IV FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES:
EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS
10 a 12 de novembro de 2010
UFS – Itabaiana/SE, Brasil
ANÁLISE ANTROPOLOGICA ACERCA DA “A EFICÁCIA SIMBÓLICA” NOS
PROCESSOS DE CURA NO CANDOMBLÉ1
Eval Cruz (NPPA/UFS)2
RESUMO
O presente trabalho estabelece uma relação entre magia e cura, a parti do pressuposto de que
as práticas mágicas continuam a ser solicitadas dentro das vertentes afro-brasileiras, a
exemplo do candomblé, através da criação de uma Rede Nacional de Religiões AfroBrasileiras e Saúde unindo, desse modo, a medicina convencional às praticas mágicas. Com
este objetivo, o estudo aborda a questão em foco, à luz de estudos relevantes, como os de
Marcel Mauss, Evans-Pritchard, Lévi-Strauss, dentre outros, que foram instigados pela
temática. A análise realizada aponta que as práticas mágicas interferem positivamente na vida
das pessoas que nelas acreditam, evidenciando desse modo a sua eficácia. Percebe-se que,
para o mal que a medicina não encontrou a cura, as práticas mágicas oferecidas nos terreiros
cooperam minimizando ou sanando o problema posto pelo consulente.
Palavras-chave: Magia; cura; candomblé.
I – INTRODUÇÃO
Há anos a magia tem sido objeto de especulação antropológica por se tratar de um
tema fascinante, que instiga o espírito humano até os dias de hoje. Pode-se dizer que ela está
presente em todas as sociedades e acompanha o homem em sua trajetória, “seja na forma de
práticas e praticantes claramente estabelecidos, [...] seja diluída nos ritos automáticos que
marcam os costumes de um povo, como bater na madeira três vezes dizendo isola!”
(PEIRUCCI, apud, CALAZANS, 2009, p.33).
Neste sentido, procurando entender o fascínio da magia sobre a mente humana,
estudos relevantes, como os de Marcel Mauss, Evans-Pritchard e Lévi-Strauss, dentre outros,
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Texto apresentado no IV FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES: EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS.
UFS/Campus Itabaiana – SE 10 a 12 de Novembro de 2010.
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Mestrando em Antropologia (NPPA/UFS). E-mail: [email protected].
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que foram feitos em diferentes lugares, distintos momentos históricos, serviram, dentre outras
coisas, para responder questões colocadas por esses autores, mas também levantaram
indagações como: o que faz o homem acreditar na magia? Os ritos e os mitos no processo de
cura são eficazes?
Para responder a essas questões, faz-se necessário uma discussão mais aprofundada
sobre alguns trabalhos destes autores para que se possa ter uma resposta plausível às questões
acima colocadas, sendo este o objetivo maior deste texto. Antes, porém, é importante destacar
que magia “pode ser entendida como um empreendimento do homem para evocar mudanças
vantajosas, tentando desviar ou redirecionar o andamento das coisas para colocá-la a seu
serviço.” (BRÜSEKE, 2002, p.67) Assim é que, de acordo com o pensamento de Calazans
(2009), é a partir da manipulação dos símbolos sagrados que se torna possível atingir o que se
deseja, e acrescenta que há sentido na magia e que este aparece através do anseio sobre o
devir por meio do pensamento devidamente focalizado. “Em vez de um mero conjunto de
técnicas obsoletas ela é a impressão do querer humano na possibilidade do acaso.”
(CALAZANS, 2009, p.35).
II - ELEMENTOS MÁGICOS NO PROCESSO DA CURA
A definição de magia foi discutida por Marcel Mauss em seu ensaio, “Esboço de
Uma Teoria da magia”, publicado em parceria com Henri Hubert em 1904. Nele, o autor
relaciona e separa magia de religião, que de acordo com Pereira (2007), não se constitui uma
tarefa fácil, tendo em vista que ambas muitas vezes aparecem juntas, sendo difícil distinguir
uma de outra. Contudo, embora a magia seja um objeto que possua elementos presentes
também na religião, ela pode ser perfeitamente distinta uma vez que possui características
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próprias e inclui agentes, atos e representações que Mauss & Hubert analisam
cuidadosamente.
