TEORIA DA CONTABILIDADE Capítulo 1 “ Evolução histórica da Contabilidade “ Prof. Régio Ferreira 1.1 - A contabilidade na época em que não existia moeda, escrita e números Imagine um homem, na antigüidade, sem conhecer números e, muito menos, a escrita, exercendo a atividade de pastoreio. O inverno está chegando. O homem prepara toda a provisão para o sustento do seu rebanho de ovelhas olhando para um período longo de muito frio que está se aproximando. Ainda que ele nunca tenha aprendido sobre os meses do ano, ele sabe que a neve está se aproximando, pois as folhas das árvores ficaram amarelas e caíram e assim ocorreu no passado por inúmeras vezes. Ele não sabia o que eram as estações do ano, mas tinha experiência: árvores secando, frio chegando. A Contabilidade no início de tudo Antes que caísse a primeira neve, ele recolhia seu rebanho num aprisco para protegê-lo do frio que matava. Era um período de monotonia, de ociosidade. Depois de tosquiar as ovelhas, não se tinha nada para fazer a não ser olhar pelas frestas a neve caindo. O que fazer nesse período? De repente, o homem se questiona: "Quanto será que o meu rebanho cresceu desde o último frio até hoje? Será que o meu cresceu mais que o do Floreto?" (Floreto era o pastor de ovelhas vizinho mais próximo deste homem na antigüidade). Este homem, assim como qualquer um, era ambicioso, tinha desafios e queria ver sua riqueza aumentando. Aqui entra a função da Contabilidade já no início da civilização: avaliar a riqueza do homem; avaliar os acréscimos ou decréscimos dessa riqueza. Como o homem naturalmente é ambicioso, a Contabilidade existe desde o início da civilização. Alguns teóricos preferem dizer que ela existe, pelo menos, desde 4.000 antes de Cristo. Mas como contar o rebanho e avaliar seu crescimento se não existiam números (da forma que sabemos hoje), nem escrita e, muito menos, moeda? Na monotonia do invemo, entre os balidos ininterruptos das ovelhas, o homem tem uma idéia. Havendo um pequeno monte de pedrinhas ao seu lado, o homem separa uma pedrinha para cada cabeça de ovelha, executando assim o que o contabilista chamaria hoje de inventário. Após o término dessa missão o homem separa o conjunto de pedrinhas, guardando-as com muito cuidado, pois o conjunto representava a sua riqueza num determinado momento. Um processo que se repete Finalmente a neve derretia, o sol voltava a aquecer a montanha do homem do pastoreio. A superfície da montanha voltava a ficar verde e lá ia ele dirigindo o seu rebanho, protegendo-o contra os predadores, administrando, assim, a sua riqueza. Passado algum tempo, novas ovelhinhas surgiram e já se percebia que o nascimento era maior que a mortalidade e o descarte. A lã era tirada e parte dela negociada em troca de alguns equipamentos rudimentares de caça e pesca. O tempo passava. Novamente as folhas das árvores voltavam a ficar amarelas e começavam a cair. Para nós, chamamos, hoje, esse fenômeno de outono. Para aquele homem, era momenta de fazer a provisão para sustentar sua riqueza no período da seca do inverno. Novamente a neve caía. No aprisco (uma grande caverna no alto da montanha), estavam de volta o pastor e seu rebanho. Nada mais natural do que fazer nova contagem do rebanho. Um novo conjunto de pedrinhas era separado, uma pedrinha por cabeça de ovelha: Resultado da contagem Resultado positivo = Lucro? Ao comparar o atual conjunto de pedrinhas com o anterior, feito no inverno passado, o pastor constata que houve um excedente de pedrinhas (para nós, cinco pedrinhas) e isso representava que ele tinha sido bem-sucedido naquele período, ou seja, houve um acréscimo real no seu rebanho (um resultado positivo). Todavia, o pastor não estava satisfeito pelo fato de apenas avaliar o crescimento do plantel. Ele sabia que seu rebanho havia produzido lã naquele período. A lã proporcionara não só agasalho para proteger sua família como também fora utilizada como meio de troca na aquisição de instrumentos de caça e pesca. Alem disso, havia uma quantidade de lã recém-obtida no processo de tosquiamento neste inverno. Um inventário completo O homem estima que se fosse trocar ovelhas por agasalho, precisaria de pelo menos duas cabeças para suprir sua família neste inverno. Como o seu próprio rebanho havia produzido, ele separa duas novas pedrinhas correspondentes a duas ovelhas, representando aquele adicional de riqueza da sua família. Os instrumentos de caça e pesca obtidos equivalem a três ovelhas. Toda a lã estocada corresponderia a pelo menos quatro ovelhas, ou seja, ele conseguiria trocar seu depósito de lã por quatro cabeças. Assim, ele teria um novo conjunto de nove pedrinhas para acrescentar a contagem realizada neste segundo inverno. Dessa forma a situação seria a seguinte: Se houvesse números e escrita, poderíamos apresentar um relatório da riqueza do pastor: Relatório contábil ITENS Rebanho de Ovelhas Estoque de Lã Agasalhos de lã Instrumentos caça / pesca TOTAL INVERNO ANTERIOR INVERNO ATUAL 15 ovelhas 20 ovelhas 4 ovelhas 2 ovelhas 15 ovelhas 3 ovelhas 29 ovelhas O acréscimo do primeiro para o segundo inverno foi o correspondente a 14 ovelhas que, num sentido econômico, podemos chamar de lucro. 