Domingos JBC, Pillon SC O USO DE ÁLCOOL ENTRE MOTORISTAS NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO THE USE OF ALCOHOL AMONG DRIVERS ON THE COUNTRYSIDE OF THE STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL EL USO DE ALCOHOL ENTRE MOTORISTAS EN EL INTERIOR DEL ESTADO DE SAO PAULO, BRASIL Josélia Benedita Carneiro DomingosI Sandra Cristina PillonII RESUMO: O uso de álcool entre motoristas é um tema preocupante devido às graves conseqüências e aos altos índices de acidentes de trânsito que tem gerado. O estudo tem como objetivo identificar o uso do álcool entre os participantes de uma campanha de saúde nas estradas em Ribeirão Preto-SP. O estudo é do tipo transversal e foi realizado em 2006. Participaram 1014 (85,5%) motoristas, a maioria homens, casados, com baixo nível de escolaridade, católicos e procedentes da Região Sudeste. Quanto ao uso do álcool, 738(72,7%) bebem de 2 a 4 vezes por semana e se embriagam semanalmente. Consomem bebidas alcoólicas em níveis de risco e de baixo risco, com índices preocupantes, pois se trata de motoristas. Um terço afirmou que já sofreu acidente de trânsito, 19(2,5%) relataram essa ocorrência após consumo de álcool. Esses resultados fornecem subsídios para o desenvolvimento de campanhas preventivas sobre o beber e dirigir. Palavras-chave: Consumo de bebida alcoólica; condução de veículo; prevenção primária; acidente de trãnsito. ABSTRACT ABSTRACT:: The use of alcohol among drivers turns out to be a serious concern on account of dramatic consequences and high levels of traffic accidents on the road. This study aimed at identifying the use of alcohol among participants of the health campaign on the roads in Ribeirão-Preto, SP, Brazil. Design: Cross-sectional study on the basis of a systematic sample including 1014 participants. 85.5% were men, married, with low educational levels, from the Southeast, and Catholic. Regarding the use of alcohol, 738 (72.7%) drink two to four times per week and get intoxicated on a weekly basis. These figures are remarkably high, considering the sample is made up of drivers. Those drivers make use of alcohol on levels of risk and low risk. One third of them had already had car accidents, 19 (2.5%) of which having drunk before the accident. Those data support the development of preventive campaigns on drinking and driving; traffic accident on the road. Keywords: Alcohol consumption; driving; primary prevention. RESUMEN: El uso de alcohol entre motoristas es un tema preocupante debido a las graves consecuencias y los altos índices de accidentes de tránsito. El objetivo del presente estudio es identificar el uso de alcohol entre los participantes de la campaña salud en las estradas en Ribeirao Preto-SP – Brasil. Es un estudio del tipo transversal y fue realizado em 2006. La amuestra fue de 1014 (85,5%) participantes, hombres, casados, con bajo nivel de escolaridad, procedente de la región sureste, religión católica. Cuanto al uso de alcohol, 738(72,7%) beben de 2 a 4 veces por semanas y se emborrachan semanalmente, índices considerados altos cuando se trata de motoristas. Ellos presentan uso de bebidas alcohólicas en niveles de riesgo y de bajo riesgo. Un tercio de los motoristas ya sufrieron accidentes de tránsito, 19(2,5%) ocurrió después de beber. Esos resultados fornecen subsídios para el desarrollo de campañas preventivas sobre el beber y conducir vehículos. Palabras Clave: Consumo de bebida alcohólica; conducción de vehículo; prevención primaria; accidente de tránsito. INTRODUÇÃO O Relatório Mundial sobre Prevenção de Acidentes de Trânsito apresentou índices de mortalidade e morbidade ocorridos nas estradas e algumas medidas preventivas que devem ser tomadas nos diversos paises, pois os altos índices têm gerado prejuízos imensuráveis e inaceitáveis para a saúde pública geral, social e econômica. Estima-se que por ano 1,2 milhões de pessoas são mortas, e que mais de 50 milhões são mutiladas nas estradas1. Ainda, quando são associadas estas conseqüências ao uso de substâncias psicoativas a preocupação é maior. No que tange ao uso do álcool, a Organização Mundial da Saúde2 reconhece que o uso problemático (uso nocivo e dependência) impõe à sociedade uma carga global de agravos indesejáveis e altamente dispendiosos, sendo esta uma das principais doenças do século XXI. Estima-se que, além dos acidentes nas estradas, o ônus estimado nas conseqüências do Mestre em Enfermagem Psiquiátrica. Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP. E-mail. [email protected] II Professor Doutor; Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Av Bandeirantes 3900 Jd Monte Alegre. Campus USP-Ribeirão Preto - CEP 14 040-902. E-mail: [email protected]. I R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 jul/set; 15(3):393-9. • p.393 O uso de álcool entre motoristas consumo de álcool (doenças físicas e traumas causados por acidentes automobilísticos, por exemplo) seria responsável por 1,5% das mortes e 3,5% dos anos de vida ajustados por incapacidade (DALYS), indicador que especifica o percentual de anos perdidos em razão de doença ou mortalidade precoce, colocando o controle do uso de álcool como uma das prioridades de saúde pública. O presente estudo tem como objetivo avaliar o uso de bebida alcoólica entre os motoristas participantes da Campanha Saúde nas Estradas. MARCO TEÓRICO O Brasil se encontra em fase inicial de reconhecer o comportamento do motorista alcoolizado como um grave problema de saúde pública e que as poucas estatísticas apontam um quadro preocupante3. Por um lado, o álcool é a droga lícita mais consumida no mundo, seu uso é aceito pela sociedade, é de fácil aquisição e são diversos os fatores determinantes desse consumo (econômico, por exemplo). A aceitação do consumo também desempenha um papel fundamental, e isso é determinado em grande parte pelos valores sociais e culturais da população, e tais influências operam em vários níveis, por exemplo, individual, grupal, ocupacional e familiar e nas dimensões psicobiológicas, sociais e espirituais4. Em nível individual, o álcool, mesmo quando usado em pequenas quantidades, provoca alterações no organismo, pois diminui a coordenação motora e os reflexos, comprometendo a habilidade de dirigir veículos automotores. No entanto, as conseqüências podem ocorrer, mesmo com baixas doses (uma dose, por exemplo). Os testes realizados com pessoas sob influência do álcool têm demonstrado que a maioria apresenta um baixo desempenho no tempo de respostas aos estímulos de uma tarefa específica, à medida que a alcoolemia (nível de álcool no sangue) aumenta, e tal fato também pode causar problemas na medida em que a alcoolemia diminui5. Diante da complexidade do problema, a literatura brasileira sobre esse tema ainda é escassa, com produção limitada de estudos que avaliam a relação dos acidentes automobilísticos com o uso abusivo de álcool. Tal fato é apresentado nos estudos sobre índices de acidentes de trânsito no Estado de São Paulo, em que não constam as informações sobre os acidentes conseqüentes ao uso do álcool. Em 1999, ocorreram 9311 óbitos decorrentes de acidentes de trânsito, correspondentes a 3,1% de todas p.394 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 jul/set; 15(3):393-9. as causas de mortes, com coeficiente de mortalidade de 20,41 por 100.000 habitantes. Nesse mesmo ano, Ribeirão Preto contabilizou 137 óbitos por acidentes de transporte, obtendo o maior coeficiente entre as cidades do Estado de São Paulo com mais de 200 mil habitantes, com coeficiente de mortalidade de 28,9 por 100.000 habitantes6. Esses índices são ainda maiores quando o uso de álcool está presente. Como fatores de proteção para os acidentes de trânsito, a literatura aponta a necessidade de uma legislação rigorosa para os motoristas que dirigem embriagados1-7. Nos anos que antecederam as mudanças na Legislação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em relação ao consumo de álcool e direção de veículos automotores, houve acidentes que causaram a perda de 40 mil vidas por ano e ferimentos em 450 mil pessoas; os índices de morbidade e mortalidade têm diminuído em função de maior rigor nas medidas de controle, porém a falta de fiscalização continuada tem tornado a prevenção e controle desses acidentes ineficientes de acordo com a oscilação desses índices nos últimos anos7. Vale ressaltar que não só no Brasil, mas na maioria dos países, o dirigir embriagado ou sob efeito do álcool é proibido por lei e as infrações acabam em penalidades. No tópico a seguir, são descritos alguns caminhos que contribuíram para a política restritiva de controle do uso do álcool entre motoristas. Limites Legais: o que é permitido As medidas iniciais para prevenir