A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UM
OLHAR PARA A CRIANÇA NA ATUALIDADE
Augusta Padilha (UEM)1
Marta Silene Ferreira Barros (UEM)2
Ednelia Francisco dos Santos (UEM)3
Introdução
O presente texto pauta-se por apresentar um trabalho vinculado a pesquisa em
desenvolvimento no Projeto de Iniciação Cientifica- PIC e aos estudos desenvolvidos
pelo Grupo de Pesquisa Formação e Concepções do Materialismo Histórico Dialético
na Educação (FOCO), da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Trata-se de uma
reflexão acerca da importância do brincar no desenvolvimento infantil visto que essa é
uma discussão presente nos discursos teóricos e metodológicos referente a espaços
ligados às crianças.
O propósito desse trabalho consiste em estudar a importância da brincadeira no
desenvolvimento infantil olhando para a realidade da criança atual, analisando os
espaços destinados a essa atividade lúdica, os tipos de brincadeiras e quais as
implicações delas para o desenvolvimento humano das crianças.
Para essa discussão nos pautaremos nos estudos de Vygotsky e de seus
seguidores sobre o papel da brincadeira no desenvolvimento infantil. Assim o texto será
organizado em dois momentos: o primeiro consiste na apresentação da teoria, isto é, em
alguns aspectos dos estudos de Vygotsky e seus seguidores sobre o papel da brincadeira
no desenvolvimento infantil e o segundo refere-se à análise dos espaços e formas de
brincadeiras na sociedade contemporânea.
1
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação - Universidade Estadual de Maringá –PR, doutora em
Educação – PUC/SP. E-mail: [email protected]
2
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação - Universidade Estadual de Maringá –PR, doutora em
Educação pela Universidade de São Paulo - USP/SP. E-mail: [email protected]
3
Aluna do Curso de graduação em Pedagogia – Campus Cianorte – PR – UEM. E-mail:
[email protected].
Alguns aspectos dos estudos de Vygotsky e de seus seguidores sobre o papel da
brincadeira no desenvolvimento infantil
Quando falamos da brincadeira e do seu papel no desenvolvimento infantil
emergem, entre outras, duas questões: a primeira é o modo como a própria brincadeira
surge ao longo do desenvolvimento da criança, isto é, a gênese da brincadeira. E a
segunda refere-se ao papel que essa atividade desempenha no desenvolvimento, ou seja,
o que significa essa atividade nesse estágio de desenvolvimento da criança.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que, segundo Leontiev (1988), a
brincadeira infantil na pespectiva Histórico-cultural consiste em uma atividade
tipicamente humana. Elementos de atividade lúdica podem ser encontrados em certos
tipos de animais superiores, porém o brinquedo infantil, mesmo em uma idade precoce,
como o período pré-escolar, fase em que surgem os primeiros ‘rudimentos do brinquedo
infantil, em nada se assemelha com a dos animais.
[...] a brincadeira da criança não é instintiva, mas precisamente
humana, atividade objetiva, que por constituir a base da percepção que
a criança tem do mundo dos objetos humanos, determina o conteúdo
de suas brincadeiras (LEONTIEV,1988, p.120).
Conforme Vygotsky (1998), a gênese da brincadeira infantil se encontra nas
tendências e desejos que não podem ser realizados e nem esquecidos de forma imediata,
e não podem porque nesse estágio ainda permanece a característica do estágio
precedente, a tendência de realização imediata. Vygotsky (1989) diz que os brinquedos
parecem ser descobertos pelas crianças justamente quando começam a experimentar
tendências irrealizáveis. Ao contrário da criança pequena, que quando deseja alguma
coisa que não pode ter de forma imediata ela poderá ser distraída a esquecer esse desejo,
a criança pré-escolar criará um mundo ilusório, imaginário, onde os desejos não
realizáveis, como por exemplo, ocupar o lugar do adulto, podem ser realizados, isto é, o
mundo do brinquedo.
