quedas no faturamento e nas vendas no primeiro semestre do ano, fechou 76% de seus acordos com reajuste acima da inflação para os funcionários. No setor de Serviços, que também sofreu perdas, os ganhos reais foram observados em 74% dos acordos. E a Indústria, outra área com recuos no desempenho, fechou 61% das campanhas com reajustes acima da inflação nos primeiros seis meses do ano. Na indústria um caso é dos metalúrgicos, que estão em campanha e têm a mesma data base dos bancários: 1º de “O Dieese considerou 302 unidades de negociação, privadas e estatais. Desse total, 69% resultaram em reajustes acima da inflação” setembro. Apesar de sofrerem diretamente os efeitos da queda na venda de automóveis e caminhões, dezenas de empresas do ABC paulista ofereceram aos seus empregados a garantia do índice que recompõe pelo menos a inflação do período, de 9,88%. O setor químico de São Paulo, também propôs aos seus empregados a correção dos salários pelo percentual equivalente à variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do período de novembro de 2014 a outubro de 2015, que deverá girar em torno de 10%. A data-base da categoria é 1º de novembro. O Dieese considerou 302 unidades de negociação, privadas e es- tatais. Desse total, 69% resultaram em reajustes acima da inflação, 17% foram iguais à inflação do período e somente 15% foram abaixo. Bilhões de lucros Os banqueiros possuem condições para atender as reivindicações. Porque exploram a população cobrando 403,5% ao ano no cartão de crédito, 253,2% ao ano no cheque especial, tarifas exorbitantes a custa da miséria do trabalhador. Os cinco maiores bancos que atuam no Brasil lucraram R$ 36,3 bilhões no primeiro semestre, conforme dados do Dieese. Principais reivindicações A categoria reivindica reajuste salarial de 16% (reposição da inflação mais 5,7% de reposição salarial), PLR, piso e vales maiores, fim das metas e do assédio moral, mais segurança, 14º salário, entre outros itens. No entanto, o setor que mais lucra no país ofereceu 5,5% e abono único de R$ 2.500, o que representa perda de mais de 4% diante da inflação de 9,88%. (LGMS) Sindicato dos Bancários de Santos e Região “Os banqueiros vão apostando no quanto pior melhor e continuam em silêncio observando o cansaço dos bancários e da população, quase sempre sentados nos seus gabinetes refrigerados cercados por mordomias” Gabinetes refrigerados “Por outro lado, os banqueiros vão apostando no quanto pior melhor e continuam em silêncio observando o cansaço dos bancários e da população, quase sempre sentados nos seus gabinetes refrigerados cercados por mordomias. Depois muitos voltam de helicópteros para suas mansões cercadas por verdadeiros exércitos de seguranças”, indigna-se Ricardo Saraiva Big, presidente do Sindicato dos Bancários de Santos e Região e Secretário de Relações Internacionais da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora. Não demonstram nenhuma vontade de negociar um reajuste que reponha a inflação de 9,88%, muito menos um índice para repor perdas salariais dos últimos anos impostas aos funcionários dos bancos públicos. Porém, os bancos cobram os maiores juros em 20 anos, segundo o Procon. Os juros do cheque especial chegaram a 12,28% no mês em outubro – a maior marca desde setembro de 1995 – quando a taxa era 12,58%. A proposta da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) de 5,5% é bem inferior ao índice de inflação de 9,88% medido pelo Indíce Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de 1º de setembro/2014 a 30 de agosto/ 2015 (período medido para a data-base da categoria). Em menos de 6h de trabalho bancários pagam seus salários de Santos (SP) As demissões são frutos da exploração segundo as regras do defeituoso sistema capitalista. Neste sistema, o acúmulo de riqueza deve ser atingido a qualquer custo. O ser humano, na equação do capitalismo, é taxado como Capital Variável que produz a mais valia e o consequente lucro, através do chamado sobretrabalho. Por exemplo, nas seis primeiras horas de um dia o bancário reproduz o valor do seu salário, mas acaba por trabalhar mais tempo. Mas é neste tempo extra (que o capitalista tenta prolongar ao máximo) que ele traba- lha e não é pago, que é criado o lucro. Ou seja, o lucro surge do fato do bancário trabalhar mais do que o socialmente necessário (por conta da exploração) e é este excedente, não pago que o capitalista se apropria, que se chama lucro. Ele cresce quando a jornada é prolongada com a sobrecarga de trabalho, acúmulo de função, jornada estendida etc. Exemplo Vamos pegar o exemplo de cada trabalhador do Itaú, que produziu o maior lucro líquido (entre a categoria) de R$ 67.773,62 (fonte: Dieese) somente em março deste ano. Vamos utilizar como parâmetro quem recebe cerca de R$ 3 mil, portanto ganha R$ 25 por hora, mas lucra para o Itaú R$ 565 por hora, em menos de 6 horas ele já pagou o seu salário! Faça sua conta Divida o lucro (conforme cada banco segundo a tabela abaixo) por 120 horas e depois o valor de seu salário pelas mesmas 120 horas, que conforme a CLT e o Acordo Coletivo são as horas de trabalho mensal da categoria (não comissionada), veja quanto você produz de lucro por hora e quanto o banco lhe remunera por estas horas e em quanto tempo você reproduz seu salário para o banqueiro aproximadamente. (LGMS) 8 brasil de 22 a 28 de outubro de 2015 Fotos: Ministério Público-RS Segundo o MP gaúcho, outdoors anunciando agrotóxicos são comuns nas estradas brasileiras Agricultura desobedece a legislação sobre agrotóxicos VENENO NO PRATO A ilegalidade está na pesquisa, experimentação, produção, embalagem, rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, publicidade e utilização desses produtos Cida de Oliveira de São Paulo (SP) da Rede Brasil Atual A CONSTITUIÇÃO e a Lei Federal nº 7.802/89, que disciplina a pesquisa, a experimentação, produção, embalagem, rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, publicidade, utilização, fiscalização e controle dos agrotóxicos são desrespeitadas pela agricultura nacional. A denúncia é do promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul em Catuípe, Nilton Kasctin dos Santos. Com formação em Direito e especialização em Direito Comunitário pela Escola Superior do Ministério Público, o ex-delegado da Polícia Federal trocou a PF pela defesa do meio ambiente e atua também como conferencista e articulista em diversas publicações. De acordo com o promotor, a desobediência já começa com a prescrição de venenos por agrônomos ou técnicos agrícolas que nem sequer examinaram a lavoura para conhecer suas características e necessidades. Tal procedimento consta do artigo 15º da Lei nº 7.802/89 (Lei dos Agrotóxicos). A pena prevista é de dois a quatro anos de reclusão para quem descumprir. “É comum esses profissionais assinarem receituários sem ter visitado e diagnosticado a lavoura. Como um médico examina o paciente para identificar a doença e receitar o remédio, o agrônomo deve examinar a lavoura. Só então poderá decidir se há necessidade do uso de veneno e qual o tipo”, compara. Porém, isso normalmente não ocorre. “O agricultor vai direto à ‘farmácia’ (revenda), já decidido a comprar o veneno que será aplicado da forma e no momento que bem entender. Às vezes, quem entrega a receita já assinada é o balconista da loja de agrotóxico. Assim, a receita, que deveria ser o principal instrumento para controlar a circulação desses produtos, não passa de uma farsa.” Propaganda irregular Outro grande problema é a publicidade dos venenos. A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 220, parágrafo 4º, que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais. Tais restrições foram estabelecidas também pelas leis federais 9.294/96 – sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas – e ainda pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Santos entende que a legislação é cumprida à risca quando se trata de medicamentos, bebidas alcoólicas e tabaco. Mas em relação aos agrotóxicos, não há obediência a qualquer dispositivo legal. A propaganda é completamente livre. Está na televisão, no rádio, nos jornais, na internet, e até mesmo em cartazes, placas, faixas e outdoors. “Só para exemplificar, as margens das estradas do Brasil inteiro estão tomadas de placas com anúncios de agrotóxicos e sementes transgênicas. Até no espaço público, reservado à colocação de sinais de trânsito eles podem ser vistos. E toda forma de propaganda mencionada, da maneira como veiculada no Brasil, constitui crime contra as relações de consumo, na medida em que caracteriza publicidade enganosa (arts. 66 e 67 do CDC)”, afirma. Para o promotor, a culpa não é apenas das empresas interessadas, mas também das autoridades, que nada fazem para coibir anunciantes e punir os que atuam livremente, com conhecimento das autoridades, que nada fazem. “O que é lamentável. A propaganda irregular de agrotóxico precisa ser vista como algo grave, uma vez que influencia toda a coletividade a banalizar o perigo dos venenos, a não ver problema em encher de agrotóxico a terra, o ar, a água e nossa mesa.” Enquanto isso, conforme conta, a ampla maioria dos plantadores de soja, trigo, arroz, aveia, milho, feijão, uva, melancia, abacaxi, verduras e demais alimentos segue aplicando de forma ilegal os mais variados tipos de venenos perigosos. “Fazem quando querem, como querem e na quantidade que querem, sem serem incomodados por quem quer que seja no sentido de pelo menos cumprir a legislação vigente”. Alienação Para o promotor, a sociedade brasileira está em grande parte alienada em relação aos agrotóxicos – o que se deve principalmente à fragilidade do sistema educacio- nal, sem compromisso com o desenvolvimento de uma consciência mais crítica. “Nem as tais campanhas de ‘conscientização’ da população e dos agricultores sobre o perigo dos agrotóxicos funcionam mais. É lógico, uma nação que figura no 88º lugar no ranking mundial da educação é incapaz de qualquer processo de transformação para melhor; a tendência é piorar”, lamenta. “Desses raros processos e inquéritos, 99% foram abertos pelo próprio do Ministério Público, Polícia Ambiental ou alguma organização. A sociedade brasileira está completamente alheia a esse grave problema que é de todos.” Para ele, isso justifica as pouquíssimas denúncias envolvendo agrotóxicos, em geral relacionadas apenas a prejuízo financeiro. Ou seja, as pessoas só vão à polícia ou ao Ministério Público denunciar quando o veneno da lavoura do vizinho danificou sua plantação, seus animais, ou quando alguém da família sofreu intoxicação aguda. Num cenário assim tão favorável, a indústria e o comércio de agrotóxicos nem precisam se esforçar no assédio aos produtores. Isso porque, conforme o promo- tor, o agronegócio já é absolutamente dependente do poder econômico das megacorporações transnacionais detentoras das marcas de sementes, adubos e venenos agrícolas. Todos os produtores rurais brasileiros, diz, trabalham como num sistema integrado de produção a exemplo do que ocorre com criadores de frango e suínos para os grandes frigoríficos. Na prática, trabalham para essas empresas multinacionais já que nenhum produtor possui insumos próprios (se guardar a semente, ela não nasce, é estéril), nem podem adquirir semente, adubo químico ou veneno de outro eventual fornecedor. “Todos dependem absolutamente da Monsanto, Bayer, Basf, Syngenta, FMC, Du Pont, Dow e mais duas ou três. A curto ou a médio prazo nada pode ser feito para minar esse quadro sombrio de dependência econômica e tecnológica do Brasil em relação a esse aspecto do capital internacional. Isso equivale a dizer que não só nossa segurança alimentar desapareceu por completo, como também nossa soberania nacional vem se debilitando progressivamente. E de forma acelerada.” Reprodução No teste, substâncias químicas são aplicadas nos olhos ou na pele (raspada) de animais para medir a toxicidade Cruéis, os testes de agrotóxicos torturam animais, mas são incapazes de mensurar seu real perigo à saúde humana e ao meio ambiente de São Paulo (SP) Feitos em animais com metabolismo e sistema imunológico diferente dos seres humanos, e que não representam a complexidade dos ecossistemas, os testes não conseguem identificar o real espectro de ação dos venenos. O Teste Draize consiste em aplicar a substância química nos olhos ou na pele (raspada) de animais para medir a toxicidade. Principalmente coelhos (porque têm olhos grandes e salientes), são amarrados em um instrumento fixo, ficando apenas com a cabeça para fora. O veneno a ser testado é pingado de quando em quando dentro dos olhos (mantidos abertos com grampos ou fitas adesivas). Por estar preso e não poder fechar os olhos ou coçar o local da agressão, o animal apenas grita de dor, chegando até mesmo a fraturar o pescoço na tentativa de escapar. O procedimento dura vários dias, até que o olho vire uma crosta infecciosa, acompanhada