“Mudança de Rumo para uma Solução Inadiável”1 Pela segunda vez, na edição de 15 de Agosto de 2008 do “Jornal de Notícias” inseriuse mais um artigo de opinião sobre as soluções políticas apresentadas, desta vez, pelo Secretário-geral do Partido Comunista Português, Senhor Jerónimo de Sousa. Pelo texto, verifica-se que existe uma coerência quase total com posições e soluções políticas anteriores veiculados pelo Partido Comunista Português, posicionamento distintivo em relação a outras formações partidárias cujas posições políticas nem sempre primam pela sua coerência nem pela sua consistência, divulgadas junto do eleitorado, nem ainda pela compatibilização entre as propostas eleitorais e de governo e a própria prática política quando conquistado o exercício do poder, através do voto. O título do artigo de opinião nunca foi nem será menos actual que noutros momentos anteriores e certamente futuros da realidade vivida pela sociedade portuguesa, atendendo ao facto de os seus problemas estruturais nunca terem tido resolução autosustentada e efectiva. Com efeito, a situação política actual e as condições em que se encontra a sociedade portuguesa só pode exigir uma mudança de rumo em relação às práticas nela estabelecidas e enraizadas, ruptura com reforço dos mecanismos democráticos essenciais à adopção de soluções políticas preferencialmente estruturais (longo prazo) e complementarmente conjunturais e integradas naquelas (curto prazo). O artigo em análise poderá ser estruturado da forma seguinte: * Causas * Características do programa eleitoral * Opções políticas 1. Causas Atendendo ao seu posicionamento político e caracterização ideológica, atributos de que poucas formações políticas se poderão regozijar, a enumeração das causas da crise actual em curso na sociedade portuguesa não dispensa a referência à política de acumulação e centralização da riqueza como factor impeditivo do desenvolvimento de base mais democrática que a actual e o benefício dos grandes grupos económicos e financeiros, de entre os quais se poderá destacar os ligados aos seguintes sectores de actividade económica e financeira: a banca, os seguros, a energia, as telecomunicações. Por ter sido omisso, desses sectores haverá ainda que incluir aqueles que correspondem a outros monopólios naturais e que nem por isso deixam de ter poder de mercado excessivo ou abuso de posição dominante nos mercados onde operam, como acontece com as empresas municipais, paramunicipais ou concessionadas a privados ligadas ao abastecimento de água e, finalmente, às empresas do sector de construção e de obras públicas, organizações empresariais não citadas no artigo em análise mas que não deixam tais créditos por mãos alheias. A este propósito, deverá referir-se que nem tudo o que é privado é mau como nem tudo o que é público ou 1 Justino Manuel de Oliveira Marques, Licenciado em Economia pela Universidade do Porto, Mestre em Gestão (Marketing) pela Universidade do Minho, Doutorando em Direcção de Empresas na Universidade de Salamanca e Professor Adjunto do Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais. para-público é bom, para situar melhor a terminologia usada pela formação política do Secretário-geral cujo artigo agora se analisa. Subsistindo na omissão, estas causas por serem exclusivamente internas não podem ser escamoteadas mas também não dispensam a inventariação e a relevância das causas externas localizadas nas sociedades ou economias que sempre consideraram a economia portuguesa como economia subcontratada e, por efeito de arrasto da crise originária nos mercados financeiros internacionais por incompetência e/ou fraude, a evidência das grandes fragilidades estruturais não só da economia como da sociedade portuguesas. Como se tem repetidamente referido, os nossos problemas terão de ser revolvidos preferencialmente por nós, portugueses, também como afirmação das nossas condições ancestrais de soberania, dado que a excessiva passividade política terá sempre como consequência deixar a outros a resolução desses problemas, nas condições negativas em que a (nossa) História acaba por as relatar e caracterizar. Por isso, negligenciar a resolução dos problemas políticos da nossa sociedade é também abdicar um pouco ou muito, conforme a dimensão ou importância do que está em causa num determinado momento histórico, do nosso direito ao exercício de uma soberania plena e desenvolvimentista. 