o consumo de álcool em situações de riscos são as medidas de controle4. Este é um enfoque pontual para prevenção do consumo de álcool ou embriagar-se e dirigir veículos. Se existem altos índices de motoristas que dirigem embriagados e se estes são pegos pela polícia e se as penalidades são aplicadas de imediato e severamente, esses motoristas evitariam dirigir embriagados em situações posteriores. Dessa maneira, os índices dess-as ocorrências vão depender da certeza da punição e de sua severidade. Esses pressupostos são válidos em relação à lei de segurança quanto ao consumo do álcool; estudos8 sobre as variações dos dispositivos legais e sua execução demonstraram que existem três fatores inerentes às medidas restritivas, a certeza, a rapidez e a severidade da punição, sendo a primeira a mais eficaz. A restrição legal do uso do álcool entre motoristas é também uma medida efetiva na prevenção de acidentes9. Mesmo que tenha ocorrido tardiamente, o Brasil promoveu mudanças na legislação e no Código de Trânsito, visando a aplicação das medidas restritivas de controle do uso de bebidas alcoólicas. Domingos JBC, Pillon SC Dessa maneira, o Código de Trânsito Brasileiro10, atualizado em 1997, conforme a Lei nº 9503 do Departamento de Trânsito, Ministério da Justiça, em seu art. 165, considera infração administrativa Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a 0,6 g/l de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine a dependência física ou psíquica. Por outro lado, o art. 276, do CTB, estabelece que o motorista, se apresentar uma concentração alcoólica igual ou superior a 0,6 g/l, estará impedido de dirigir veículos automotores. Finalmente, o artigo subseqüente desse Código determina que o motorista envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, ou seja, suspeito de ter abusado dos limites previstos, conforme o artigo anterior, será submetido a teste de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que se faça necessário10. A leitura do CTB demonstra que há rigor com o motorista que dirige embriagado, o qual não coloca apenas sua vida em risco, mas também a de outros. As conseqüências legais são de natureza administrativa e penal. Trata-se de uma infração gravíssima, com perda de pontos na carteira de habilitação e multa de R$957,65, com suspensão do direito de dirigir e o recolhimento da carteira de habilitação; é considerada também um crime, com pena de detenção de 6 meses a um ano, desde que fique comprovado que o condutor colocou em risco a vida humana. O nível limite de alcoolemia ao dirigir estabelecido pelo Novo Código Brasileiro de Transito é adequado, embora exista uma tendência, na literatura especializada11 para o valor de 0,5g/l (equivalente a duas latas de cerveja). Os países que adotaram a política restritiva de controle do uso do álcool entre motoristas, mais precocemente, estão em fase de reavaliação dos seus limites, pois consideram que existe uma tendência a diminuir os níveis permitidos; por exemplo, na Austrália, a redução de 0,8g/l para 0,5g/l associou-se a um declínio de 6% dos acidentes12. METODOLOGIA O método descritivo do estudo é do tipo transversal. A pesquisa foi realizada na Campanha Saúde nas Estradas em parceria com a concessionária Autovias, em um posto de serviços na rodovia Anhangüera SP-330, sentido capital-interior, em Ribeirão-Preto, SP. A coleta de dados ocorreu em três dias consecutivos, no segundo semestre de 2006. A amostra foi constituída por motoristas que participaram da Campanha de Saúde nas Estradas. Foram realizados 1186(100%) atendimentos nos seis dias e 1014(85,5%) aceitaram participar da pesquisa, os quais compõem a amostra do presente estudo. Os demais 14,5% não fizeram parte da pesquisa, pois eram menores de idade, e também por que moravam no bairro próximo ao local da Campanha, os quais compareceram para a realização de exames. A coleta de dados ocorreu por meio de um questionário contendo informações sociodemográficas (idade, sexo, estado civil, religião) e do teste de identificação do uso de álcool (AUDIT) que é um instrumento de rastreamento desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde13. O AUDIT é composto por 10 questões com três domínios, em que as três primeiras perguntas identificam o padrão de consumo do álcool, as questões de números 4 a 6 indicam os sinais e sintomas da dependência e