0 pastor da antiguidade certamente iria vibrar, pois sua riqueza praticamente dobrou no período analisado. Sem escrita, sem número e sem moeda Se nós tivéssemos moeda, o denominador comum não seria ovelhas, mas, sim, o valor em dinheiro. Todavia, o que fica bem claro é que mesmo sem moeda, escrita e número, a Contabilidade, como inventário, já existia, ficando evidenciado que ela e tão antiga quanta a existência do homem em atividade econômica a, ou melhor, quem sabe, do homem sapiente. Esta pode ser chamada de fase empírica da Contabilidade, em que se utilizavam desenhos, figuras, imagens para identificar o patrimônio existente. Com o passar do tempo, o homem começa a fazer marcas em árvores e pedras, podendo, assim, conferir seu rebanho em termos de crescimento, de extravio (perdas) de ovelhas, mortes etc. 1.3 - Contabilidade despertando como ciência Ainda que a Contabilidade, como já vimos, existisse desde o princípio da civilização, nota-se um desenvolvimento muito lento ao longo dos séculos. Somente em torno do século XV (com presença relevante no século XIII), isto é, praticamente após 5.500 anos (partindo-se da hipótese de que ela existe desde 4.000 a.C.) é que a Contabilidade atinge um nível de desenvolvimento notório, sendo chamada de fase lógica-racional ou, até mesmo, de fase pre-científica da Contabilidade. Do renascimento para a ciência O que toda história tem mostrado é que a Contabilidade toma-se importante à medida que há desenvolvimento econômico. Hoje, por exemplo. a profissão e muito valorizada nos países do primeiro mundo. No Brasil, até a década de 1960, este profissional era chamado de "guardalivros", ao nosso ver, título pejorativo e pouco indicador. Todavia, com o milagre econômico na década de 1970, essa expressão desapareceu e observou-se um excelente e valorizado mercado de trabalho para os contabilistas. Na Idade Moderna, em tomo dos séculos XIV a XVI, principalmente no Renascimento, diversos acontecimentos no mundo das artes, na economia, nas nações proporcionaram um impulso espetacular das Ciências Contábeis, sobretudo na Itália. Em torno desse período tivemos, sem a preocupação de ordem cronológica, Copérnico, Galileu e Newton, revolucionando a visão da humanidade, aperfeiçoamento da Imprensa par Gutemberg (já referido), Colombo iniciando as grandes descobertas, o mercantilismo, o surgimento da burguesia, o protestantismo, a descoberta de diversos campos de conhecimento etc. O frade franciscano Todavia, o marco, neste período, foi a primeira literatura contábil relevante, feita por Frei Luca Pacioli, em 1494, consolidando o método das partidas dobradas, expressando a causa efeito do fenômeno patrimonial com os termos 'débito' e 'crédito' (esse método já era conhecido antes de Pacioli: era praticado no século XIII). A obra de Pacioli pode muito bem ser vista como o início do pensamento científico da Contabilidade (veremos mais sobre Pacioli a frente). Somente para conhecer a origem Débito do latim “debes” que significa ´pertencente a mim´. Crédito do latim “credo” que significa ´confiança, crença´. 1.4 - Como tudo começou A Contabilidade não e uma ciência exata. Ela e uma ciência social, pois e a ação humana que gera e modifica o fenômeno patrimonial. Todavia, a Contabilidade utiliza métodos quantitativos (matemática e estatística) como sua principal ferramenta. Aliás, em tudo o que fazemos na vida, precisamos dos métodos quantitativos, dos números. Desde o momento em que levantamos, submetemo-nos aos números: identificamos no relógio que horas são; o nosso café esta sujeito a uma quantidade de colheres de açúcar ou gotas de adoçantes; a velocidade do carro; o nosso salário, recebimentos e pagamentos; o canal de televisão; as vantagens e desvantagens, em tudo, envolvem-se números. Praticamente no século XIII é que os números indo-arábicos (0,1,2, 3, ... ) vieram substituir o sistema grecoromano (I, II, III, IV, ... ) e hebraico que usavam letras para contar e calcular (desconheciam 0 zero). A história dos números no Ocidente começa com o livro Liber Abaci (Livro do Ábaco), escrito, em 1202, por Leonardo Pisano, conhecido como Fibonacci ("cabeça dura"). Esse livro, entre inúmeras contribuições, inclui Contabilidade (cálculo de margem de lucro, moedas, câmbio ... ) e juros. 