A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO NAS ONDAS DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS: A ESFERA PÚBLICA E A FORMAÇÃO DE ESPAÇOS POLÍTICOS TATAIANA LEMOS1 Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal analisar a relação entre os meios de comunicação e o espaço político local, por meio das comunitárias. Estas se apresentam como um objeto de interesse da geografia política em razão do seu histórico de debates com a comunidade, pela importância da escala local para o estudo deste fenômeno, pelos diversos usos que são dados as mesmas e, por último, por estarem conectadas à construção da esfera pública local e, por consequência, a criação de espaços políticos dentro da comunidade em que estão instaladas. Palavras-chave: Radio Comunitária; Esfera Pública; Espaço Político Abstract: This work aims to analyze the relationship between the media and the local political space, through the study of Community radios. These are presented as a political geography object because of its history of discussions with the community, the importance of local level for the study of this phenomenon, the various uses that are given to this media and finally, for being connected to construction of local public sphere and, consequently, the creation of political spaces within the community in which they are installed. Key-words: Community radios; Public sphere; Political spaces 1 – Introdução Este trabalho tem como objetivo principal analisar a relação entre os meios de comunicação e o espaço político local, por meio das rádios comunitárias. Estas se apresentam como um objeto de interesse da geografia política em razão do seu histórico de debates com a comunidade, pela importância da escala local para o 1 - Mestranda do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Bolsista Nota 10 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ.. E-mail de contato: [email protected] 7333 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO estudo deste fenômeno, pelos diversos usos que são dados as mesmas e, por último, por estarem conectadas à construção de espaços políticos dentro da comunidade em que estão instaladas. Ao considerar a efetividade política de um meio de comunicação, Charaudeau (2007) argumenta que todos são regidos por duas lógicas: uma econômica e outra simbólica. O autor entende que a lógica simbólica compreende a vocação que todo meio de comunicação possui para participar diretamente da formação da opinião pública. Desta forma, Ferreira (2006) afirma que o rádio apesar de ser um veículo muitas vezes posto de lado, se relaciona claramente com a formação da opinião pública. Dentro deste quadro, as rádios comunitárias tem se apresentado como um novo elemento, que deve ser objeto de estudo. Estas rádios possuem uma área de alcance bem delimitada (1km), servindo basicamente para comunicação local e divulgação de ações e interesses da própria comunidade, de acordo com Leal (2006), um aspecto importante da radiodifusão comunitária é a obrigatoriedade de uma gestão compartilhada e de um conteúdo que valorize a comunidade. Neste sentido que é possível relacionar o papel das rádios comunitárias à formação da esfera pública proposta por Habermas (1984). Percebe-se que as rádios comunitárias se tornam uma arena pública de discussão e definição de opinião e posicionamento da própria comunidade, dependendo do contexto de sua criação e funcionamento. Portanto, os dados disponíveis sobre o quantitativo destas rádios e as entrevistas já realizadas poderão apontar, inicialmente, qual o papel destas na dinamização dos espaços físicos (Parkinson, 2012) de debate próprios de cada comunidade. Sendo importante questionar quais são estes espaços políticos e qual o papel destas rádios dentro da dinâmica dos mesmos. 