Ele chama de agente o individuo que executa atos mágicos e manipula os símbolos
sagrados, sendo ou não um profissional.3De acordo com o relato de Mauss & Hubert, os
mágicos são dotados de qualidades especiais que os distinguem dos homens comuns, sendo
estas, adquiridas, congênitas, atribuídas ou a que eles possuem efetivamente. Um agente
mágico pode ser reconhecido por certas peculiaridades físicas, como por exemplo, a cor dos
seus olhos, o modo como gesticula, fala entrecortada, dentre outros.
São tipos nervosos, agitados ou pessoas de uma inteligência anormal para os
meios medíocre nos quais se crê na magia. Gestos bruscos, uma fala
entrecortada, dons oratórios ou poéticos também produzem mágicos. Todos
esses sinais denotam geralmente uma certa nervosidade que,em muitas
sociedades,os mágicos cultivam e que se exaspera durante as cerimônias.
Acontece freqüentemente que estas sejam acompanhadas de verdadeiros
transes nervosos ,crises de histerias,ou então de estados catalépticos.[...]
Desses espetáculos recebe uma impressão forte,que o dispõe a acreditar que
estados anormais são a manifestação de uma força desconhecida que torna a
magia eficaz.Tais fenômenos nervosos,sinais de dons espirituais,qualificam
esse ou aquele individuo para a magia.” (MAUSS & HUBERT,2003,p.64)
Mauss & Hubert (2003) evidenciam que o sexo feminino é reconhecido como mais
hábeis à magia que o sexo masculino, e isto não se deve tanto por seus caracteres físicos, mas
devido a momentos críticos por que passa ao longo de sua trajetória, provocando desse modo
estranhamento e inquietações, o que lhes conferem um status diferenciado na sociedade que é
dado pela consciência coletiva. É, pois, durante a puberdade, períodos das regras, gestação,
partos e depois da menopausa, “que as virtudes mágicas das mulheres atingem sua maior
intensidade. [...] As velhas são feiticeiras; as virgens auxiliares preciosas; o sangue dos
3
De acordo com Mauss & Hubert (2003), há dois tipos de agentes mágicos. O profissional especialista e o mágico de ocasião
– individuo praticantes da magia popular, tendo “por ministros apenas os chefes de família ou as donas de casa. Muitos, aliás,
preferem não agir eles próprios, abrigando-se por trás dos mais experientes ou mais hábeis. A maioria hesita,seja por
escrúpulos,seja por falta de confiança em si mesmos. Há alguns que recusa tomar conhecimento de uma receita útil(MAUSS &
HUBERT,2003,p.62)
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mênstruos e outros produtos são elementos específicos geralmente utilizados”. (MAUSS &
HUBERT, 2003, p.65). Sabe-se também que elas são mais sensíveis a histeria e, no período
de crise, mostram-se detentoras de uma autoridade sobrenatural. (MAUSS, 2003)
Os mágicos exercem uma autoridade política considerável, são atores sociais com
grande poder de persuasão dentro de determinado grupo. Essa posição está relacionada ao
poder e conhecimento considerado especial e mágico sobre as coisas. São essas virtudes neles
contidas que os difere dos demais, dando-lhes uma posição de destaque dentro da sociedade
da qual faz parte. “Além desse poder geral sobre as coisas, o mágico possui poderes sobre si
próprio que constituem o principal da sua força. Sua vontade faz que efetue movimentos dos
quais os outros são incapazes.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.70). Todavia, para que possa
agir com toda sapiência que lhe é peculiar, deve passar por um processo de aprendizagem
especial.
A introdução à sociedade mágica não se dá sem um ritual. O noviço sai do meio
comum e se recolhe normalmente na floresta, onde passa por um processo de aprendizagem
especial, onde ele morre simbolicamente, permanecendo assim até o final do processo. Ao
final deste, o neófito renasce como um novo nome, uma mova pessoa dotada de uma potência
que legitimará a sua autoridade mágica. “Para os grupos, assim como para os indivíduos,
viver é continuar desagrega-se e reconstruir-se, mudar de estado e de forma, morrer e
renascer. É agir e depois parar, esperar e repousar, para recomeçar em seguida a agir, porém
de modo diferente”. (VAN GENNEP, 1978, p.157).
