CIDADANIA PUBLICIDADE PUBLICIDADE pelo Estado e pela sociedade. “A resolução é imprescindível para que sejam assegurados os direitos de todos. Por isso a Anvisa é competente para legislar sobre publicidade”, completou Batalha. Uma solução legal Com o objetivo de reduzir o consumo de álcool no país, o governo utilizou instrumentos legais para regular publicidade de cervejas no rádio e na TV 32 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou no fim de maio uma resolução para limitar o horário da propaganda de bebidas alcoólicas com teor a partir de 0,5 grau Gay Lussac (GL), no rádio e na TV, o que inclui cervejas, vinhos e espumantes, considerados bebidas não-alcoólicas para fins publicitários. As propagandas não poderão ser veiculadas entre 8h e 21h. A resolução está atrelada ao decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assinado no dia 23 passado, que instituiu uma nova Política Nacional sobre o Álcool (PNA), tratando o problema como questão de saúde pública. O que existia antes era a Lei no 9294/96, que regulamentava a veiculação de propaganda de bebidas acima de 13 graus GL nas emissoras de rádio e TV. A resolução da Anvisa conta com o apoio do Idec desde quando a agência Revista do Idec | Junho 2007 realizou a consulta pública sobre o assunto, em 2005. Mas o assunto vem sendo discutido desde 2003 por um grupo de trabalho criado pela Presidência da República. Entidades representativas relacionadas à publicidade, como o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) criticaram publicamente a resolução, tachando-a de inconstitucional. No total, onze entidades alegam que, segundo o artigo 220 da Constituição, que dispõe sobre a liberdade de expressão, a Anvisa não tem atribuições legais para legislar sobre publicidade. “A postura do Idec demonstra apenas uma preocupação sobre o mérito e não sobre a forma como isso está sendo feito”, contestou Marcos Mesquita, superinten- PANZICA AUTO-REGULAMENTAÇÃO dente do Sindicato Nacional da Indústria de Cerveja (Sindcerv). Porém, para o Instituto, tal medida é indiscutivelmente constitucional e legal. “A corajosa medida está de acordo com o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe a publicidade enganosa, que ilude o consumidor, e a publicidade abusiva e antiética de qualquer espécie”, declarou Daniela Batalha, advogada do Idec e membro do Conselho Nacional de Saúde, referindo-se ao artigo 37 do CDC. Além disso, a Constituição protege a publicidade no título “Da Ordem Econômica e Financeira”, e não no capítulo sobre comunicação social, como o setor interessado coloca. A Carta resguarda as liberdades, o direito à saúde, e prima pela proteção integral da infância, segundo o artigo 227, que estabelece que a infância e a juventude devem ser protegidas O que as entidades do setor de propaganda defendem é a auto-regulamentação já existente, feita pelo Conar em 1980. Porém, uma pesquisa realizada pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), demonstra que as regras do código de auto-regulamentação do Conar são violadas. Dentre as 32 propagandas de cerveja e bebidas ICE veiculadas no verão de 2005/2006 e durante os jogos da Copa do Mundo de 2006, foram selecionadas as 5 mais populares entre os adolescentes. Um grupo de 282 adolescentes foi convidado a avaliá-las a partir de um questionário baseado nas regras do código de auto-regulamentação. Os adolescentes não sabiam que estavam julgando os comerciais de acordo com essas regras. O que mais chamou a atenção no estudo, financiado pela Fundação para a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi o desrespeito às regras destinadas à proteção de crianças e adolescentes. Todas as cinco propagandas a violaram, segundo os avaliadores. A regra que pretende regular a exploração do erotismo foi violada em quatro das cinco propagandas. Com relação à proibição de cena, ilustração, áudio ou vídeo que apresente a ingestão do produto, seja de forma moderada ou imoderada, quase todos os adolescentes concordaram que foi violada. Em uma das propagandas assistidas, 97,5% responderam que houve violação da regra. “Das dezesseis regras do código avaliadas, doze não foram cumpridas. Isso demonstra claramente que a auto-regulamentação não