CARACTERÍSTICAS DOS TEXTOS INTRODUTÓRIOS PARA ENSINO DE DINÂMICA EM LIVROS DIDÁTICOS APROVADOS NO PNLEM/2009 PAMPU, Luiz Gustavo – UFPR [email protected] Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: CNPq Resumo Os textos introdutórios, em livros de Física, têm grande importância no que se refere à inserção do aluno no conteúdo a ser trabalhado em cada tema ou capítulo e esta pesquisa teve como objetivo analisar especialmente os textos introdutórios de Dinâmica. Entendendo a escrita como uma tomada de posição por parte do autor, pretende-se analisar a forma pela qual os autores de livros didáticos se posicionam nesses textos. Neste trabalho são apresentados os resultados de estudo no qual se utilizou referenciais metodológicos baseados principalmente em Sousa (2000) e Giraldi (2005), que discutem a linguagem dos livros didáticos, em particular os de biologia, e os efeitos dessa linguagem. Para conceituar o ensino e seus objetivos foram usados como referenciais teóricos os modelos pedagógicos apresentados por Becker (2001) e o modelo de aula de Ciências proposto por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), considerando-se a partir deles que um texto introdutório teria, nos modelos analisados, a função de Problematização Inicial. O material empírico foi constituído por três livros didáticos de Física, aprovados no Programa Nacional do Livro Didático de Ensino Médio/2009. Os elementos encontrados nos textos permitem dizer que eles apresentam caráter descritivo, deixando pouco espaço à produção de significados pelo leitor e, ainda, com pouco estímulo à problematização e análise de situações. Estas características apontadas tornam os textos, do ponto de vista pedagógico, diretivos, e contribuem para a propagação de mitos referentes à ciência e tecnologia. Desta forma pode-se apontar, mesmos nos livros aprovados, a ausência de uma articulação entre metodologia e conteúdo estejam nos livros, apesar do esforço de aproximação dos autores e editoras em relação às propostas metodológicas presentes nas diretrizes governamentais. Palavras-chave: Didática da física. Manuais escolares. Ensino médio. Introdução Após 1996, com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal 9.394), várias ações foram desenvolvidas pelo Ministério da Educação, no âmbito das políticas públicas, visando a universalização de uma Educação Básica de 4530 qualidade. Uma destas medidas foi a reforma curricular que culminou em documentos como os Parâmetros Curriculares e as Orientações Curriculares. No caso específico de Física, as orientações apresentam como objetivo de seu ensino, entre outros, desenvolver a atitude reflexiva e crítica, o que exige outros métodos de ensino, mais voltados à problematização e investigação. Outra medida diz respeito ao controle de qualidade dos livros didáticos comprados pelo Governo Federal e, para isto, foram elaborados critérios tanto relativos aos aspectos editoriais e gráficos como aos conteúdos, os quais nortearam a eliminação ou aprovação das obras que passam a compor o catálogo para escolha dos professores. O programa do livro didático tem como objetivo a distribuição de livros para todas as salas de aula de escolas públicas, para que estas possam usar este material como uma dos instrumentos na prática pedagógica, lembrando que seu uso necessita da mediação do professor. Outro aspecto a levar em conta são os altos gastos públicos nesse Programa, que ultrapassaram a cifra de 300 milhões de reais no ano de 20091. Considerando-se também que os livros de Física passam, a partir do inicio de 2009, a ser incluídos no cotidiano escolar público, considera-se relevante investigar relações entre as orientações curriculares nacionais e as formas como os conteúdos estão, de certa forma, propostos nos livros. Pesquisas realizadas antes do Programa Nacional do Livro do Ensino Médio (PNLEM) são indicativas de distanciamentos entre parte significativa dos livros e as recomendações didático-metodológicas feitas em tais orientações, relativas a diversos aspectos como, por exemplo, a presença da História da Ciência (CARVALHO, 2007). Nesta direção é que se propôs uma pesquisa cujo objetivo é analisar as características dos textos introdutórios a um tema específico no ensino de Física – a Dinâmica, em três dos livros aprovados e distribuídos no PNLEM de 2009. Os textos serão examinados na forma como são apresentados pelos autores de livros didáticos, seja do ponto de vista da linguagem, seja do ponto de vista dos indícios que podem fornecer para que se compreendam os modelos epistemológicos e pedagógicos privilegiados pelo autor. Neste artigo apresenta-se a conclusão de trabalho realizado no ano de 2008, cujos resultados iniciais foram apresentados em simpósio nacional no início de 20092. 