de cegueira completa. “Tudo para ‘saber’ o grau de toxicidade da substância a ser lançada no mercado. Ora, desse jeito até mesmo água potável causaria danos no olho”, diz o promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul em Catuípe, Nilton Kasctin dos Santos. Pelo método LD50, o agrotóxico é ministrado (via oral ou venosa) aos poucos a um grupo de animais (cães, macacos, coelhos, ratos etc.), até que morram 50%. Todo o grupo, normalmente em torno de 200 indivíduos, sofre longo processo de tortura, definhando lentamente até a morte. Essa forma cruel de experiência científica foi inventada em 1927, e até hoje é utilizada em larga escala pela indústria química. De acordo com Santos, os testes de laboratório são feitos com um tipo de agrotóxico por vez, não levando em conta que nas plantações são aplicados vários tipos de venenos diferentes, misturados ou uns após os outros, em intervalos curtos ou médios, de maneira que resíduos de vários tipos de venenos interagem entre si e com o solo, com o ar, com a água e no corpo dos organismos vivos. Portanto, é completamente impossível identificar em laboratório as consequências da ação conjunta de diferentes tipos de agrotóxicos para o meio ambiente e a saúde humana. Esses testes em animais são concluídos em períodos extremamente curtos, impossibilitando qualquer certeza sobre efeitos crônicos derivados de exposições ou contatos prolongados com agrotóxicos. Observe-se que a cada evento de ataque intenso de pragas ou doenças aparecem no mercado, de uma hora para outra, dezenas de agrotóxicos novos. “As conclusões dessas experiências não apontam antídotos para casos de intoxicação acidental. Os testes são realizados pelo próprio fabricante do veneno, cujo interesse único e exclusivo é lucrar com a venda do produto”, diz o promotor. Ele destaca ainda que essas experiências sacrificam dos animais sem trazer utilidade para a proteção da saúde humana. A literatura científica na área de toxicologia mostra que os resultados de testes Draize nunca são utilizados por médicos, que se orientam a partir de experiências de casos reais com seres humanos. Esses testes são realizados para defender os interesses econômicos do fabricante. “A lei não obriga a utilização de animais para testes científicos. Mas essa metodologia ultrapassada, inventada há quase um século, é a maneira mais eficaz de o fabricante e o comerciante serem inocentados em processos judiciais por intoxicação humana ou dano ambiental. É só provar que o veneno foi testado antes da colocação no mercado, que a Justiça sempre julga em favor das empresas que fabricam e comercializam o agrotóxico. A ‘culpa’ passa a ser de quem aplica o veneno”, diz Santos. (CO) (Rede Brasil Atual) brasil de 22 a 28 de outubro de 2015 9 Os pastores do Congresso Agência Câmara ESPECIAL Como as igrejas evangélicas escolhem seus políticos? Qual o segredo da força da bancada para barrar os avanços sociais e garantir privilégios como a isenção fiscal e a concessão de rádios e TV? Andrea Dip de Brasília (DF) da Agência Pública HOMENS DE TERNO e mulheres de saia com a Bíblia na mão vão enchendo o auditório. Alguém regula o som do violão e dos microfones. A música que celebra “júbilo ao Senhor” estoura nos alto-falantes, e a audiência canta junto. Em um púlpito no palco, os pastores abrem o culto com uma oração fervorosamente acompanhada pelos fiéis. Uma descrição comum de um culto evangélico não fossem os pastores, deputados, falando de um púlpito improvisado no Plenário Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados de um país laico chamado Brasil. E se o (até então) presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), anunciado do púlpito ao entrar no recinto pelos pastores João Campos (PSDB/GO) e Sóstenes Cavalcante (PSD/RJ), não tivesse deixado de lado a agenda oficial para participar da celebração e tirar selfies com pessoas que se amontoavam ao seu redor. Certamente, seria bem menos estranho se logo atrás de mim, no fundo do auditório, assessores de parlamentares não estivessem fazendo piadas de cunho homofóbico e rindo alto durante boa parte do evento, que se tornou show com a chegada da aclamada cantora gospel Aline Barros, vencedora do Grammy Latino 2014 e um dos cachês mais altos do mundo gospel brasileiro. Ela tinha viajado do Rio a Brasília com o marido, o ex-jogador de futebol e hoje pastor e empresário gospel, Gilmar Santos, especialmente para cantar e orar naquela manhã de quarta-feira no Congresso. Ao final do culto/evento, todos receberiam um CD promocional de Aline. Aline Barros entoou alguns de seus sucessos com o auxílio de um playback, antes da pregação do marido. O tema é a luta do profeta Elias contra Jezebel, a princesa fenícia que se casou com o rei de Israel e, uma vez rainha, perseguiu e matou profetas israelitas. A imagem da mulher poderosa de alma cruel é usada por dezenas de sites religiosos, que comparam Jezebel à presidente Dilma Rousseff, ameaçando-a de acabar como a rainha, comida por cães. “Em Tiago, capítulo 5, versículo 17, está escrito que Elias era um homem como nós. Ele orou e durante três anos e meio não choveu. Depois ele orou de novo e Deus manda vir a chuva”, diz o pastor Gilmar, dirigindo-se aos parlamentares. “Muitas vezes a gente tem orado ‘Deus sacode esse país, traz um avivamento, faz algo novo’. Deus está fazendo. Mas a forma que Deus está fazendo nem sempre é do jeito que a gente quer, da nossa maneira. Muitas vezes a gente queria que Deus fizesse chover dinheiro do céu, que fizesse anjo carregar a gente no colo pra levar a gente pra todos os lados e queria pedir pra Deus pra sentar numa rede, pra ele trazer um suco de laranja e operar, trabalhar. ‘Manda fogo, destrói aquele endemoniado, aquele idólatra.’ Mas Deus não faz dessa forma. Por que Deus escondeu Elias? Por que Deus tem escondido muitos de vocês e ainda não estão nos jornais como sonharam ou não tiveram reconhecimento como sempre sonharam? […] Deus está te escondendo, querido. No momento certo tudo vai acontecer, você vai ser exaltado. Deus sabe como honrar. […] Pode ser o momento mais difícil do seu mandato, mas continua confiando. Muitas pessoas podem estar vivendo uma seca nesse país. Nosso país pode estar vivendo o momento mais seco da história. Vidas secas. Mas o céu nunca vai estar em crise. Nunca tem crise, nunca tem crise.” Sem crise O número de evangélicos no Parlamento cresceu, acompanhando o aumento de fiéis. Segundo os últimos dados do IBGE, que são de 2010, o número de evangélicos aumentou 61% na década passada (2000-2010). Por sua vez, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), encabeçada pelo deputado e pastor João Campos, agrega mais de 90 parlamentares, segundo dados atualizados da própria Frente – os números podem variar por causa dos suplentes – o que representa um crescimento de 30% na última legislatura. A mistura de política e religião é a marca da atuação dos Presidente da Câmara, dep. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), participa de reunião com a bancada evangélica pastores deputados. Campos, por exemplo, é presidente da Frente Parlamentar Evangélica, autor do projeto de lei apelidado de “cura gay” e defensor destacado da redução da maioridade penal, como a maioria da chamada “bancada da bala” – em 2014 ele recebeu R$ 400 mil de uma empresa de segurança para sua campanha. Cavalcante, ex-diretor de eventos do pastor Silas Malafaia, seu padrinho na fé e na política, é presidente na Comissão Especial que trata do Estatuto da Família. Encorajada por Eduardo Cunha, que assumiu a presidência da Câmara dizendo que “aborto e regulação da mídia só serão votados passando por cima do meu cadáver”, a bancada evangélica tem conseguido levar adiante projetos extremamente conservadores, como o Estatuto da Família (PL 6.583/2013), que reconhece a família apenas como a entidade “formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”, que deve seguir para o Senado nos próximos dias. A PEC 171/1993, que usa passagens bíblicas para justificar a redução da maioridade penal, também foi aprovada na Câmara e aguarda análise do Senado, sem previsão de votação. O próprio Eduardo Cunha é autor do PL 5.069/2013, que cria uma série de empecilhos para o direito constitucional das mulheres vítimas de violência sexual realizarem aborto na rede pública de saúde. Esse está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Também foi nesta legislatura que a bancada conseguiu barrar o trecho que trata do ensino da ideologia de gênero nas escolas no Plano Nacional de Educação. “Por ser mais próxima da cultura do espetáculo e menos litúrgica, também são as igrejas pentecostais que se dão melhor com as mídias” Ainda segundo os dados fornecidos pela FPE, a maioria dos parlamentares pertence a igrejas pentecostais: a Assembleia de Deus é a que mais congrega esses fiéis, seguida pela Igreja Universal do Reino de Deus, que tem como figura de destaque o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Também tem representantes no Congresso as igrejas Sara Nossa Terra e a Igreja Quadrangular. Como acontece com os partidos na política, os membros também trocam de denominação. Eduardo Cunha recentemente trocou a Sara Nossa Terra pela Assembleia de Deus, onde já estavam os colegas João Campos e Marco Feliciano. Entre os membros das protestantes históricas estão Jair Bolsonaro (batista) e Clarissa Garotinho (presbiteriana). O sociólogo e escritor Paul Freston, professor catedrático em religião e política da Wilfrid Lauries University, do Canadá, explica que as igrejas pentecostais se diferenciam das protestantes históricas principalmente pela ênfase da crença nos dons do Espírito Santo, como “falar em línguas” e agir em curas e exorcismos. “Por ser uma forma mais entusiasmada de religiosidade, depende menos de um discurso racional, elaborado. Você pode não saber ler ou escrever, pode ser alguém que não ousaria fazer um discurso racional em público, mas sob influência do Espírito você fala. Por isso pode-se dizer que a igreja pentecostal também tem esse poder de inverter as hierarquias sociais”, explica o professor. E destaca: “Por ser mais próxima da cultura do espetáculo e menos litúrgica, também são as igrejas pentecostais que se dão melhor com as mídias”. Nos gabinetes de Brasília (DF) “A Frente Parlamentar Evangélica [FPE] tem exercido um papel muito importante em contribuir com o processo legislativo porque ela priorizou algumas bandeiras que são relevantes para a sociedade brasileira como, por exemplo, a defesa da família tradicional”, diz João Campos, que recebeu a Pública em seu gabinete de número 315 no anexo IV da Câmara, após muitos dias de negociação com seu assessor. “Outra bandeira nossa é a defesa da vida desde a concepção, os direitos do nascituro, a proibição do aborto, do infanticídio, os direitos da mulher também, mas principalmente os direitos do ente humano que está sendo gerado. Temos uma postura clara a favor da reforma política, sobre a reforma tributária e sobre a violência que tem inquietado a sociedade”, continua o deputado. O segredo do sucesso? “A gente atua a partir desses temas, e isso faz com que a Frente seja ouvida no Parlamento. A Frente nem é a que congrega o maior número de parlamentares, mas é uma das mais ouvidas. Porque não é a quantidade, é a atuação dela”, diz com orgulho. Pergunto sobre sua trajetória política e religiosa, em que momento as duas se misturam. Ele me conta que aos 16 anos já era líder de jovens em sua igreja (Assembleia de Deus) e há quase 20 foi ordenado pastor. Também fez carreira na Polícia Civil de Goiânia. Começou como escrivão de polícia, se tornou delegado, participou de greves – “sempre fui muito ativo”, diz. Passou a atuar na classe, foi presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, até que “naturalmente” se candidatou a deputado federal. “Eu sempre exerci liderança na igreja e na segurança pública. E essas duas vertentes apoiaram minha candidatura e me elegeram”, resume Campos, 53 anos, atualmente no quarto mandato como deputado fede- ral. Quando pergunto se a igreja tem sido um ambiente fértil para a formação de líderes políticos, ele desconversa: “A igreja tem ocupado um espaço e se colocado mais na política tendo ela própria como referência”. Sua colega de bancada evangélica, Clarissa Garotinho (PR), é uma jovem deputada federal que tem política e religião no pedigree. A filha dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho é da Igreja Presbiteriana, como todos de sua família. E, como fez a mãe, todas as vezes que seu pai, Anthony Garotinho, mudou de partido, ela o acompanhou “mesmo a contragosto”, confessa. E não foram poucas vezes: o radialista de sucesso começou a carreira política no PT, depois foi para o PDT, para o PSB, PMDB e PR. “O Eduardo é considerado um deputado muito temido aqui. Dizem que ele é vingativo, que tem um temperamento difícil. E