2 – Desenvolvimento Lourenço (1997) vincula a discussão das rádios comunitárias com a esfera pública proposta por Habermans (1984) e argumenta que na medida em que existe uma superexposição de um determinado tema – ou uma opinião pública específica – 7334 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO na esfera pública, torna-se inevitável a atenção por parte das autoridades políticas, dando destaque às demandas de comunidades ou grupos menores. Desta forma, o autor acredita que as rádios comunitárias se tornariam uma arena pública de discussão e definição de opinião e posicionamento da própria comunidade, é claro, dependendo do contexto de sua criação e funcionamento. Para Habermas (2003) a esfera pública seria algo entre a vida publica e a vida privada, onde há discussão livre e racional e o debate é público, esta esfera surge como uma nova forma de legitimidade do poder. Neste sentido, esta esfera se refere aos espaços de debate livre sobre questões de interesse comum entre cidadãos considerados iguais, política e moralmente. De acordo com o autor, a esfera pública se apresenta da seguinte forma: Figura 1.0 – Esquema sobre a estrutura da esfera pública. Fonte: Habermas (1984), elaboração própria. Logo, a esfera pública proposta por Habermas não necessita de concretude física, porém é nesta esfera que se forma a opinião pública e onde se atribui intencionalidade política ao debate. Sendo assim, é possível relacioná-la ao papel exercido pelos meios de comunicação em sociedades contemporâneas e ao papel exercido pelas rádios comunitárias em sua concepção. 7335 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Leal (2007) abordará a questão das rádios comunitárias sob o viés do espaço público, muitos autores subsumem a esfera pública proposta por Habermas ao espaço público, neste sentido o espaço público perde sua dimensão concreta e deixa de ser um espaço de visibilidade e de convívio, porém esta questão será abordada adiante. Portanto, a autora entende que à medida que existe a construção de canais dialógicos de comunicação com a esfera pública política (o poder público, o Parlamento) e suas instituições se apresentam como alternativa a concentração do poder decisório, fazendo do espaço público uma instancia concreta de decisões. Todavia, este trabalho compreenderá a questão das rádios comunitárias enquanto uma esfera pública de formação da opinião publica, uma vez que estas não representam um espaço concreto, físico em si, e sim um meio pelo qual os espaços da política em escala local, estes sim concretos, podem ser mobilizados. Neste trabalho utilizaremos a definição de Habermas para esfera pública, conforme já abordado o autor entende esta como uma esfera de mediação entre o público e privado. Porém, o debate a cerca da definição do termo tem apresentado diversas versões, muitos autores utilizam o conceito como sinônimo de espaço público, limitando esta a um espaço concreto e de visibilidade. Portanto, utilizaremos a esfera pública como a esfera de mediação entre o espaço público e o espaço político. Logo, seguindo a definição de Habermas de esfera pública as rádios comunitárias seriam este espaço por excelência, um espaço público abstrato. Contudo, conforme abordaremos mais a frente, ao formar a opinião publica e a esfera pública estas rádios atribuem uma intencionalidade a ação política, que ocorre em espaços concretos de mobilização local. Desta forma, este meio de comunicação consegue, através da formação de uma esfera pública de mediação entre o governo e a vida privada, transformar espaços de publicidade em espaços de ação política voltados para uma agenda pública, apresentando-se como uma forma de mobilização e formação de espaços políticos. Já Ferreira (2006) centra sua discussão no fato de estas rádios comunitárias permitirem a valorização do “local” e o protagonismo do ouvinte, que passa a fazer parte de um espaço em que as mensagens são produzidas, passa a ter voz ativa, e não apenas destinatário da mesma. Desta forma, o caminho percorrido pelas rádios 7336 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO livres e comunitárias e as definições atribuídas ao veículo alimentam a trajetória proposta por este projeto de que estas estão ligadas a construção de um espaço político local, sendo então necessária uma revisão sobre o percurso para a construção do mesmo. Entender a comunicação comunitária como instância importante para a percepção do funcionamento da política para além dos meios institucionais, mesmo que este seja um meio criado e regulamentado pela maquina estatal, revela sua importância para a percepção das espacialidades da política e sua relação com as articulações basistas e formas não institucionalizadas de participação, como as associações de moradores e organizações políticas locais, para Leal (2007) estas rádios seriam meios de manifestação das esferas públicas locais. 