[...] A imaginação é um processo psicológico novo para a criança:
representa uma forma especificamente humana de atividade
consciente, não está presente na consciência de crianças muitos
pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as
funções da consciência, ela surge originalmente da ação
(VYGOTSKY, 1989, p, 106).
Assim o surgimento da brincadeira no estágio pré-escolar se deve ao desejo da
criança em ocupar o lugar do adulto, conforme Leontiev (1988, esse é o motivo da
brincadeira, a razão pela qual a criança brinca.
De acordo com Leontiev (1988), a criança pré-escolar brinca porque socialmente
ela se vê desafiada a dominar um mundo humano do qual ela vem se tornando
consciente ao longo de seu desenvolvimento. No decorrer do seu desenvolvimento há
uma expansão progressiva da quantidade de objetos humanos, incluindo aqueles com os
quais ela pode operar e opera, como aqueles com os quais os adultos operam e que a
criança ainda não é capaz de operar, devido a sua incapacidade física e psíquica para
fazê-lo. Por isso cada vez mais ela recorre àatividade lúdica, tornando-a a atividade
principal desse estágio. Isso não significa que a brincadeira se tornará a atividade
predominante, até mesmo porque a criança pré-escolar não brinca mais do que três ou
quatro horas por dia, uma vez que a questão não é a quantidade de tempo que o
processo ocupa, mas em que ele atua. Assim, Leontiev (1988) entende por atividade
principal aquela caracterizada pelos três atributos a seguir:
1- Ela é a atividade em cuja forma surgem outros tipos de atividade e
dentro da qual eles são diferenciados. Por exemplo, a instrução, no
sentido mais estreito do termo, que se desenvolve em primeiro lugar já
na infância pré-escolar, surge inicialmente no brinquedo, isto é,
precisamente na atividade principal desse estágio do desenvolvimento.
A criança começa a aprender de brincadeira.
2- A atividade principal é aquela na qual processos psíquicos
particulares tomam forma ou são reorganizados. Os processos infantis
da imaginação ativa, por exemplo, são inicialmente moldados no
brinquedo e os processos de pensamento abstrato, nos estudos.
3- A atividade principal é a atividade da qual dependem, de forma
intima, as principais mudanças psicológicas na personalidade infantil,
observadas em um certo período de desenvolvimento. É precisamente
no brinquedo que a criança, no período pré-escolar, por exemplo,
assimila as funções sociais das pessoas e os padrões apropriados de
comportamento (IDEM, p.64-65).
Ou seja, a atividade principal é [...] aquela em conexão com a qual ocorrem as
mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se
desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para
um novo e mais elevado nível de desenvolvimento ( LEONTIEV,1988, p.122).
O papel dominante do brinquedo na idade pré-escolar é reconhecido
praticamente por todos, mas para dominar o processo do desenvolvimento psíquico da
criança nesse estágio, quando o brinquedo desempenha um papel dominante, não é,
certamente, suficiente apenas reconhecer esse papel da atividade lúdica. É necessário
compreender claramente em que consiste o papel capital das brincadeiras, as regras do
jogo, e de seu desenvolvimento.
Segundo Leontiev, o papel da brincadeira no estagio pré-escolar consiste em
mediar à criança, o mundo dos objetos e símbolos humanos. A brincadeira, nesse
estagio, é um instrumento simbólico que possibilita a ação da criança no mundo
humano que se amplia a sua volta. Pois, nessa idade, há uma discrepância entre o que a
criança quer fazer, suas necessidades de agir, e o que ela pode realizar.
A criança quer, ela mesma, guiar o carro; ela quer remar o barco
sozinha, mas não pode agir assim, e não pode principalmente porque
ainda não dominou e não pode dominar as operações exigidas pelas
condições objetivas reais da ação dada (LEONTIEV, 1988, p.121).
