15% dos motoristas de BH dirigem depois de beber
Paulo Henrique Lobato - Estado de Minas
Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Consumo de álcool por motoristas foi detectado em todas as
regionais pelos pesquisadores. Intenção do levantamento é
oferecer subsídios para políticas públicas que possam enfrentar
o problema
Maria Beatriz Costa Pereira, de 59 anos, não se esquece do último sorriso da filha, a
médica Flávia, que perdeu a vida em abril de 1999, depois que um motorista embriagado
avançou o sinal e bateu no carro em que estava. “Ela tinha 26 anos. Havia saído de casa às
6h30 de um domingo para o plantão no Hospital Odilon Behrens. O horário e o dia são
indícios de que o rapaz, provavelmente, passou a noite de sábado bebendo”, diz a mãe. O
acidente ocorreu nove anos antes de a Lei Seca ser sancionada, exatamente com o
objetivo de conter a violência no trânsito do país e evitar mortes como a de Flávia. Mas,
um ano depois de a norma entrar em vigor, passado o impacto inicial das novas regras,
centenas de condutores ainda dirigem embriagados pelas ruas e avenidas de Belo
Horizonte. A situação levou uma equipe de médicos, enfermeiros e outros profissionais a
tentar medir o desrespeito à legislação federal na capital mineira. O resultado foi um
ranking da trágica relação entre o álcool e o volante nas nove regionais da capital.
A equipe de especialistas, com o auxílio da Polícia Militar, montou blitzes educativas
chamadas de postos de checagem de sobriedade, em que os praças e oficiais da
corporação paravam os veículos e os entrevistadores perguntavam ao motorista se ele
poderia responder a algumas perguntas e soprar o bafômetro. Diante da garantia de que
não haveria multa ou punição, a maioria aceitou participar do levantamento. O resultado
mostrou que 15,5% dos condutores que concordaram em soprar o aparelho tinham alguma
quantidade de álcool no organismo. A Região do Barreiro liderou esse triste ranking:
28,1% dos motoristas haviam bebido.
E você, o que achou do resultado da pesquisa? Opine no Blog do Benny.
Batizada Beber e dirigir em BH e patrocinada pela Associação Brasileira Comunitária
para a Prevenção do Abuso de Drogas (Abraço), a pesquisa foi feita às sextas-feiras e
sábados de março e abril, com 1.727 condutores das nove regionais. Eles foram abordados
entre as 23h e as 3h, teoricamente o intervalo de maior movimento daqueles que saem de
casa para se divertir. As blitzes educativas foram montadas em corredores de grande
trânsito. “A intenção é auxiliar o poder público com dados consistentes de pesquisas para
a orientação de políticas sociais relacionadas à prevenção de acidentes no trânsito devido
ao consumo de álcool”, esclarece o médico e psiquiatra Valdir Ribeiro Campos, que
coordenou o estudo ao lado do psicólogo Rogério Salgado.
A segunda regional do ranking foi a Norte (18,5%), seguida pela Centro-Sul (17,2%),
Oeste (17%) e Noroeste (15,8%). Foi nessa última que dona Maria Beatriz viu a filha pela
última vez. “O acidente ocorreu na Avenida Pedro II. Volante e álcool não combinam”,
alerta a mãe, que implantou, há oito anos, o projeto Viva e deixe viver. Ela faz palestras
para professores e alunos sobre a importância de um trânsito mais humano, o que inclui o
respeito à Lei Seca. “Parece até que a norma é uma homenagem à minha filha, pois foi
sancionada em 20 de junho, véspera do aniversário da Flávia.”
Porém, muitos condutores só passam a ter a consciência recomendada pela mãe de Flávia
depois de se envolver em acidentes. Foi o que aconteceu com José (nome fictício), de 30.
Em 2004 comprou um Fusca e, mesmo sabendo dos riscos da mistura de álcool e volante,
jamais se incomodou em sair de casa motorizado quando ia tomar cerveja com os amigos.
Numa tarde daquele mesmo ano, depois de consumir vários copos da “gelada”, ele sofreu
um acidente. “Estava tão bêbado que, numa curva, a porta do carro abriu e caí. Parece
cômico, mas fiquei bastante machucado”, conta, assegurando que desde aquele dia nunca
mais assumiu a direção após sair de um bar.