as quatro últimas representam os problemas do uso do álcool. Para a leitura final do teste, soma-se a pontuação (os valores das respostas), em que o escore total varia de zero a 40 pontos, possibilitando assim identificar zonas de risco do beber. Foi aplicado o seguinte critério: uso de baixo risco (0 a 7 pontos), uso de risco (8 a 15 pontos), uso nocivo (16 a 19 pontos) e provável dependência (20 ou mais pontos). O tempo para respondê-lo foi de aproximadamente 5 minutos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os motoristas que aceitaram participar da pesquisa firmaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme previsto na Resolução nº 96/196 do Conselho Nacional de Saúde. Para a leitura dos resultados, foi elaborado um banco de dados no programa de estatística Statistical Package for Social Science (SPSS) versão.11, que possibilitou a análise estatística simples das variáveis (freqüência, percentagem) e o teste Qui-quadrado (X2) para a comparação entre as variáveis, com intervalo de confiança de 95%. RESULTADOS A amostra foi composta por 1014(85,5%) dos motoristas participantes da Campanha Saúde nas Estradas. A maioria 984(97%) é do sexo masculino, com idade média de 41 anos (entre 18 a 72 anos); 842(83%) vivem com alguém e 690(68%) são de cor branca. Quanto à escolaridade, 613(60,4%) R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 jul/set; 15(3):393-9. • p.395 O uso de álcool entre motoristas possuem o 1°Grau completo ou incompleto; 727(71,8%) possuem religião católica; e 826(81,4%) exercem a profissão de motorista de caminhão. Identificou-se que, entre os motivos da viagem, 988(97,4%) estavam nas estradas por trabalho e 26(2,6%) por lazer ou motivos de estudo. Quanto ao padrão do consumo, 738(72,7%) fizeram uso do álcool nos últimos 12 meses e 276(27,3%) eram abstêmios. Entre os que consomem álcool, 330(44,7%) são bebedores de baixo risco, 316(42,8%) fazem uso de risco, 65(8,8%) uso nocivo e 27 (3,6%) apresentam provável dependência, conforme mostra a Tabela 1. TABELA 1: Distribuição dos motoristas por níveis de risco do consumo de bebidas alcoólicas. Campanha Saúde nas Estradas. Ribeirão Preto-SP, 2007 (n= 1014). Em relação ao padrão de uso de bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses, o consumo ocorreu numa periodicidade de duas a quatro vezes por mês, em quantidade de 3 a 4 doses. No que concerne à embriaguez (5 ou mais doses numa única ocasião), ocorreu numa freqüência semanal, ou seja, fazem uso de bebidas alcoólicas de 6 ou mais doses em uma única ocasião. Foi verificado ainda que 456(45%) bebem acima do limites recomendados pela OMS, ou seja, 3 ou mais doses. Quanto à presença dos sinais e sintomas da dependência do uso de bebidas alcoólicas, os participantes responderam que menos de uma vez por mês não conseguem parar de beber uma vez começado e nesta mesma freqüência não conseguem fazer o esperado, além de beber pela manhã. O uso do álcool em níveis problemáticos (uso de risco, uso nocivo e provável dependência) pode trazer danos físicos (hepáticos e cardíacos entre outros) e mentais (depressão e outros), mesmo sem a presença da dependência13. Entre os problemas decorrentes do uso do álcool, nos últimos 12 meses, estão os esquecimentos, pelo menos uma vez por mês, e, na mesma freqüência, foi criticado devido às bebedeiras; por fim, 19% relataram que alguém se preocupou com a bebedeira deles nos últimos 12 meses. Nas comparações, ao avaliar a idade entre o grupo de bebedores e não bebedores, foi encontrada uma média de idade menor no grupo de bebedores (40,93 anos, Dp=,37) em comparação aos abstêmios (41,9 anos, Dp=,65); para esta amostra não houve diferença estatística significativa para a idade entre os dois grupos. A maioria dos participantes que fez uso de bebidas alcoólicas - 660(89,4%)- vive com alguém (casados, amasiados). Quando comparados os níveis de risco do beber e o estado civil, foi observado um número considerável de usuários de baixo risco e uso de risco, embora não se possa deduzir que quem é casado bebe mais do que quem está sozinho, pois não foi encontrada uma associação estatística significativa entre estas variáveis. Ao comparar a religião e os níveis do consumo de bebidas alcoólicas, o uso de risco está presente entre 260 (35,7%) católicos e 29 (14,2%) evangélicos; entre os abstêmios, estão 139 (19,1%) católicos