ele ainda tem muito apoio aqui, apesar dos escândalos” Jogo da política Clarissa fala do jogo da política com a naturalidade de quem viveu isso em casa desde pequena, mas faz questão de dizer que nunca foi pedir voto em igreja. “Visitei algumas igrejas quando me convidaram, mas não foi o foco da minha campanha.” Descreve o início de sua carreira política como a de líder estudantil que se tornou diretora da UNE e foi eleita vereadora – a contragosto do pai, sublinha. “Nessa época, eu tinha me formado em jornalismo e fiz estágio com a Xuxa, no programa dela, a convite da Marlene Matos. A Marlene me convidou para ir para um programa na rádio Globo, eu já era gerente comercial da empresa dos meus pais, e ele não queria que eu entrasse na política. Dizia que a vida dos políticos ficava muito exposta, que dava muita dor de cabeça. Comecei a campanha sozinha, eu e a juventude do partido. Pensava: ‘Meu pai foi governador, minha mãe foi governadora, eu não posso perder uma eleição de vereadora porque, se eu perder, eu vou estar comprometendo o nome deles’”, conta. De vereadora, Clarissa passou a deputada estadual e em 2014 foi eleita deputada federal com a maior votação obtida entre as mulheres. Sobre sua atuação na bancada evangélica, ela diz que só participa das atividades quando acha necessário. “Quando houve algumas manifestações na parada gay que satirizaram a imagem de Cristo. Nesse ponto, a bancada reuniu inclusive católicos. Quando tem alguma causa que a gente entende que precisa se unir, eu participo das reuniões.” Pergunto sua opinião sobre o aborto, e sua expressão se fecha: “Tem temas que para nós não são negociáveis. Eu sou contra o aborto”. Sem que eu pergunte, emenda: “Mas você quer saber do Cunha? Eu não apoiei o Eduardo Cunha para presidente da Câmara só porque ele era evangélico. Não basta ser evangélico e eu presbiteriana para eu votar se acho que a postura dele como político não é boa pra representar a Câmara e não é boa para o Brasil. Fui uma das poucas deputadas evangélicas que não votou nele. Fizeram reuniões com os membros da bancada pra apoiar, mas eu não participei. Não gosto do estilo dele de fazer política. Ele usa chantagem pra conseguir vantagens, é o chanteageador geral da República. O Eduardo é considerado um deputado muito temido aqui. Dizem que ele é vingativo, que tem um temperamento difícil. E ele ainda tem muito apoio aqui, apesar dos escândalos”. (Esta reportagem continua nas págs. 10, 11 e 12) (AD) (Agência Pública- www.apublica.org) 10 11 brasil de 22 a 28 de outubro de 2015 Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas Modelo brasileiro Lula Marques/Agência PT de Brasília (DF) O começo de tudo ESPECIAL Os pentecostais deslancharam na política com a Igreja Universal do Reino de Deus, que criou um plano político mais estruturado dentro da instituição Andrea Dip de Brasília (DF) da Agência Pública A IGREJA PENTECOSTAL começou a se envolver na política brasileira na década de 1960, através da Brasil para Cristo, que elegeu um deputado federal em 1961 e um estadual em 1966. Depois disso, porém, a igreja só voltaria a eleger candidatos na década de 1980, como explica Paul Freston: “A maior participação vem em 1986, no fim do regime militar, com a Assembleia Consti- tuinte. A Assembleia de Deus é o motor disso inicialmente, e se organiza desde a cúpula para ter um candidato oficial em cada estado, um deputado. Eles se organizam e tentam apresentar esse candidato nas igrejas, falar pras pessoas votarem nele. É o que dá origem à bancada evangélica, é a primeira vez que se fala nisso. E a grande novidade é que a maioria é pentecostal”. Os pentecostais deslancharam na política com a Igreja Universal do Reino de Deus, que criou um plano político mais estruturado dentro da instituição, segundo a autora da tese Religião e política: ideologia e ação da “Bancada Evangélica” na Câmara Federal, Bruna Suruagyt. “No início da década de 1990, a Igreja Universal começou a atuar com um plano político estruturado”, explica. Em sua pesquisa, Bruna chegou ao seguinte desenho do plano político da Universal: “A cúpula da igreja, formada por um conselho de bispos da confiança de Edir Macedo, indica candidatos em um procedimento absolutamente verticalizado, sem a participação da comunidade. Os critérios para a escolha desses candidatos geralmente têm Ainda segundo a pesquisadora Bruna Suruagy, a Universal se tornou um modelo para outras igrejas brasileiras justamente porque a cada novo mandato havia um aumento significativo dos parlamentares. “A Assembleia de Deus, que hoje tem a maioria dos deputados, não funcionava assim”, diz. Ela explica que isso não significa que o funcionamento institucional das duas denominações seja o mesmo. “A Assembleia é uma igreja com muitas dissidências e muitas divisões internas, por isso não é possível estabelecer hierarquicamente os candidatos oficiais. As igrejas têm fortes lideranças regionais e uma fragilidade do ponto de vista nacional. A sede não tem tanta força e, por isso, eles criam prévias eleitorais. As pessoas se apresentam voluntariamente ou são levadas pela própria igreja, e ainda há a ideia de que alguns são indicados por Deus porque mobilizam grandes multidões, ou contagiam, como dizia Freud, o que também termina sendo um critério. Então tem uma lista, depois uma pré-seleção que passa por um conselho de pastores – isso em cada ministério, porque a Assembleia é uma igreja que tem várias subdivisões internas. É interessante que os que pretendem se candidatar assinam um documento se comprometendo a apoiar o candidato oficial caso ele não seja escolhido, para evitar candidaturas independentes e para manter a fidelidade que se tem na Universal.” Templo de Salomão, construído pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no Brás (SP) “A maior participação vem em 1986, no fim do regime militar, com a Assembleia Constituinte. A Assembleia de Deus é o motor disso inicialmente, e se organiza desde a cúpula para ter um candidato oficial em cada estado, um deputado” base em um certo recenseamento que se faz do número de eleitores em cada igreja ou em cada distrito. E cada templo, cada região, tem apenas dois candidatos que seriam o candidato federal e o estadual. Ela desenvolve uma racionalidade eleitoral a partir de uma distribuição geográfica dos candidatos e a partir de uma distribuição partidária dos candidatos. Isso mudou um pouco agora porque existe um partido que é da Universal, o PRB, que fica cada vez mais forte no Congresso”, explica, destacando também a importância da mí- dia religiosa como interface entre a igreja e a política. A Pública fez contato com a assessoria de imprensa da Igreja Universal e obteve como resposta que a instituição não se pronunciaria a respeito “porque não se envolve com política”. Ao insistir para obter a entrevista, a assessoria pediu que as perguntas ao bispo Edir Macedo fossem feitas por e-mail e não respondeu mais. Mesmo o site do PRB, que tem grande parte dos filiados ligados à Universal, incluindo o presidente do partido, Marcos Pereira, não deixa clara essa conexão entre o partido e a igreja. Mas, entrevistado pelo deputado federal Celso Russomanno, ao vivo, durante a festa de dez anos do PRB, no dia 25 de agosto, diante da plateia do auditório Nereu Ramos, Pereira revelou que sua carreira e o PRB caminharam de braços dados com Edir Macedo. Ele contou que é bispo da igreja desde 1999, foi vice-presidente da Rede Record de Televisão em 2003, ano em que também se tornou sócio da LM Consultoria Empresarial – holding que controla todos os negócios da Igreja Universal do Reino de Deus – e então se tornou presidente do PRB em 2011. Eduardo Cunha “Nas pentecostais, os pastores vão colocando seus filhos na linha sucessória na igreja e na política. Aconteceu assim com Malafaia, por exemplo. O pai dele era pastor e o filho também é” “A maioria dos políticos que temos hoje foi produzida em berço pentecostal. Portanto, eles nascem do único poder que habita esse ambiente, que é o do carisma pessoal” O sistema de escolha de candidatos é confirmado pelo pastor Caio Fábio, enquanto conversamos no belo jardim de sua casa, em Brasília. “A maioria dos políticos que temos hoje foi produzida em berço pentecostal. Portanto, eles nascem do único poder que habita esse ambiente, que é o do carisma pessoal. E esse carisma não tem absolutamente nada a ver com inteligência, instrução ou cultura. Por carisma, entende-se a capacidade de comunicação popular intensa, tanto mais poderosa quanto menos escrupulosa seja. São em geral pastores, bispos e apóstolos. A Universal é um caso à parte, assim como as igre- O pastor Silas Malafaia jas neopentecostais, que são igrejas pós-macedianas, porque o projeto político lá é totalitário, vem do Macedo a determinação de quem é e quem não é”, critica. “As igrejas reformadas [também conhecidas como protestantes históricas] são democrático-representativas. A cada cinco anos no máximo, tem uma elei- E o que querem os políticos evangélicos? Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr de Brasília (DF) Quando estive no Congresso, cada vez que Eduardo Cunha entrava em uma sala da Câmara dos Deputados era cercado por um séquito e não raramente aplaudido de pé, apesar dos escândalos, e não apenas os mais recentes. Cunha, que começou sua carreira como tesoureiro do comitê eleitoral de Collor, chegou à presidência da Telerj, de onde saiu em 1993 em um escândalo de superfaturamento, quando foi descoberto que havia assinado um aditivo de US$ 92 milhões a um contrato da Telerj com a fornecedora de equipamentos telefônicos NEC do Brasil (então controlada pelo empresário Roberto Marinho). Foi quando se aproximou do então deputado mais votado do Rio de Janeiro e dono da rádio evangélica Melodia, Francisco Silva. Por indicação de Silva, tornou-se presidente da Companhia Estadual de Habitação na gestão de Anthony Garotinho, da qual também foi afastado em meio a denúncias de irregularidades em contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas. A passagem pelo rádio, onde tinha boletins diários que acabavam com o bordão “O povo merece respeito”, tornou sua voz conhecida e se lançou a candidato a uma cadeira na Câmara dos Deputados nas eleições gerais de 2002, quando foi eleito com o apoio de Garotinho e 101.495 votos nas urnas. Em 2003, entrou no PMDB e foi eleito deputado federal e hoje cumpre seu quarto mandato consecutivo. Em 2014 foi o terceiro candidato mais votado do Rio de Janeiro, com 232.708 votos. O deputado Eduardo Cunha O sociólogo Paul Freston, que estuda as relações entre política e religião, pesquisou a biografia de Cunha e de seu mentor, Francisco Silva. “Ele começa politicamente pela mão do Francisco Silva, que já era uma pessoa estranha porque tinha uma identidade evangélica pessoal muito tênue. O que ele tinha era uma rádio evangélica. E basicamente usou a força da mídia para se lançar politicamente. Ele se dizia membro da Congregação Cristã, o que não fazia muito sentido porque é a igreja mais arredia, que não se envolve com política, com mídia, não paga pastor. E a própria Congregação fez uma decla- ração na época dizendo que desconhecia esse cidadão.” O polêmico pastor, escritor e psicanalista, Caio Fábio – fundador e ex-presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEVB), líder e mentor da igreja Caminho da Graça – acrescenta outras informações ao perfil de Cunha: “Eu o conheço há 20 anos, desde que o pessoal o chamava de ‘Eduardinho’. Desde quando ele trabalhava para o deputado Francisco Silva. Esse indivíduo de crente não tinha nada. Francisco comprou a rádio Melodia, criou uma igreja radiofônica chamada Cristo em Casa que não congregava ninguém, não reunia ninguém, não tinha relacionamento com ninguém. Era tudo no rádio e você dava o dízimo para esse ente abstrato. O Eduardo era o assessor dessa figura. Ele teve função importante na loteria esportiva do Rio de Janeiro, em autarquias diversas até chegar ao governo Garotinho. Ele dá nó em pingo d’água. O mais inteligente deles é burro perto do Eduardo Cunha. Ele é um dos caras mais ardilosos, mais jogadores, mais sutis que eu já conheci”. Recentemente, Cunha trocou a igreja Sara Nossa Terra, para qual foi levado por Silva, pela Assembleia de Deus. A primeira tinha pouco mais de 1 milhão de fiéis, enquanto sua igreja atual tem mais de 13 milhões de seguidores, segundo o IBGE. A ramificação da igreja escolhida por Cunha foi a Madureira, cujo presidente é o bispo Manoel Ferreira, acusado de coronelismo por membros de sua igreja por ter tornado seu cargo vitalício e denunciado por um pastor de sua igreja em uma matéria da revista IstoÉ por usar laranjas para abrir a Faculdade Evangélica de Brasília, dar golpe nos sócios e sonegar milhões em impostos (ele nega as acusações). Em agosto deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusou Eduardo Cunha de indicar a igreja