1 Em 2009 foram gastos 302milhões no PNLD e 416 milhões no PNLEM (dados encontrados em http://www.fnde.gov.br, acessado em junho de 2009) 2 Trabalho apresentado em comunicação oral no XVIII SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, com o título de: Características dos textos introdutórios para o ensino de dinâmica em livros didáticos de física para o ensino médio. 4531 Livro didático em pesquisa Apesar do seu uso nas escolas ao longo de todo o século XX, os livros didáticos têm sido desprestigiados tanto no discurso educacional de forma geral como pelas pesquisas, que só recentemente começaram a tomá-lo como objeto. No entanto, como importante elemento da cultura escolar (FORQUIN, 1996), podem ser entendidos como artefatos do currículo e como produtos do mercado (APPLE, 1995) e como recursos que, articulados a outras mediações, contribuem para a produção e desenvolvimento das aulas pelos professores (GARCIA, 2007). Na direção dos estudos sobre o conteúdo, Carvalho (2007) pesquisou como a História da Ciência é contada em livros didáticos de Física. Sabe-se que as orientações curriculares nacionais enfatizam a importância da inclusão de temas relativos à História da Ciência, defendendo, da mesma forma que especialistas do campo, a contribuição que essa abordagem pode dar na constituição de um determinado modo de entender a produção do conhecimento científico. Segundo o autor, as análises permitem concluir que nos casos estudados, embora como exceção, foram encontrados exemplos do uso da História da Ciência que a mostraram como um processo, como resultado de construção coletiva, marcada por erros e acertos. Pode-se identificar, também, a existência de pesquisas que examinam os livros didáticos a partir dos pressupostos da transposição didática, entendida como o processo de transformação dos conhecimentos da ciência em objetos de ensino (CHEVALLARD, 2005). Entre os trabalhos que assumem essa perspectiva, destaca-se o artigo de Rodrigues e Oliveira (1999). Para esses autores, o livro didático do ensino médio se insere como elemento do contrato didático e sua importância está no fato de que eles, muitas vezes, são o único material ao qual o professor tem acesso para organizar suas aulas. Ao assumir o conceito de transposição didática para examinar os livros, é preciso lembrar, segundo os autores, que esse processo de transformação dos conhecimentos para serem ensinados tem algumas conseqüências, entre as quais: a) a despersonalização, que faz com que o conhecimento seja divulgado de forma impessoal; b) a desincretização, isto é, o processo que, por efeito da textualização do saber, conduz à delimitação de saberes parciais que se expressam em discursos aparentemente autônomos, e que introduz uma diferenciação entre aquilo que pertence propriamente ao campo delimitado e o que não é identificado formalmente como tal; c) a descontextualização – processo que faz com que a história ligada à 4532 produção do conhecimento seja suprimida, e o que se apresenta para o ensino não tenha ligação com a problemática que deu origem à criação daquele conhecimento. Os problemas derivados desse entendimento são claramente visíveis do ponto de vista da historicidade, o que se constitui em um desafio a ser enfrentado tanto pelos autores como pelos professores e alunos ao usarem livros didáticos. As orientações curriculares nacionais chamam a atenção para a “Necessidade de se fazer a contextualização histórica dos problemas que originaram esse conhecimento científico e culminaram nas teorias e modelos que fazem parte do programa de conteúdos escolares a ser apreendido pelo aluno”. (BRASIL, 2006, p.51). E essa é uma questão relevante que justifica a pesquisa sobre os livros didáticos de Física. Um outro grupo de estudos sobre os livros escolares examina questões relativas à linguagem, em particular quanto à criação de significados que o autor pretende produzir, utilizando-se de conceitos e métodos da análise de discurso; enquanto escreve, o autor pode se colocar no lugar do leitor, para com isso prever possíveis significados que seu texto possa produzir. Considerando que todo discurso carrega uma postura ideológica, o autor como portador de ideologia trará um discurso próprio que, por suas características, apresenta dizeres e não-dizeres, sendo estes dois os portadores da significância que o autor pretende produzir em seu leitor. De acordo com Sousa (2000), as características dos discursos presentes nos textos didáticos podem ser divididas em categorias, sendo que cada uma teria suas condições e conseqüências, assim explicadas: Como condições entendemos o que estaria materializado nos textos e como conseqüência o resultado dessa materialização quando o sujeito (professor/aluno) lê o texto, já que entendemos que o sentido não está colado ao texto e sim que o sentido depende do leitor, cuja história, conhecimentos e perspectivas influem sobremaneira nessa leitura.