2. Características do Programa Eleitoral As opções de política subjacentes às propostas eleitorais e de Governo formuladas no texto do Senhor Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do Partido Comunista Português, assentam no princípio dicotómico metaforicamente designado de mais do mesmo (isto é, continuidade das políticas seguidas até hoje, formuladas pelos dois principais partidos até agora mais vocacionados e eleitos para o exercício do poder) contra o inadiável programa de inversão da longa trajectória de regressão económica e social e de declínio nacional. Não se trata de um programa de inversão qualquer, mais com a definição de objectivos do que com a enumeração ou especificação dos instrumentos ou meios necessários para os atingir. Com efeito, para além de se classificar como patriótico e de esquerda, tal programa não hesita na necessidade de estar recentrado em objectivos mais qualitativos que quantitativos: (a) Afirmação de um desenvolvimento económico soberano, (b) Criação de emprego, (c) Redução dos défices estruturais, (d) Valorização do trabalho, (e) Efectivação dos direitos sociais e das funções sociais do Estado, (f) Mais justa distribuição do rendimento nacional, (g) Aprofundamento da democracia e, finalmente, (h) Afirmação da independência e soberania nacionais. Ninguém com um pouco de sensibilidade às questões de desenvolvimento e da soberania nacional, nomeadamente na que resulta de uma maior independência económica e financeira, poderá criar obstáculos conscientes à prossecução destes objectivos que poderão ser também desígnios nacionais desde que agrupados nos de: soberania nacional, desenvolvimento económico e social, conhecimento e tecnologia (não mencionado explicitamente no artigo e da maior importância para alicerçar o desenvolvimento em temos de médio e longo prazo) e equilíbrio social. Somente pelas características ideológicas e pragmáticas da formação política antes referenciada, é que muitos poderão pôr em causa a prossecução daqueles objectivos sem ruptura democrática e declararem-se seus opositores ab initio, mas reconhecendo no fundo que, mais cedo ou mais tarde, terá de enveredar-se por um caminho político com estas características, a exigir mais amadurecimento ao comportamento dos eleitores e dos protagonistas políticos do que à essência e importância deste tipo de propostas eleitorais e de governo. Um programa eleitoral com as características indicadas terá de constituir-se também como programa de governação mais com mudança efectiva de rumo do que com ruptura, se se quiser atender às exigências qualitativas de desenvolvimento, por muito que contrarie os autores de outras opções políticas e formações partidárias, não menos recomendáveis e importantes para o exercício da governação a favor do desenvolvimento e não somente do crescimento económico. 3. Opções Políticas Considerando o programa eleitoral mais de natureza qualitativa que quantitativa antes caracterizado, convirá certamente alinhar mais alguns desenvolvimentos, de forma a apresentar uma mais aprofundada especificação dos itens associados aos objectivos políticos a prosseguir que se requer de forma continuada e autosustentada, face aos sucessivos atrasos crónicos na evolução da sociedade portuguesa, verificados por decénios e decénios, em relação às sociedades mais evoluídas da União Europeia. Tais desenvolvimentos adicionais poderão ajudar-nos a esclarecer melhor as condições em que se exercitarão as opções políticas propostas e as que ainda revelam insuficiências ou fragilidades capazes de pôr em causa as propostas apresentadas pelo Secretário-geral do Partido Comunista Português, Senhor Jerónimo de Sousa. Em primeiro lugar, deverá tratar-se mais de uma mudança de rumo do que uma ruptura, não que esta se revele desnecessária, mas porque a sociedade portuguesa não hesita em estar na linha da frente a defendê-la, desde que sejam sempre os outros a provocá-la ou a tomar a iniciativa. E uma mudança de rumo suportada pela adopção de uma nova política com as características do programa eleitoral antes referenciado, onde os aspectos qualitativos se sobrepõem e bem aos quantitativos. Muito embora o não referencie explicitamente, é tempo de o primado da política se sobrepor a todos as restantes vertentes políticas e que aos cargos de maior responsabilidade política lhes seja associada uma referência pública que os honre na sua essência e também os credibilize pela prática dos seus protagonistas, onde o prometido tem de ser devido ao eleitorado que os elegeu. Nesta linha, apesar da omissão nesse sentido, é também tempo de alguns cargos de soberania terem necessidade de serem legitimados pelo voto, se não puder ser directa então indirectamente, para evitar feridas menos na essência que na legitimidade de exercício dos cargos respectivos por cedência a tentações corporativas. Os itens susceptíveis de serem marcadores de opções políticas num clima político de mudança de rumo abrangem, por exemplo, os índices de pleno emprego como associado ao objectivo primeiro das políticas económicas. No entanto, convirá advertir seriamente que uma coisa é atingir índices de pleno emprego com ineficiências das unidades económicas (adversas à competitividade e concorrência interna e externa), as quais caracterizam ainda as condições de funcionamento da subcontratada economia portuguesa; outra é consegui-lo (não arranjá-lo; no nosso País tudo tende a arranjar-se, pouco ou nada a conseguir-se) depois de debeladas tais ineficiências funcionais. Para o programa eleitoral e de governação apresentado pelo Senhor Jerónimo de Sousa, é essencial o crescimento económico sustentado, dito