MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS REGIONAL NORDESTE Luta pela vida, Contra a Violência. O Direito Humano à Comunicação e as Rádios Comunitárias Ivan Moraes Filho* Não é de hoje que se fala sobre o direito humano à comunicação. No ano de sua fundação (1946), textos oficiais da Organização das Nações Unidas já falavam da “importância transversal da comunicação para o desenvolvimento da humanidade, enquanto um direito humano fundamental - no sentido de básico - por ser pedra de toque de todas as liberdades às quais estão consagradas as Nações Unidas (...) fator essencial de qualquer esforço sério para fomentar a paz e o progresso no mundo...” Mais tarde, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara em seu artigo XIX: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” Três décadas atrás, Jean D’Arcy, trouxe a discussão à tona “Este direito (à comunicação) fundamental esteve implícito e subjacente desde as origens em todas as liberdades conquistadas, tais como a de opinião, de expressão, de imprensa e de informação. Este direito abarca todas as liberdades e que contribui tanto para os indivíduos como para as sociedades (...) para o desenvolvimento harmonioso da humanidade”, escreveu o jornalista francês. Há quem acredite que este direito não vem sendo violado hoje em dia. Que, com o fim dos regimes ditatoriais, o rumo natural da história é que esta “liberdade de expressão” seja cada vez mais contemplada. Acontece, porém, que os problemas gerados por governos totalitários não são os únicos adversários do Direito Humano à Comunicação. Os paises que compõem a Organização dos Estados Americanos reconheceram a necessidade de estabelecer mecanismos de proteção a liberdade de expressão em 1997 criando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e estabelecendo uma relator para a liberdade de expressão. Na carta de princípios básicos, essa relatoria diz que o acesso à informação é obrigação do Estado e esclarece que monopólios e oligopólios conspiram contra a democracia por restringir a pluralidade e diversidade. Quando paramos para analisar o quadro vigente no Brasil, deparamo-nos com o contrário. Dia após dia, vemos a concentração dos meios de comunicação em massa nas mãos de poucos grupos econômicos e políticos. Oito grupos empresariais controlam a comunicação no Brasil: Globo, SBT, Record, Bandeirantes, RBS, Folha, Abril e Estado. Mesmo inconstitucionais, os oligopólios se sustentam através de leis ultrapassadas, que são aplicadas de forma não transparente. O conceito de “liberdade de imprensa”, hoje imposto à sociedade, faz com que os meios de comunicação ajam como se não fossem concessões públicas, muitas vezes violando os demais direitos. Novelas que incentivam a sexualidade precoce, programas policialescos que exploram a 1 II Seminário Nacional sobre Direito à Comunicação Legislação de Radiodifusão Comunitária 11 e 12 de novembro de 2004 AMARC Brasil MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS REGIONAL NORDESTE Luta pela vida, Contra a Violência. violência, shownalismo que vale-se de sexismo, homofobia e racimo para garantir a “audiência”. Falta pluralidade e diversidade. Percebemos que existe a necessidade de que se garanta o respeito aos direitos humanos nos meios de comunicação. E não só. Também o próprio direito humano à comunicação. De se discutir comunicação. De produzir, de participar, de influir na comunicação – não limitando-nos apenas a ser vitimados pelos meios. Enquanto concessões públicas de rádio e TV são distribuídas sem a devida transparência, Meios populares, comunitários e educativos, sem a devida liberação oficial e sem verbas garantidas pelo estado, ficam à margem do processo. Ao invés de fomentados, são reprimidos pelas agências governamentais que poderiam (deveriam) promovê-los. A própria lei que regulamenta a existência das Radcom dá conta de tolher esses meios. Limita alcance, potência, recursos financeiros. Estabelece relações desiguais com veículos de comunicação comerciais. Proíbe a formação de redes e, como se não bastasse, define apenas um canal, quase na extremidade do dial, aos meios comunitários. Há quem afirme a existência de mais de 20 mil rádios comunitárias em todo o território brasileiro. A esmagadora maioria delas está em situação irregular, muitas vezes à mercê da “boa vontade” dos fiscais da Anatel. No Ministério das Comunicações, encontram-se cerca de 10 mil processos de solicitação de operação de radiodifusão comunitária. O próprio ministério declarou que tem condições de expedir apenas 1.500 licenças por ano. Isso quer dizer que, “se tudo correr bem”, estas rádios que estão na fila podem passar mais de 5 anos na “ilegalidade”. Resultado dessa morosidade (da lei) e da intransigência (da Anatel) é que cada vez mais rádios comunitárias vêm sendo fechadas no país. A própria agência governamental afirma que o número de fechamentos aumentou 38% de 2002 para 2003. Só em 25 de outubro de 2004, só em Minas Gerais, um só mandado judicial foi responsável pelo fechamento de 15 rádios. Muitos desses veículos já tinham pedidos de outorga em andamento no Ministério das Comunicações. Mas isso não impediu que os comunicadores fossem presos. Vale lembrar que essa perseguição vai de contra a Convenção Americana de Direitos Humanos, que deu origem ao Pacto de São José, na Costa Rica. Esse documento foi ratificado pelo Brasil em 1992 e dedica o capítulo 13 à liberdade de pensamento e de expressão. Consta do texto: “Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.” Enquanto as políticas públicas para garantir o direito humano à comunicação praticamente inexistem, os rumos da comunicação estão entregues à “lógica do mercado”, em que os objetivos não são necessariamente fazer valer os direitos de todos/as brasileiros/as. Hoje, os poucos que 2 II Seminário Nacional sobre Direito à Comunicação Legislação de Radiodifusão Comunitária 11 e 12 de novembro de 2004 AMARC Brasil MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS REGIONAL NORDESTE Luta pela vida, Contra a Violência. têm voz falam o que querem para os muitos que não têm. Restrita aos especialistas, a discussão sobre essas políticas tem dificuldade para ganhar as ruas. O círculo vicioso assusta. O debate acerca do direito à comunicação não interessa às grandes empresas e não tem espaço nos meios de comunicação de massa. Rádios comunitárias e demais veículos de comunicação populares e comunitários são importantes até para que se discuta a importância das rádios comunitárias e de demais veículos. É fundamental que esse debate não mais se restrinja aos comunicadores e passe a ser pauta de todos os movimentos sociais. Direito fundamental para a radicalização da democracia, a comunicação precisa ser discutida como tal. * Integrante do GT de Comunicação do Movimento Nacional dos Direitos Humanos- NE, do programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire e do Fórum Pernambucano de Comunicação Algumas fontes consultadas e sugeridas: Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (www.indecs.org.br) FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (www.fndc.org.br) Cris - Communication Rights in the Information Society (www.crisinfo.org) Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (www.enecos.org.br) Sete Pontos (www.comunicacao.pro.br/setepontos) Amarc – Associação Mundial de Rádios Comunitárias (www.amarc.org) Convenção Americana de Direitos Humanos (www.tex.pro.br/wwwroot/documentos/pactodesaojosedacostarica.htm) Intervozes (www.intervozes.org.br) Reis, Heitor. Rádios comunitárias e o poder público (http://www.ebooksbrasil.com/eLibris/radiocomunitaria.html) MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS REGIONAL NORDESTE Luta pela vida, Contra a Violência. Rua 27 de Janeiro, 181 – Carmo– Olinda-Pernambuco. CEP: 53.020-020 - Fone/Fax: (81) 3429-3284, Email: [email protected] 3 II Seminário Nacional sobre Direito à Comunicação Legislação de Radiodifusão Comunitária 11 e 12 de novembro de 2004 AMARC Brasil