do filho de Manoel, Samuel Ferreira, para receber parte da propina de ao menos US$ 5 milhões destinada a ele referente aos contratos para viabilizar a construção de dois navios-sonda usados pela Petrobras. “Eu estou dizendo há 25 anos que Manoel Ferreira já se envolveu com tudo. É um gângster religioso. E curiosamente é para onde o Cunha foi”, acusa o pastor Caio Fábio. (AD) (Agência Pública- www.apublica.org) de Brasília (DF) Mais do que os temas morais como aborto, violência, drogas e sexualidade, são os interesses institucionais que unem a bancada evangélica, segundo os pesquisadores. “A conquista de dividendos para as igrejas como a manutenção de isenção fiscal, a manutenção das leis de radiodifusão, a obtenção de espaços para a construção de templos e a transformação de eventos evangélicos em culturais para obtenção de verbas públicas, estão nesse páreo”, explica Bruna Suruagy. Paul Freston dá um exemplo: “Na época da Constituinte, teve a questão do mandato do Sarney, do quinto ano. Para conseguir esse quinto ano, ele comprou muita gente no Congresso. A moeda de troca para muitos pentecostais era uma rádio, coisas ligadas à mídia”. Apenas a Igreja Universal controla mais de 20 emissoras de televisão, 40 de rádio, além de gravadoras, editoras e a segunda maior rede de televisão do país – a Rede Record Um estudo realizado pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) em 2009, mostrou que, de 20 redes de televisão que transmitiam conteúdo religioso, 11 eram evangélicas e 9 católicas. Apenas a Igreja Universal controla mais de 20 emissoras de televisão, 40 de rádio, além de gravadoras, editoras e a segunda maior rede de televisão do país – a Rede Record. lho também é. Os protestantes históricos são mais silenciosos, mas não quer dizer que não sejam homofóbicos, por exemplo. O Bolsonaro frequenta uma igreja batista e é… O Bolsonaro.” Freston, por sua vez, não vê influência do modelo americano, como os chamados cinturões bíblicos, na política brasileira. Para ele, o crescimento da bancada evangélica tem mais a ver com nosso modelo político. “Quando a imprensa e os acadêmicos começaram a notar a presença dos pentecostais na política, houve algumas interpretações sobre ser cópia dos Estados Unidos, que já tinha a direita cristã, e a ideia de que isso estava surgindo no Brasil, incentivado por esse modelo. Mas eu sempre achei que correspondia muito mais às peculiaridades do sistema eleitoral brasileiro. Porque você tem o crescimento pentecostal em muitos países do mundo, na América Latina toda, em muitos lugares na África, em alguns lugares da Ásia. Mas só no Brasil você tem esses fenômenos de bancadas nos Congressos. Essa aproximação com a direita é mais recente e tem a ver com essa nova direita, que não tem medo de se chamar de direita”, diz o sociólogo. Larissa Preuss, autora da tese de doutorado As telerreligiões no telespaço público: o programa Vitória em Cristo e a estratégia de mesclar evangelização e preparação política, destaca a enxurrada de pastores eletrônicos na televisão brasileira nas décadas de 1980 e 1990. “O RR Soares é o mais antigo, está no ar desde o fim dos anos de 1970, e o Silas Malafaia entra em 1982. Ele é quem fala mais explicitamente sobre política na televisão, apesar da maior articulação política ser da Universal”, lembra. A pesquisadora conta que estudou os programas de Malafaia de 2014 para entender a relação de seus discursos com as eleições. “Ele assume que existe uma briga política e deixa claro que quer influenciar e por isso não se candidata. Ele fala diretamente ao público, mas também fala muito aos líderes religiosos, tanto que Malafaia dá cursos de formação de pastores em locais como a Escola de Líderes da Associação Vitória em Cristo (Eslavec) e está construindo um império, hierarquizando igrejas dentro da Assembleia de Deus, que não tem essa cultura. O Malafaia se coloca no lugar do profeta, que é aquela autoridade que unge o rei e denuncia o sacerdote, e isso é muito forte. Ele incentiva os líderes a influenciar seus fiéis para que Deus possa agir na política.” A hipótese de Larissa é que os pastores midiáticos migram para a política justamente para garantir as concessões de radiodifusão. “Porque as outorgas são ratificadas ou podem ser abolidas pelo Congresso. Então é uma retroalimentação: eles estão na televisão, influenciam a eleição de certos candidatos que vão garantir sua permanência na televisão. A informação hoje é poder. A imagem é uma moeda valiosa. E os evangélicos estão na política como nunca. Basta dizer que o tema da última Marcha para Jesus foi ‘faxina ética’”. (AD) (Agência Pública- www.apublica.org) ção de pastores. As episcopais [pentecostais] são mais por sucessão, indicação do bispo. E, se os demais acolherem, eles são afirmados. Nas pentecostais, os pastores vão colocando seus filhos na linha sucessória na igreja e na política. Aconteceu assim com Malafaia, por exemplo. O pai dele era pastor e o fi- Outra característica de nosso sistema eleitoral, a de representação proporcional com listas abertas, favorece os candidatos carismáticos, os “puxadores de voto”, que passam a ser cobiçados pelos partidos. “Eles dizem ‘vamos pôr o pastor candidato que ele traz mais 2 ou 3 mil votos para a gente’. Mas esse cara traz 60 mil votos e se elege sozinho! Esse sistema favorece a eleição desses pentecostais. E muitos países que tem crescimento pentecostal não têm isso. No Chile, por exemplo, onde o pentecostalismo também cresceu muito, você quase não teve políticos evangélicos porque é outro sistema eleitoral. Aqui os líderes pentecostais souberam maximizar suas possibilidades dentro desse sistema.” (AD) (Agência Públicawww.apublica.org) Municipal de Brasília(DF) E não é só em âmbito federal que a bancada evangélica tem se fortalecido. O número de projetos de leis temáticos também tem crescido entre os vereadores e deputados estaduais evangélicos, que recentemente também barraram a discussão de gênero em planos municipais de educação em várias cidades, incluindo a capital paulista. E não é só isso. A pastora e deputada estadual Liziane Bayer, do PSB do Rio Grande do Sul, protocolou em abril o PL 124/2015, que prevê o ensino do criacionismo nas escolas públicas e privadas do estado. Liziane, cujo slogan de campanha foi “compromisso com a fé, a família e a vida”, conta que começou a se interessar por política e a conversar sobre o assunto no grupo de mulheres de sua igreja. Ela diz que sabe que o projeto é polêmico, mas defende o ensino do criacionismo para dar uma opção aos alunos. “Eu acho o comunismo ruim, mas ele é ensinado nas escolas. O criacionismo pode ser visto da mesma forma, mas, até pra que tu digas que não é correto, tem que saber”, opina. Em Cuiabá, o vereador Marcrean dos Santos (PRTB) criou um projeto que virou lei para feriado evangélico na cidade (Lei n° 5.940/15); em Itapema (SC), o vereador Mouzatt Barreto (DEM) também criou um PL para obrigar a leitura da Bíblia nas aulas de história das escolas públicas e particulares; em São Paulo, o vereador Carlos Apolinário, que em 2011 conseguiu que a Câmara aprovasse o “Dia do Orgulho Heterossexual”, vetado pelo então prefeito Gilberto Kassab, apresentou um projeto de lei para criar banheiros públicos em restaurantes, shoppings, cinemas e em casas noturnas para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais e chegou a declarar que “não é possível minha mãe entrar em um banheiro e encontrar um homem vestido de mulher”. Em Manaus, a vereadora Pastora Luciana (PP), que prefere ser chamada de pastora – “vereadora é só uma promes- sa, pastora é pra eternidade” –, é autora de três projetos temáticos: o PL 125/15, que visa autorizar por lei manifestações religiosas como palestras e pregações nos terminais de ônibus da capital com o uso de caixas de som; o 075/15, que propõe a instituição de uma capelania na Guarda Civil Metropolitana; e o PL da Cristofobia, que prevê multas para quem tiver “atitudes discriminatórias em face da religião cristã, palavras e práticas agressivas contra a figura de Jesus Cristo, ameaças, estereótipos pejorativos, induzir ou incitar a discriminação contra a Bíblia Sagrada”. Mas o projeto de lei mais bizarro é do vereador de Santa Bárbara do Oeste, Carlos Fontes (PSD). O PL 29/2015 proíbe a implantação de microchips em seres humanos, comparando-os à marca da besta prevista no livro do Apocalipse (veja a entrevista em vídeo que gravamos com o vereador). “Eu acho o comunismo ruim, mas ele é ensinado nas escolas. O criacionismo pode ser visto da mesma forma, mas, até pra que tu digas que não é correto, tem que saber” “Se a presença de um evangélico na política melhorasse a política, humanizasse a política, as igrejas seriam édens, oásis, paraísos de bondade humana, altruísmo, inclusão, tolerância, misericórdia, de amor de verdade, equidade, solidariedade. Mas, enquanto o diabo continuar a existir pra eles da forma como existe, eles podem continuar roubando porque o diabo pagará a conta das acusações. Em nome de Deus, a canalhice é santificada”, conclui Caio Fábio. (Esta reportagem continua na pág. 12) (AD) (Agência Pública- www.apublica.org) (Colaborou Guilherme Peters) 12 brasil de 22 a 28 de outubro de 2015 O dia em que caí do berço evangélico ÉNóis ESPECIAL Em parceria com a Pública, os jovens repórteres da É Nóis foram investigar o que a molecada pensa de política nas igrejas evangélicas Ariane Assunção e Tiago Tuiuiú de São Paulo (SP) da Agência Pública NUNCA HAVIA prestado atenção nos projetos da bancada evangélica até o dia 2 de julho, quando, após uma manobra legal, a Câmara dos Deputados retomou e aprovou a pauta da redução da maioridade penal em primeiro turno. Dos 74 deputados federais evangélicos, 53 votaram a favor e apenas 9 disseram não à redução – 12 não votaram. Como jovem negro e morador de periferia, aquela decisão me afetava diretamente. E, de certa forma, me incomodava também. Sou o que conhecemos como “crente de berço”. Nasci em uma família evangélica, as primeiras músicas que aprendi eram hinos, o primeiro livro que li foi a Bíblia, minha primeira namorada era da igreja e meus amigos eram meus irmãos em Cristo. Sempre considerei a igreja um canal de mudança, lá conheci histórias de pessoas que saíram do crime, acreditando que era possível transformar suas vidas. E, nesse momento, ficou explícito pra mim que esse lance de amar ao próximo é muito mais fácil quando o próximo se parece com você. Decidi então que iria descobrir como pensam outros “Amar ao próximo é muito mais fácil quando o próximo se parece com você” jovens evangélicos para entender essa relação entre política e religião num estado laico. Será que eles também são a favor da redução da maioridade penal e de outras leis propostas pela banca- da evangélica? Qual o nível de interesse deles por política? E será que a religião, para eles, é um critério no momento de decidir o voto? Fomos, eu e minha parceira de reportagem, Ariane, para por- A voz da bancada é a voz de Deus? de São Paulo (SP) Foi colocar o pé na rua para constatar que religião e política eram temas superconectados para o jovem evangélico – mesmo sem ter clareza disso. Do total de jovens, entre 14 e 30 anos, que responderam à nossa pesquisa, 4 em cada 10 afirmaram ter votado em um político da sua igreja na última eleição. E, para metade deles, a religião é um critério a ser levado em conta no momento do voto. O voto, no entanto, é quase sempre o único – e último – estágio de participação política do jovem. Na pesquisa O sonho brasileiro da política, de 2014, em que jovens de sete estados, de 18 a 32 anos, de classes A, B e C, foram entrevistados, 74% dizem que sua prática política é o voto, 68% não gostariam de participar mais ativamente da política e 20% afirmaram que nada poderia aproximá-los da política. O resultado dessa falta de interesse tem consequências importantes: uma vez eleitos, nossos representantes parecem agir de acordo com suas alianças e crenças pessoais, sem lastro com as necessidades de quem os colocou no poder. E é aí que o tiro sai pela culatra: você é diretamente responsável por um em cada seis deputados da Câmara ser evangélico, mas ele pode estar lá defendendo causas que não são as suas. Dentro das igrejas, isso tem gerado atrito – principalmente entre os mais jovens. “Acho ridículo criarem uma lei assim”, afirma Dayanne Kraft, 21 anos, convertida há dois anos e membro da igreja Terra Fértil, quando questionada sobre o Projeto de Lei 177/2015, da vereadora de Manaus, Pastora Luciana. Conhecido como o PL da Cristofobia, a proposta pune o preconceito e atitudes discriminatórias contra a religião cristã com multa e pode fechar estabelecimentos comerciais. “Essa perseguição sempre aconteceu. Lá em Mateus 5:44 está escrito pra gente amar nossos inimigos e orar por quem nos persegue. Temos que plantar o bem para colher o bem”, diz Dayanne. Outra proposta da bancada