2.1 - Da esfera publica ao Espaço Político Local A discussão das rádios comunitárias enquanto espaços de formação da opinião pública se faz necessária para que se possa compreender qual será a função destas na formação dos espaços políticos de decisão e discussão das necessidades e aspirações de uma determinada comunidade. Portanto, é preciso entender qual o papel do espaço político, como ele se forma e qual o papel da esfera pública na mediação entre espaços públicos, de visibilidade, e espaços políticos, da ação política. De acordo com Gomes (2012), o espaço público se caracteriza pelo uso da política como mediação entre os indivíduos livres, pelo principio da publicidade, pela acessibilidade regulamentada e pela isonomia. Para o autor, os espaços públicos, principalmente em grandes cidades, são expressões da grande mistura da sociedade, produzindo um resumo da diversidade da população. Em suas palavras, esses lugares servem como a expressão da “Cena pública”. É possível perceber que neste sentido o espaço público é visto como um cenário, o espaço de visibilidade e de publicidade, logo, a política é utilizada como mecanismo para o convívio entre diferentes e para a regulamentação do uso de um espaço que é público e concreto, de convívio de todos. Contudo, para atingir as aspirações apresentadas neste trabalho é preciso avançar na discussão destes espaços, buscando compreender como a política 7337 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO modifica o uso dos mesmos, bem como quais as transformações que a ação política atribui a eles. Castro (2012) aprofunda a discussão, entendendo que apesar de um espaço público ser em essência um espaço político, estas definições não devem ser reduzidas uma a outra. Em artigo de 2004, a autora afirma que existem dois tipos de espaços públicos, aqueles políticos e não políticos. O espaço não político seria aquele do ver e ser visto, da publicidade, dos iguais. Em contrapartida o espaço público político seria o das regras necessárias ao convívio dos livres diferentes. Neste sentido, Castro (2012) argumenta que um espaço público político seria um território onde interesses se organizam, as ações possuem efeitos necessariamente abrangentes em relação à sociedade e ao uso do espaço. Portanto, a ideia de um espaço da política está relacionada à aceitação de que a política possui autonomia na vida social e que fenômenos políticos podem qualificar o espaço. Para a autora o “espaço político seria aquele circunscrito pelas ações das instituições políticas (instituído) e das forças instituíntes, que lhe conferem um limite, dentro do qual há efeitos identificáveis e mensuráveis” (Castro, 2012). Portanto, em sua concepção, o espaço político é: Delimitado pelas regras e estratégias do poder político; é um espaço dos interesses e de seus conflitos, da norma, do controle e da coerção legitimados pelos atores sociais. Em outras palavras, um espaço político demarca um território onde interesses se organizam, as ações possuem efeitos necessariamente abrangentes em relação à sociedade e ao seu espaço e onde existe a possibilidade do recurso à coerção, pela lei ou pela força legítima. (CASTRO, 1995) Estes espaços se diferem por ser o lugar do livre enfrentamento das diferenças, onde a política é utilizada como forma de mediação dos conflitos e interesses. No caso das comunidades em que as rádios comunitárias se inserem, os espaços políticos seriam justamente os espaços concretos de debate entre os diferentes e da ação política em si, visando aprimorar a convivência social. 7338 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Segundo Lourenço (1997) as rádios comunitárias se tornam uma arena pública de discussão e definição de opinião e posicionamento da própria comunidade, dependendo do contexto de sua criação e funcionamento. Logo, estas rádios podem ser entendidas como mobilizadoras e formadoras de uma esfera pública. Portanto, para que um espaço seja político ele necessita que haja uma ação, dotada de intencionalidade voltada para a construção de uma agenda pública. É neste sentido que pensar as rádios comunitárias como mobilizadoras locais e formadoras de uma esfera pública ajuda a compreender como estes espaços políticos se formam. Partindo-se dessa premissa, é possível pensar que estas rádios também atribuem uma intencionalidade política as ações promovidas nesses espaços concretos, seguindo o esquema a seguir: Figura 1.0 – Esquema sobre