não de uma forma vazia, mas com o apoio de algumas realizações de impacto político como: (a) Aumento do investimento público (desde que não se circunscreva à realização predominante de obras públicas e muito menos de obras públicas de dimensão excessiva e utilidade económica e social duvidosa, mas se alargue à garantia de controlo, supervisão e regulação de todos os sectores de actividade económica, com operadores públicos e privados; caso não seja garantidas as condições objectivas de controlo, supervisão e regulação dos sectores de actividade económica e financeira envolvidos e favoráveis à competitividade e concorrência, o Estado deverá intervir com a extinção das correspondentes autoridades e a constituição de sociedades operadoras nos sectores envolvidos). (b) Ampliação do mercado interno (não explica como, mas tal só é possível com o aumento e consolidação do poder de compra dos consumidores induzido por aumentos de produtividade do trabalho decorrentes de investimentos qualitativos na produção e nos serviços de apoio e na qualificação dos trabalhadores das empresas; trata-se de um objectivo político em termos de médio e longo prazo). (c) Aumento das exportações (seja por produção subcontratada mas também por grande dinamização da exportação de produtos com marca e rede de distribuição próprias, desde que asseguradas condições melhores e progressivas de competitividade e concorrência internacionais, antes descritas em (a) e (b). (d) Afirmação do aparelho produtivo nacional como motor do crescimento económico (o trabalho político a desenvolver neste domínio é gigantesco, face à estagnação ou regressão de diversos sectores de actividade já antes referenciados como: agricultura, pescas, transporte marítimo (turismo e carga), floresta, cultura (é imprescindível a apresentação de projectos culturais de base organizativa e empresarial), etc. (e) Sector Empresarial do Estado (mas nas condições especificadas na alínea (a), especialmente nos sectores estratégicos, mas não só; o primado da política implica fazê-lo onde se revelar necessário, em termos de concorrência e competitividade internas e externas). (f) Política Fiscal mais equalitária, com alargamento da base tributária e intensificação da fiscalização tributária (neste domínio, a coragem política terá de ser excepcional, para eliminar alguns benefícios fiscais espúrios ou iníquos e tributar operações com valores mobiliários, sem ceder à tentação de redução de taxas de impostos não suportada pela sustentabilidade do equilíbrio das contas do Estado). (g) Impedir a fragilização e privatização e encerramento de serviços públicos (o interesse estratégico e soberano do Estado deve prevalecer sobre tudo o resto, impedindo tal fragilização, privatização ou encerramento, mas nunca deverá ceder à permanência de ineficiências qualitativas (maus serviços públicos pela carga burocrática excessiva ou incompetência profissional), nem às ineficiências quantitativas de funcionamento de todos os serviços públicos, mesmo os que apoiam o funcionamento dos Órgãos de Soberania (serviços demorados, lentos, sem justificação e com baixa produtividade na sua prestação), porque nestes casos está-se já a tratar de implicações negativas, profundas e permanentes nas contas do Estado). (h) Fomentar a promoção de uma administração e serviços públicos (o fomento dos serviços públicos é proposto ser suportado pelo Serviço Nacional de Saúde, pela escola pública gratuita, pela Segurança Social pública e universal fortalecida e por novo sistema de financiamento da Segurança Social; tudo a favor, desde que se trate de organismos e serviços exemplares no seu funcionamento tanto qualitativo como quantitativo, sem desvalorizar, prejudicar ou inviabilizar todos os esforços de avaliação objectiva de desempenho profissional, a todos os níveis, para evitar o compadrio de profissão, de vizinhança, religioso, género ou clubista, o concubinato e o correlegionarismo). (i) Novas políticas de desenvolvimento regional (a proposta desta organização partidária fica-se pelas Regiões Administrativas, previstas na Constituição da República Portuguesa, desde 1976; não estando implementadas na prática, trata-se de uma inconstitucionalidade por omissão; não se compreende como é possível apresentar uma proposta já com um atraso de 33 anos, bem medidos, sabendo da forte dinâmica imprimida pela globalização ao desenvolvimento das sociedades e das economias, nem sempre com consequências positivas e, em muitos casos, com consequências trágicas; de qualquer modo, as regiões administrativas correspondem a uma solução administrativa ultrapassada e burocrática (antena do Governo Central) e nunca política para ultrapassar os problemas gerados pelas fortes assimetrias regionais verificadas no território continental; por outro lado, a solução política proposta não favorece o aproveitamento dos recursos endógenos de cada região, nem potencia, como pretende, a produção interna a partir de um aparelho produtivo nacional como motor do crescimento económico; por isso, a