José é morador de um bairro da Região Nordeste, a sexta no ranking da pesquisa Beber e
dirigir, com 14,1% dos motoristas abordados no volante sob efeito de álcool. Em seguida,
vêm Leste (12,9%), Pampulha (9,8%) e Venda Nova (6,2%). Bernardo (nome fictício)
também só resolveu a respeitar a si próprio depois que viu a morte de perto. “Em 2003,
passei o domingo bebendo e, por volta das 22h, saí com meu Siena. Uma caminhonete
com os faróis apagados veio no sentido contrário e não consegui desviar completamente.
Havia perdido o reflexo. Ela bateu na lateral do meu carro, que rodou quatro vezes. Foi
perda total e, para piorar, não tinha seguro”, recorda o rapaz, que hoje tem 33 e assegura
que aprendeu a lição.
Observações
Os números encontrados pela equipe de Valdir Campos não significam que os motoristas
do Barreiro são os que mais bebem, pois o estudo leva em conta o local da abordagem e
não o endereço do infrator. A pesquisa não revela a razão de a regional ocupar o topo da
lista. “A relação álcool e direção é complexa e envolve vários fatores, entre eles a
concentração de bares, restaurantes e casas noturnas em determinadas regiões da cidade.
Os dados desse estudo podem favorecer a melhoria de medidas de prevenção e
fiscalização em locais que oferecem mais riscos na associação de álcool e direção”,
observa o médico.
É bom lembrar que o Barreiro é formado por 80 bairros e vilas e tem uma população em
torno de 270 mil pessoas. A região também recebe visitantes de cidades vizinhas, como
Ibirité, Contagem e Brumadinho, além das centenas de universitários que moram em
outras localidades e estudam em instituições de ensino superior abertas há poucos anos no
Barreiro.
Motorista de BH não teme punição
Pesquisa que mapeou o con sumo de álcool pelos condutores na capital confirma o que outros
estudos vêm apontando: legislação mais severa não alterou tanto o comportamento ao volante
Paulo Henrique Lobato - Estado de Minas
O universitário Márcio (nome fictício), de 31 anos, “tomou todas”, como ele mesmo diz,
numa quinta-feira de agosto de 2008, quando a Lei Seca (nº 11.705/08) já estava em
vigor, e foi abordado pela Polícia Militar por volta da meia-noite. O rapaz havia ingerido,
conforme recorda, pelo menos 10 long necks, num tradicional bar na Avenida Francisco
Sá, no Bairro Prado, na Região Oeste de Belo Horizonte. O cheiro de álcool estava forte e
chamou a atenção dos militares, que o conduziram à delegacia do Departamento Estadual
de Trânsito (Detran), onde o rapaz foi multado em R$ 955 e teve a Carteira Nacional de
Habilitação (CNH) apreendida. Além dele, outros 1.278 motoristas da capital foram
levados à presença de um delegado por apresentar sintomas de embriaguez.
A estatística é da Polícia Civil e se refere às ocorrências entre junho de 2008, quando a lei
foi sancionada, e abril deste ano. Das 1.279 pessoas encaminhadas ao Detran, 596 fizeram
o exame do bafômetro. Destas, 477 foram autuadas em flagrante. Outras 683 se recusaram
a soprar o aparelho e foram levadas ao Instituto Médico Legal (IML), pois a lei permite
que o médico constate a embriaguez pelos sintomas, como fala desconexa e hálito etílico.
Do total de condutores encaminhados ao IML, 469 motoristas tiveram a embriaguez
confirmada.
Os números ajudam a entender por que Belo Horizonte, na contramão de outras capitais,
registra aumento no total de acidentes depois de a Lei Seca entrar em vigor. Estatística
divulgada há duas semanas pelo Ministério da Saúde revelou que a quantidade de
acidentes de trânsito na capital mineira cresceu 5,14% na comparação entre os seis meses
posteriores à Lei 11.705/08 e os seis meses anteriores. Foram 225 ocorrências, contra 214.
Para ter uma ideia, o balanço nacional apurou queda de 14,43% no mesmo período.
