1 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA FACULDADE DE DIREITO DIREITOS HUMANOS PROF. JOSEMAR ARAÚJO - [email protected] FOLHA DE APOIO 09 Mecanismos não Convencionais de Proteção aos Direitos Humanos A proteção internacional dos direitos humanos não se restringe aos mecanismos convencionais. Ela abrange, ainda, mecanismos tidos como não convencionais, isto é, decorrentes de resoluções elaboradas por órgãos criados pela Carta das Nações Unidas, como a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social e a extinta Comissão de Direitos Humanos, entre outros. Precedentes Históricos do Tribunal penal Internacional Quanto aos precedentes históricos da criação da Corte Penal Internacional, há que se destacar os Tribunais de Nuremberg e Tóquio, como também os Tribunais ad hoc da Bósnia e de Ruanda constituídos por resolução do Conselho de Segurança da ONU, em 1993 e 1994, respectivamente, com fundamento no Capítulo VII da Carta da ONU. Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio A Convenção afirma ser o genocídio um crime que viola o Direito Internacional, o qual os Estados se comprometem a prevenir e punir. O art. 2º da Convenção entende por genocídio "qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física,total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.” Acrescenta a Convenção que as pessoas que tiverem cometido genocídio serão punidas, sejam governantes, funcionários ou particulares. Quanto ao julgamento do crime de genocídio, o art. 6º da Convenção estabelece que "as pessoas acusadas de genocídio serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território foi o ato cometido ou pela corte penal internacional competente com relação às Partes Contratantes que lhe tiverem reconhecido a jurisdição". Constata-se, assim, que desde 1948 era prevista a criação de uma corte penal internacional para o julgamento do crime de genocídio. Genocídio e Extradição O Tribunal ad hoc da Bósnia O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 25 de maio de 1993, mediante a Resolução n. 827, estabeleceu um Tribunal para Crimes de Guerra, com o objetivo de investigar as sérias violações ao direito humanitário internacional cometidas no território da antiga Iugoslávia desde 1991, incluindo o assassinato em massa, a detenção sistemática e organizada, o estupro de mulheres e a prática da "limpeza étnica". A finalidade era julgar as pessoas responsáveis por violações do Direito Internacional Humanitário na antiga Iugoslávia, após 14 de janeiro de 1991. Até maio de 2012, o Tribunal Penal Internacional ad hoc para a Iugoslávia havia indiciado formalmente 161 pessoas pela prática de graves violações de Direito Internacional Humanitário no território da Iugoslávia. Desse universo, 126 acusados tiveram o procedimento concluído: 13 foram absolvidos; 64 foram condenados (1 aguarda transferência, 24 foram transferidos, 36 cumpriram a sentença e 3 morreram durante o cumprimento da sentença); 13 acusados foram remetidos para julgamento em jurisdição nacional, de acordo com o Regulamento do Tribunal: e 36 denunciados tiveram a acusação retirada ou morreram no curso do processo —(entre eles, Slobodan Miloseviét, à época dos fatos presidente da Sérvia. O Artigo 7º da mesma Convenção prescreve que “O genocídio e os outros atos enumerados no artigo 3.º não serão considerados crimes políticos, para efeitos de extradição. Em tal caso, as Partes Contratantes obrigam-se a conceder a extradição de acordo com a sua legislação e com os tratados em vigor. Convenção Internacional para a Proteção de todas as pessoas contra o Desaparecimento Forçado Em 23 de dezembro de 2010, entrou em vigor a Convenção Internacional para a Proteção de todas as pessoas contra o Desaparecimento Forçado, contando, até dezembro de 2012, com 37 Estados-partes, incluindo o Estado brasileiro que a ratificou em 29 de novembro de 2010. A Convenção estabelece o direito a não ser submetido a desaparecimento forçado, bem como o direito da vítima à justiça e à reparação. Adiciona também o direito da vítima de conhecer a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado e o destino das pessoas desaparecidas, enunciando o direito à liberdade de buscar, receber e difundir tais informações. Em consonância com o art. 52 do Estatuto de Roma, prescreve a Convenção que, por sua extrema gravidade, a prática generalizada ou sistemática de desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade. O Tribunal ad hoc de Ruanda Em julho de 1994, o Conselho de Segurança, por meio da Resolução n. 935, estabeleceu uma comissão para investigar as violações humanitárias ocorridas ao longo da guerra civil em Ruanda. As investigações tiveram como resultado dois relatórios que levaram ao estabelecimento de um Tribunal ad hoc para Ruanda. O Estatuto desse Tribunal, adotado pela Resolução n. 955 do Conselho de Segurança, foi inspirado no Estatuto do Tribunal para a Iugoslávia. O Tribunal Penal Internacional Diretamente ligadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI), estão a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio e a Convenção Internacional para a Proteção de todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado. A análise do Tribunal Penal Internacional requer, preliminarmente, o enfoque da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, que foi o primeiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos aprovado no âmbito da ONU, datando sua adoção de 9 de dezembro de 1948, Tendo em vista as atrocidades perpetradas ao longo da Segunda Guerra