Para Leontiev (1988), essa contradição surgida da discrepância entre a
necessidade de agir da criança, por um lado, e a impossibilidade de executar as
operações exigidas pelas ações, por outro, pode ser solucionada para a criança, apenas
por um único tipo de atividade, a atividade lúdica, em um jogo. Isto porque,
[...] um jogo não é uma atividade produtiva; seu alvo não está em seu
resultado, mas na ação em si mesma. O jogo está, pois, livre do
aspecto obrigatório da ação dada, a qual é determinada por suas
condições atuais, isto é, livres dos modos obrigatórios de agir ou de
operações (LEONTIEV, 1988, p.122).
Apenas no brinquedo as operações exigidas e as condições do objeto podem ser
substituídas por outras, sem alterar o próprio conteúdo da ação, isto é a ação do adulto
que esta sendo recriada no brinquedo.
Segundo Vygotsky (1988), já sabemos que o brinquedo aparece na criança em
idade pré-escolar a partir de sua necessidade de agir em relação não apenas ao mundo
dos objetos diretamente acessíveis a ela, mas também ao mundo mais amplo dos
adultos. Ela deseja montar um cavalo, mas não sabe como fazê-lo e não é ainda capaz
de aprender, pois isto esta além de sua capacidade. Assim, ocorre um tipo de
substituição, no qual um objeto pertencente ao mundo dos objetos diretamente
acessíveis a ela toma o lugar de um o cavalo em suas brincadeiras. É assim que um
pedaço de madeira se transforma em um cavalo, no qual, a criança monta e cavalga.
Portanto, a brincadeira infantil não consiste em uma atividade fantástica,
conforme se costuma pensar; há nessa atividade uma ação, uma operação e imagens
reais de objetos reais. Mas isso não impede que a criança aja em relação a um pedaço
de madeira como se fosse um cavalo, porque a estrutura da atividade lúdica cria uma
situação lúdica imaginária.
Conforme Vygotsky (1989), a ação em uma situação imaginaria ensina a
criança a dirigir seu comportamento não apenas pela percepção imediata dos objetos ou
pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação. No
entanto, essa não é tarefa fácil, principalmente quando se trata de crianças muito
pequenas. Estas ainda não são capazes de separar o campo do significado do campo da
percepção visual, uma vez que há uma fusão muito íntima entre o significado e o que é
visto. Por isso, na forma inicial da brincadeira infantil – os jogos de enredo – a situação
imaginária que é a característica principal desse tipo de jogo, não é o fator componente
inicial, pelo contrário, é um fator resultante. O fator componente é a reprodução da
ação, ou também como é chamado o papel lúdico.
O papel lúdico é a ação sendo reproduzida pela criança. (...) No papel
que desempenha no brinquedo, a criança assume certa função social
generalizada do adulto, muitas vezes uma função profissional: o
zelador – um homem com uma vassoura; um medico – que ausculta
ou vacina; um oficial do exercito – que da ordens na guerra, e assim
por diante. (LEONTIEV, 1988, p.132).
Para entendermos como surge a situação imaginária nas brincadeiras,
precisamos antes distinguir dois aspectos da atividade lúdica: o sentido da personalidade
e o significado. Para Leontiev (1988), o sentido é o aspecto da atividade interiormente
associado com a unidade da consciência, isto é, a ação, e o significado é o aspecto da
ação que corresponde a suas condições, ou seja, a operação.
Ao contrário de uma ação produtiva normal, no qual o significado e o sentido estão
sempre ligados de alguma maneira, nas ações do brinquedo isso não ocorre, pois, no
brinquedo, as operações com o objeto fazem parte de uma ação bastante diferente
daquela para qual elas são adequadas. No entanto, isso não significa que os objetos
percam seu significado e nem que sejam desconhecidos pelas crianças.
O objeto do brinquedo retém seu significado, isto é, a vara permanece
uma vara para a criança. Suas propriedades são conhecidas da criança,
o modo de seu possível uso e da possível ação a ser executada com ela
é conhecido (LEONTIEV, 1988, p.128)..
