ATIVIDADE COMPLEMENTAR: ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DO/A PROFESSOR/A PESQUISADOR/A? Cecília Menezes Mônica Torres No cenário do debate educacional, sabemos que as alterações no contexto sócio-econômico-político e cultural implicam uma nova compreensão acerca do espaço de construção do conhecimento, da formação e, consequentemente, da atuação das/os professoras/es na produção dos currículos e da educação de qualidade. São recorrentes os discursos que buscam e pleiteiam a melhoria nos padrões de qualidade da educação, na maioria das vezes, como resultado de reformas educacionais e propostas de mudanças elaboradas por atores externos ao universo da escola, sem a participação e adesão das/os professoras/es e das/os estudantes. Inerente às práticas que pleiteiam mudanças educacionais de forma imediata e baseada em reformas externas, Moreira (1994) estabelece relação com as duas concepções básicas de Michael Young (1975) sobre o desenvolvimento do currículo por parte das/os professoras/es: uma delas como forma de transmissão do conhecimento e, outra como uma atividade prática. A partir desta perspectiva analítica de transmissão do conhecimento, Young (1975) define o “currículo como fato”, inquestionável em sua organização, configurando-se mediante as seguintes características: a adoção de modelo pré-existente de transmissão cultural e socialização de determinados valores e habilidades, a partir de um conjunto de conhecimentos objetivos e predefinidos externamente. No desenvolvimento deste currículo, o/a professor/a assume o papel de transmitir conhecimentos produzidos fora do contexto das/os estudantes, difundir valores hegemônicos e legitimar a disciplina como “a forma” de organização e apresentação do conhecimento. Assim sendo, a abordagem do “currículo como fato” reveste-se de atributos de exclusão, tais como: valorização excessiva do esforço individual, Professoras-pesquisadoras da rede estadual, do ensino superior em Centros Universitários e no Departamento de Educação – Campus XI, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), componentes de grupos de pesquisa de Formação de Professoras/es dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia e da UNEB, respectivamente. do conhecimento abstrato, hierárquico e escrito, desvinculado da prática, sem estabelecer conexão com o cotidiano dos estudantes, sem considerar seus conhecimentos prévios e sua oralidade. No âmbito dessa organização curricular, afim com valores e crenças dos grupos dominantes, sabemos que a máxima: ‘contra fatos não há argumentos’ não contempla os questionamentos, anseios e interesses de professoras/es e estudantes sobre o distanciamento entre o currículo e o conhecimento dos seres humanos que o produzem. Como possibilidade de corresponder às expectativas de transformar a dicotomia entre currículo e educação, Young (1975), defendia o “currículo como prática” em que a educação, concebida como uma atividade prática produzida na interação humana tem por objetivo possibilitar ao aprendiz a atribuição de significados à vida e ao mundo que o cerca, na medida em que estabelece relações com a natureza e com os outros homens. Rechaçando, portanto, a ideia de haver hierarquia entre teoria e prática, bem como separar conhecimento teórico do conhecimento prático, sujeito do objeto. Os pressupostos teóricos de Young (1975) que podem orientar nossa compreensão do “currículo como prática” concebe o conhecimento como construção social dos sujeitos na sua relação ativa com o mundo e o currículo como uma seleção recortada de conhecimentos em meio a tantos outros. Este recorte realizado por quem detém o poder, de acordo com critérios alheios e distantes do cotidiano de professoras/es e estudantes, não lhes garante a articulação entre as disciplinas em prol da integração do conhecimento, nem tampouco a autoria na produção de conhecimentos. Cabe ressaltar que são inúmeros os questionamentos e argumentos sobre o desenvolvimento de currículos, em direção à contextualização da realidade sócio-cultural das/os estudantes, que viabilize a ação transformadora e criativa de produção do conhecimento e do próprio currículo, com intuito de minimizar e/ou extinguir as desigualdades educacionais que se refletem nos processos de aprendizagem das/os estudantes. Assim, as críticas apresentadas à teoria de Young (1975) e, aceitas por ele, evidenciavam que, se por um lado, a ênfase no academicismo do currículo tradicional é a principal fonte das desigualdades em educação, por outro, não conseguiremos minimizá-las ou extingui-las restringindo nosso olhar apenas para o que acontece nas escolas, atribuindo a responsabilidade de transformação a prática das/os professoras/es, desconsiderando os aspectos estruturais presentes na sociedade mais ampla. Moreira (1994) ratifica sua crença nessa possibilidade e disponibilidade de atuação de professoras/es nas escolas de educação básica quando sugere o “currículo como crítica”, vinculado às reformulações da Nova Sociologia da Educação (YOUNG, 1989) e reforça a necessidade de conexão das ações de professoras/es e estudantes com estratégias e lutas mais amplas, como possibilidade real de articulação e busca da emancipação do ser humano. Essa perspectiva do “currículo como crítica” vê de forma integrada a teoria e a prática, sujeito e objeto, bem como a relevância de elaborar conteúdos novos, dentro