Mundial, particularmente o genocídio que resultou na morte de seis milhões de judeus. Vedação Absoluta ao Desaparecimento Forçado Nos termos do Artigo 1º “Nenhuma circunstância excepcional, seja estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado.” Para os efeitos da Convenção, entende-se por “desaparecimento forçado” a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei. Criação do Tribunal Penal Internacional Em 17 de julho de 1998, na Conferência de Roma, foi ineditamente aprovado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, por 120 votos favoráveis, 7 contrários (China, Estados Unidos, Filipinas, Índia, Israel, Sirilanka e Turquia) e 21 abstenções. Em 1° de julho de 2002, 2 o Estatuto de Roma entrou em vigor. Até dezembro de 2012, 121 Estados o haviam ratificado. O Brasil o ratificou em 20 de junho de 2002. Pelo Estatuto de Roma, foi criado um Tribunal Penal Internacional ("o Tribunal"). Conforme o artigo 1º O Tribunal é uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. O Tribunal Penal Internacional assenta-se no primado da legalidade, mediante uma justiça preestabelecida, permanente e independente, aplicável igualmente a todos os Estados que a reconhecem, capaz de assegurar direitos e combater a impunidade, especialmente a dos mais graves crimes internacionais. Consagra-se o princípio da universalidade, na medida em que o Estatuto de Roma aplica-se universalmente a todos os Estados-partes, que são iguais frente ao Tribunal Penal, afastando-se a relação entre "vencedores" e "vencidos". Jurisdição Complementar Surge o Tribunal Penal Internacional como aparato complementar às cortes nacionais, com o objetivo de assegurar o fim da impunidade para os mais graves crimes internacionais, considerando que, por vezes, na ocorrência de tais crimes, as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na realização da justiça. Afirma-se, desse modo, a responsabilidade primária do Estado com relação ao julgamento de violações de direitos humanos, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. Vale dizer, a jurisdição do Tribunal Internacional é adicional e complementar à do Estado, ficando, pois, condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. O Estado tem, assim, o dever de exercer sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes internacionais, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária, nos termos do art. 1° do Estatuto de Roma. Composição e Organização É Integrado por dezoito juízes, com mandato de nove anos, o Tribunal Penal Internacional é composto dos seguintes órgãos, nos termos do art. 34 do Estatuto: a) Presidência (responsável pela administração do Tribunal); b) Câmaras (divididas em Câmara de Questões Preliminares, Câmara de primeira Instância e Câmara de Apelações); c) Promotoria (órgão autônomo em relação ao Tribunal) competente para receber as denúncias sobre crimes, examiná-las, investigá-las e propor ação penal junto ao Tribunal); e d) Secretaria, encarregada de aspectos não judiciais da administração do Tribunal). liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. Iniciativa da Ação Perante o TPI O exercício da jurisdição internacional pode ser acionado mediante denúncia de um Estado-parte ou do Conselho de Segurança à Promotoria, a fim de que esta investigue o crime, propondo a ação penal cabível, nos termos dos arts. 13 e 14 do Estatuto. Pode ainda a própria Promotoria agir de ofício, nos termos dos arts. 13 e 15. Em todas as hipóteses, o exercício da jurisdição é condicionado à adesão do Estado ao tratado, ou seja, é necessário que o Estado reconheça expressamente a jurisdição internacional. Note-se que a ratificação do tratado não comporta reservas, devendo o Estado ratificá-lo na íntegra e sem ressalvas (art. 120). Requisitos de Admissibilidade Considerando que a Corte Internacional é complementar à jurisdição penal nacional, o art. 17 do Estatuto prevê os requisitos de admissibilidade para o exercício da jurisdição internacional. Dentre tais requisitos, destacam-se a indisposição do Estado-parte (quando, por exemplo, houver demora injustificada ou faltar independência ou imparcialidade no julgamento) ou sua incapacidade em proceder à investigação e ao julgamento do crime (quando houver o colapso total ou substancial do sistema nacional de justiça). As Penas O Estatuto estabelece como regra a pena máxima de 30 anos, admitindo, excepcionalmente, a prisão perpétua, quando justificada pela extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias pessoais do condenado (art. 77). Não bastando a sanção de natureza penal, o Tribunal poderá também impor sanções de natureza civil, determinando a reparação às vítimas e aos seus familiares (art. 75). Atribuições Aplicabilidade e Garantias Vejamos o art. 5º do Estatuto de Roma: Artigo 5º 1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão. 2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas. Por fim, de acordo com o art. 27, aplica-se o Estatuto igualmente a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada em cargo oficial. Isto é, o cargo oficial de uma pessoa, seja ela Chefe de Estado ou Chefe de Governo, não eximirá de forma alguma sua responsabilidade penal, tampouco importará em redução da pena. Aos acusados são asseguradas as garantias de um tratamento justo em todas as fases do processo, de acordo com os parâmetros internacionais. Fonte: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2013. Crimes contra a Humanidade Para os efeitos do Estatuto de Roma, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da