e 124 (60,8%) evangélicos, com estatística significativa (X2 =157,6 e p 000). Aqui a religião pode estar funcionando como um fator de proteção para o uso de álcool, pois os que pertencem à religião evangélica possuem maior controle social quanto ao beber,e acabam bebendo menos, , conforme mostra a Tabela 2. TABELA 2: Comparação entre religião e os níveis de risco do consumo de álcool, dos participantes da Campanha Saúde nas Estradas. Ribeirão Preto-SP, 2006 (n= 1014). X2= 157,7 e p=000 p.396 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 jul/set; 15(3):393-9. Domingos JBC, Pillon SC Os participantes que sofreram acidentes de trânsito são apresentados em relação ao uso de bebidas alcoólicas e aos níveis de riscos desse consumo, conforme mostra a Tabela 3. Foi encontrada uma porcentagem considerável entre os motoristas que fazem uso de bebidas alcoólicas e se envolveram com acidentes de trânsito. Mesmo que não tenha havido uma associação estatística significativa, muito dos acidentes ocorreram entre os bebedores que fazem uso de risco. Por outro lado, devido ao baixo valor encontrado entre os que afirmaram a ocorrência de acidente, após o uso do álcool, pode ter havido comportamento de risco para os possíveis falsos negativos, isto é, que negaram o problema por influência do medo, vergonha de assumir o fato de ter bebido e dirigir e, ainda, por ter sido punido ou mesmo não querer se expor. Outras pesquisas mais aprofundadas sobre este tema são necessárias, tanto com abordagem quantitativa como qualitativa para explorar melhor as questões pertinentes. DISCUSSÃO Existem evidências de que os fatores comporta- mentais relacionados ao beber e dirigir, que são prevalentes nas causas de acidentes de trânsito, contribuem com 95% dos prejuízos associados. As conseqüências do beber e dirigir, como os acidentes de trânsito, não só no Brasil, constituem um problema de grande magnitude e contribui com os altos índices de morbidade e mortalidade da população. Qualquer consumo de bebida alcoólica pode trazer conseqüências como acidentes de trânsito nas estradas3. Esta é a primeira vez que se identifica o padrão de consumo do álcool entre motoristas em uma rodovia, visando indicadores para a implementação de ações preventivas do uso de álcool nas estradas. A caracterização sociodemográfica dos participantes da Campanha Saúde nas Estradas, que fazem uso de bebidas alcoólicas, é semelhante aos resultados encontrados em outros estudos, pois são indivíduos do sexo masculino, com idade média de 41 anos (entre 18 a 72 anos), com baixo nível de escolaridade, de religião católica e exercem a profissão motorista de caminhão. A maioria dos participantes da Campanha de Saúde nas Estradas é do sexo masculino, e de acordo com os estudos internacionais, o consumo de álcool ocorre primordialmente entre homens motoristas14. Embora não tenha havido diferenças significativas entre as idades dos motoristas abstêmios e os bebedores, a amostra é composta por adultos. Essa ênfase foi identificada na literatura, pois os índices de problemas relacionados ao beber e o dirigir nesta idade (média 41 anos) são considerados altos, porém a faixa etária de maior incidência desses problemas é a dos jovens de 18 a 28 anos. Quanto aos níveis de risco, 44,7% dos motoristas bebem em nível de baixo risco, ou seja, de 1 a 2 doses numa única ocasião, limites estes que não representariam riscos se estes motoristas não fossem dirigir. Por outro lado, o autor13 refere que se estes bebedores não receberem informações devidas, ao longo do tempo podem estar mudando seu padrão de consumo. Considerando a população desta pesquisa, os 316(42,8%) que fazem uso de risco (3 a 4 doses) apresentam maiores possibilidades de se envolverem em problemas diversos, após o consumo de álcool. Nesses casos, os motoristas necessitam de intervenções mais precisas e pontuais para a redução desse consumo, pois possivelmente podem estar começando a vivenciar problemas de saúde ou sociais conseqüentes ao uso de álcool. E por fim, os demais identificados como uso nocivo e provável dependência necessitam de encaminhamento para serviços específicos para melhor avaliação de saúde e realização de exames para definição de diagnósticos e tratamentos. TABELA 3: Comparação entre ocorrência de acidente de trânsito após o consumo de bebidas alcoólicas e os níveis de beber, segundo