Na análise de Mauss & Hubert (2003), os atos do mágico correspondem aos ritos,
que se apresentam de forma simples ou de modo muito complexos. Para a cerimônia mágica,
deve-se obedecer a algumas condições necessárias a sua realização como o dia, a hora, o
lugar, tendo em vista que o ritual não se faz de modo aleatório, mas possui verdadeiros
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santuários, do mesmo modo que na religião. Assim, entende-se que determinados rituais
devem ser feitos à noite ou a certas horas do dia ou em lugares determinados:
Os cemitérios, as encruzilhadas e a floresta, os pântanos e as fossas dos
detritos, todos os lugares onde habitam as almas do outro mundo e os
demônios, são para a magia lugares de predileção. Pratica-se a magia nos
limites das aldeias e dos campos, nas soleiras, nas lareiras, nos telhados, nas
vigas centrais, nas ruas, nas estradas, nas pegadas, em todo lugar que tenha
uma determinação qualquer. O mínimo de qualificação que se pode exigir é
que o lugar tenha uma correlação suficiente com o rito; para enfeitiçar um
inimigo, cospe-se sobre sua casa ou diante dele. Na falta de outra
determinação, o mágico traça um circulo ou um quadro mágico, um
templum, em torno de si, e é aí que ele trabalha (MAUSS & HUBERT, 2003,
p.83).
É importante resultar que no caso da natureza dos ritos, eles “compreende ao mesmo
tempo ritos manuais e ritos orais.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.87). O primeiro pode ser
entendido como objetos produzidos ritualmente pelo mágico para um determinado fim;
enquanto o segundo são as encantações, hinos preces, juramentos, dentre outros, proferidos
em um dado ritual. “Assim, o encantamento oral completa, especifica o rito manual, que ele
pode suplantar” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.93). Já as representações, terceiro elemento
da magia, Mauss & Hubert (2003) as classificam em impessoais (leis da magia) e pessoais.
Aqui, me deterei apenas às leis da magia, que são três: “[...] de contigüidade, de similaridade
e de contraste: as coisas em contato estão ou permanece unidas, o semelhante produz o
semelhante, o contrário age sobre o contrário.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.100). Eram
essas leis que dominavam a magia, aqui entendida como incubadora da ciência que estava pra
nascer, neste sentido esclarece: “Acrescentamos que a magia faz a função da ciência e ocupa
o lugar das ciências por nascer. Esse caráter científico da magia foi geralmente percebido e
intencionalmente cultivado pelos mágicos.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.100).
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No tocante à contigüidade, esta implica dizer que o todo está nas partes, portanto, as
partes contêm a essência do todo de uma coisa ou pessoa. Logo, as unhas de uma pessoa, por
exemplo, o representa por inteiro. Mas, há outros desdobramentos desta lei, de modo que
aquilo que está em contato com a pessoa, “[...] as roupas, a marca das pessoas, a do corpo
sobre a relva ou no leito, o leito, o assento, os objetos que usa habitualmente, brinquedos e
outros, são assimiladas às partes destacadas do corpo. [...]” (MAUSS & HUBERT, 2003,
p.101). A segunda lei, a da similaridade, é menos direta e possui duas fórmulas principais que
são: “[...] o semelhante evoca o semelhante, similia similibus evocantur, o semelhante age
sobre o semelhante e, cura o semelhante, similia similibus curantur”. (MAUSS & HUBERT,
2003, p.104).
Ao examinar a primeira fórmula, o semelhante evoca o semelhante, os autores
perceberam que a similaridade evoca a contigüidade, isto é, “[...] a imagem está para a coisa
assim como a parte para o todo.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.104). Dito de outro modo,
esta imagem representa algo ou alguém. Contudo, acrescentam Mauss & Hubert (2003),
existem outros elementos que substitui a imagem, para tanto, basta fazer menção mental de
um substituto eventual (anel, animal, cordão, etc.) e que estes represente a pessoa em questão.
Na segunda fórmula analisada por Mauss e Hubert, o semelhante age sobre o semelhante e,
cura o semelhante, entende-se que para atingir o fim desejado, basta o mágico comparar
determinado elemento que pode ser usados num ritual, como o que se pretende atingir. Um
exemplo claro é dado por Brüseke (2004), ao dizer que doenças do coração poderiam ser
curadas com folhas parecidas com os contornos do coração, bem como as semelhantes às
orelhas, faziam ouvir. E por último e não menos importante, a lei da contrariedade. Aqui se
entende que assim como o “[...] semelhante age sobre o semelhante [...],” o oposto também
pode acontecer, isto é, “[...] o contrário expulsa seu contrário suscitando seu semelhante”.