evangélica que tem incitado discussões é o Estatuto da Família, que define a família como união entre homem e mulher. Para alguns jovens, a decisão é equivocada: “Onde existe amor, pode existir família. O amor é livre”, afirma L., 15 anos, membro da Igreja Mundial, do pastor Valdemiro Santiago, dissidente da igreja de Edir Macedo. “Eles não podem definir o que é família. Família é uma coisa bem pessoal”, concorda M., também de 15 anos, membro da Igreja Batista Refúgio – que existe há sete anos em Itapecerica da Serra, São Paulo. Essa pauta faz parte de uma luta que a bancada evangélica e, principalmente, alguns de seus membros mais controversos, têm travado contra os direitos dos grupos LGBT. É o caso do PL da deputada federal do Pará, Júlia Marinho, que tem o intuito de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para proibir a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. “Desde que a criança seja cuidada, bem tratada, possa crescer, não vejo problema nenhum”, afirma Wesley Ribeiro, 22 anos, professor de escola bíblica da Assembleia de Deus. “Tanto a Bíblia quanto a nossa Constituição defendem primeiramente o direito à vida, o direito à família – o que infelizmente não é um conceito-padrão no nosso país. Então temos que nos adequar à nossa realidade”, justifica. “Ser o líder do grupo de adolescentes da igreja pode ser um canal de transformação. Chegaram jovens com camiseta de rock, e meu pastor, que é novo, os acolheu e eles continuaram indo, fazem parte do louvor. [A igreja] Tá perdendo muito o preconceito”, confirma o jovem M., ajeitando com os dedos o moicano sobre a cabeça. “Essa perseguição sempre aconteceu. Lá em Mateus 5:44 está escrito pra gente amar nossos inimigos e orar por quem nos persegue. Temos que plantar o bem para colher o bem” Em uma pesquisa conduzida pelo Datafolha em 2013, 78% dos jovens evangélicos entre 16 e 24 anos são a favor de uma lei para punir quem ofende homossexuais, por exemplo. E 54% são a favor da adoção de criança por casal gay – enquanto na média geral da pesquisa, que considera todos os entrevistados com 16 anos ou mais, apenas 14% dos não pentecostais e 22% dos pentecostais são a favor. Mas é claro, existem muitas correntes. “A bancada evangélica é tão complexa quanto o movimento evangélico em si. Ali não tem só um bloco de pessoas que pensam da mesma forma e que defendem os mesmos interesses. Mas que se unem para defender pautas que são comuns, como a redução da maioridade penal”, afirma o jovem evangélico Felipe Neves, 22 anos, que tem acompanhado a relação entre evangélicos e a política para seu trabalho de conclusão de curso da faculdade. Ainda na pesquisa do Datafolha, para a pergunta “a mulher deveria ser processada e ir para a cadeia por cometer um aborto?”, 72% dos pentecostais e 65% dos não pentecostais dizem que sim, a mulher deveria. No recorte jovem (entre 16 e 24), 68% também disseram sim. Mesmo tendo a média de mulheres evangélicas que já fizeram um aborto em algum momento da vida quase equiparada à média nacional: 13% contra 15%, respectivamente, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto 2010, que entrevistou mulheres entre 18 e 39 anos. (AA e TT) (Agência Pública- www.apublica.org) tas de cultos em busca de respostas. Fizemos uma pesquisa com mais de cem jovens evangélicos e entrevistamos cinco deles. (Agência Pública- www.apublica.org) ÉNóis Encontro para o público jovem da Sara Nossa Terra discute política Vamos falar de política? de São Paulo (SP) Para saber se o discurso político estava atrelado ao discurso religioso – o que, muitas vezes, leva o fiel a votar em pastores políticos –, fomos a encontros direcionados para o público jovem. Quando visitamos a Sara Nossa Terra – igreja da qual o deputado e atual presidente da câmara Eduardo Cunha foi membro –, na rua Augusta, em São Paulo, o espaço estava tomado por jovens de várias regiões da cidade que se reúnem não só para o culto, mas também para cursos como o “Instituto de Vencedores”, voltado para a formação de liderança, aperfeiçoamento pastoral e estudo da Bíblia. O tema da celebração dava pistas: “Guerra é guerra: tempo de mudança, atitudes que causam impacto”. Nela, o pastor [que não aparentava ter mais do que 30 anos] falava sobre a guerra do “governo contra antigoverno, direita contra esquerda”. E também trazia questões como a votação da redução da maioridade penal – para a qual poucas pessoas levantaram a mão quando indagadas se sabiam do que se tratava. O culto acabava falando sobre a importância de respeitar as opiniões divergentes. “A religião te ajuda a expandir e manter um equilíbrio, você respeita o espaço das outras pessoas e elas deveriam respeitar o seu espaço. Isso é democracia” Para Joabe Santos, bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e pastor da Igreja Batista da Água Branca, a função de um pastor inclui a política. “Ensinamos as pessoas a se mobilizarem politicamente, torná-las engajadas com a política, não com o partidarismo”, afirma. Joabe deseja, a partir do próximo ano, criar um grupo de discussão e práticas políticas. “Precisamos dar pros meninos essa possibilida- de de discutir e praticar política. Será que um menino de 15, 16 anos pode mobilizar os amigos da escola para fazer um movimento em relação à redução da maioridade penal? A gente vai dar os elementos pro cara fazer isso”, diz. Felipe vivenciou a ligação entre política e religião de uma forma bem direta. “Em 2012, o pastor da antiga igreja que frequentava começou a apoiar a campanha de um vereador, a divulgar cartazes nos carros e a distribuir folhetos. Haviam também eventos na igreja que eram patrocinados pelo candidato, que, em troca, prometia favores para a igreja”, conta. O candidato foi eleito e, no ano seguinte, quando Felipe começou seu estágio na Câmara Municipal, presenciou visitas do pastor no gabinete do político. “Na maioria das igrejas da periferia, ainda acontece do candidato aparecer, pedir votos e oferecer algo em troca”, afirma. “Nós expomos o que a Bíblia diz e o que ela nos orienta, então temos que votar em pessoas que se assemelham com nossa cultura e nosso valor, independente de qual seja o partido”, afirma Wesley, que é a favor de que os políticos possam abordar os fiéis dentro das igrejas como forma de divulgar seu trabalho. Para o professor da escola bíblica, no entanto, a liberdade de expressão e o livre-arbítrio devem ser respeitados. “A religião te ajuda a expandir e manter um equilíbrio, você respeita o espaço das outras pessoas e elas deveriam respeitar o seu espaço. Isso é democracia.” (AA e TT) (Agência Pública- www.apublica.org) A Énois | Inteligência Jovem existe desde 2012, mas sua história começou em 2009, na periferia da zona sul de São Paulo, numa oficina de jornalismo para adolescentes. Foi ali que Amanda Rahra e Nina Weingrill perceberam que o jornalismo poderia ser ainda mais transformador dentro da sala de aula, ao formar jovens mais críticos e engajados, que falem por eles mesmos. Hoje, a Énois oferece cursos presenciais e também a distância, por meio da escoladejornalismo.org; produz conteúdo – revistas, vídeos e pesquisas – com os jovens formados; e presta consultoria para que os próprios estudantes possam criar seus projetos. américa latina de 22 a 28 de outubro de 2015 13 “Curuguaty é farsa para encobrir criminosos e golpistas” Leonardo Wexell Severo ENTREVISTA Presidente da Central Unitária de Trabalhadores Autêntica (CUT-A Paraguai), Bernardo Rojas, defende camponeses e denuncia governo do Paraguai Como qualificar tais práticas? No Paraguai temos um governo absolutamente de ultradireita, reacionário e patronal. Daí a importância da unidade das entidades sindicais, camponesas e estudantis. Contra os trabalhadores, o governo Cartes está detendo os registros sindicais – sem os quais elas não têm reconhecimento - e atacando sua existência; não permite a livre associação dos estudantes secundaristas e universitários; reprime as organizações sociais e comunitárias; criminaliza os camponeses, como ficou claro na farsa montada em Curuguaty. Para auxiliar a articulação, integramos na CUT-A a Federação dos Estudantes Secundaristas do Paraguai e reforçamos o apoio aos universitários na luta contra a corrupção e em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. Há uma compreensão comum de que precisamos juntar todos numa concertação democrática para enfrentar o modelo neoliberal. Leonardo Wexell Severo de São Paulo (SP) O PRESIDENTE da Central Unitária de Trabalhadores Autêntica (CUT-A Paraguai), Bernardo Rojas esteve no Brasil para participar do 12° Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CONCUT), que ocorreu entre os dias 13 e 16 de outubro de em São Paulo (SP). Nesta entrevista ao Brasil de Fato, ele condena o governo neoliberal de Horacio Cartes, que atua contra os salários e os direitos dos trabalhadores, entrega o patrimônio público e compromete o desenvolvimento do país. Brasil de Fato – O que move o governo de Horacio Cartes? Bernardo Rojas – O objetivo do governo paraguaio é a flexibilização laboral, tendo criado várias leis que lesionam os direitos dos trabalhadores. Criaram a lei da privatização, que busca alienar todos os bens do Estado: serviços públicos, mineração, transporte, educação, portos, aeroportos. Fazem de tudo com o propósito de entregar ao capital transnacional o que é de todos, num ataque frontal aos salários, direitos, à seguridade social, à jornada de oito horas... Depois criaram a lei do Primeiro Emprego, que segundo eles beneficiaria os jovens. Na prática, colocam a juventude no mercado de trabalho sem direito ao salário mínimo, seguro social, férias e décimo terceiro salário. É uma precarização em forma legal. Completo neoliberalismo. Fazem um ataque frontal aos direitos por todas as frentes... A lei da Micro, Pequena e Média Empresa é outra novidade contra o código do trabalho, com benefícios fiscais a grandes empreendimentos que mascaram seu tamanho subdividindo-se em várias empresas. Como a lei paraguaia impede que o Sindicato represente o conjunto da categoria profissional e obriga a que tenha um mínimo de 20 trabalhadores em sua base, transnacionais como a JBS Friboi usam este artifício para impedir a constituição de entidades. Além sucessivamente. Sempre há mais de dois. Para completar, tentam matar as entidades representativas à força da repressão existente. Bernardo Rojas, presidente da CUT-A Paraguai disso, mesmo quando fazemos reuniões clandestinas para preparar a organização do Sindicato, infiltram dedos –duros e, antes mesmo de protocolarmos a formação da entidade, despedem seus líderes. A JBS Friboi já fez isso no Paraguai. Que outras armações legais o governo tem utilizado? A Lei da “Maquila” proíbe abertamente a sindicalização. Assim, o patrão impõe o quanto o trabalhador vai ganhar, qual a jornada, sempre abrindo mão da contratação coletiva e de todo e qualquer direito. A lei da Adequação Fiscal pretende eliminar o salário mínimo, os contratos coletivos, entre outros benefícios, especialmente no setor público. Essa política de flexibilização é para que todas as “negociações” fiquem restritas a patrões e trabalhadores, com a mão de obra fragilizada diante do “é pegar ou largar”. Desta forma, o empresário faz o que quer e como quer, avançando para a precarização total das relações de trabalho. Isso tem levado a um enorme grau de desespero e impotência, chegando ao cúmulo de termos companheiros se crucificando, como é o caso dos trabalhadores do transporte, indo ao extremo de atentar contra sua própria vida. Obviamente não recomendamos nem estimulamos tais práticas, mas são compreensíveis pelo grau de deterioração das próprias condições de vida. Em resposta a estes e outros abusos, os trabalhadores do transporte realizarão uma greve geral nos próximos dias 2 e 3 de novembro, em que além do reconhecimento sindical e da melhoria das condições de trabalho, exigirão um preço justo para o valor das passagens. “O objetivo do governo paraguaio é a flexibilização laboral, tendo criado várias leis que lesionam os direitos dos trabalhadores. Criaram a lei da privatização, que busca alienar todos os bens do Estado” Há empresas em que o patrão chega a pagar para que se formem entidades sindicais que irão fazer o seu jogo, abrindo mão de salários e direitos. Se com 20 trabalhadores podes formar Sindicato, numa empresa com 100 podes formar cinco entidades. Assim, o patrão paga para formar um sindicato que divida a categoria. Há instituições públicas em que a divisão é profunda. No porto de Assunção há dez sindicatos; no Instituto de Previsão Social (IPS) são 16; na Indústria Nacional de Cimentos são 11 e assim Unidade é a palavra de ordem? Todos estão se dando conta de que separados somos nada e juntos somos tudo. Daí a importância de nuclear todos os setores para lutar unitariamente, já que o governo age para fragmentar a oposição. Na luta