funciona”, concluiu uma das coordenadoras da pesquisa, dra. Ilana Pinsky, professora do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e do Departamento de Pesquisa em Álcool e Drogas da universidade. A pesquisadora também observa que, independentemente do horário de exibição, o conteúdo dos comerciais de TV avaliados foi julgado como atrativo ao público adolescente, além de incentivar o consumo abusivo e irresponsável de álcool. “Embora a regulamentação da Anvisa seja vista como algo positivo para disciplinar as propagandas de cerveja, a limitação da veiculação em horários determinados não vai evitar a exposição de crianças e adolescentes às propagandas de cerveja. O que tenho visto em outras tantas pesquisas é que a proibição total das propagandas funciona mais”, explicou a médica. Celebridades emprestam fama a anúncios de cerveja Revista do Idec | Junho 2007 33 FAZENDO JUSTIÇA PUBLICIDADE Necessidade de políticas públicas o decreto presidencial, quanto Tsadosanto à resolução da Anvisa, foram penpara enquadrar as bebidas com com ONGs para reintegrar os pacientes; a realização de novas pesquisas de comportamento para verificar a relação da bebida com os acidentes de trânsito; a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais e em locais próximos a escolas e hospitais. Também está prevista uma campanha para esclarecer sobre os males do álcool. Grande parte da população ainda associa seu consumo ao lazer. Poucos sabem, por exemplo, que o gasto do Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2002 e 2006 ultrapassou R$ 40 milhões no tratamento de dependentes. Mais da metade das internações psiquiátricas têm relação com bebidas alcoólicas, segundo o Ministério da Saúde. Já o 2o Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, de 2005, demonstram que 12,3% dos entrevistados com idade entre 12 e 65 anos são dependentes do álcool. Das quase 8 mil pessoas ouvidas, 74,6% já haviam teor abaixo dos 13 graus GL. “Enquanto não se modifica a Lei no 9294/96, que regula a publicidade de álcool de bebidas acima dos 13 graus GL, é preciso criar instrumentos para regular as outras bebidas, principalmente as cervejas”, observa Daniela Batalha. A dificuldade de mudança na lei está relacionada ao lobby poderoso da indústria de cervejas, que faturou R$ 22 bilhões só no ano passado e investe R$ 700 milhões em publicidade ao ano, excluídas as contribuições para campanhas políticas. O decreto presidencial pretende promover ações de combate ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas na sociedade em geral e entre grupos específicos, como menores de idade, índios, agricultores e grávidas. Entre as principais medidas do decreto estão: ampliação de vagas para tratamento na rede pública e a parceria Alto teor de machismo Todo verão é sempre a mesma coisa: pipocam propagandas de cerveja, e todas elas trazem exatamente o mesmo roteiro: homens felizes, gesticulando e falando alto, e mulheres seminuas, em papéis secundários, totalmente desvalorizados, "prontas para Mulher: presença certa em comerciais 34 serem consumidas". Essa é uma prática relatada pela socióloga Berenice Bento, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Ela alerta para a relação que a publicidade faz entre cerveja e sexo, cerveja e mulher, e observa que as peças publicitárias refletem as relações sociais. "As propagandas não estão em contradição com a posição da mulher na sociedade. Elas refletem as relações sociais e ao mesmo tempo reforçam essas relações. É um processo de retroalimentação", explica a socióloga. Mas o quadro está mudando. Atualmente 30% dos lares do país são chefiados por mulheres. Por isso, ela recomenda que os marqueteiros acompanhem tais mudanças de comportamento. Berenice observa que se deve somar à restrição dos horários de veiculação medidas que controlem o conteúdo dos comerciais. No Reino Unido, por exemplo, uma portaria proíbe a associação do álcool ao sucesso social e ao bom desempenho sexual. Revista do Idec | Junho 2007 bebido alguma vez na vida. A pesquisa também apontou para uma tendência: o consumo cada vez mais elevado entre os jovens. Números como esses vêm alarmando governos de outros países, que estão criando políticas de combate ao consumo de