I SEMINÁRIO DE DIREITO PARA JORNALISTAS - DIA 31.08.00 JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS JUIZ FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA FONSECA TJDFT Primeiramente, boa noite a todos. É uma alegria particularmente estar aqui esta noite para falar com vocês, trocar um pouco de experiência dos nossos Juizados Cíveis. Para que possamos ter uma boa compreensão da finalidade do Juizado Cível é necessário a gente voltar um pouco na história, fazer uma pequena introdução histórica para a gente entender a lei do Juizado Cível. No início da formação do Estado moderno, quando todos nós abrimos mão de fazer justiça pelas próprias mãos, isso é um direito que nós temos como definição autodefesa, autotutela do direito, entregamos para o Estado o que a gente chama de monopólio de jurisdição, ao Estado Juiz, particularmente falando, essa incumbência de distribuir justiça. E o Estado veio, através dos anos, através do Estado Juiz tentando desenvolver esse papel. Fiz essa pequena introdução para que vocês possam alcançar a importância ou talvez, a grande esperança da Lei n.º 9.099 do Juizado, porque não se engane que a maior função do Poder Judiciário é a pacificação social. É através da justiça, através de uma decisão judicial que vamos ter a pacificação da sociedade, para uma forma mais técnica falamos que vamos resolver os litígios. E o Juizado tem, também como a justiça tradicional, ele tem com essa função. Mas a grande diferença do juizado da justiça tradicional é porque a forma de fazer essa pacificação social é totalmente diferente da justiça tradicional. Quando na justiça tradicional se busca justamente todo aquele trâmite burocrático das leis, normatividade, e aí por isso, essa justiça é demorada, a justiça é lenta, mas por quê? Todo aquele trâmite formalista, dentro da nossa própria tradição, tradição jurídica, no Juizado Especial se busca uma outra justiça. E o que é essa outra justiça? Toda lei do Juizado Especial está estruturada para o acordo. É de uma simplicidade a lei, mas de uma inteligência, porque voltando a história se lembra qual é a função do Poder Judiciário? É a pacificação social. Ora, eu pergunto a vocês: qual é o caminho melhor para se pacificar, o Juiz decidindo a causa, dizendo que fulano tem razão e o outro não, ou se as partes entrarem num acordo. Eu pergunto para vocês, se você é uma parte numa lide, num processo judicial e você vai na justiça e consegue ali resolver o seu problema através de um acordo, qual é o sentimento que você sai do Poder Judiciário, você não sai revoltado porque você fez o acordo porque quis, atendeu às suas necessidades, mas a partir do momento em que é um Juiz que decide dando razão para um e conseqüentemente tirando a razão do outro, na demanda, este que perdeu é evidente que ele vai sair chateado, é evidente que ele vai falar mal do Poder Judiciário. É uma falha inerente ao ser humano. Então, veja só, ainda que haja a decisão judicial na justiça tradicional, veja que a pacificação social muitas vezes não é alcançada, porque quem perde sai revoltado, e tem mais, revoltado até com a Justiça agora. Então, veja que a Lei 9.099, ao direcionar todo o seu esforço para o acordo, ela justamente leva a grande finalidade do Poder Judiciário , que é a pacificação. Então, toda a estrutura do Juizado, o primeiro grande pilar do Juizado, vocês não tenham duvida, é a tentativa de acordo, o Juiz tem que estar o tempo todo, do início ao fim, até depois da sentença, se for possível, e ás vezes é, tentar um acordo, a conciliação entre as parte, justamente porque é o melhor exemplo de pacificar a lide na sociedade. Então, a inteligência dessa Justiça foi montada para isso, para viabilizar esse acordo. O Juizado, para viabilizar um acordo, ele tem de fugir um pouco dessa formalidade que existe na justiça tradicional e a lei cuida disso, e um dos princípios é a a informalidade, justamente porque o processo tem de ser informal, tem de ser sério, justamente objetivando facilitar o