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(MAUSS & HUBERT, 2003, p.106/107). Assim, conforme Montero (1986), quando através
de um ritual, um mago chama a chuva ao deitar água no solo, para acabar com a seca, a lei da
contrariedade é acionada, uma vez que, “[...] a água atrai a chuva fazendo partir seu contrário,
a seca [...].” (MONTERO, 1986, p.29).
Entende-se que para o estudo da magia se faz necessário compreender, mesmo que
minimamente, os três elementos da magia que Mauss & Hubert analisaram. Assim, através da
exposição evidenciou-se que somente é mágico o individuo que pratica magia, mesmo que
seja um mágico de ocasião, sendo este,
[...] qualificado pela sociedade mágica da qual faz parte e, sempre, pela
sociedade em geral. [...] Os atos são ritos e repetem-se por tradição. Quanto
às representações, umas são tomadas de empréstimos a outros domínios da
vida social [...], as outras, em fim, não procedem das observações nem das
reflexões do indivíduo, e sua aplicação não se presta à iniciativa deste, pois
há receitas e fórmulas que a tradição impõe e que se utilizam sem exame
(MAUSS & HUBERT, 2003, p.124).
A magia, que permeia todas as sociedades de que se tem conhecimento, não
entrou em descrédito, prova disso é que as pessoas em diversas culturas ainda hoje fazem uso
dela, nos levando a concluir que ela está viva, e cada vez mais presente na vida das pessoas.
Ora, se ela continua sendo solicitada para atingir os mais variados propósitos é por que
alguma eficácia ela possui, caso contrário,estaria em completo desuso. Aqui talvez seja
oportuno perguntar: o que faz o homem acreditar na magia? Sabe-se que ela é dotada de uma
autoridade que faz os crentes ter confiança na eficácia de seus ritos, sendo, pois, a consciência
coletiva a responsável por legitimar esse poder e autoridade que a magia possui. Assim, as
pessoas acreditam na magia porque há uma crença posta pela coletividade de que ela funciona
e, portanto, é eficaz. “As pessoas confiam nos magos porque aprenderam a confiar,seja pela
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experiência declarada de outros indivíduos,seja por sua própria. Crê-se na magia porque ela é
percebida.” (CALAZANS, 2009, p.38).
A eficácia dos ritos e mitos dentro desse universo mágico, talvez se dê em
virtude de um poder místico, que Mauss & Hubert (2003) chamaram de mana. Esta palavra
está presente entre os malineses e polinésios, podendo significar ao mesmo tempo um
substantivo, adjetivo ou mesmo um verbo. Sendo assim, pode-se dizer que um determinado
objeto como uma pedra, por exemplo, é mana ou que o mágico está impregnado de mana.
Aqui se entende que mana não é só uma força, ou um ser, “[...] é também uma ação, uma
qualidade e um estado. [...], reunidas num único vocábulo, uma série de noções, [...] Ela
realiza aquela confusão do agente, do rito e das coisas que nos pareceu ser fundamental em
magia.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.142/143). Percebe-se que é o mana que atribui poder
mágico às coisas e às pessoas. Logo, acredita-se que essa força, este ser ou ação é o que as
leva acreditar na magia e em sua eficácia, tendo em vista que ela é “[...] sucessivamente e ao
mesmo tempo qualidade, substância, e atividade.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.143).
Segundo Mauss & Hubert (2003), ela é qualidade, quando determinada coisa esta carregada
dessa energia, por exemplo, quando se acredita que determinadas ervas destinadas a algum
tratamento mágico carrega consigo o mana. Dito de outro modo as erva estão impregnadas da
essência do mana. Por outro lado ela é uma substância que pode ser manipulada por alguém
com mana e num rito, mas ao mesmo tempo ele é autônomo, isto é, independente. O mana
ainda pode ser entendido como uma força que torna as criatura espirituais mágicas.4 Mana é
tudo. Ele é a eficácia do rito, a energia que domina e orienta o mágico no ritual, ele é também
4
As criaturas espirituais a que Mauss se refere nesta passagem são as almas dos antepassados e os espíritos da natureza.
Os espíritos da natureza são dotados dessa energia, mas nem todas as almas dos mortos são. Desse modo, somente “as
almas dos chefes, quanto muito às almas dos chefes de família [...] cuja mana se manifestou em vida ou por milagre depois da
morte.” (MAUSS & HUBERT, 2003, p.144).