das escolas, que possam corresponder à representação cultural como prévia de melhorias na qualidade de vida. Por isso, reafirma a capacidade de professoras/es e estudantes de produzir conhecimentos em determinado momento histórico, conferindo autoria e protagonismo na criticidade e objetividade desse conhecimento. Assim, professoras/es e estudantes, como sujeitos envolvidos no ensino e na aprendizagem são autores e produtores de conhecimentos que questionam, refletem criticamente, dão sentido à educação e podem adotar a escola como lócus privilegiado de uma produção específica, pois, embora o conhecimento [...] continue a ser visto como construído pelos homens em suas ações e negociações coletivas, o foco recai agora nas lutas particulares, historicamente situadas, que envolvem essa construção e que refletem as disputas por autoridade cultural e pela liderança intelectual, moral e ética da sociedade. (MOREIRA, 1994, p. 80) Por isso, a produção do conhecimento na escola não deve se restringir a uma análise simplista, por parte das/os professoras/es, de suas experiências pedagógicas de sala de aula, mas pressupõe uma reflexão crítica das condições sociais, políticas e econômicas do contexto do seu trabalho, com o compromisso de mudança dessa realidade e de sua atuação profissional. A experiência formativa do professor é espaço fundamental da reflexão geradora de conhecimento, portanto, [...] é espaço gerador e produtor de conhecimento, mas isso não é possível sem uma sistematização que passa por uma postura crítica do educador sobre as próprias experiências. Refletir sobre os conteúdos trabalhados, as maneiras com se trabalha, a postura frente aos educandos, frente ao sistema social, político, econômico, cultural é fundamental para se chegar à produção de um saber fundado na experiência. (GHEDIN, 2002 p. 135) Por outro lado, analisando o cotidiano do professor no contexto da educação básica, pública e gratuita, observamos paradoxos e desafios diários no sentido de tornar o fazer educativo significativo, prazeroso e de qualidade, no sentido de ser construído a partir da reflexão crítica do professor sobre sua ação com a participação dos estudantes. Por esta razão, [...] fundar e fundamentar o saber docente na práxis (açãoreflexão-ação) é romper com o modelo “tecnicista mecânico” da tradicional divisão do trabalho e impor um novo paradigma epistemológico capaz de emancipar e “autonomizar” não só o educador, mas olhando-se a si e à própria autonomia, possibilitar autêntica emancipação dos educandos, não sendo mais um agente formador de mão-de-obra para o mercado, mas o arquiteto da nova sociedade, livre e consciente de seu projeto político. (GHEDIN, 2002 p. 135) Nesse sentido, somos todas/os convocados a pensar na especificidade do trabalho pedagógico das/os professoras/es e em sua formação profissional enquanto processos integrados. A formação docente contínua é um desafio que se coloca no contexto da escola pública e que exige não só condições institucionais e de trabalho do docente, mas seu engajamento e protagonismo na construção de uma nova história da educação. Uma construção que dê sentido ao seu fazer e à aprendizagem das/os estudantes, bem como ao processo de profissionalização e apropriação dos conhecimentos fundamentais para sua atividade de docente, sejam os saberes da disciplina específica, os saberes pedagógicos e os saberes da experiência docente construídos na práxis, vivenciando a condição de professor/a pesquisador/a (ESTEBAN; ZACCUR, 2002). Entretecendo os fios dessa tessitura formativa, na qualidade de professor/a pesquisador/a, compreendemos que a Atividade Complementar (AC) é um momento fecundo para a formação reflexiva da/o professor/a, para sua afirmação como professor/a pesquisador/a da própria prática, portanto, como espaço de produção de conhecimento pedagógico a ser instituído/construído na cultura escolar, uma vez que a AC constitui-se um espaço/tempo inerente ao trabalho pedagógico do/a professor/a destinado ao planejamento, estudo e organização de suas atividades a ser realizada de forma individual ou coletiva. A AC, instituída como um dispositivo pedagógico de reflexão e formação continuada do/a professor/a, é um direito conquistado ao longo das lutas do movimento docente em prol da profissionalização do Magistério, tendo em vista a reorientação da prática docente. Por fim, reafirmamos a necessidade de apropriação desse espaço formativo por parte das/os professoras/es, enquanto pesquisadoras/es, garantindo espaço/tempo de produção do conhecimento nas escolas, consolidando um ambiente de estudo, de troca de experiências, ressignificação coletiva do fazer pedagógico e, portanto, de pesquisa e formação continuada da rede estadual. REFERÊNCIAS ESTABAN, Mª Teresa. Professora-pesquisadora: uma práxis em construção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. GHEDIN, Evandro; PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. MOREIRA, Antonio Flavio. Escola, currículo e a construção do conhecimento. In: SOARES , Magda Becker; KRAMER, Sônia; LUDKE, Menga. Escola Básica. 2 ed. Campinas, Papirus, 1994. YOUNG, Michael. Knowledge and Control: New Directions in the Sociology of Education. London: Collier-Macmillan, 1975. YOUNG, Michael. Currículo e democracia: lições de uma crítica à nova Sociologia da Educação. In: Educação e Realidade, Porto Alegre, v.14, jan./fev, 1989.