(SOUSA, 2000, p.56) Pampu e Garcia (2009), que estudaram as características de alguns textos introdutórios para o ensino de dinâmica, tinham como objetivo, em seu trabalho exploratório sobre este tema, testar um instrumento de analise que possibilitasse a compreensão de como a linguagem utilizada nos textos presentes nos livros didáticos de Física podem interferir no trabalho pedagógico, e quais os cuidados que se deve ter com este instrumento disponibilizado aos alunos por meio das políticas públicas que visam a melhoria da qualidade do ensino. A seguir apresenta-se, de forma sucinta, a metodologia empregada neste trabalho. 4533 A definição do material empírico e das categorias para análise dos livros didáticos Este trabalho apresenta a finalização de um projeto de pesquisa construído com o objetivo de analisar os textos introdutórios ao conteúdo de Dinâmica, produzidos pelos autores de manuais didáticos de Física incluídos no PNLEM 2009. Nesta última etapa foram escolhidos três livros aprovados e distribuídos pelo MEC para as escolas públicas de ensino médio no ano de 2009. Para esta análise de textos introdutórios foi utilizado o instrumento proposto por Garcia e Pampu (2009). Entende-se que os textos introdutórios são responsáveis por problematizar o tema que será tratado e, em conseqüência, espera-se que possuam características que façam o leitor ampliar seus horizontes, bem como para ele possa se colocar como participante do processo de apropriação do conhecimento. Estes textos, portanto, não devem distanciar o leitor da questão focalizada, nem do contexto em que ela tem significado. A definição do que se entende aqui como texto de introdução foi derivada diretamente da proposta de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) que examinam possibilidades de estabelecer uma dinâmica de sala de aula em que o primeiro momento trabalho é a Problematização inicial, afirmando que “a finalidade deste momento é propiciar um distanciamento crítico do aluno, ao se defrontar com as interpretações das situações propostas para discussão.” (p. 201). Segue-se a etapa de Organização do conhecimento, com características de sistematização por meio de atividades de conceituação e de exercícios e problemas, incluindo os apresentados pelos livros didáticos; e por último propõe-se o momento de Aplicações do conhecimento, buscando a generalização dos conceitos apresentados e desenvolvendo atividades como os problemas abertos, explorando-se “o potencial explicativo e conscientizador das teorias científicas” (p.202). De acordo com os autores, a problematização inicial deve estimular os alunos a refletir, de forma crítica, sobre a importância do conhecimento. Isto pode ser feito pelo questionamento de posições diferentes, de convergências e divergências e, ainda, cotejando os conhecimentos – aqueles que os alunos trazem de suas experiências e aqueles que são produzidos nas atividades de aula - com o conhecimento científico que o professor pretende ensinar. Portanto, entende-se que esta também poderia ser, em alguma medida, a função dos textos introdutórios propostos pelos autores dos livros didáticos de Física. Tomando esses textos como material empírico da pesquisa, para efetuar a análise definiu-se como introdução 4534 a parte que antecede a sistematização do conteúdo do capítulo, a partir dos elementos de classificação usados por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002). A definição das categorias se deu pela decisão de examinar o discurso construído pelo autor para, a partir dele, localizar elementos que contribuam para compreender a perspectiva epistemológica e pedagógica que o texto introdutório do livro didático assume. É interessante relembrar que a idéia de um modelo pedagógico relacional (Becker, 2001) está presente nas Orientações Curriculares Nacionais, documento que faz a crítica ao modelo pedagógico diretivo, no qual o aluno é considerado objeto na relação ensino - aprendizagem, que tem como característica a existência de apenas um transmissor e um receptor; e também ao modelo pedagógico não-diretivo - que possui uma estrutura que não corrobora o contrato