O que ocorre é que no brinquedo, isto é, no processo lúdico, o significado
simplesmente não é concretizado. Assim,
[...] da mesma forma, a vara, conservando seu significado para a
criança, adquire para ela, ao mesmo tempo, um sentido muito especial
nesta ação, um sentido que é tão estranho a seu significado quanto a
ação lúdica da criança o é para as condições objetivas nas quais ela
ocorre; a vara adquire o sentido de um cavalo para a criança. Este é o
sentido lúdico (LEONTIEV, 1988, p.128).
Para Vygotsky (1989), é na idade pré-escolar que surge, pela primeira vez, uma
divergência entre os campos do significado e da visão. Uma vez que,
[...]no brinquedo o pensamento esta separado dos objetos e a ação
surge das idéias e não das coisas: um pedaço de madeira torna-se um
boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo. A ação regida por
regras começa a ser determinada pelas idéias e não pelos objetos. Isso
representa uma tamanha inversão na relação da criança com a situação
concreta, real e imediata [...] (VYGOTSKY, 1989, p. 111).
Entretanto, conforme Vygotsky (1989), essa mudança que ocorre no brinquedo,
no qual as idéias determinam as regras de ação e não mais os objetos, não se dá de
forma rápida, até mesmo porque não é nada fácil para a criança separar o pensamento
do objeto. Nesse sentido, o brinquedo fornece um estagio de transição nessa direção
sempre que um objeto torna-se um pivô dessa separação. Essa transição é necessária
porque a criança pré-escolar ainda não consegue separar o pensamento do objeto real,
sem a utilização de um signo, ou um pivô, que no brinquedo é um objeto acessível a ela.
Assim, para a criança imaginar um cavalo, ela precisa definir sua ação utilizando um
cavalo de pau como pivô, ou seu signo.
Quando um cabo de vassoura torna-se um pivô da separação do
significado “cavalo” do cavalo real, a criança faz com que um objeto
influencie outro semanticamente. Ela não pode separar o significado
de um objeto ou a palavra do objeto, exceto usando uma outra coisa
como pivô. A transferência de significados é facilitada pelo fato de a
criança reconhecer numa palavra a propriedade de um objeto; ela vê
não a palavra, mas o objeto que ela designa. Para uma criança a
palavra “cavalo” aplicada a um cabo de vassoura significa “eis um
cavalo” porque mentalmente ela vê o objeto por trás da palavra
(VYGOTSKY, 1989, p. 112-113) .
Nesse ponto, a estrutura básica, determinante da relação da criança com a
realidade esta mudada, porque muda a estrutura da sua percepção. Isto é, há uma
inversão na razão objeto/significado no qual o objeto é o dominante e o significado
subordina-se a ela para a razão significado/objeto e aqui o significado assume o papel
dominante e o objeto o dominado. Nesse sentido, “no brinquedo, o significado torna-se
o ponto central e os objetos são deslocados de uma posição dominante para uma posição
subordinada” (VYGOTSKY, 1989, p. 112).
Segundo Vygotsky (1989), a separação da ação-significado na atividade lúdica
ocorre de forma semelhante à separação objeto-significado. Isto é,
Para separar o significado de uma ação real (cavalgar um cavalo real,
sem a oportunidade de fazê-lo) a criança necessita de um pivô na
forma de uma ação que substitui a ação real. [...] Entretanto, separar
significado de objeto tem conseqüências diferentes da separação entre
significado e ação. Assim como operar com o significado de coisas
leva a um pensamento abstrato, observamos que o desenvolvimento da
vontade, a capacidade de fazer escolhas conscientes, ocorre quando
uma criança opera com o significado de ações. No brinquedo uma
ação substitui outra ação, assim como um objeto substitui outro
(VYGOTSKY, 1989, p. 15).
Essas substituições de uma ação ou de objeto no brinquedo se dão, devido a um
movimento no campo do significado que subordina a ele todos os objetos e ações reais.
