WINCHESTER, Simon – The meaning of everything: the story of the Oxford English Dictionary. Oxford: The University Press, 2003, 260 p. Winchester, Simon – The professor and the madman (A tale of murder, insanity, and the making of the Oxford English Dictionary). New York, Harper Collins, 1998, 242 p. [edição de 1999, da Harper Perennial.] Há tempos venho procurando uma história dos dicionários. Recebi centenas de informes a respeito de “história” e centenas de informes a respeito de “dicionários” – zero informes acerca do item desejado. Isso mostra que os encarregados de organizar as referências (em algumas bibliotecas e na quase totalidade das livrarias) ainda necessitam de preparo adicional para atender seus consulentes de maneira adequada. Felizmente, informes recebidos via biblioteca de uma das grandes universidades dos EUA me conduziram a certas obras que passariam despercebidas e que, no entanto, foi muito bom conhecer. Uma dessas obras é a história do Oxford English Dictionary (OED), escrita por Simon Winchester. *** Winchester é jornalista. Em mais de uma dúzia de livros, revela possuir dotes especiais que lhe permitem combinar a habilidade de enxergar o pormenor (própria do repórter) e o senso da importância dos acontecimentos (próprio do historiador). Recentemente, escreveu um livro primoroso, The professor and the madman (com o Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ 2 HEGENBERG, Leonidas: Resenhas longo subtítulo indicado -- Harper, 1998; ed. “popular” distribuída em 1999). Comentarei esse livro logo abaixo. Por ora, The meaning of everything. *** Inicialmente, o autor faz comentários em torno de desenvolvimentos da língua inglesa e da elaboração de dicionários. Enfatiza que o projeto OED teve início em 1857, como tentativa de corrigir deficiências dos dicionários existentes, de que o mais famoso era o elaborado por Samuel Johnson (170984). A propósito, note-se: Voltaire sugeriu que dicionários da língua francesa deveriam tomar a obra de Johnson como apropriado modelo. Winchester não deixa de lembrar o nome de Noah Webster e ressalta o importante papel desempenhado pelo escocês James Augustus Henry Murray (nascido em 1837) na elaboração do OED. Murray devotou 50 anos de sua vida ao projeto. Winchester salienta que o dicionário exigiu a cooperação de centenas de colaboradores, encarregados de organizar milhões de documentos. Comenta, em especial, a curiosa participação de W. C. Minor – tema do livro The professor and the madman. Detendo-se na descrição da personalidade de cada qual dos sucessivos “diretores” do projeto, especialmente de Murray, a quem o Dicionário costuma ser associado, Winchester descreve, de maneira muito atraente, os setenta anos que viram o surgimento desse “avô dos dicionários” de todo o mundo. *** Vamos a “o professor e o louco”. Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ HEGENBERG, Leonidas: Resenhas 3 O livro está “montado” de maneira curiosa. São onze capítulos, mais 20 páginas com “pós escrito”, nota do autor, agradecimentos e sugestões para leitura posterior. Cada qual dos capítulos e seções finais principia com uma ou duas “entradas” colhidas no OED, dando o significado de certas palavras que ganham relevância no texto correspondente. Exemplificando, o capítulo 6 principia com o vocábulo ‘Bedlam’. Informa que o termo se aplica ao Hospital St. Mary of Bethlehem, em Londres, fundado em 1247, transformado, em 1402, em “a hospital for lunatics”. Por extensão, o termo passou a significar “asilo de lunáticos”. [Note-se que algo parecido ocorreu, entre nós, nos anos 30 do século passado, no Rio de Janeiro, onde o termo ‘pinéu’ se aplicava a uma pessoa que não “regulasse muito bem” -- derivado de ‘Pinel’, o hospital de loucos daquela cidade. Analogamente, na mesma época, a pessoa que dissesse coisas inadequadas era mandada para “o Juqueri”, hospital de desequilibrados de São Paulo.] *** Em 1876, ou pouco depois, começa a história da elaboração do OED. O Dr. James Murray mantinha um gabinete de estudos em Oxford (o famoso “Scriptorium”), onde reunia material para elaborar o Dicionário. Entre seus muitos colaboradores, estava um cidadão chamado W. C. Minor, autor de milhares de “entradas” do OED, com quem Dr. Murray mantinha correspondência regular, debatendo minúcias lexicográficas. Minor morava na pequena vila de Crowthorne (Berkshire) e aparentemente não podia ou não queria deixar sua cidade. Murray, por sua vez, ocupadíssimo, Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ 4 HEGENBERG, Leonidas: Resenhas também não saia de Oxford. Os dois estudiosos continuaram, por longo tempo, trocando cartas, sem se conhecer. No final dos anos 90 (século XIX), o OED alcançava metade de seu trajeto. Nessa época, Murray deliberou cumprimentar os “bons” colaboradores e, em particular, Minor. Viajando para Crowthorne, onde era esperado, foi conduzido, em carruagem, para uma grande mansão – onde o esperava, em amplo escritório, uma figura respeitável. Para sua surpresa, o anfitrião identificou-se como Diretor do “Broadmoor Criminal Lunatic Asylum”, onde Minor estava detido – um dos mais antigos “hóspedes” do asilo... Minor, médico, veterano da Guerra Civil dos EUA, expatriado na Inglaterra, depois de uma atribulada vida, com passagem por diversos países, sofrendo um tanto das faculdades mentais, acometido por mania de perseguição, foi morar na Inglaterra. Certo dia, atirou em um cidadão, imaginando que fosse um de seus “perseguidores”. Logo se viu que havia assassinado um inocente e humilde trabalhador. Ao ser julgado, ficou evidente que Minor sofria das faculdades mentais. Foi condenado. Em vista de sua loucura, claramente reconhecida pelo júri, a prisão redundou em seu confinamento no asilo do Sanatório de Broadmoor. Ali, Minor escreveu seus numerosos verbetes para o OED, tornando-se um dos dois autores (o outro é Fitzedward Hall) a receber as mais elogiosas referências do dicionarista Murray. *** Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ HEGENBERG, Leonidas: Resenhas 5 Simon Winchester conseguiu permissão para examinar os arquivos de Broadmoor e, com sua conhecida habilidade, construiu seu “romance de crime, insanidade e elaboração do OED”. Winchester usa o “caso” de Minor como pretexto para narrar muita coisa acerca da língua inglesa e da elaboração de dicionários. A narrativa descreve, com minúcias, a curiosa amizade que uniu Murray e Minor. Cumpre observar, como nota de encerramento deste comentário, que a estória contada em The professor and the madman é muito mais interessante para lingüistas do que para historiadores. Res - Jan. 04 Leonidas Hegenberg Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