acordo, impulsionar as partes ao acordo. E a inteligência da lei vai mais além, veja que ela cria no primeiro momento quando alguém vai num Juizado reclamar, peticionar, colocar ali o seu problema, ele, até 20 saláriosmínimos, a lei permite isso, ele pode comparecer desacompanhado de advogado, de 20 à 40 saláriosmínimos é o teto do Juizado ele tem que se fazer presente com advogado. Mas veja que mesmo para aquela pessoa leiga, que não tem advogado e quer ir até o Juizado, e comparece, ele vai ser recebido ali pelos nossos funcionários que vão reduzir a termo aquela reclamação, aquela postulação da pessoa e é marcada a primeira audiência de consignação. O primeiro passo do Juizado é uma tentativa de conciliação, e o que é mais inteligente na lei é que não é pelo Juiz, é por uma outra pessoa, o conciliador. Por que não é pelo Juiz, por que não se fez essa conciliação na presença do Juiz? Se essa pessoa não conseguir, o conciliador não conseguir, vai ser remarcada uma nova audiência, e aí sim na presença do Juiz. Então, vejam que vão ter duas pessoas tentando negociar o acordo, e isso é muito inteligente porque às vezes uma pessoa tem mais habilidade de levar um assunto, as partes também em dias diferentes, têm audiências em dias diferentes, ou seja, um dia ela está com um espírito "x", no outro ela já está com o espírito mais desarmado. O primeiro passo é a audiência de conciliação e aí também ela coloca algumas coisas muito rápidas. Se a pessoa que entrar não comparecer a esta audiência, o processo é arquivado imediatamente, demonstra desinteresse. Se o réu não comparecer nessa primeira audiência de conciliação ele vai ser revel isso significa que tudo o que foi dito contra ele vamos ter como verdade, é uma presunção de veracidade. Então, veja que a penalidade processual é muito séria e as partes são alertadas por isso, justamente, porque elas não estão com Advogado. Há uma preocupação, o tempo todo, das partes serem orientadas, inclusive a lei determina que o juiz, o tempo todo, deve esclarecer às partes os seus direitos, justamente porque eles estão desacompanhados de um profissional, na maioria das vezes. Não havendo o acordo, nessa primeira audiência de conciliação, (feita por um conciliador, uma pessoa que não é o juiz, geralmente é um estudante de faculdade ou advogado formado que fazem parte do quadro dos conciliadores), não sendo possível, e essa audiência é exclusiva para isso, não se faz prova, não se faz nada, rapidamente é marcada uma outra audiência, geralmente, com o máximo de uma semana de intervalo de uma para outra. Em uma segunda audiência vão levar as suas testemunhas e aí, sim, o juiz vai julgar. Mas antes de o juiz julgar vai tentar, de novo, a conciliação entre as partes. Quando abro a minha audiência de instrução, costumo dizer o seguinte: abro a audiência e pergunto o primeiro ato (é inevitável), pergunto se tem acordo. E, principalmente o autor, quando fala assim: "não, não quero o acordo, quero tudo", digo: "se você repetir isso, vou extinguir o processo" e explico por quê. Porque quando você procura o Juizado, você tem que ter na mente que quer fazer acordo porque a lei e o Estado abrem um monte de portas. Não precisa pagar custas, não tem sucumbência, você não precisa estar com advogado, quer dizer, é um monte de facilidades, mas a lei, o Estado, espera uma contraprestação, que você vá com o espírito desarmado para uma tentativa de acordo. Porque se você quiser tudo e não quiser acordo, basta você ir para a Justiça tradicional. Lá tem. Lá não precisa do espírito de acordo. Lá você vai ter que pagar custas; lá você vai ter que pagar o honorários do advogado; lá, se você perder a demanda, no 1.o Grau, você vai responder por sucumbência. Quer dizer, lá tem os ônus normais de um processo tradicional. Então, quando a pessoa busca o Juizado, o espírito de conciliação tem que estar presente. Se o autor chega na sala de audiência e diz: "não quero fazer acordo", digo: "você não tem direito à utilização dessa via processual, você