didático, já que o aluno é senhor de suas próprias ações tendo o professor apenas um papel orientador. A abordagem relacional, defendida por Becker, supõe uma interação efetiva do professor e dos alunos com o conhecimento, que só poderá ocorrer em um espaço de desafio e de diálogo, no qual as experiências dos sujeitos sejam tomadas como ponto de referência para a construção de conhecimentos. Nessa perspectiva, ensinar e aprender estão associados à produção compartilhada de significados, e os textos didáticos podem contribuir em maior ou menor medida para que isso efetivamente aconteça. Com a finalidade de observar as características dos textos que estão presentes em livros didáticos, particularmente na introdução de alguns capítulos referentes à Dinâmica, procurou-se analisar de que forma o autor produz significados em sua escrita, usando o quadro de categorias estabelecido por Sousa (2000). Em sua pesquisa, para a construção dos instrumentos tomando como referência a análise do discurso, ela considerou os seguintes elementos, a partir dos pressupostos assumidos: Quadro 1 - Elementos para análise dos textos didáticos Condição (materializada no texto) Pessoal/Impessoal Completude/Incompletude Opcional/Obrigatório Proposto/Pressuposto Conseqüência (resultado da materialização quando o sujeito lê o texto) Linguagem comum/Linguagem cientifica Profundo/Superficial Oculto/Transparente Localizado no tempo/Atemporal Fonte: Souza, 2000 Giraldi (2005) discute sobre a linguagem usada em livros didáticos, utilizando estas mesmas categorias. Levando em conta a dimensão discursiva da linguagem, analisa analogias em um livro didático de biologia e conclui que sua presença se dá por meio de formas 4535 diferenciadas ao longo dos capítulos examinados; a naturalização das analogias produz “um apagamento das mesmas”; e, ainda, a tentativa de aproximação com o leitor se faz pelo uso da linguagem comum. A partir desses trabalhos, foram selecionados os elementos para compor as categorias que foram usadas na análise dos textos introdutórios de Dinâmica, testadas em estudo de natureza exploratória (Garcia e Pampu, 2009), as quais se mostraram adequadas à proposta. São elas: a) linguagem comum/cientifica - esta categoria será utilizada para distinguir de que forma o autor se dirige ao leitor, verificando-se possibilidades de afastamento ou aproximação entre eles; b) superficialidade ou profundidade no tratamento das questões - o livro didático também é produto de consumo ou mercadoria, portanto deve dar ao leitor a sensação de completude, de que ele contém tudo que é necessário para ser aprendido. A tentativa de contemplar todos os temas e assuntos produz superficialidade e dificulta a abordagem em profundidade; c) espaço do autor/leitor para produção dos sentidos - é possível discutir se a voz do autor se torna autoritária no texto, esquecendo das experiências dos alunos, e silenciando questões importantes para a problematização da ciência ou se abre espaço para que se estabeleça alguma forma de diálogo e interação entre diferentes experiências; d) presença/ausência da temporalidade - a ausência de temporalidade nos textos didáticos contribui para a construção da idéia de neutralidade da ciência, priorizando seus resultados e não sua produção. Resultados A análise teve como material empírico os textos introdutórios de três livros aprovados e distribuídos pelo PNLEM 2009, que se encontram nomeados como livro[A], livro[B] e livro[C]. Destes livros, foram escolhidos os capítulos que tratam dos seguintes temas: Leis de Newton; Quantidade de movimento; Conservação de energia. a) A linguagem utilizada pelo autor Apesar dos autores utilizarem com frequência os pronomes pessoais, como o pronome possessivo nosso, isto não se caracteriza como tentativa de diálogo com o leitor, pois o texto em sua totalidade permanece sendo descritivo e não abre espaço para a discussão do tema. 4536 Livro[A]: Em todos os capítulos, exceto um, o autor usa uma linguagem puramente descritiva, tornando seu discurso impessoal, como se pode observar a seguir: “O intervalo de tempo em que a parede modifica o movimento da bola determina a força média que ela exerce sobre a bola e vice-versa.”(p.168). Na maior parte do tempo, não há formas de escrita que apontem para a tentativa do autor em interagir com seu leitor; apenas no capítulo 14 o autor ensaia um questionamento através da pergunta: “Mas como ele torna tão fácil a elevação do automóvel?”