Assim, o comportamento não é determinado pelo campo perceptivo imediato, mas pelo
campo do significado. Esse campo, por um lado, representa movimento num campo
abstrato e, por outro lado, o método do movimento é situacional e concreto. Em outras
palavras, isso que dizer que, no brinquedo, “surge o campo do significado, mas a ação
dentro dele ocorre assim como na realidade” (VYGOTSKY, 1989, p. 115). Nesse
sentido conforme nos fala Vygotsky (1989, p. 17),
[...] o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da
criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além de seu
comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento
diário; no brinquedo é como se ela fosse maior que na realidade.
Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contem todas as
tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele
mesmo, uma fonte grande de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1989,
p. 117).
Para esse autor, a criança desenvolve-se, fundamentalmente, por meio da
atividade de brinquedo, pois essa atividade fornece ampla estrutura básica para
mudanças das necessidades e da consciência.
A ação na esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação das
intenções voluntárias e a formação dos planos da vida real e
motivações volitivas – tudo aparece no brinquedo, que se constitui,
assim, no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar
(VYGOTSKY, 1989, p. 117).
Para Vygotsky (1989), só assim é que o brinquedo pode ser considerado uma
atividade condutora do desenvolvimento infantil. Segundo esse autor, ao longo do
desenvolvimento do brinquedo, observa-se um movimento em direção à realização
consciente de seu propósito. Assim, conceber o brinquedo como uma atividade sem
propósito, é incorreto porque em um jogo de regras fixas, ou um jogo esportivo, por
exemplo, pode-se ganhar ou perder.
Segundo Vygotsky (1989) , em uma corrida pode-se chegar em primeiro,
segundo ou em ultimo lugar, e esse é o propósito que decide o jogo e justifica a
atividade. “O propósito, como objetivo final, determina a atitude afetiva da criança no
brinquedo” (IDEM, p. 117) No final do desenvolvimento surgem as regras, e, quanto
mais rígidas elas forem, maior a exigência de atenção da criança, maior a regulação da
criança, mais tenso e aguçado fica o brinquedo, somente fazendo sentido para a criança
se tiver um propósito: [...]“correr simplesmente, sem propósito ou regras é entediante e
não tem atrativo para a criança” (IDEM, p. 118). Isso porque, na forma mais avançada
do desenvolvimento do brinquedo surge um complexo de aspectos originalmente não
desenvolvidos no início que agora ocupam uma posição central.
A lei geral do desenvolvimento das formas de brinquedo do período
pré-escolar expressa-se na transição dos jogos com uma situação
imaginária explícita e um papel explícito, mas com uma regra latente
para um jogo, uma situação imaginaria latente e um papel latente, mas
uma regra explicita (LEONTIEV, 1988, p.135).
No brinquedo, por um lado, a criança é livre para determinar suas próprias
ações, mas por outro, é uma liberdade ilusória, pois suas ações são sempre subordinadas
aos significados dos objetos, e a criança age de acordo com eles.
[...] a situação de brinquedo exige que a criança aja contra o impulso
imediato. A cada passo a criança vê-se frente a um conflito entre as
regras do jogo e o que ela faria se pudesse de repente, agir
espontaneamente. No jogo, ela age de maneira contrária à que gostaria
de agir. O maior autocontrole da criança ocorre na situação de
brinquedo. Ela mostra o máximo de força de vontade quando renuncia
a uma atração imediata do jogo [...] (VYGOTSKY, 1989, p. 113).
Olhando pelo ponto de vista do desenvolvimento, a criação de uma situação
imaginária pode ser considerada como um meio para o desenvolvimento do pensamento
abstrato e o desenvolvimento correspondente de regras na condução das ações, com
base nas quais se torna possível o movimento do desenvolvimento entre o trabalho e o
brinquedo. (Vygotsky, 1989).