a formação de Espaços Políticos e Esfera Pública Formação da opinião pública Espaço Público Espaço Político Esfera Pública Fonte: Elaboração Própria Portanto, este trabalho tentará mostrar qual o papel de um meio de comunicação em escala local para a formação da opinião pública e por consequência de uma esfera pública. É importante perceber que a opinião pública atribui intencionalidade a ação, transformando-a em ação política em seus espaços 7339 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO concretos. Desta forma este espaço se torna necessário para transformar um espaço público em essência, local de visibilidade, em espaço da ação política. Logo, a escolha deste conceito se fundamenta na necessidade de compreender qual o espaço concreto da política local e como ele se forma, entendendo que a existência de um meio de comunicação como o rádio, em escala local, terá um papel diferenciado na formação da opinião pública, na organização destes espaços e na disseminação de ações e decisões estabelecidas nos mesmos, aprimorando assim a prática democrática dentro das localidades em que estão inseridas. 3 – Resultados preliminares Na tentativa de atingir os objetivos propostos neste trabalho, a metodologia elaborada e aplicada consistiu na entrevista com gestores de rádios comunitárias na cidade do Rio de Janeiro, bem como os dados disponíveis sobre as mesmas. Um exemplo taxativo desta relação foi encontrado na entrevista aberta feita com o gestor da rádio Bicuda FM. O movimento Bicuda ecológica surgiu em 1995, após problemas que os moradores da Vila da Penha tiveram com a água e a degradação da serra da Misericórdia (o nome é referência a uma formação rochosa proeminente conhecida como Pedra Bicuda). Em 1998 a rádio surge com o intuito de mobilizar os moradores da região e divulgar a bandeira da rádio. Contudo, algum tempo depois a rádio foi fechada pela falta de outorga e, somente em 2008, após ser transferida para Vaz Lobo, depois de 10 anos de tramitação, a rádio finalmente consegue a outorga do ministério das comunicações e volta a funcionar. Segundo Carlos Osório, diretor da rádio, a mobilização entorno da rádio diminuiu consideravelmente após a mudança de endereço e de bairro. Os moradores da Vila da Penha possuíam uma relação de proximidade com a rádio bem como a bandeira levantada pela rádio se alinha com o tipo de mobilização local. Ainda de acordo com ele, em Vaz Lobo o momento de maior mobilização e apropriação por parte dos moradores foi o da construção do BRT TransCarioca, quando ocorreram diversas remoções. A rádio foi utilizada para divulgar as ações 7340 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO dos moradores em relação a construção do mesmo. Estes fatos evidenciam a relação com a comunidade em que a rádio está inserida. 3 – Considerações Finais O objetivo deste trabalho é mostrar como as rádios comunitárias podem funcionar como um mecanismo de mobilização e se apresentar como uma forma de divulgar as demandas locais e de organizar o cotidiano político. Contudo, o exemplo da rádio Bicuda FM, apesar de mostrar o potencial de uma rádio comunitária, não pode ser vista como a realidade total destas rádios, uma vez que muitas das rádios brasileiras não são usadas de acordo com seus princípios e fundamentos. Portanto, como parte de uma pesquisa de mestrado, este trabalho ainda está em processo de conclusão e o objetivo maior foi mostrar quais as possíveis relações entre as rádios comunitárias, a construção de espaços políticos e o cotidiano local. 4 – Referências Bibliográficas CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias; tradução Angela S.M. Corrêa. 1.ed., 1ª reimpressão. São Paulo. Ed. Contexto, 2007. CASTRO. I. E. de. CORREA.R.L. GOMES. P. C. da C. (org.). Olhares geográficos: modos de ver e viver o espaço. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2012. __________ Explorações Geográficas – Percursos no fim do Século. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2006. _______ Espaços públicos: entre a publicidade e a política. ALCEU - v.4 - n.8 p. 141 a 155 . Rio de Janeiro, 2004. FERREIRA, G. S. N. Rádios comunitárias e poder local: estudo de caso de emissoras legalizadas da região noroeste do estado de São Paulo. p. 1–309, 2006. HABERMANS, J. (1984). The theory of communicative action. Vol 1. 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