pela recuperação e acesso à terra temos um refrão: “Camponeses sem terra e terras sem camponeses”. Os grandes latifundiários e sojeiros falam que são “invasões”. Nós respondemos que são ocupações, pois a terra pertence aos camponeses. Curuguaty mostra o que é este modelo de exclusão e concentração que o governo quer perpetuar. Não houve enfrentamento, mas um teatro. Houve uma provocação armada para matar 11 camponeses e transformar seis policiais em heróis. A informação é que os tiros vieram de cima, do helicóptero. Primeiro atiraram nos policiais para que a tropa reagisse. O objetivo central foi conseguido: a destituição de Lugo. Um golpe. A operação foi montada para desacreditar os camponeses, para evitar que lutassem para a recuperação das suas terras. Inocentes, os camponeses estão pagando por um crime que não cometeram, ao mesmo tempo em que não há um único policial encarcerado. Por isso acompanhamos o processo de Curuguaty, que denunciamos ser sumamente injusto, bem como apoiamos a luta dos camponeses, que é de toda a sociedade. Exigimos uma investigação real, para que os verdadeiros responsáveis pelo crime sejam punidos. ÁFRICA “Derrotaremos a sangrenta e ilegal ocupação da República Saharauí pelo Marrocos” ENTREVISTA Mohamed Zrug, da Frente Polisário, agradece a solidariedade do povo brasileiro Leonardo Wexell Severo de São Paulo (SP) COM PRISÕES, assassinatos e desaparecimentos forçados, o reinado do Marrocos impõe sobre a República Saharauí o último caso de colonialismo da África. Para garantir a segregação, um muro de 2.725 quilômetros, ladeado por cinco milhões de minas e 150 mil soldados. Representante da Frente Polisário no Brasil – organização que luta pela independência do povo saharauí – e que também participou do 12° Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CONCUT), ocorrido entre os dias 13 e 16 de outubro, em São Paulo (SP), Mohamed Zrug sublinha a importância do apoio brasileiro para a libertação de sua pátria da dominação estrangeira. Como se encontra a luta pelo reconhecimento da República Saharauí? Mohamed Zrug – Em setembro do ano passado, a Câmara dos Deputados votou e aprovou uma indicação pedin- do à presidenta Dilma o reconhecimento da República Saharauí nos mesmos termos do que já feito à Palestina. Parlamentares de todos os partidos tomaram uma posição unitária e isso é importantíssimo. Infelizmente, o lobby marroquino é muito forte e ainda não houve resposta, mas temos a confiança de que a posição será tomada em consonância com a expressa pela União Africana, que expulsou o Marrocos em 1984 por invadir a República Saharauí. O reconhecimento também está de acordo ao manifestado pela imensa maioria dos países da América Latina. O posicionamento do Brasil será um aporte substancial para desobstruir o processo de paz, pois sem uma pressão internacional o reinado do Marrocos continuará se impondo. O apoio do governo brasileiro está sendo bastante aguardado. A história do Brasil é marcada por manter uma relação equilibrada com todos, portanto não há justificativa de que mantenha contato com apenas uma das partes. O reconhecimento da República Saharauí fortalecerá o intercâmbio cultural e a cooperação internacional nos mais diversos terrenos. Acredito que, neste momento histórico, a decisão da presidente Dilma pelo reconhecimento será muito bem recebida pela sociedade brasileira e internacional. Para isso, o apoio da CUT é fundamental. Qual a dimensão da ocupação marroquina? O Marrocos ocupa quase 70% do território saharauí, com um muro de 2.725 quilômetros, cinco milhões de minas, radares, artilharia pesada e 150 mil soldados. Com isso assaltam nossas jazidas e as vendem ilegalmente às empresas estrangeiras, enquanto mantém famílias separadas por mais de 40 anos. O muro da ocupação serve para espoliar basicamente o pescado e o fosfato e, mais recentemente, para favorecer as transnacionais do petróleo e do gás. O mais lamentável é que isso se produz agora mediante os olhos da ONU. A delegação das Nações Unidas chegou em 1991 para fazer o Referendo de Autonomia e acabou se transformando em testemunha cega, surda e muda da ocupação ilegal, da espoliação do nosso povo. São anos de tortura, desaparecimento e prisões. “O muro da ocupação serve para espoliar basicamente o pescado e o fosfato e, mais recentemente, para favorecer as transnacionais do petróleo e do gás” Há companheiros inclusive condenados à prisão perpétua. Somente no último ano são mais de 50 presos políticos nos cárceres do Marrocos, 25 à prisão perpétua e a 25 e 30 anos de prisão por defenderem o direito à soberania e à liberdade. Esta realidade não pode continuar, daí a importância da presença dos observadores internacionais, das delegações sindicais. Uma delegação da Confederação Sindical Internacional (CSI) foi proibida recentemente pelo governo do Marrocos de fazer uma visita de solidariedade. Como aconteceu? A delegação da CSI visitaria a República Saharauí e os territórios ocupados do Sahara Ocidental para nos ajudar a romper o cerco e exigir o nosso direito à autodeterminação, mas foi impedida pelo Marrocos. Este é o momento de perguntar se foi isso o que queria a ONU quando se transformou em guarda-chuva do colonialismo. Estamos mobilizando representantes de todos os países, e o Brasil também tem responsabilidade para mudar a situação atual, porque possui 11 oficiais na delegação das Nações Unidas. A visita servirá para uma maior aproximação, para que todos vejam com seus próximos olhos a realidade da ocupação, que já dura 40 anos, que deixa dezenas de milhares de pessoas refugiadas sem acesso à água e luz. É importante que vejam a resistência digna, que ouçam a organização sindical, as mulheres e jovens que lutam por sua emancipação, que dialoguem com o Alto Comissariado dos Refugiados. A partir desta presença, tenho a convicção, se pode levantar uma ampla campanha de denúncia contra este que é o último caso de colonialismo na África. 14 MOSTRA SP 2015 CINEMA Festival paulistano apresenta amplo painel do cinema contemporâneo, sem esquecer os grandes filmes do passado. Esta Edição, de número 39, também presta tributo a Ermano Olmi, Patrício Guzmán e José Mojica Marins. E lembra o centenário de Mario Monicelli Maria do Rosário Caetano de São Paulo (SP) A MOSTRA INTERNACIONAL de Cinema de São Paulo chega à sua 39ª edição ofertando ao público 311 filmes oriundos de 62 países. E o faz de olho no presente, com o melhor da produção mundial, e no passado, com mostra de clássicos restaurados pela The Film Foundation, instituição criada há 25 anos pelo cineasta Martin Scorsese. Durante catorze dias – de 22 de outubro, quando será exibido o mais novo filme de Hector Babenco, “Meu Amigo Hindu”, a 4 de novembro, quando serão entregues os troféus Bandeira Paulista e apresentado o filme espanhol “Um Dia Perfeito”, de Fernando León Aranoa – o público poderá escolher alguns dos 22 cinemas (auditórios ou espaços livres) do centro ou da periferia paulistana. Neles, acontecerão projeções de longas e curtas-metragens, alguns deles seguidos de debate ou concertos sinfônicos, que se somarão a laboratório de roteiros, encontro de coprodução entre o Brasil e os Países Nórdicos, depoimentos para a série “Os Filmes da Minha Vida”, lançamento de livros e tributos a grandes nomes do cinema. A Mostra SP, este ano, prestará homenagens aos cineastas Ermano Olmi, da Itália, e Patrício Guzmán, do Chile (distinguidos com o Prêmio Humanidade), ao norte-americano Martin Scorsese e sua Fundação (ele, que está filmando seu novo longa, “Silence”, não poderá comparecer), e ao cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão, agraciado com o Troféu Leon Cakoff por sua contribuição ao cinema de terror brasileiro e por seus 80 anos. Um filme paulistano – “Tudo Que Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado – marcará o congraçamento entre o centro e a periferia. Ele será exibido na sofisticada Sala São Paulo (dia 3/11), no centro antigo, e em Heliópolis (dia 7, quando a Mostra estará em fase de “repescagem” de títulos especiais). Nas duas sessões, haverá apresentação da Orquestra Sinfônica de Heliópolis, que, afinal, faz parte da trama estrelada por Lázaro Ramos. O ator baiano interpreta um músico que, reprovado nu- ma audição da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de SP), busca saída profissional e torna-se professor de adolescentes problemáticos da periferia. 25 títulos restaurados A homenagem à The Film Foundation contará com a exibição de 25 títulos restaurados por esta instituição, um para cada um dos seus 25 anos. Atuando em parceria com cinematecas e estúdios de várias partes do mundo, a instituição já restaurou mais de 700 filmes disponibilizados ao público em festivais, mostras, museus e instituições de ensino. Nunca é demais lembrar que Scorsese, um ítalo-americano, tornou-se um missionário da preservação de filmes que tiveram o nitrato ou o celulóide como suporte. Há que se lembrar, inclusive, que dois de seus projetos reconstituem a cinematografia norte-americana (“Uma Jornada Pessoal de Scorsese Através do Cinema Americano”, 1995) e a italiana (“Minha Viagem à Itália”, 1996). A fundação também criou o World Cinema Project, que ajudou a restaurar 25 filmes de 19 países diferentes que estavam em situação precária – incluindo o brasileiro “Limite”, de Mario Peixoto. Este filme, aliás, unirá, num debate na Cinemateca Brasileira, a estadunidense Margaret Bodde e o brasileiro Walter Salles. Safra ibero-americana Colômbia e Venezuela ganham espaço nobre na festa paulistana Divulgação O ator Lázaro Ramos em cena do filme paulistano “Tudo Que Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado A sessão do filme “Meu Único Amor” (dia 31 de outubro, às 20h) será acompanhada ao vivo pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis, regida pelo maestro David Michael Frank A Film Foundation produz, também, programa educativo, o “The Story of Movies”, que disponibiliza filmes clássicos para escolas dos EUA, acompanhados de livros didáticos e temáticos para uso de professores e alunos. A homenagem da Mostra à Fundação presidida por Martin Scorsese – lembra a Renata Almeida, diretora geral do festival paulistano – “é inédita no mundo. Ao invés de promovermos uma retrospectiva de filmes de Scorsese, um diretor que amamos, mas que é muito conhecido do público e tem suas realizações disponibilizadas em várias mídias, resolvemos homenagear uma vertente do trabalho dele, a que se liga à memória do cinema”. Por isto – acrescenta – “um título da era muda, restaurado pela Film Foundation – ‘Meu Único Amor’, com Mary Pickford – será a atração de nossa já clássica exibição ao ar livre no Parque Ibirapuera”. E mais: “tivemos a alegria de contar com desenhos de story-board de ‘Silence’, longa ao qual Scorsese se dedica neste momento, como matéria-prima de nosso cartaz e da vinheta da Mostra”. A sessão do filme “Meu Único Amor” (dia 31 de outubro, às 20h) será acompanhada ao vivo pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis, regida pelo maestro David Michael Frank. Foco Brasil Representação do país reúne 55 filmes novos, onze clássicos e três curtas. Um dos filmes, “Chico, um artista brasileiro”, refaz a trajetória artística do autor de “Construção”. O curta “Dá Licença de Contar” recria momentos da vida de Adoniram Barbosa e seus “amigos” Joca, Matogrosso e Iracema de São Paulo (SP) A representação brasileira é das mais significativas na Mostra SP. Inscreveram-se 146 filmes novos (55 foram selecionados). A eles foram acrescidos 11 títulos do núcleo histórico, que vai de “Limite”, de Mário Peixoto, à trilogia de terror de José Mojica Marins. O cineasta octogenário vai deixar a cama (anda adoentado) para receber, no vão livre do Masp, o Troféu Leon Cakoff. No mesmo local, o público assistirá a dois de seus clássicos terroríficos, “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1964) e “Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver” (1967). Já o fecho da Trilogia de Zé do Caixão – “A Encarnação do Demônio” (2008) – será exibido em ambiente fechado. Renata Almeida esclarece que o filme que trouxe Mojica e Zé do Caixão de volta ao longa-metragem “contém cenas que não recomendam sua exibição ao ar livre, em espaço público”. A homenagem a Mojica se completará com a exibição de dois episódios da série que reconstitui sua vida, dedicada por inteiro ao horror nacional: “Zé do Caixão”, dirigida por Victor Mafra, e protagonizada pelo craque Matheus Nachtergaele. O ator deve entregar o Trofeu Leon Cakoff ao retratado. Um média-metragem (“Making off de Meu Amigo Hindu”) dirigido pela atriz Bárbara Paz (sobre os bastidores das filmagens do novo longa de Babenco) e dois curtas – “Dá Licença de Contar”, de Pedro Serrano, sobre Adoniram Barbosa e personagens de suas músicas, e “Mar de Fogo”, de Joel Pizzini, sobre Mário Peixoto e seu “Limite” – completam a