Espaços e formas de brincadeira na sociedade contemporânea
De acordo com a teoria histórico-cultural, não basta, ao homem, pensar, mas
pensar sobre diversas coisas ao mesmo tempo. Assim, não basta pensarmos a
importância do brinquedo para criança separado de como se encontram as
circunstâncias, na atualidade, no que tange, inclusive, às possibilidades de aprendizado
e desenvolvimento intelectual para todas as crianças.
Qualquer análise sobre a sociedade contemporâneadeparar-se-á com as marcas
da desigualdade e exclusão social,
violência, globalização, individualidade,
popularização da mídia, avanço tecnológico,
consumismo, etc. Esses fatores,
constituintes da sociedade contemporânea, atingem diretamente todos os homens e
todas as crianças. Como esses fatores repercutem nas condições de vida das crianças?
Como se expressam na forma como os adultos as vêem e também suas atividades?.
Atualmente, a impressão que se tem é que os espaços para a criança estão cada
vez mais escassos, elas estão cada vez mais se ocupando de atividades antes reservadas
a adultos. Como pensar a infância hoje? Por classes sociais?
Estudar cada caso um caso? No caso das crianças “ricas”, estudar pela infância
comprometida em virtude de inúmeras atividades (computação, balé, língua estrangeira)
que antecipam a sua fase adulta? Em relação às crianças “pobres, estudara infância
interrompida pelo trabalho?
Conforme Faria (2005, p. 72) há “ dupla alienação’ da infância, isto é, a criança
rica privatizada, alienada, antecipando a vida adulta através de inúmeras atividades; e a
criança pobre explorada, também antecipando a vida adulta no trabalho [...]”. Assim, na
sociedade contemporânea, essa questão se complexifica. Não há uma única concepção
de infância, mas varias e distintas concepções, conforme Faria (2005), de um jeito ou de
outro, todas as crianças estão sendo chamadas à exploração. Isto mostra uma tendência
da sociedade que, organizada pelo modo capitalista de produção, matem bem firme seus
propósitos na formação dos homens para atender a seus princípios.
Portanto, no contexto da contemporaneidade, apesar de constatarmos duas
realidades infantis: a criança rica que é sobrecarregada pelos seus pais com inúmeras
atividades, como a entrada a escola precocemente e outras atividades extracurriculares,
diminuindo o tempo para brincar; e a da criança pobre, que antecipa a vida adulta
trabalhando, fazem-se num mesmo processo, exigido pelas relação capital-trabalho.
Esta é uma realidade preocupante, segundo Baffert (2006) os dados declarados
pela Organização Internacional do Trabalho - OIT - apontam que,cerca de 171 milhões
de crianças arriscam suas vidas nas minas como também na agricultura expostas aos
produtos químicos; cerca de 1,2 milhões sendo traficadas; 5,7 milhões são forçadas ao
trabalho escravo; 1,8 milhões sendo usadas em casa de prostituição e material
pornográfico e ainda, pelo menos, 120 milhões realizando atividades em período
integral sem acesso à educação.
Além dessa questão de antecipação da vida adulta em outras atividades, cuja
característica é atingir um fim objetivo, . existem outros fatores, provocadores da
supressão do brincar na sociedade contemporânea, como o crescimento das cidades, a
falta de espaços públicos voltados para o lazer, a falta de segurança, a inserção da
mulher no mercado de trabalho e consequentemente com menos tempo para estar junto
dos/as filho/as, o incremento do consumo de brinquedos industrializados
preenchendo tempos, espaços, afetos, etc.
Assim, todas essas transformações no contexto contemporâneo transformaram
além dos espaços para a brincadeira, a própria forma de brincar. Historicamente, o
homem, quando criança, brinca, sempre brincou, sem distinção, nas ruas, praças, feiras,
rios, praias, campos.
Mas, como a nossa época considera a criança? O que os adultos
dessa sociedade planejam para as crianças? Em função de quê, com o passar do tempo ,
as formas de brincar, os espaços e tempos de destinados a brincadeira, os objetos de
brincar e os sujeitos que brincam, foram transformados?. Mas, será que essas
transformações no brinquedo infantil representaram desenvolvimento humano?