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as fórmulas mágicas prescritas pelo mágico. Porém, salientam Mauss & Hubert (2003), os
ritos não são apenas dotados de mana, eles são o próprio mana, e acrescenta:
[...] o mana é a força por excelência, a eficácia verdadeira das coisas, que
corrobora, sem aniquilar, a ação mecânica delas. É ele que faz que a rede
pegue, que a casa seja sólida, que a canoa mantenha-se firme do mar. No
campo ele é a fertilidade; nos medicamentos, é a virtude salutar ou mortal.
Na flecha,é o que mata,sendo aqui representada pelo osso de morto de que a
flecha é munida. [...] Ele não pode ser objeto de experiência, pois em
verdade absorve a experiência; o rito acrescenta-o às coisas, e ele é da
mesma natureza que o rito. [...] ele é, ao mesmo tempo, sobrenatural e
natural, já que está espalhado em todo o muno sensível, ao qual é
heterogêneo e, no entanto imanente. (MAUSS & HUBERT, 2003, p.145).
Enfim, Mauss & Hubert (2003) concebem o mana como algo enigmático, mas
que se faz entender a partir de seus resultados; distante, mas que se comunica através de sua
força; invisível, mas que pode ser sentido através de seus efeitos. Ele “[...] é um meio que
funciona no meio que é o mana. [...] Ele é uma espécie de mundo interno e especial, onde
tudo se passa como se ali somente o mana estivesse em jogo.” (MAUSS & HUBERT, 2003,
p.146).
Evans-Pritchard (2005) por sua vez, nos apresenta a crença Azande em
bruxaria, oráculos5 e magia. Os Azande entendiam que determinados indivíduos eram bruxos
por possuir uma qualidade intrínseca, ou melhor, a bruxaria era uma substância encontrada no
interior dos certos indivíduos6 e herdada por descendência unilinear, isto é, se o pai de um
5
Oráculos - são divindades que consultadas, expressam uma verdade irrefutável, permitem que a vítima encontre o causador
do seu infortúnio.
6
Segundo Evans-Pritchard (2005), a substância bruxaria poderia ser encontrada num exame pós-morte, O exame consiste em
abrir o corpo do morto e verificar se em seu intestino encontra-se a substância bruxaria, Isto é, uma bolsa ou inchação
enegrecida e oval encontrada no interior dos intestinos do acusado. Nessa autópsia, devem estar presentes tanto os
acusadores como os defensores do morto. Se na ocasião for constatado que aquela pessoa era um bruxo, fica evidenciada
que toda a sua descendência também o é. Caso não seja encontrada a substância bruxaria em seu intestino, a família do
morto poderá usar parte do intestino e surrar a família dos acusadores.
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homem fosse bruxo ele o seria, mas suas filhas não; ou no caso de se confirmar a bruxaria na
mãe, a filha também era tida como bruxa, mas seus filhos não. Estes povos procuraram
distinguir o bruxo, o feiticeiro e os adivinhos. Pra eles, “Um bruxo não pratica ritos, não
profere encantações e não possui drogas mágicas. Um ato de bruxaria é um ato psíquico.”
(EVANS-PRITCHARD, 2005, p.33). Enquanto que o feiticeiro era aquele individuo que
pratica a magia negra. Magia ilícita, portanto, imoral porque “[...] não faz nem dá justiça. [...]
É uma arma pessoal, voltada contra alguém de quem o feiticeiro não gosta.” (EVANSPRITCHARD, 2005, p.198). Assim, caso uma pessoa fosse prejudicada por um bruxo ou
feiticeiro, poderia recorrer aos oráculos ou aos adivinhos. Este último era vistos com bons
olhos pela sociedade por se tratar de uma pessoa influente, com poderes mágicos especiais
para descobrir e combater a bruxaria, ou seja, ele praticava a magia branca, cuja finalidade
maior era combater o mal e, desse modo, aplicar a justiça. “A magia dá-lhe o poder de
enxergar dentro do coração do homem e de revelar suas intenções malignas. [...] Esta é uma
condição que indubitavelmente aumenta o prestígio dos adivinhos” (EVANS-PRITCHARD,
2005, p.129). Aqui é importante salientar que, as curas mágicas se realizavam dentro de um
universo teatralizado, onde as músicas, as danças, as drogas mágicas e outros elementos do
ritual envolvidos pelo que Mauss & Hubert chamou de mana, corroboravam para atingir o fim
desejado.