(p.135). Entretanto, ela possui apenas função retórica, já que é simplesmente respondida pelo autor sem maiores discussões. Livro[B]: Nos capítulos analisados os autores apresentam os temas de forma descritiva, o que resulta na ausência de uma abordagem direcionada à possibilidade de interação com o leitor. Nas poucas vezes que os autores levantam uma questão ela é, como no caso do livro[A], respondida logo em seguida no texto, como se pode observar em: “Então, que tipo de movimento teria o corpo se a resultante das forças que nele atuam fosse diferente de zero? A resposta a esta pergunta ...”(p.151). Neste caso o autor descreve uma figura “mostrando” como um corpo pode ter um movimento acelerado devido a uma força, concluindo a ideia logo em seguida. Livro[C]: Este livro também apresenta caráter descritivo, em que o autor não estabelece o diálogo com o leitor. Em todos os textos introdutórios os autores descrevem situações apresentadas em figuras, como neste trecho: “Uma mola comprimida armazena energia e, ao ser liberada, pode colocar uma bolinha em movimento”(p.145). b) a completude/incompletude dos textos De forma geral, os livros tratam os assuntos como se todo conhecimento disponível tivesse sido incorporado àquele texto. Quando os autores dos livros [A] e [B] apresentam, nos capítulos analisados, um discurso de incompletude, eles o fazem apenas no que se refere a conhecimentos que consideram mais adequados ao ensino superior; o livro[C] não apresenta este tipo de discurso. A tentativa de apresentar um texto completo contribui para tornar o livro superficial no tratamento dos temas, dificultando a identificação dos aspectos essenciais, contribuindo ainda para a construção da idéia de que a ciência é um corpo completo de conhecimentos e de que os livros apresentam esse conhecimento na sua totalidade. 4537 c) Possibilidades de atribuição de sentidos pelo leitor Livro[A]: A forma impessoal da linguagem, com características descritivas, faz com que o autor torne obrigatório um determinado tipo de leitura para o texto, enfatizando os significados previamente decididos por ele. Pode-se perceber a direção imposta para o leitor em trechos como este: “é fácil perceber que a bola exerce força sobre a tela da raquete e esta exerce força sobre a bola.”(p.78). Uma outra característica que reduz as possibilidades de atribuição de sentidos pelo leitor refere-se à forma que faz com que a linguagem usada na Física tenha significado em si mesma, não necessitando de maiores explicações, como se observa no trecho a seguir: “Nessa deformação elástica a bola armazena energia”(p.168, grifo nosso). Livro[B]: Este autor possui uma característica peculiar, pois em seu discurso ele pressupõe que o leitor possui certos conhecimentos, como se pode observar em: “Você já deve ter percebido que a energia pode ser apresentar sob diversas formas: energia química, energia mecânica, energia térmica, energia elétrica, energia atômica, energia nuclear etc” (p.292). Em seguida o autor descreve alguns tipos de transformação de energia envolvendo as já citadas não abrindo espaço para o leitor buscar sentidos. Apresenta as mesmas características do livro[A] com relação à forma como o autor espera que seu leitor perceba o que ocorre em sua descrição, como aparece em: “É fácil perceber que quanto maior for a velocidade do bloco da fig. 8-9, maior será a compressão da mola, isto é, maior será o trabalho realizado pelo bloco e, portanto, maior será a sua energia cinética.”(p.293). Livro[C]: O texto, por ser descritivo, apresenta uma obrigatoriedade no sentido da leitura. Esta pode ser observada, por exemplo, quando os autores expõem a relação entre energia e movimento como se pode constatar em: “Quando bem alimentado, você pode correr mais rápido e saltar mais alto.”(p.145). Nesta passagem, os autores não se preocupam com o sentido que o leitor possa retirar desta frase e nem da ilustração a que está relacionada. Esta característica pode ser observada na continuidade do discurso em: “Para que nossos corpos tenham energia e possam realizar nossas tarefas diárias, devemos nos alimentar adequadamente”(p.145). 4538 d) A localização temporal das proposições Livro[A]: Os textos introdutórios examinados permitem afirmar que o autor, além de descontextualizar o conteúdo, retirando-o de seu meio histórico, também o faz em relação ao seu meio epistemológico. A forma como trata as informações, além de reforçar a criação de figuras de “cientistas heróis”, como a de Isaac Newton, dirige os leitores para um significado de ciência como um processo de desenvolvimento linear, sem controvérsias, sem embates, sem lacunas. Isto pode ser observado a partir de afirmações como esta: “Estabelecida no século XVII por Isaac Newton, um dos maiores físicos de todos os tempos (...)”