ARAUJO, Saulo de Freitas - Psicologia e
neurociência (uma avaliação da perspectiva
materialista no estudo dos fenômenos mentais).
Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2003, 74 p.
Omitindo minúcias, o “mind-body problem”
(como chamado em livros e artigos especializados)
seria uma investigação filosófica em torno dos
fenômenos mentais e das conexões que mantêm com
o comportamento ou, mais especificamente, com o
cérebro.
A questão vem sendo debatida há séculos. Se
a idéia for advogada por algum estudioso “ousado” e
famoso, talvez venhamos a admitir que se trata de
“pseudo-problema”, ou de controvérsia a ser
esquecida, por falta de soluções admissíveis. Ausente
uma tal “perspectiva extremista”, é de supor que as
relações entre o corpo e a mente continuarão a
empolgar cientistas e filósofos.
***
De modo resumido e sem cogitar de precisão
histórica, mencionemos alguns pontos notáveis da
evolução do problema. Durante longo tempo
prevaleceu a idéia de que a mente seria entidade nãofísica (dualismo de Descartes). Na metade do século
XX, a questão sofreu “reviravoltas” rápidas e
profundas. Muitos estudiosos de índole empirista
advogaram a idéia de que a psicologia científica
deveria ignorar “os estados mentais privados” nãoobserváveis, limitando-se a estudar o comportamento
observável das pessoas (behaviorismo). A seguir, (1)
vários experimentos mostraram que o behaviorismo
não era defensável; (2) lingüistas entenderam que as
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
56
HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
complexidades ligadas ao aprendizado da língua só
podiam ser explicadas em termos de “estados
mentais”; (3) os computadores permitiram criar
modelos (passíveis de teste) de processos
inteligentes; e (4) houve certa tendência no sentido de
admitir que entidades teóricas (exigidas pela ciência)
deviam ser vistas como itens reais e não apenas como
“instrumentos” facilitadores de compreensão dos
aspectos publicamente observáveis dos fenômenos
investigados.
Esses vários desenvolvimentos conduziram,
por volta de 1970, a um conjunto de disciplinas que
configuram a hoje chamada ciência cognitiva – misto
de psicologia, lingüística, neurociência, computação,
lógica, filosofia...
À luz das novidades, um reexame do problema
“corpo-mente” pareceu indispensável. A reavaliação
de idéias gerou algumas “correntes” fundamentais.
Mantendo nossa perspectiva de “vôo de pássaro”,
notemos que há, em linhas muito genéricas,
defensores do “eliminismo”, da “identidade”, do
“funcionalismo”.
Explicando melhor, consideremos a pergunta
“Seriam as características mentais diferentes das
físicas?”, isto é, “Propriedades mentais estão “fora” do
âmbito de seus correlatos neurais?”.
Resposta negativa conduz à teoria da
identidade – propriedades mentais e seus correlatos
neurais são uma e mesma coisa.
O
funcionalismo
(em
grande
voga),
diversamente, identifica os estados da mente não a
estados do cérebro, mas a papéis funcionais.
Exemplificando, “ter uma dor de cabeça” equipara-se a
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
57
“estar em determinado estado de específicas
condições input-output”. Usando exemplo bem
simples, o funcionalismo admitiria que dores são
“estados” usualmente provocados por danos no corpo
-- que, por seu turno, causam certos comportamentos
(destinados a evitar aqueles danos).
Enfim, o eliminismo, acentua que alusões a
estados mentais não passam de mero folclore que a
ciência se encarregará de eliminar de nosso discurso,
exatamente como eliminou alusões a flogisto e a
eflúvios magnéticos.
***
Isso posto, passemos ao livro do prof. Saulo de
Freitas Araújo. Licenciando-se em Psicologia
(Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais)
e obtendo o título de “Mestre” em Filosofia
(Universidade Federal de São Carlos), Saulo passou a
lecionar na UFJF. (Está matriculado no programa de
doutorado da Universidade Estadual de Campinas.)
Interessado em Filosofia da Ciência, seus estudos, na
UFSCar, se voltaram para os fundamentos da
Psicologia. Psicologia e neurociência é fruto daqueles
estudos.
***
Exposta de maneira minuciosa no livro, eis a
afirmação fundamental de Saulo: a elaboração de uma
nova teoria psicológica – capaz de englobar resultados
que a ciência nos tem oferecido e da qual a folk
psychology (= psicologia popular) seja afastada, –
exigirá, como ponto de partida, a própria folk
psychology hoje existente.
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
58
HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
Focalizando o que Saulo registra na Introdução
de seu livro (p. 15-18), é fácil dar ao meu leitor uma
idéia dos temas que aborda. No capítulo inicial há uma
apresentação da psicologia popular, destacando a
diferença que separa problemas psicológicos e
problemas filosóficos. No segundo capítulo, Saulo faz
breve histórico da corrente eliminista (que denomina
materialismo eliminativista), enfatizando a teoria da
identidade. Antigas manifestações de um materialismo
eliminativista (em trabalhos de P. Feyerabend e R.
Rorty), ocupam o terceiro capítulo. O tema continua
em tela no capítulo seguinte, destinado a descrever a
posição radical de Patrícia Churchland e Paul
Churchland – mas com a atenção concentrada no
exame de saber até que ponto os termos da psicologia
popular continuariam presentes em uma teoria
científica da psicologia.
Nos dois capítulos finais, Saulo faz a crítica do
eliminismo. Primeiramente, mostra as limitações a que
estão sujeitas as idéias dos Chuchland. Em seguida,
ressalta que não dispomos, até agora, de uma solução
para o problema ontológico da mente. Sublinha, ainda,
– aspecto básico de sua tese -- que uma tentativa de
subordinar a psicologia à neurociência poderá
acarretar sérios equívocos a respeito do objeto (e dos
métodos) da psicologia.
Para apreciadores das questões debatidas, o
estudo de Saulo é importante adendo à bibliografia
especializada.
Res Jan. 2004.
Leonidas Hegenberg
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
Download

ARAUJO, Saulo de Freitas - Psicologia e neurociência (uma