única solução compatível com objectivos de desenvolvimento radica-se na das Regiões Autónomas (sete), a qual apresenta uma maior proximidade às populações por ser de natureza político-eleitoral e não administrativa, imprimir paridade às negociações inter-regiões e com as regiões autónomas de outros países, colocar-nos em igualdade na organização política do território em relação às sociedades mais evoluídas, respeitar as idiossincrasias próprias de cada uma das regiões, imprimir e implementar espírito de subsidiariedade, assegurar desenvolvimento e consolidar a coesão e a independência nacionais, por via do desenvolvimento equilibrado e autosustentado; mas adoptar esta solução para uma política de regionalização implica ainda, sem contemplações de qualquer espécie, uma reorganização profunda dos organismos integrados na Administração Pública, dos organismos que apoiam o funcionamento de todos os Órgãos de Soberania, com redução de ministérios (bastam 7 ministros, mais primeiro-ministro e vice primeiro-ministro), de secretarias de estado (somente 2 por ministério), de assessores, de consultores e de outros apoios de natureza administrativa; redução de deputados para o número mínimo: 180; o mesmo esforço reducionista para os órgãos regionais executivo (só 5 secretarias regionais, mais o Presidente do Governo Regional), legislativo (o mínimo constitucional é suficiente) e outros organismos regionais deles dependentes). (j) Nova Política de Trabalho e de Saúde (a maior conveniência no domínio das políticas de trabalho é que se abandone definitivamente a política de empregos adoptada até hoje e se implemente uma política de trabalho orientada para a sua valorização, qualificação por via do ensino básico e profissionalizante, primeiro e complementada com formação profissional permanente, depois, por forma a operar-se uma redução definitiva dos actuais índices de precariedade, substituindo a flexibilidade contratual por uma flexibilidade funcional onde a competência profissional e a avaliação de desempenho constituam os factores principais de atribuição de mérito (ou demérito) profissional e de estruturação do sistema de remunerações; não basta afirmá-lo somente, tem que se implementar políticas com decisões assertivas capazes de assegurar desenvolvimento das relações e condições de trabalho profissional competente e retribuído com mérito, em termos de médio e longo prazo, com ou sem alterações do Código do Trabalho; por seu lado, a política de saúde não pode ignorar as condições desejáveis de concorrência entre o sector público e privado, com uma imprescindível exigência de desempenho dos recursos humanos especializados médicos, cirúrgicos e de enfermagem, onde a dedicação exclusiva terá de ser a regra principal nas relações contratuais com pessoal médico, enfermeiro e auxiliar, onde qualquer cedência deste tipo de recursos terá de obter a respectiva compensação financeira; tal justifica-se por ter sido e continuar a ser o Estado a principal entidade formadora de tais recursos, por tempo bastante alargado e responsável pela aplicação de dotações financeiras vultuosas do Orçamento do Estado e essenciais à prestação de cuidados de saúde compatíveis com a dignidade humana e no pleno respeito pelos direitos humanos, onde os cuidados primários de saúde assumem uma importância decisiva que se tem de reconhecer e implementar eficazmente na prática clínica e hospitalar; a autoridade reguladora das actividades de saúde terá de assegurar sempre não só condições de sã concorrência entre os operadores intervenientes, públicos e privados, como de aferição da conformidade na prestação dos respectivos serviços em resposta pronta e coordenada à sua procura). (k) Política de Conhecimento e Tecnologia (não está mencionado no texto qualquer referência específica à parte importante da aquisição de conhecimento e de desenvolvimento das técnicas e tecnologias, nos módulos de ensino médio e superior; também, a este propósito, nada é explicitado quanto à necessidade de uma especialização das actividades de ensino superior, através da criação de dois tipos de universidades: a Universidade Clássica (de conhecimentos clássicos) e a Universidade Politécnica (reservada aos conhecimento técnicos, tecnológicos, economia, gestão e empreendorismo) em íntima interligação através da docência (formação superior especializada, financiada pelo Orçamento do Estado) e investigação cruzada (complemento à formação superior especializada, financiada pelos projectos de investigação encomendados e financiados pela sociedade e não somente pela chamada sociedade civil); desta forma, poderão criar-se condições para superar índices elevados de iliteracia naqueles domínios e reservar aos recursos humanos especializados a sua função coordenadora dos principais projectos ou operadores de desenvolvimento num ambiente de grande especialização funcional e constituir-se, assim, num importante motor para o desenvolvimento económico, social, técnico, tecnológico, etc.). Vila Nova de Gaia, 17 de Agosto de 2009.