álcool. Um estudo recente feito pela Faculdade de Medicina de Nova York, publicado na revista científica on-line PLoS Medicine, avaliou a eficácia de algumas dessas políticas (em 30 países) e comprovou que existe relação entre a adoção das medidas e a redução do consumo. Receberam maior pontuação ações que aumentaram os preços, restringiram a venda em determinados locais, controlaram o tipo de bebida vendida, e leis que restringiram a venda a partir de determinada idade e endureceram as punições a pessoas que dirigem embriagadas. Pesquisas anteriores também apontam para o sucesso de políticas de restrição ao álcool. O livro Alcohol: no ordinary commodity, um verdadeiro tratado científico sobre o assunto, reúne algumas delas. Lançada em 2003, com colaboração da Organização Mundial de Saúde, a obra contém artigos, pesquisas e opiniões dos mais renomados especialistas na área. No livro ficou demonstrado que as estratégias direcionadas ao aumento de preço e taxação das bebidas alcoólicas funcionam, são medidas de baixíssimo custo e, ao mesmo tempo, aumentam a captação de recursos. Quanto maior o preço, menor o consumo. O inverso também ocorre. Mas nos últimos cinqüenta anos o valor das bebidas vem diminuindo em alguns países, afirmam os pesquisadores. A questão da publicidade das bebidas alcoólicas é abordada no capítulo 10, onde se afirma categoricamente que as políticas públicas que restringem a publicidade são eficazes para a redução do consumo e de problemas relacionados. Aumento de gasolina sem justificativa é pratica abusiva A 9a Câmara Cível do Tribunal de Justiça Segundo o relator da decisão, a prática do Rio Grande do Sul decidiu: o posto abusiva ficou demonstrada com a prova técde gasolina que aumentou sem justi- nica, que apontou aumento de 39% da ficativa o preço do combustível durante o margem de lucro em apenas dois dias de período do feriado de Páscoa de 2004 ofen- elevação do preço. A margem bruta de lucro deu a ordem econômica e os direitos do do posto passou de 17,3% na segunda-feira consumidor. para 20,4% na quarta-feira. Pelo averiguado, A decisão do Poder Judiciário gaúcho entre os dias 5 e 12 de março de 2004 o surgiu em decorrência de preço do litro de comação movida pelo Minisbustível passou de R$ tério Público contra o au2,039 para R$ 2,179. Só mento de preço praticaque após o período do Posto de Porto do, fundamentando-se, feriado, o preço do litro entre outras coisas, no caiu para R$ 2,089. Alegre que se Código de Defesa do ConNo entender do Triaproveitou do feriado bunal, a empresa desressumidor (CDC). Em sua defesa, o posto peitou também a ordem de Páscoa de 2004 de gasolina alegou que econômica ao violar a para elevar preços não praticou aumento arLei n o 8.884/94, que considera como infrabitrário do preço no peé condenado ção os atos utilizados ríodo, alegando inclusive para “aumentar arbitraa indenizar os que isso não teria sido feiriamente os lucros”, bem to em função das peculiaconsumidores que como “a imposição de ridades econômicas da repreços excessivos, ou auforam prejudicados gião e da concorrência mentar sem justa causa o dos postos revendedores. preço de bem ou serO posto em questão, na viço”. Os desembargacidade de Porto Alegre, já dores consideraram que havia sido condenado em primeira instância, e a Justiça determinou o não houve qualquer melhoria de qualipagamento de um valor equivalente a 200 dade no serviço ou no produto que justisalários mínimos para o Fundo Estadual de ficasse o aumento. Ainda cabe recurso, mas a decisão reafirDefesa do Consumidor e a indenização daqueles consumidores individualmente lesa- ma a importância do CDC como ferramenta dos em decorrência da aquisição de gasolina de combate e controle dos abusos promovidos pelo poder econômico. pelo preço elevado no período indicado. Para o Tribunal, que considerou a vulnerabilidade do consumidor, o aumento de preços feriu o artigo 39, incisos V e X do CDC, que estabelece como práticas abusivas “a exigência de vantagem manifestamente excessiva do consumidor”, bem como “a ele- Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vação sem justa causa do preço de produto 9a Câmara Cível Apelação no 70015095847 ou serviço”. Serviço Revista do Idec | Junho 2007 35