os participantes da Campanha Saúde nas Estradas. Ribeirão Preto, 2006. R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 jul/set; 15(3):393-9. • p.397 O uso de álcool entre motoristas O uso de bebidas alcoólicas entre os motoristas esteve presente em 72,2% da amostra. Esse resultado é compatível com achados da população geral e identificados em levantamento domiciliar15; essa questão é considerada um desafio para a saúde publica. Neste estudo, 45% da amostra bebem acima dos limites permitido, no entanto, os riscos podem ser potenciais não apenas para acidentes de trânsito, mas também para a saúde do motorista. Dados da literatura14-18 mostram que o beber e o dirigir (mesmo com alcoolemia baixa e dentro dos limites legais) aumentam as chances de os motoristas envolverem-se em acidentes de trânsito. Em um estudo14, quase a metade (44%) afirmou ter bebido alguma quantidade de álcool e dirigido a seguir, no último ano; um, a cada oito, assinalou ter dirigido quando bebeu acima dos limites permitidos. Diferentemente dos estudos americanos, que identificaram 23% do beber como problema entre motoristas de caminhões entrevistados numa feira comercial16, nesta pesquisa o consumo de álcool alcançou a maioria dos sujeitos (72,2%). Os níveis de problemas causados pelo uso do álcool entre motoristas de empresas representam uma preocupação relevante, pois os caminhoneiros devem beber pouco ou nenhuma bebida alcoólica4. E os limites legais de álcool (alcoolemia) para os caminhoneiros são considerados bem menores em relação aos permitidos para os demais motoristas. Quanto à religião, muitos eram católicos e bebiam em níveis de risco e os evangélicos eram abstêmios. Infere-se que a religião pode representar um dos fatores protetores na vida do indivíduo, ou seja, se torna um aspecto de grande valia que pode influenciar na rejeição ao consumo do álcool. No presente estudo, a relação entre o uso de álcool e religião evangélica parece configurar-se como estratégia de controle do beber, embora não se tenha dados concretos para comparar os índices de alcoolismo entre motoristas de estradas e sua vinculação religiosa. Dessa forma, torna-se importante o desenvolvimento de mais estudos sobre essa temática e que se avalie a religião como estratégia de enfrentamento ou como instrumento de ajuda na prevenção do uso e abuso de álcool. CONCLUSÃO As estratégias específicas para identificar e intervir nos problemas relacionados ao consumo de álcool e a condução de veículos automotores precisam ser colocadas em prática, na fase inicial, p.398 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 jul/set; 15(3):393-9. ou seja, como forma de prevenção e redução de danos no trânsito. Pesquisas têm demonstrado que quanto mais elevado é o consumo de álcool numa determinada população, maior é o índice de problemas e agravos desencadeados por seu uso abusivo. Portanto, faz-se necessária a implementação de campanhas permanentes, estudos direcionados para o uso de risco de álcool nas estradas, visando à diminuição de acidentes de trânsito. A Campanha de Saúde nas Estradas é um momento oportuno para a aplicação de medidas preventivas do uso de álcool para atingir a longo-prazo, a conscientização sobre os riscos do beber e dirigir para a saúde e vida humana e, possivelmente, reduzir esse consumo. Torna-se também um momento único para divulgação e discussão, junto aos participantes da Campanha Saúde nas Estradas, da lei de controle do beber e dirigir (multas e outras penalidades), contribuindo, conseqüentemente, com a execução da lei e torná-la mais efetiva. Se não ocorre a conscientização das mudanças na lei entre a população de motoristas, ou a sua execução (fazer valer a lei), é muito pouco provável que esta afete mudanças no comportamento do beber e dirigir. REFERÊNCIAS 1. Peden M, Scurfield R, Sleet D, Mohan D, Hyder AA, Jarawan E, et al. The World Report on Road Traffic Injury Prevention. Geneva (Swi): World Health Organization; 2004. 2. World Health Organization. Ten recommendations for action. Genebra (Swi): WHO; 2002. 3. Pinsky I, Labouvie E, Laranjeira R. Willingness and alternatives to drunk driving among young people from São Paulo city, Brazil. Rev Bras Psiquiatr. 2004; 26(4):234-41. 4. Edwards G. A política do álcool e o bem comum. Tradução de Gisele Klein. 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