programação. Todos os gostos O público poderá desfrutar de filmes para todos os gostos e gêneros. A começar pelo documentário “Chico, um artista brasileiro”, de Miguel Faria Jr, sobre seu grande amigo, o compositor e escritor Francisco Buarque de Hollanda. Claro que os ingressos para esta sessão se- rão poucos e disputadíssimos. Outro Chico está no título de uma atração do Festival: “Cinco Vezes Chico”. Só que este filme, composto de episódios, tem um rio, o São Francisco, como fonte de inspiração. Para dirigi-lo, foram convocados Gustavo Spolidoro (RS), Camilo Cavalcanti (PE), Ana Riper, Eduardo Goldstein e Eduardo Nunes (os três do Rio). Do sul, chegam dois filmes que merecem conferência: “Para Minha Amada Morta”, do baiano-paranaense Aly Muritiba, com trinca de atores da pesada (Fernando Alves Pinto, Mayana Neiva e Lourinelson Vladmir), e “Ponto Zero”, do gaúcho José Pedro Goulart, parceiro de Jorge Furtado no ótimo curta “O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda” (1986). Do Festival do Rio chegam os premiados “Boi Neon”, do pernambucano Gabriel Mascaro (com Maeve Jinkings e Juliano Cazarré), “Aspirantes”, de Ives Rosenfeld (protagonizado por jovem ator de muito talento, o cearense Ariclenes Barroso) e “Mate-Me Por Favor”, de Anita Rocha da Silveira, filiado ao terror metafísico que vem impregnando a nova produção autoral brasileira. Ainda do festival carioca chegam “Nise – O Coração da Loucura”, sobre a doutora Nise da Silveira, psiquiatra alagoana que revolucionou o tratamento de alienados do Museu do Engenho de Dentro, “Califórnia”, de Marina Person, e “Campo Grande”, de Sandra Kogut. Entre a produção de realizadores veteranos, destacam-se “Quase Memó- ria”, recriação de Ruy Guerra para o romance memorialístico de Carlos Heitor Cony, “Através da Sombra”, de Walter Lima Jr (autor do clássico “Menino de Engenho”) e mais um experimento da atriz Helena Ignez (“O Padre e a Moça”, “O Bandido da Luz Vermelha”) na direção, “Ralé”. Uma cineasta – a documentarista Maria Augusta Ramos – participa do Festival com dois longas-metragens: “Futuro Junho”, sobre as manifestações anti-Copa (que lhe rendeu o Trofeu Redentor de melhor direção no Festival do Rio), e “Seca”. O vencedor da categoria melhor documentário no mesmo festival carioca, “Olmo e Gaivota” também será mostrado em São Paulo. O filme traz as assinaturas da brasileira Petra Costa e da dinamarquesa Lea Gob. (MRC) SERVIÇO MOSTRA SP 2015 – Edição 39 – De 22 de outubro a 4 de novembro, em 22 salas paulistanas. Haverá itinerância em Campinas (de 26 a 31 de outubro, no Auditório Umuarama, com sessões diárias às 19h00 e 21h00), Campos do Jordão (5 a 8 de novembro), Rio de Janeiro (5 a 11 de novembro). Depois, virá a Itinerância Sesc, que levará seleção de filmes da Mostra a suas unidades no litoral e interior paulistas (Araraquara, Bauru, Campinas, Piracicaba, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos, S. José dos Campos e Sorocaba), ao longo do mês de novembro e até 17 de dezembro. (MRC) A Mostra em flashes Eisenstein no México – Todos sabem que o grande cineasta soviético Sergei Eisenstein (1898-1948) realizou um filme no México. Um filme inacabado, que só ganhou versão póstuma, montada por seu colaborador, Grigori Alexandrov, nos anos de 1970 (“Que Viva México!”). Que o cineasta era bissexual (ou homossexual) também não constitui novidade. Quem leu o livro Glauber Rocha – Cartas ao Mundo, organizado por Ivana Bentes, deparou-se com missiva do cineasta baiano, escrita quando de sua visita ao Museu Eisenstein de Moscou, na qual fala abertamente do assunto. O casamento do maior nome da história do cinema soviético com Pera Atacheva serviu mais para aproximar um gênio de uma grande amiga e defensora-difusora de sua arte. O cineasta britânico Peter Greenaway, um dos grandes admiradores do diretor de “Encouraçado Potenkin” e “Ivan, o Terrível”, resolveu dedicar um filme inteiro a história de amor que teria unido o soviético a um jovem mexicano. O filme – “Eisenstein em Guanajuato” – é uma das atrações da Mostra SP. rar a Mostra, no CineSesc, com o filme dominicano “Dólares de Areia”, por ela protagonizado. Sua passagem foi rápida. Mas este ano ela volta com tempo. Passará largos dias por aqui. Afinal, vai presidir o juri da Mostra Novos Diretores (filmes de realizadores de até três longas-metragens). Vai, também, dar depoimento (aberto ao público) sobre os filmes que marcaram sua memória afetiva. A atriz, que foi mulher do espanhol Carlos Saura, pai de sua primeira filha, e que depois casou-se com o chileno Patricio Castillla (pai de sua segunda filha), será vista, também, no filme “Eu e Kaminski”, do alemão Wolfgang Becker, o mesmo do cultuadíssimo “Adeus Lênin”. Este filme, nunca é demais lembrar, vendeu 6 milhões de ingressos na Alemanha unificada, e foi comercializado para 66 países. No Brasil, tornou-se um cult. O protagonista do novo filme de Becker, diretor do melhor episódio do longa “Bem-Vindo a São Paulo” (produção de Leon Cakoff), é mais uma vez o ator Daniel Brühl, astro germânico de origem espanhola. O filme gira em torno do pintor cego Manuel Kaminski e de seu biógrafo. Geraldine interpreta um amor do passado de Kaminski. Geraldine Chaplin e Wolfgang Becker – Ano passado, a atriz Geraldine Chaplin veio a São Paulo para encer- Safra Oscar – O festival paulistano vai mostrar doze dos 81 longas-metragens pré-indicados ao Oscar de me- de São Paulo (SP) 15 cultura de 22 a 28 de outubro de 2015 lhor filme estrangeiro. Inclusive o húngaro “O Filho de Saul”, de Lázlo Nemes, a grande pedra no sapato de nosso pré-candidato, “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert. Além de prêmios em festivais importantes como Cannes, este longa do leste europeu aborda um dos temas preferidos dos mais de cinco mil votantes da Academia de Hollywood: a perseguição aos judeus. Além de “Saul”, foram escalados, pela Mostra, os filmes “Ixcanul, o Vulcão”, da Guatemala, “Guerra”, da Dinamarca, “O Esgrimista”, da Finlândia, “Aferim”, da Romênia, “O Abraço da Serpente”, da Colômbia, “Pai”, do Kosovo, “Lo Que Lleva el Río”, da Venezuela, “The Paradise Suite”, da Holanda, “A Ovelha Negra”, da Islândia, “O Verão de Sangaile”, da Lituânia, e o monumental “As Mil e Uma Noites”, de Portugal. Prêmio Humanidade para Olmi e Guzmán – O Prêmio Humanidade, uma das tradições da Mostra SP, será este ano entregue a dois grandes cineastas, dedicados ambos à criação de filmes que somam invenção artística e temáticas humanísticas: o italiano Ermano Olmi, de 84 anos, e o chileno Patricio Guzmán, de 74. O festival paulistano exibirá os filmes mais recentes dos dois diretores. De Olmi, que Cannes consagrou com a Palma de Ouro, em 1978, pelo belo “A Árvore dos Tamancos”, os paulistanos assistirão à ficção “Os Campos Voltarão”, ambientado no altiplano nevado durante a primeira guerra mundial. De Guzmán, autor da monumental “Batalha do Chile” e do arrebatador “Nostalgia da Luz”, será exibido o documentário “O Botão de Pérola”. Olmi, pela idade avançada, não virá a São Paulo, mas Guzmán, que vive entre Paris e Santiago, pode vir buscar sua láurea. Centenário de Monicelli – Se vivo fosse, Mario Monicelli, autor do clássico dos clássicos cineclubistas – “Os Companheiros” (com Marcelo Mastroianni, 1963) – estaria comemorando cem anos. Mas, impaciente, preferiu abreviar sua vida, saltando da janela de um hospital. Contava bem vividos 95 anos. A Mostra SP, que editou em parceria com a Cosac Naify, livro no qual Monicelli ocupa espaço nobre (Cinema Político Italiano – Anos 60 e 70, organizado por Angela Prudenzi & Elisa Resegotti/2006), homenageia agora o mestre da comédia social italiana com a exibição de cinco de seus 50 filmes. Dois deles integram qualquer lista de melhores títulos da comédia peninsular (aquela com alto teor dramático): “A Grande Guerra” (1959), e “Os Eternos Desconhecidos” (1958). Há duas joias a serem descobertas: “Filhas do Desejo” (1950) e “Ladrão Apaixonado” (1960). E, para completar, “Casanova 70” (1965), protagonizado por Marcello Mastroiani e Virna Lisi. O diretor de “O Incrível Exército de Brancaleone” merece todas as láureas. BR Lab, Dia Britânico e Foco Nórdico – A SPCine, empresa paulistana de cinema que soma esforços dos governos municipal, estadual e federal, vai promover, além de sessão de “Tudo Que Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado, em Heliópolis, o BR Lab, um laboratório de aperfeiçoamento de roteiros, destinados a profissionais do audiovisual. A Inglaterra, além de mostrar cinco longas no British Day, promoverá debate com Isabel Davis, representante do BFI (British Film Institute), tendo produtores brasileiros como interlocutores. E, dando sequência à tradição de homenagear regiões com importante contribuição ao cinema planetário, a Mostra, apresenta, este ano, o Foco Nórdico. Um grupo de cinco países (Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia), onde fizeram carreira cineastas da grandeza de Dreyer e Bergman, serão representados por 60 filmes, entre eles o islandês “A Ovelha Negra”, premiado em Cannes, e o dinamarquês “Pardais”, premiado em San Sebastián. (MRC) de São Paulo (SP) Quem imaginaria que os mais aguardados filmes da safra latino-americana deste ano, na Mostra SP, teriam nacionalidade venezuelana e colombiana? Pois isto é fato. A Venezuela, pela primeira vez em sua história, conquistou o Leão de Ouro, em Veneza, com “Desde Allá”, de Lorenzo Vigas. E a Colômbia ganhou três importante prêmios em Cannes. Seu carro-chefe no festival paulistano é o belo e silencioso “A Terra e a Sombra”, de César Augusto Acevedo. Os dois diretores estarão em São Paulo para mostrar seus filmes. As mais poderosas cinematografias da América Hispânica (a argentina e a mexicana) dividirão, desta vez, espaço menos badalado com o Chile. Um dos títulos deste país que merece conferência é “A Mulher de Barro”, de Sérgio San Martin, protagonizada por Catalina Saavedra. Esta atriz de pouca beleza e muito talento, figura ao lado de Paulina García (“Glória”) como nome de ponta da produção chilena que tem circulado por festivais internacionais. Isto desde que “A Criada”, que ela protagonizou e que Sebastián Silva dirigiu, ganhou significativa repercussão. E, do Chile, chega “O Botão de Pérola”, novo filme do grande documentarista Patricio Guzmán, cujo roteiro foi laureado em Berlim. A América Hispânica participa da Mostra SP com um total de 25 filmes. O mais esperado, claro, é o venezuelano “Desde Allá”, drama social protagoniza- do por jovem delinquente, que envolve-se com um homem mais velho. Trata-se de “ópera prima” (filme de diretor estreante), o que só faz aumentar o interesse por este filme oriundo de país de reduzida presença em festivais da grandeza de Cannes, Veneza e Berlim. Além do colombiano “A Terra e a Sombra”, filme de imensa beleza plástica, significativo conteúdo social e muitos silêncios, recomenda-se “O Abraço da Serpente”, de Ciro Guerra, vencedor de prêmio na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, e pre-indicado a uma vaga no Oscar de melhor longa estrangeiro. O filme, um épico amazônico, mostra o encontro “que transcende a vida” entre Karamakate, um xamã e último sobrevivente de sua tribo, e dois cientistas (Koch-Grunberg e Richard Schultes) que buscam planta sagrada capaz de curar doenças, na selva colombiana. A Colômbia marca presença, também, com “Alias María”, de José Luis Rugeles, que mergulha nas entranhas da guerrilha que perturbou a vida do país nos últimos 50 anos, e com “Siembra”, de Santiago Losano. Oscar da Venezuela Para o Oscar, a Venezuela indicou um drama histórico sobre contato entre populações indígenas e missões religiosas: “Lo Que Leva el Rio”. O filme centra-se na nativa Dauna, da tribo Warao, e em seu relacionamento com o marido índio e um missionário católico. O Peru se faz representar pelo primeiro longa-metragem dirigido pelo ator Salvador del Solar, “Magallanes”. Salvador, nunca é demais lembrar, protagonizou, com Angie Cepeda, a deliciosa adaptação que Francisco Lombardi realizou de “Pantaleão e as Visitadoras”. Como o badalado “O Clã”, que rendeu a Pablo Trapero o prêmio de melhor diretor em Veneza, não participará da Mostra SP (foi o convidado da noite de premiação do festival do Rio), o filme argentino mais aguardado este ano é “Paulina”, de Santiago Mitre, coproduzido por Walter Salles. O Peru se faz representar pelo primeiro longametragem dirigido pelo ator Salvador del Solar, “Magallanes” Do México, o título mais comentado é “Chronic”, do polêmico Michel Franco, que teve seu roteiro laureado em Cannes. A Guatemala, por sua vez, chega com o título mais festejado de sua história: Ixcanul (O Vulcão), de Jairo Bustamante. Este filme causou sensação em Berlim, que lhe atribuiu o prêmio de “ópera prima” (melhor filme de diretor estreante). Ixcanul continuou colecionando trofeus por onde passou (prêmio máximo em