Considerações finais
Analisando a história recente, vemos que as transformações no brinquedo
humano, entendido como processo lúdico, não representam desenvolvimento humano,
pelo contrario, há um anti-desenvolvimento, uma des-humanização caracterizado pela
vontade somente de ter, consumir que descaracteriza o lúdico como meio de promoção
do homem.
Segundo Freedmanm (2010), até o final do século XVIII, o brincar constituía
uma atividade comum a adultos e crianças, no qual havia a socialização, a troca entre os
pares da mesma idade ou em idades diferentes.
Porém, com o advento da sociedade industrial no final do século XVIII, início
do século XIX, cuja característica é a produção de bens em grande escala, a atividade
lúdica modifica-se, ela torna-se segmentada, passa a fazer parte especificamente da vida
das crianças, ao mesmo tempo torna-se "pedagógica" entrando na escola com objetivos
educacionais, ou seja, os brinquedos tornam-se, como diz Leontiev (1988), em jogos
limítrofes, isto é, jogos didáticos, jogos de dramatização e jogos de improvisação.
Aliado a esse fenômeno, há o surgimento do brinquedo industrializado, a
institucionalização da criança, um movimento da mulher para o mercado de trabalho
que, aliado à falta de espaço e segurança nas ruas das grandes cidades, transforma o
brincar em uma atividade mais solitária e que acontece em função do apelo ao consumo
de brinquedos.
Todos esses fenômenos agiram em sentido oposto, ao invés do brinquedo
humanizar as crianças eles contribuíram para des-humanizá-las ao longo do seu
desenvolvimento psico-físico. Isso fez surgir no século XXI, na sociedade pós-industrial
globalizada, uma grande contradição, pois de um lado, estas características dessa
sociedade – a desigualdade, individualização, consumismo,impulsionam outro, ou seja,
inicia-se um processo, um movimento em prol do ser humano, pelo resgate das suas
raízes mais profundas, das suas razões de ser e existir.
Dessa forma, apoiados nos pressupostos teóricos de Vigotsky e de alguns de
seus
seguidores,
tratamos
de
repensar
o
resgate
da
brincadeira
infantil,
caracteristicamente humana, cuja gênese, está na necessidade crescente da criança de
dominar o mundo dos objetos humanos (Leontiev, 1988).
Quando a criança domina os objetos humanos, mesmo que em uma situação de
brinquedo, a criança apropria-se dos significados sociais contidos nos elementos
materiais e simbólicos da cultura humana. Pois, o desenvolvimento do homem,
diferente do desenvolvimento do animal que depende apenas da hereditariedade e das
aprendizagens decorrentes da experiência individual, de cada membro da espécie,
[...] o homem esta sujeito também à ação de uma terceira lei do
desenvolvimento: a experiência sociocultural, a experiência do
conjunto dos indivíduos acumulado objetivamente e transmissível de
uma geração a outra. Diferentemente do animal, cujo comportamento
tem apenas duas fontes – 1) os programas hereditários de
comportamento, subjacentes no genótipo e 2) os resultados da
experiência individual –, a atividade consciente do homem possui
ainda uma terceira fonte : a grande maioria dos conhecimentos e
habilidades do homem se forma por meio da assimilação da
experiência de toda humanidade, acumulada no processo da historia
social e transmissível no processo de aprendizagem (ROSSLER, p.
53).
Nesse sentido, o brinquedo atua como condutor do desenvolvimento, pois
quando a criança brinca de faz-de-conta, por exemplo, ela se apropria do
comportamento humano provido com a experiência histórico-social de inúmeras
gerações anteriores. Em outras palavras,
ela se contitui “no ser singular, da
genericidade produzida pelo conjunto da humanidade” (ROSSLER, p. 53).
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FRIEDMANM, Adriana. O Papel do Brincar na Cultura Contemporânea.
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ROSSLER, João Henrique. O papel da brincadeira de papeis sociais no
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