Bem-vindo. Proibido fotos ou filmagens. Não tirar a camisa. - A primeira vez que eu fui num cinema e que aconteceu alguma coisa comigo foi no cine Piratininga. - Eu sentei lá e de repente eu percebi que sentou alguém do meu lado, mas eu não me toquei eu não estava ali pra caçar. Eu era novo ainda. Quando eu percebi alguém me pegou. Eu senti uma mão me pegar aqui. Mas eu dei um berro que o cara fugiu pra um lado e eu fugi para o outro. - Não é que aquilo me agrediu. Não, não agrediu. É que eu não estava esperando, Me assustei, pois estava distraído assistindo filme. Foi bom porque ai eu comecei a perceber, que não era eu sozinho no mundo que tinha interesse por homem. Eu não era a aberração da humanidade. Existia um núcleo, mas era um núcleo tão escondido, tão escondido que eu teria que procurar quem é. - O namoro começava com a perna. Você encostava a perna no rapaz e sentia se ele queria. Bom, se encostou e ele não tirou, é porque não se sentiu incomodado. Mas houve uma época em que o lanterninha pegava você no flagra. Ele jogava a lanterna em cima de você e chamava a polícia. - Tudo que você faz que não é aceito por uma maioria te e torna um rebelde, um insurgente. Isto tudo não deixa de ter uma característica revolucionária. Porque naquele momento você também está transformando a sociedade. Você está derrubando barreiras, sendo subversivo. - A possibilidade na minha cabeça naquele momento de ter uma relação, vivendo juntos, não existia! Primeiro, que eu não conhecia casais. Homossexualismo pra mim era uma aventura. - O pessoal quando saia na rua pra encontrar alguém, ele saia pra namorar. Ele queria encontrar alguém, precisava encontrar alguém. Porque a família ficava em cima, a sociedade como um todo ficava em cima de você. Deus que me livre, num emprego, você ser descoberto que era “gay”. Então, quando você encontrava alguém que você pudesse desabafar e ser o seu comparsa. Nossa, era um encontro muito bonito, né! - Essa liberação, essa maior tolerância pra mim, chegou tarde demais. Eu fui criado numa sociedade onde ser homossexual era ser criminoso, era ser pecaminoso, uma coisa feia, uma coisa que não se conta uma coisa vergonhosa. Então, o meu desejo foi levado... meu desejo ele foi ensinado a se manifestar somente em situações ligadas à marginalidade: Noite! A palavra noite é feminina já notaram? Dia é masculino: claro, luz, razão, precisão! Noite é feminina: escura, obscura, indefinida, marginal!... Então, meu desejo foi educado para ser avivado em locais tipo barzinhos à noite, becos escuros, saunas... Os tipos de caras que me atraem são caras assim, mais ou menos, que lembram esse ambiente, submundo de coisa assim. Meu desejo foi educado pra isso, como te disse, a liberação veio tarde demais pra mim. Já não dá mais para me reeducar. Eu fui educado para ser marginal. Não dá pra ser mocinho agora com 66 anos. Então, eu vou continuar a ser marginal. - O homem que frequenta o Bailão, vem comportado, vem arrumadinho. Parece que estão indo pra um baile realmente. Então, é aquele: “Tô indo pro bailão! Vou bailar!” O nome do lugar é “ABC Bailão”: amigos bailam comigo. Então eles vieram com os amigos dançar. As pessoas dizem: “Vamos lá no Desmanche?” “Vamos no INSS?”. Mas este tipo de piada não tem sentido: é porque só vem coroa? Mas vem jovem também, vem a mocinha jovem, vem as mulheres. Só porque aqui predomina mais o público masculino, mais maduro? Ditadura a pleno vapor, muita repressão. E a vida virou um grande desbunde. As pessoas diziam: já que eu não posso mudar a sociedade, eu vou me mudar! Eu vou me conhecer, eu vou me realizar, eu vou soltar a franga! As roupas ficaram mais brilhantes, usar aqueles tamancões, né? Homens tinham cabelo comprido. A gente fazia festa, festinha, festa de arromba, surubas... Então vamos fazer um grupo de homens que gostam de homens. No meio deste desbunde deve ter um lugar pra nós! Se não houver a gente caça esse lugar, a gente faz! - Então eu fui levado pelo meu namorado da época a uma festa e nessa festa, eu fiquei conhecendo um líder, que tinha idéias de montar aqui no Brasil um grupo de discussão homossexual... E ele me convidou para uma reunião e aí a coisa começou a se estabelecer. Se chamava grupo “Somos de Libertação Homosexual”. E o “Somos” foi atingindo um gigantismo, um gigantismo que nem mesmo a gente conseguia mais controlar. Então, aquilo mexeu demais com minha cabeça. Tinha outra coisa: dentro do “Somos” nós não separávamos sexo de amor. Pode parecer ridículo eu falar disso hoje, mas não separava. Ao mesmo tempo era amor e era sexo. A gente podia trepar com dez por dia, mas nós amávamos os dez que a gente trepou. - Esses grupos tiveram pouco tempo de vida, uns dois anos. E, quando a Aids chegou... Ela pegou estes grupos completamente desestruturados. Uma comunidade homessexual de um lado apavorada e sem ter a quem recorrer ou o que fazer. - Acho que houve toda a volta da culpa inicial Houve mesmo, da culpa, do pecado, do mau estar, do dedo em riste. As pessoas diziam: “Tá vendo, quem mandou você sair e fazer um sexo que não é considerado o natural, o aceito? – Ai, eu sinto muito a perda deles! O Heitor ele faleceu em janeiro de 96. Quando foi em, março ou abril o coquetel anti-HIV já estava sendo já disponibilizado. E ele era um menino muito inteligente, muito vivo, muito consciente. Ele e outros como o Zezé, o Reinaldo, Paulo, Reginaldo... Às vezes eu fico imaginando como é que eles se sentiriam hoje vendo as paradas gays que tem acontecido. Foram sonhos que eles ajudaram a construir. Coisas que a gente conversava sobre isso. Naquela época era apenas um sonho, a gente achava isso impossível... E, de repente, quando a coisa se concretiza, quando esse sonho começa a se tornar realidade eles não estão aqui para desfrutar disso. Eu acho isso uma sacanagem muito grande! Eu vivo a ver a vida inteira a descobrir o que é o amor. A descobrir o que é o amor Leve pulsar do sol a me queimar Não penso ter a vida inteira Pra guiar meu coração Eu sei que a vida é passageira E o amor que eu tenho não!