Pode parecer estranho ao homem contemporâneo a crença Azande na magia, mas é
importante perceber que as pessoas a procuravam porque acreditavam em sua eficácia, no
poder de cura que as ervas mágicas podia oferecer aos diversos males que acometia os
homens daquela sociedade, desde um simples mal estar, a males maiores como a bruxaria.
Assim recorria-se ao mago que prepara as ervas em cerimônia mágica, que segundo
observação de Evans-Pritchard (2005), eram seguidos de encantações verbais, onde o mágico
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falava às ervas o que ela deveria fazer para atingir o fim desejado. Diz também que esses
encantamentos não funcionavam como fórmulas, não havendo, pois, “[...] poder na
enunciação em si mesma; é preciso apenas que o significado das palavras seja claro, porque as
drogas têm uma missão a cumprir e precisam conhecer exatamente sua tarefa.” (EVANSPRITCHARD, 2005, p.187). Assim, a magia atendia a todos os anseios do consulente. Neste
sentido, havia uma variedade de pedidos que o mágico deveria atender e, portando,
recomendar drogas que fossem eficazes na realização de cada pedido. Portanto, percebe-se
que havia drogas mágicas para fazer chover, fertilizar o solo, drogas para dar invisibilidade ao
caçador ou ainda, drogas para assegurar trocas vantajosas em determinada negociação.
“Assim, a morte evoca a noção de bruxaria; os oráculos são consultados para determinar o
curso da vingança; a magia é feita para executar essa vingança; os oráculos decidem se a
magia executou a vingança; depois da tarefa cumprida, as drogas mágicas são destruídas.”
(EVANS-PRITCHARD, 2005, p.228).
Para aprofundar um pouco mais nossa discussão é oportuno incluir Lévi-Strauss no
debate, uma vez que seu esclarecimento sobre magia poderá dizer se os ritos e mitos são
eficazes no processo da cura. Nesse sentido, a questão aqui levantada será demonstrada no
célebre artigo “A Eficácia Simbólica”, publicado pela primeira vez em 1949. Nele o autor
traz um exemplo de um rito cujo objetivo é auxiliar uma parturiente a dar a luz num parto
difícil. Para tanto o xamã, a partir de um canto, recorreu aos mitos para devolver a cura ao
doente que jazia em perigo de morte. Assim, segundo Lévi-Strauss (1967) o canto efetuado no
ritual parece ser comum, onde a partir de sua entoação percebe e entende-se que o doente esta
sofrendo porque “[...] perdeu um de sues duplo particulares, cujo conjunto constitui sua força
vital. [...]”. Desse modo, a função do xamã é reunir seus assistentes, que são espíritos
protetores, para que possam adentrar “[...] ao mundo sobrenatural para arrancar o duplo do
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espírito maligno que o capturou e, restituindo-o ao seu proprietário, assegure a cura”. (LÉVISTRAUSS, 1967, p.217).
A cura começa com a teatralização do xamã que reproduz o mito com toda a sua
intensidade, a doente que acredita nele, ao público ali presente que acredita neste sistema e,
claro, a ele próprio, que acredita nas suas técnicas. Seu objetivo neste desempenho era
conduzir a doente que vivia uma situação real ao mito, para que assim ela pudesse reagir e se
restabelecer. “As técnicas da narrativa visam, pois, reconstituir uma experiência real, onde o
mito se limita a substituir os protagonistas.” (LÉVI-STRAUSS, 1967, p.225). Assim, entendese que a cura acontece porque a doente acredita na mitologia apresentada pelo xamã e os
membros da sociedade da qual faz parte também compartilha dessa mesma crença, o que ela
não aceita é aquele estado de dores insuportáveis, mas de acordo com Lévi-Strauss (1967), a
partir do apelo que se faz ao mito, o xamã pode e reverte a situação e a doente sara.