há de escolher outra". Porque ele tem que ir com esse espírito, porque a lei toda é voltada para esse espírito. E para vocês terem uma idéia, na primeira audiência de conciliação, que é feita por aquele juiz leigo, o conciliador, praticamente, ele consegue 70% de conciliação; em cada dez audiências que estão marcadas com ele, umas sete ele consegue. Nas que sobram, que vão para o juiz (são as mais complexas), o juiz, ainda assim, consegue uns 50% de acordo. Particularmente, já consegui acordo até no final, depois de ter dado a sentença; o que é, até certa forma, difícil, porque quem acabou de ouvir o juiz falar que você tem razão porque que você vai fazer acordo? É porque a gente sempre explica como é difícil receber dinheiro de alguém, ainda que tenha uma sentença no bolso, que é nada mais, nada menos que um cheque; uma sentença é um cheque. Ora, sabemos que cheque não quer dizer recebimento de ninguém! Então, explico isso, às vezes, para o credor: "Olha, você recebeu, você tem um cheque. Agora, se ele vai pagar ou não..., vamos tentar um acordo!". E, às vezes, consigo. A pessoa, às vezes, se sensibiliza, é aquele negócio: "antes um pássaro na mão do que dois voando" e aí vêm aquelas frases como: "Antes um bom acordo do que uma péssima demanda". Isso é uma verdade porque na Justiça tem dois momentos. O primeiro momento que é ganhar, ter a razão na sua discussão, ganhar a questão e o segundo momento é tentar efetivar o que você ganhou. É receber. É executar o seu título. Esses dois momentos são tão distantes um do outro, que decepcionam. Não adianta você, às vezes, ganhar e, às vezes, em vinte, dez, quinze dias, no Juizado, tem a sentença, você ganhando o seu direito, sendo reconhecido o seu direito, só que você não consegue receber! Por que você não consegue receber? Porque na execução temos limites por lei, questão da impenhorabilidade de bens, quer dizer, não podemos pegar as coisas da pessoa e levar à execução forçada. Existe um limite. Então, o Juizado também permite uma facilidade muito grande nisto em um acordo, e, aí, a gente chega a uma outra conclusão: cerca de 80 a 90% das sentenças dadas em Juizados são executadas, são cumpridas, por quê? Porque elas, geralmente, decorrem de acordo. Quando a pessoa faz o acordo ela faz de acordo com a possibilidade dela de honrar, e tem aquele compromisso moral: foi feito um acordo, na frente de um juiz. Quer dizer, existe ainda um respeito muito grande pelo Judiciário. Se faltar isto, se faltar este respeito, não sei qual é a força que teremos para fazer cumprir o respeito e a moral. Porque o juiz quando homologa um acordo, a parte não tendo condições, tendo bens impenhoráveis, se ela não cumprir, não podemos fazer nada. Nada! Nem a execução leva ela à cadeia, não tem outro remédio. Fica aguardando o dia em que ela estiver bem o suficiente para ser executada. Então no Juizado, quando se faz um acordo, o devedor coloca na mesa as suas condições reais de pagamento. E isto leva a quê? Leva ao cumprimento do acordo. Isso leva a quê? Leva à satisfação do crédito. Isso leva a quê? Leva à satisfação das partes. Então o Juizado começa a parecer, dentro do Judiciário, como uma solução. Eu, talvez, às vezes, digo: "quem pensou na lei do Juizado talvez não tenha pensado que ia dar tanto resultado". Talvez tenha, até, imaginado. Até tenha sido uma pessoa que talvez tivesse acreditado que é uma possibilidade, mas o resultado é tão positivo que duvido muito que essas pessoas que se reuniram para idealizar a lei do Juizado não tenham imaginado que a resposta ia ser tão positiva! É verdade que têm algumas imperfeições na lei? É verdade. É verdade que tem alguma coisa que precisa ser consertada? É verdade. Mas o cerne, o mérito é perfeito! É algo que temos que aperfeiçoar só para crescer. Existem muitas questões processuais, mas não vou tomar todo o tempo dos colegas porque os mesmos também precisam falar e estou à disposição para qualquer pergunta em matéria processual ou mesmo material de Juizado Especial.