“A bebida proporciona aos motoristas um falso senso de confiança, prejudicando
habilidades como a atenção, a coordenação, a acuidade visual e o julgamento de
velocidade, tempo e distância. Decréscimos no desempenho aparecem até mesmo na
ingestão de um único drinque, apesar de, frequentemente, a pessoa ficar certa de que seu
desempenho, na verdade, melhorou. Mesmo quantidades pequenas de álcool, abaixo dos
limites legais, aumentam as chances de ocorrer acidentes”, alerta o médico Valdir Ribeiro
Campos, um dos coordenadores da pesquisa Beber e dirigir, que mapeou o consumo de
álcool por motoristas nas nove regionais de Belo Horizonte.
Ele avalia que os acidentes de trânsito se tornaram um grave problema de saúde pública e
acrescenta que motoristas jovens têm muito mais chances de se envolver em desastres,
pois, além da ingestão de álcool, têm pouca experiência ao volante, impulsividade, hábito
de dirigir em alta velocidade e uso menos frequente do cinto de segurança. E avisa: “O
álcool diminui a eficiência cerebral e reduz a visão noturna em 25% e o tempo de reação
em até 30%”. Apesar de a Lei Seca ter reduzido o balanço de acidentes em nível nacional,
o especialista chama a atenção para os números ainda assombrosos no trânsito brasileiro.
Cita, por exemplo, as elevadas despesas do poder público e da iniciativa privada com os
desastres nas ruas, avenidas e estradas. “Estudo da Associação Nacional de Transportes
Públicos (ANTP), intitulado Trânsito no Brasil – Avanços e desafios, diz que o país gasta,
por ano, R$ 28 bilhões com acidentes de trânsito. São 34 mil mortes por ano, ou seja, uma
a cada 15 minutos.” A cifra foi apurada em pesquisa realizada no fim de 2006.
Pesquisadores orientam motoristas
Paulo Henrique Lobato - Estado de Minas
Os motoristas flagrados pelo bafômetro nas blitzes educativas do estudo 'Beber e dirigir'
foram orientados pelos entrevistadores a passar a direção para algum passageiro que fosse
habilitado e que não tivesse ingerido, naquela noite, nenhuma quantidade de bebida
alcoólica. No caso de o colega também ter bebido, a orientação foi de que o condutor
telefonasse para algum parente ir buscar o carro ou aguardasse no local enquanto era
alimentado e hidratado, até que tivesse condições de dirigir.
A maioria dos condutores abordados concordou em fazer o teste do bafômetro . A média
das nove regionais foi de 73%. No Barreiro, 71,7% não se incomodaram em soprar o
aparelho. E quem pensa que a quantidade de pessoas que se recusaram a fazer o teste é
alta deve se lembrar, como ressalta o coordenador do estudo, que o “mineiro é bastante
desconfiado”. Portanto, ele classifica o saldo de participantes como positivo.
Os números divulgados no levantamento coordenado pelo médico Valdir Ribeiro Campos
permitem dizer que, diariamente, centenas de motoristas da capital mineira conduzem os
veículos pelas ruas e avenidas da cidade depois de ingerir alguma quantidade de álcool.
No país, estudo feito em parceria com a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para
Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) e pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) levaram o Ministério da Saúde a estimar em 290 mil o
número de pessoas que dirigem alcoolizadas diariamente.
O universitário Márcio (nome fictício) não participou da pesquisa, mas se encaixa bem
nela, pois, apesar de ser conduzido ao Detran em agosto do ano passado, confessa que já
voltou a sair de casa motorizado para beber com os amigos. “A Lei Seca é correta, mas é
difícil a gente mudar uma cultura que está enraizada há anos na sociedade”, afirma.
Já o especialista avalia que essa tentativa de justificativa não pode ser usada quando o
assunto envolve vidas. Os números sobre acidentes de trânsito no país – tanto os
divulgados pelo poder público quanto os informados por ONGs e outras entidades – dão
razão ao médico e não deixam dúvidas de que as mortes seguirão crescendo se as pessoas
continuarem pensando como o universitário.
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Entrevista Jornal Estado de Minas