É importante destacar que em nenhum momento o xamã tocou o corpo do dente ou
lhe deu alguma droga, na verdade o que ele lhe ofereceu foi apenas o mito, que lhe fora
apresentada em um ritual, do qual fizeram parte a doente, o público e o feiticeiro. Ele ofereceu
a sua paciente apenas palavras que lhe serviram de antídoto, desbloqueando e reorganizando
todo o seu organismo. Neste sentido Lévi-Strauss (1967) aproxima a cura xamanística à
psicanálise, tendo em vista que nos dois casos, “[...] propõe-se conduzir à consciência
conflitos e resistências até então conservados inconscientes [...]”. (LÉVI-STRAUSS, 1967,
p.229). No primeiro caso, o problema é de ordem orgânica – parto difícil - enquanto no
segundo caso, a psicanálise, o problema é de ordem psíquica. Em ambos os casos o que se
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pretende é a cura. Para tanto, toma-se o mito7 para que o doente possa viver. Assim, para que
haja uma ab-reação8 e esta se torne uma ad-reação,
[...] o psicanalista escuta, ao passo que o xamã fala. Melhor ainda: quando as
transferências se organizam, o doente faz falar ao psicanalista, emprestandolhes sentimentos e intenções supostos; ao contrario, na encantação, o xamã
fala por seu doente. Ele a interroga, e põe em sua boca réplicas que
correspondem á interpretação de seu estado, do qual ela se deve
compenetrar. (LÉVI-STRAUSS, 1967, p.230).
A crença do homem, principalmente do brasileiro na magia, é bem maior do que se
pensa. Tanto que, segundo Silva (2007), foi criada a Rede Nacional de Religiões AfroBrasileiras e Saúde9, cujo objetivo maior é “lutar pelo direito humano a saúde” (SILVA,
2007, p.173). Para tanto, uni a medicina convencional, as praticas mágicas, tendo em vistas
que há situações em que o indivíduo que procura um consultório médico não obtém a cura
desejada, encontrando-a dentro dos espaços onde se cultuam as divindades mágicas.Aqui as
queixas dos consulentes são as mais diversas,desde uma simples dor de cabeça, depressão,
hipertensão, a doença que a medicina desconhece.Logo entende-se que para o mal que a
medicina não encontrou a cura, “as práticas terapêuticas dos terreiros contribuíam para
minimizá-los ou acabar com eles”. (SILVA, 2007, p.173) Desse modo, segundo relato de
silva (2007), entende-se que as praticas mágicas aí efetuadas, interferem positivamente na
vida das pessoas que nelas acreditam.
Percebe-se que, embora sejam as curas mágicas desacreditada por muitas pessoas,
nos espaços de cultos das vertentes afro-brasileiras como candomblé, jurema, xangó,
7
Aqui, de acordo com Lévi-Strauss (1967), entende-se mito de duas maneiras: individual e social. O mito social e aquele que
faz parte do universo coletivo, vindo do exterior; já o mito individual é construído a partir de elementos do passado.
8
De acordo com Laplanche e Pontalis (1998), ab-reação é uma descarga pela qual um sujeito se liberta do seu afeto ligado à
recordação de um acontecimento traumático. Esse fenômeno ocorre durante a psicoterapia por efeito de hipnose ou de modo
espontâneo.
9
Conforme relata Silva, a Rede foi criada em março de 2003 durante o II Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e
Saúde em São Luis do Maranhão. (SILVA, 2007, p.172)
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encantaria, dentre outras, as práticas mágicas ainda continuam sendo muito solicitadas para
atingir os mais variados fins, incluindo entre estes, a cura. Aqui uma quantidade significativas
de pessoas procuram os agentes mágicos (sacerdotes ou sacerdotisa) que invocam as
entidades mágicas, esperando que estas respondam aos diversos pedidos colocados por seus
consulentes. Onde de acordo com Vaz & Campos (2009), se comprova que a eficácia dos atos
praticados nesses ambientes, passa primeiro pela crença do agente mágico estendendo-se aos
membros da comunidade que também partilha dessa crença e,claro ao consulente. Assim,
entende-se que “[...] pais e mães-de-santo além de acreditarem eles próprios em sua magia
levam a coletividade a acreditar nele e em suas práticas mágicas. Daí a eficácia de suas
ações.” (VAZ & CAMPOS, 2009, p.6).