Guadalajara, no México, Cartagena, na Colômbia, e Cinema das Fronteira, na Itália). (MRC) As Mil e Uma Noites em seis horas de São Paulo (SP) Portugal tem representação de peso na Mostra SP. De Manoel de Oliveira (1908-2015), nos chega “Visita ou Memórias e Confissões” (1982), conhecido como seu “filme secreto” ou documentário-testamento. Realizado há mais de 30 anos, o longa de 73 minutos (há versão com 52’) foi depositado na Cinemateca Portuguesa, sob a recomendação de que só fosse exibido após a morte do cineasta. Renata Almeida confessou aos jornalistas que imaginava tratar-se de “um filme inexistente, algo inventado para divertir os amigos”. Ficou feliz ao ver que “Memórias e Confissões” existe, sim, e mais feliz ainda em poder exibi-lo na Mostra, que teve Manoel como um de seus mais fiéis amigos. Outra grande atração portuguesa – “Mil e Uma Noites” – traz a assinatura de Miguel Gomes, autor do excelente “Tabu” (2012). Trata-se de alentada trilogia que dialoga, com imensa liberdade, com as “Mil e Uma Noites”, clássico da literatura árabe e universal. As narrativas engendradas por Sherazade para livrar-se da morte foram filmadas infinitas vezes pelo cinema hollywoodiano. E também por Pasolini, no terceiro e último filme de sua Trilogia da Vida (As Mil e Uma Noites, 1974). Miguel Gomes leu as narrativas árabes e as recriou à sua maneira. Para tanto, consumiu seis horas com relatos encenados ou documentais que evocam o mundo de Sherazade, mas também – e principalmente – a realidade de seu país, Portugal, no período em que enfrentou grave (e recente) crise econômica. Exibido na Quinzena de Realizadores, em Cannes, o filme causou furor. Já lançado em Portugal, em três volumes (1. O Inquieto, 2. O Desolado e 3. O Encantado), foi visto por 50 mil espectadores. Os brasileiros vão gostar de ver o relevo dado, por Miguel, à nossa música. Os Novos Baianos cantam “Samba da Minha Terra”, de Dorival Caymmi, Tim Maia nos encanta com “Que Beleza” e Ney Matogrosso com “Fala” (usada magistralmente por Camilo Cavalcante em seu “História da Eternidade”). Um bolero hispânico (“Perfídia”) empresta ao filme seu hipnotizante leit-motif. Outro título lusitano que dialoga com o Brasil é “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, de José Barahona, baseado em livro homônimo do escritor mineiro, de Cataguases, Luiz Ruffato. Os dois – diretor e romancista – se somarão ao ator Paulo Azevedo para debater o filme com o público da Mostra SP, dia 25. (MRC) Raridades de Celulose: Edward Yang, Ousmane Sembene e Shadi Abdel Salam de São Paulo (SP) O núcleo histórico da Mostra SP conta com uma face brasileira (Dia do Patrimônio Audiovisual) e uma internacional (exibição de 25 títulos da retrospectiva The Film Foundation). Em parceria com a Mostra, a Cinemateca Brasileira exibirá cinco filmes recém-restaurados: “Esse Mundo é Meu”, de Sérgio Ricardo (1963), “O Bravo Guerreiro”, de Gustavo Dahl (1968), “Brasil Ano 2000”, de Walter Lima Jr (1968), “As Cariocas”, de Walter Hugo Khouri, Roberto Santos e Fernando de Barros (1966) e “A Opção ou As Rosas da Estrada”, de Ozualdo Candeias (1981) . Entre os 25 títulos selecionados pela Fundação mantida por Martin Scorsese e parceiros, há produções norte-americanas, europeias e asiáticas. Sete delas devem ser priorizadas, pois são raríssimas. Da China insular (Taiwan), chega “Um Dia Quente de Verão”, de Edward Yang. O autor do belíssimo “Yi Yi” (“As Coisas Simples da Vida”/2000) morreu cedo (aos 59 anos) e de forma inesperada, pois encontrava-se no auge de seu ciclo criativo. Nascido em Xangai, em novembro de 1947, ele radicou-se em Taipei, capital de Taiwan, e morreu na Califórnia, em junho de 2007. Os cinéfilos brasileiros ainda estavam em estado de graça com a exibição de “Yi Yi” em nosso circuito de arte, quando ele se foi. Agora, surge a oportunidade de assistirmos ao seu sexto longa-metragem, realizado em 1991 (ele só deixou nove filmes). As outras raridades da retrospectiva chancelada por Scorsese são o senegalês “Garota Negra” (1966), de Ousmane Sembene, o marroquino “Transes” (1981), de Ahmed El Maanouim, os egípcios “O Camponês Eloquente” (1969) e “A Múmia – A Noite da Passagem dos Anos” (1969), ambos de Shadi Abdel Salam, o iraniano “Aguaceiro” (1972), de Bahram Beizai, o filipino “Manila nas Garras da Luz” (1975), de Lino Brocka, e o armênio-soviético “A Cor da Romã” (URSS, 1969), de Sergei Parajanov. Do patrono da retrospectiva, será exibido “O Rei da Comédia” (EUA, 1982), protagonizado por Jerry Lewis e Robert de Niro. A lista do importante núcleo histórico da Mostra SP complementa-se com: • Rashomon (Japão, 1950), de Akira Kurosawa • Rocco e Seus Irmãos (Itália, 1960), de Luchino Visconti • O Bandido Giuliano (Salvatore Giuliano, Itália, 1962), de Francesco Rosi • Limite (Brasil, 1931), de Mário Peixoto • Meu Único Amor (My Best Girl, EUA, 1927), de Sam Taylor • O Inquilino (The Lodger – A Story of the London Fog, Inglaterra- 1927), de Alfred Hitchcock • Vida e Morte de Coronel Blimp (Inglaterra, 1943), de Powell & Pressburger • O Show Deve Continuar (All That Jazz, EUA, 1979), de Bob Fosse • Bom Dia, Tristeza (Bonjour Tristesse, EUA, 1958), de Otto Premimger • Como Era Verde Meu Vale (EUA, 1941), de John Ford • Eraserhead (Canadá-EUA1977), de David Lynch • Juventude Transviada (EUA, 1955), de Nicholas Ray • Sindicato de Ladrões (On the Waterfront, EUA, 1954), de Elia Kazan • Um Caminho Para Dois (EUA, 1967), de Stanley Donen • Aconteceu Naquela Noite (EUA, 1934), de Frank Capra. (MRC) 16 de 22 a 28 de outubro de 2015 cultura As TVs brasileiras e o estímulo à violência Bob May/CC A BARBÁRIE NO AR O fato de se apresentarem como “jornalísticos” faz com que alguns programas escapem da classificação indicativa, oferecendo às crianças e jovens um festival de ódio e violência Laurindo Lalo Leal Filho SÃO EXATAMENTE 1936 violações de direitos cometidas em um mês no rádio e na TV, por apenas 30 programas. Os autores dessa façanha não são os personagens, geralmente negros e pobres, apresentados com estardalhaço diariamente pelos programas policialescos. São os próprios apresentadores, em conluio com repórteres e produtores, além de determinadas autoridades, sob o comando dos dirigentes das emissoras que abrem espaços para essas aberrações. A constatação está numa pesquisa realizada pela Andi – Comunicação e Direitos, uma organização social que há 21 anos trabalha para dar visibilidade na mídia a questões relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes. Entre outras ações criou o projeto “Jornalista Amigo das Crianças”, que já reconheceu com essa qualidade 392 profissionais em atuação no país. Os chamados programas policialescos entraram na mira da Andi diante das seguidas violações cometidas contra os direitos da infância e do adolescente. Realizada a pesquisa, constatou-se que as violações, em nove categorias de direitos, vão muito além dessas faixas etárias atingindo toda a sociedade. Exemplos não faltam. A presunção de inocência, uma das categorias selecionadas pela pesquisa, é constantemente violada. No programa Balanço Geral da TV Record, uma chamada diz “Pai abandona filho em estrada do RS” e o apresentador acrescenta “um pai abandonou uma criança nas margens de uma rodovia? Fez!”. Apesar do desmentido do pai, a acusação constitui um claro desrespeito à presunção de inocência, garantida no artigo 5º da Constituição brasileira. quero assistindo o meu programa. Ah, mas você não é democrático. Nesta questão não sou não, porque um sujeito que é ateu, na minha modesta opinião não tem limites, é por isso que a gente tem esses crimes por ai...”. Só com essas frases o apresentador violou seis leis brasileiras, três pactos multilaterais firmados pelo Brasil e mais uma vez o Código de Ética dos Jornalistas, além de desrespeitar princípios e declarações internacionais de defesa da liberdade de expressão. E ainda ignorar os muitos crimes de Estado, guerras e outras violências que foram cometidos ao longo da história, e ainda o são, em nome de supostas causas religiosas. O fato de se apresentarem como “jornalísticos” faz com que esses programas escapem da classificação indicativa de horários para determinadas faixas etárias do público telespectador. “Então, a praga acabou de ser grampeada. Não seria o caso, né? Passa logo fogo num cara desse ai! (...) Então, é uma pena que ele não reagiu, porque a rapaziada passaria fogo nele de uma vez e ‘tava’ tudo certo” O estímulo à violência como forma de resolver conflitos é outra marca desses programas. Como neste exemplo pinçado pela pesquisa na Rádio Barra do Pirai AM, programa Repórter Policial. Uma pessoa acaba de ser presa pela policia e o apresentador anuncia: “Então, a praga acabou de ser grampeada. Não seria o caso, né? Passa logo fogo num cara desse ai! (...) Então, é uma pena que ele não reagiu, porque a rapaziada passaria fogo nele de uma vez e ‘tava’ tudo certo”. Só nesse caso são violadas cinco leis brasileiras, cinco acordos internacionais firmados pelo Brasil e um código de ética profissional. Entre elas a Constituição Federal (“não haverá pena de morte...”), o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (é considerada infração ao regulamento “incitar a desobediência às leis ou às decisões judiciárias” e “criar situação que possa resultar em perigo de vida”) e o Código de Ética dos Jornalistas Profissionais (“O jornalista não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”). Outra categoria: discurso de ódio e preconceito. No programa Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, o apresentador José Luiz Datena faz enquete para saber quem acredita em Deus e diz: “...ateu eu não www.malvados.com. br Passam a qualquer hora oferecendo às crianças e jovens um festival de ódio e violência. Na verdade, de jornalismo têm pouco. São programas de variedades, espetacularizando fatos dramáticos da vida real com tentativas até de fazer um tipo grotesco de humor. Numa edição gaúcha do programa Balanço Geral, por exemplo, o apresentador Alexandre Mota ao narrar a morte de um suspeito pela policia fingia chorar copiosamente clamando, de forma irônica, pela vinda dos defensores dos direitos humanos. Em seguida, estimulado por uma repórter passa a sambar alegremente diante das câmeras. (Revista do Brasil) Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de ¿A TV sob controle ¿ A resposta da sociedade ao poder da televisão¿ (Summus Editorial) dahmer PALAVRAS CRUZADAS Verticais: 1.A do Brasil durou 21 anos, de 1964 à 1985 – Sua capital é Teresina. 2.Interjeição de espanto. 3.A Comissão da (?) é responsável pelo esclarecimento dos casos de morte e torturas praticados durante a ditadura. 4. Vaso grande de barro, ordinariamente destinado a conter água. 5. Que se dedica ao estudo e tratamento dos dentes. 6.“Ovo”, em alemão. 7. Construção em que há um foco luminoso para guia noturno dos navegantes – Senhora. 8. órgão do Poder Judiciário encarregado do gerenciamento de eleições em âmbito estadual – “Ele”, em espanhol. 9. Conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. 10.Agência que atua no gerenciamento dos recursos hídricos do Brasil – “Ou”, em inglês – Estado (sigla) em que vivem a maioria dos Guarani Kaiowá. 11.Frequência de rádio. 12.Disco de vinil – Divisão principal de uma peça de teatro.13. Engloba os processos de ensinar e aprender. 15.Boletim de Ocorrência. 16.Suborno. 18. Cantor e compositor brasileiro frequentemente considerado um dos pioneiros do rock brasileiro – Que tem arma ou está munido de arma. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 101112131415161718 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Horizontais: 1.Dívida – Oca – Regular. 2.In. 3.Dá – Lua. 4.Auditoria – PC – Boal. 5.Dia – Dor – Ator. 6.Soltar – Rua. 7.RN – Uai. 8.Pandeiro – PP. 9.Ovo. 10.Ene – Mato. 11.Imperialismo – Globo. Verticais: 1.Ditadura – PI. 2.Ui. 3.Verdade. 4.Pote. 5.Dentista. 6.Ei. 7.Farol – Dona. 8.TRE – Él. 9.Cidadania. 10.ANA – Or – MS. 11.AM. 12.LP – Ato. 13.Educação. 15.BO. 16.Corrupção. 18.Raul – Armado. Horizontais: 1.Ofensa (de que se espera tirar desforra) – “Casa”, em tupi – Comum. 2.“Dentro”, em inglês. 3.Cede – Diz-se “Moon”, em inglês. 4. Análise e avaliação do estado contábil de uma empresa ou instituição feita por um especialista em assuntos financeiros e econômicos – Computador pessoal – Fundador do Teatro do Oprimido. 5.Em alemão, diz-se “Tag” – Sensação mais ou menos aguda mas que incomoda – Agente. 6.Liberar – Em inglês, diz-se “street”. 7.Quem nasce neste estado (sigla) é chamado de potiguar – Maneirismo mineiro. 8.Instrumento tradicional do samba – Partido de Paulo Maluf. 9.Diz-se “Ei”, em alemão. 10.Décima quarta letra do alfabeto – Terreno inculto em que crescem plantas agrestes. 11.A intervenção na Síria proposta pelos Estados Unidos foi um claro exemplo disso – Rede de televisão que assumiu publicamente o seu apoio à ditadura brasileira.