1.5-O cenário atual da Contabilidade O desenvolvimento contábil, como já dissemos, acompanha de perto o desenvolvimento econômico. Com a ascensão econômica do colosso norteamericano, o mundo contábil volta sua atenção para os Estados Unidos, principalmente a partir de 1920, dando origem ao que alguns chamam de Escola Contabil Norte-americana. Vídeo O surgimento das gigantescas Corporations, principalmente em início do século atual, aliado ao formidável desenvolvimento do mercado de capitais e ao extraordinario ritmo de desenvolvimento que aquele país experimentou e ainda experimenta, constituiu um campo fértil para o avanço das teorias e práticas contábeis norteamericanas. Não podemos esquecer, também, que os Estados Unidos herdaram da Inglaterra uma excelente tradição no campo da auditoria, criando lá sólidas raízes. De maneira geral, poderíamos dizer que o início do século XX presenciou a queda da chamada Escola Européia (mais especificamente a Italiana) e a ascensão da chamada Escola Norte-americana no mundo contábil. Sem pretender esgotar o tema, apresentamos alguns motivos que levaram à mudança do cenário internacional da Contabilidade. Hoje em dia, entretanto, a tendência é rumo à harmonização internacional das normas contábeis, adotando o modelo do IASC (International Accounting Standards Committee), de inspiração anglo. 1.6 - Origem do balanço Pode-se afirmar, com certa segurança, que a origem do campo de conhecimento do que mais tarde se consubstanciaria como Contabilidade (Accounting em inglês, Ragioneria em italiano) situa-se, como já vimos, em torno de 4.000 anos a.C. Alguns historiadores fazem remontar a bem antes, por volta do sexto milênio a.C. Na verdade, não se pode falar em Contabilidade, mesmo que rudimentar, sem a invenção da escrita e, dentra dela, da habilidade de contar, ou seja, antes das primeiras manifestações da capacidade matemática do ser humano. Outro fator que impulsionou enormemente o progresso das formas rudimentares de Contabilidade (que, até o aparecimento da partida dobrada, nada mais era do que uma espécie de inventário de bens, direitos e obrigações) e o aparecimento da moeda (em forma de moeda mesmo), como base de troca, por volta, aproximadamente, do ano 2000 a.C. (embora certos metais preciosos fossem utilizados, como moeda, desde bem antes). Antes mesmo da partida dobrada que, como visto, somente apareceria bem mais tarde, provavelmente na Itália, a Contabilidade, em sua forma rudimentar, era capaz de avaliar bens, direitos e obrigações, periodicamente, derivar, portanto, o Patrimônio Líquido das entidades. Balanço O resultado dos períodos, possivelmente, era computado por diferença entre os patrimônios líquidos em datas distintas, sem grande preocupação em identificar as causas das variações do mesmo. Assim, uma forma rudimentar de Balanço Geral foi a primeira exteriorização do trabalho contábil. A forma sistêmica de registro que, em sua fase final, produziria as demonstrações contábeis, somente apareceria mais tarde, de forma desconexa e episódica (partidas simples), até o advento das partidas dobradas e dos processos de escrituração. Assim, de certa forma, pode-se dizer que as demonstrações contábeis finais nasceram antes dos processos de registro sistemático que, hoje, Ihes têm precedência no tempo. Por esse motivo, alguns livros, dedicados a apresentar ao iniciante as primeiras noções de Contabilidade, preferem fazê-lo demonstrando de forma simples, primeiramente, os balanços levantados após cada operação (estática patrimonial), em lugar de apresentar os registros analíticos dos livros contábeis (Diário e Razão, principalmente ). Balanço 1.7 – Inicio da era moderna na Contabilidade - o tratado de Luca Pacioli Luca Pacioli (matemático) publicou, em Veneza, em 1494, a primeira exposição sistemática e completa dos procedimentos contábeis a partidas dobradas. Para cada Conta Debitada haverá uma Conta Creditada de Igual Valor. Exemplo: D – Caixa - 1.000,00 C – Capital Social - 1.000,00 ATIVO = PASSIVO Ou seja, BENS + DIREITOS = OBRIGAÇÕES + PATRIMÔNIO LÍQUIDO ( LUCRO/PREJUÍZO) Balanço Patrimonial Ativo (D) Passivo (C) B+D 10 O. T. 5- P. L Total 10 Lucro 5- Total 10- = D.R.E. Receitas (C) 7Despesas (D) Lucro 2 5- ESTAMOS JUNTOS?