. (p.78). Livro[B]: Este autor, de certa forma, apresenta a ciência como uma construção humana, como mostra esta parte de seu discurso: “Há aproximadamente três séculos, o famoso físico e matemático inglês Isaac Newton (1642-1727), baseado em observações suas e de outros cientistas...”(p.107). Porém, o autor remove o contexto em que a pesquisa foi realizada e as disputas entre os cientistas da época, tanto pelos créditos da pesquisa quanto pelas defesas das teorias já vigentes realizadas pela comunidade científica. Livro[C]: Os textos deste livro apresentam, de certa forma, o contexto de evolução do trabalho cientifico e a necessidade da pesquisa durante aquele período, embora os autores apresentem este desenvolvimento de forma linear e justificado pelos grandes heróis da ciência. Um exemplo da preocupação dos autores com a contextualização do processo de desenvolvimento científico pode ser vista em: “No século XVIII, a demanda cada vez maior de carvão exigia o aprofundamento das minas. Porém esse aprofundamento levava à infiltração de água, que inundava as minas, [...]. Havia a necessidade premente de encontrar uma maneira de bombear essa água para fora das minas.”(p.146). Outro exemplo, no âmbito da valorização dos cientistas heróis, pode ser encontrado em: “Foi então que alguns cientistas, como Galileu Galilei (Fig. 3.2) e Isaac Newton, começaram a reconhecer o uso da Matemática para analisar e descrever os fenômenos naturais.”(p.35). Considerações finais Uma primeira relação que pode se discutida entre a postura didática do livro e as relações pedagógicas que podem decorrer de sua utilização diz respeito à alfabetização científica. O discurso dos autores nos livros analisados, em especial nos textos introdutórios, podem ser comparados com as perspectivas de ciência discutidas por Auler e Delizoicov 4539 (2001) destacando que, de certa forma, eles se sustentam em relações reducionistas, pois quando apresentam as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, essas não são utilizadas para produzir discussões que promovam a superação dos mitos. Neste caso, fica bem visível a dificuldade ao usar a História da Ciência para gerar discussões acerca da ciência como construção humana, pois os autores silenciam as questões relativas aos interesses humanos no desenvolvimento das pesquisas. Outra relação que está presente nos livros didáticos refere-se ao conteúdo e sua característica de completude. Pensando que este material movimenta a cada ano bilhões de reais no PNLEM, deve-se considerá-lo como sujeito às relações de mercado (Apple, 1995). Nessa direção, é um produto que possui um comprador definido, os professores, que em princípio selecionam os livros que serão adquiridos pelo MEC. Então, pode-se entender que os autores tem como objetivo agradar os professores, e desta forma, o livro tende a apresentar-se como possuidor de todo o conteúdo necessário, o que traz como consequência a superficialidade no tratamento dos temas. Por último, pode-se destacar a postura didática presente em cada autor. Os textos em geral apresentam descrições de figuras, sem discutir seu significado, considerando o leitor como alguém que deve absorver os sentidos propostos pelo autor. Este tipo de texto, descritivo, pressupõe que os alunos já estão de posse de certos conhecimentos. Entretanto, as discussões teórico-metodológicas sobre o ensino de Física apontam, há algumas décadas e em diferentes abordagens, para a necessidade de que os modelos pedagógicos contemplem a produção de significados pelo sujeito que aprende. Esta ênfase está presente, em Becker (2001) na idéia de um modelo relacional, apoiado em uma perspectiva epistemológica construtivista. Podemos concluir, então, que os autores dos livros didáticos não conseguiram adequar, de certa forma, as suas propostas metodológicas àquelas que estão sendo apontadas pelas pesquisas em Educação para a Ciência, apesar de ser possível apontar que existe um esforço para a adequação destes livros as propostas dos Parâmetros Curriculares e das Orientações Curriculares. Porém, ainda falta um longo caminho a ser percorrido para que se possa unir, no livro didático, o conteúdo e a metodologia de forma mais desafiadora ao pensamento reflexivo e crítico dos alunos, pelo menos do ponto de vista dos textos introdutórios aos conteúdos de Dinâmica REFERÊNCIAS 4540 APPLE, Michael. Cultura e comércio do livro didático. In APPLE, M. Trabalho docente e textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, p. 81-105. AULER, D; DELIZOICOV, D. 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