Em conversas informais com a sacerdotisa da Irmandade Santa Bárbara Virgem,
esta relatou que o número de pessoas que procuram as orientações dos orixás para resolver
problemas de saúde não é pequeno, nem tão pouco recente. Antes, salienta a sacerdotisa, “as
pessoas que procuravam por esse auxílio com mais frênica eram os próprios integrantes da
Irmandade. Hoje, pessoas externas à comunidade procuram também.” Não há, segundo o
relato da sacerdotisa, um número preciso da quantidade de pessoas que a procura no intuito de
serem alcançados por algum benéfico, mas afirma que “é constante a busca por ajuda e
certamente esse número pode vir a crescer com o tempo.” Ela acredita que o número de
pessoas pode crescer tendo em vista que as pessoas que tem seus pedidos alcançados, e não
são poucos, sempre voltam outra vez e podem trazer novas pessoas em busca do mesmo
recurso. E acrescenta: “quando falo não me refiro unicamente em relação a medicamentos,
mas ajuda de diversas formas”.
As pessoas acreditam na magia, não há dúvidas. Como é notória a sua eficácia nos
processos da cura e em outros problemas colocados pelos consulentes, caso contrário, ela não
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seria tão solicitada como bem evidenciou nossa sacerdotisa. Porém, para ser alcançado por
essas virtudes mágicas é preciso fé, pois sem esse elemento esse processo mágico não
funciona, questão bem pontuada por Bárbara que salientou:
As pessoas vêm em busca de ajuda e conseguem alcançar o que desejam,
ficam muito agradecidas e sempre retornam a casa. Então, passa-se a
construir laços de amizades e fé principalmente, pois sem esta não há
nenhum resultado favorável.
III - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por objetivo responder a duas questões proposta no inicio
deste texto. A primeira questão diz respeito à crença do homem na magia, ou seja, o que faz o
homem acreditar na magia? A segunda questão se refere à eficácia dos ritos e mitos, sendo
assim perguntou-se: Os ritos e os mitos no processo de cura são eficazes? Sendo assim,
verificou-se que as pessoas acreditam na magia porque há uma crença posta pela coletividade
de que ela funciona e, portanto, é eficaz. Neste sentido, as pessoas a procuram porque há
testemunhos de indivíduos que foram alcançados por ela. “Crê-se na magia porque ela é
percebida.” (CALAZANS, 2009, p.38).
Acredita-se na eficácia dos ritos e mitos por eles estarem datados de uma potência,
de uma virtude e poder mágico, que Mauss & Hubert (2003) chamaram de mana. Desse
modo, entende-se que é o mana que atribui poder mágico as coisas, as pessoas. Logo,
acredita-se que essa força, este ser ou ação é o que leva as pessoas acreditarem na magia e em
sua eficácia. No entanto para ser alcançada por ela, é necessário que o mágico acredite na
magia, que o doente tenha fé nos ritos e mitos e que os membros da sociedade da qual fazem
parte também compartilhe dessa mesma crença, e desse modo, haverá um equilíbrio na
realização do processo da cura.
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A cerca da realidade brasileira, observou-se que as praticas mágicas ainda continuam
sendo muito solicitadas dentro das vertentes afro-brasileiras, Tanto que foi criada em 2003 a
Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde. Ela uniu o conhecimento médico às
praticas mágica, para que desse modo, possa oferecer saúde e bem estar aqueles que a buscam
e acreditam nelas. Assim, acreditam nos agentes mágicos porque eles são dotados de poderes
sobrenaturais e que com médicos curam, se não todos, mas um aparte daqueles que lhes
procuram, pois se não houvesse uma eficácia mínima nos ritos e mitos por eles evocados, não
se conheceria “a vasta difusão que os caracteriza, no tempo e no espaço” (LÉVI-STRAUSS,
1967, p.208).
IV – REFERENCIAS
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2004, p.167-218.
Disponível: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2005/1752. Acesso
em 04 de abril de 2010.
CALAZANS, Diego Rodrigues Souto. Violência magia e Técnica. São Cristóvão, 2009.
Dissertação de mestrado.
EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande. Rio de Janeiro:
Zahar, 2005.
GENNEP, Arnold Van. Os Ritos de Passagem. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editoras Vozes,
1978.
LAPLANCHE, J; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 1967.
MAUSS, Marcel. Esboço de uma teoria geral da magia. Sociologia e Antropologia. São
Paulo: Cosac Naify, 2003.
MONTERO, Paula. Magia e pensamento Mágico. São Paulo: Ática, 1986.
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VAZ, Maria da Penha de Carvalho; CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira Campos. AS
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