Sexta-feira e fim de semana 24, 25 e 26 de julho de 2015 Jornal do Comércio - Porto Alegre 21 Política ENTREVISTA ‘Cercar a Redenção não garante segurança’ FREDY VIEIRA/JC Marcus Meneghetti [email protected] Entre 1993 e 1999, quando estava sendo formulado o novo Plano Diretor de Porto Alegre, o então secretário municipal de Planejamento — o arquiteto e urbanista Newton Burmeister — foi uma figura decisiva na inclusão de espaços de participação popular na gestão pública da Capital, seja defendendo a criação de conselhos populares, fóruns regionais de planejamento ou consultas populares. Entretanto, ao falar sobre o plebiscito que deve ser realizado nos próximos meses para ouvir a população sobre o cercamento do Parque Farroupilha (Parque da Redenção), medida aprovada pelos vereadores, Burmeister expressa — “pff!” — uma mistura de indignação e decepção. Para ele, “o cercamento é uma questão secundária” dentro do debate da segurança pública. Além disso, sustenta que a consulta popular não deve se limitar a um plebiscito; deve ser um processo permanente de discussão com a população, para avaliar quais os prós e contras dessa ou daquela intervenção urbana planejada para a cidade. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o urbanista também alerta para as sucessivas alterações no Plano Diretor. “O Plano corre o risco de deixar de apontar a direção do desenvolvimento urbano para ser só um regramento das intervenções urbanas. Consequentemente, perde-se o projeto de cidade a longo prazo, para investir em obras imediatistas e evidentes”, analisa. Jornal do Comércio - Na elaboração do novo Plano Diretor, ao longo dos anos 1990, foi instituída a participação popular no planejamento da cidade. Mas, de lá para cá, foram feitas muitas mudanças no Plano. Como o senhor avalia essas alterações ocorridas ao longo dos últimos anos? Newton Burmeister - Houve muitas alterações para viabilizar, por exemplo, as obras da Copa (do Mundo). Só que, com isso, o Plano corre o risco de deixar de apontar a direção do desenvolvimento urbano para ser só um regramento das intervenções urbanas. Consequentemente, perde-se o projeto de cidade a longo prazo, para investir em obras imediatistas e evidentes. E essas obras são movidas, mui- Ex-secretário do Planejamento, Burmeister questiona plebiscito e diz que participação popular deve ir além tas vezes, por interesses políticos e financeiros, por governantes que querem deixar a marca da sua gestão. Por exemplo, o viaduto na esquina da avenida Bento Gonçalves com a Salvador França, que entrou no pacote de obras da Copa, do meu ponto de vista, é uma obra desproporcional à arquitetura daquela região. Por outro lado, o viaduto da Borges de Medeiros com a avenida Loureiro da Silva (perto da Ponte de Pedra) é quase imperceptível, há pouco impacto urbano na região, porque está em harmonia com o que está a volta dele. JC - O senhor mencionou os interesses políticos e do mercado, que, às vezes, são determinantes para surgirem obras que destoam da cidade. A participação popular pode ser um contrapeso a esses fatores? Burmeister - Sempre é um contrapeso, porque é um fator de vontade coletiva, justamente por não estar focada no negócio, no lucro. A Alemanha tem um processo de participação popular para ver se determinadas obras são viáveis ou não que, às vezes, levam anos para sair uma deliberação. E não se circunscreve apenas a um plebiscito, mas também a várias rodadas de discussões entre os interesses contraditórios. Normalmente, como resultado, se chega a um equilíbrio no projeto ou, quando isso não acontece, ele é rejeitado. É diferente de simplesmente convocar um plebiscito, votar e quem ganhou ganhou e quem perdeu perdeu. Às vezes, a con- sulta popular é usada pelo poder público como uma formalidade para, depois de um plebiscito, por exemplo, dizer que a população foi ouvida. JC - Falando em plebiscito, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, o Executivo sancionou e, em breve, deve ser feita uma consulta para averiguar se a população é a favor ou contra o cercamento do Parque da Redenção. Como avalia essa medida do poder público? “Depois de cercar a Redenção, vão cercar os outros (parques) também? Esse debate é secundário e serve para desviar o foco” Burmeister - Vão gastar um esforço tão grande para fazer um plebiscito sobre uma questão tão secundária... Não há indicativos de que o cercamento vá aumentar ou diminuir a segurança, nem de como o cercamento influenciaria nisso. E, mais, vamos supor que, sim, o parque seja cercado. Quantas entradas vai ter? No mínimo, quatro: uma na avenida Osvaldo Aranha, uma na rua José Bonifácio, outra na avenida João Pessoa e outra em frente à reitoria da Ufrgs. Mas há gente que argumenta que precisa ter oito. E há ainda quem diga que tem que ter 16. Mas que cercamento é esse com tantas entradas? E mais uma coisa: depois de cercar a Redenção, vão cercar os outros também? Então, creio que esse debate é secundário e, ao se valer da cobertura midiática, serve apenas para desviar o foco da verdadeira discussão (sobre segurança pública), que não está no parque. JC - Outro plebiscito sobre a transformação de um espaço público foi o do Pontal do Estaleiro, que rejeitou a construção de residências naquela área, às margens do Guaíba, em 2009. Uma das críticas feitas na época foi de que pessoas de outras regiões opinaram sobre o destino daquela localidade. Qual é o melhor modelo para um plebiscito sobre transformações urbanísticas na cidade? Burmeister - Todas as construções de shoppings centers são iniciativas de grupos extra-regionais e, às vezes, até extra-nacionais. E interferem nas regiões. Não importa que as pessoas sejam daquela região ou não. O que realmente importa é avaliar com argumentos os possíveis prejuízos ou benefícios que a proposta traz para a comunidade. O plebiscito não pode ser uma disputa exclusivamente ideológica. Mas, normalmente, tanto quem é contra quanto quem é a favor é ativo politicamente, por isso o debate fica circunscrito só às questões políticas. Nessas situ- ações, a medição dos benefícios, os prejuízos tendem a ficar em segundo plano. Tem que haver uma medição do custo-benefício: por um lado, tem que haver uma avaliação para averiguar se o projeto privilegia alguém, quem são as pessoas privilegiadas e de que maneira seriam privilegiadas; por outro, também tem que ver se alguém vai ser prejudicado, quem são os prejudicados e de que maneira teriam prejuízos. JC - Outra crítica que se faz aos plebiscitos para decidir sobre essa ou aquela obra na cidade é que, eventualmente, eles são aparelhados por grupos políticos. Como o senhor enxerga essa crítica? Burmeister - Justamente quando os processos de consulta popular se limitam a um único evento, seja uma audiência pública ou um plebiscito, ele pode ser aparelhado. Basta encher um ônibus com um conjunto de interessados ou um grupo político para inflar uma assembleia com a vontade de um dos lados. JC - Como o senhor avalia a participação popular hoje no planejamento urbano de Porto Alegre? Burmeister - Acho pouca. Por exemplo, nunca recebi na minha casa nenhuma informação sobre a gestão de planeja- “Às vezes, a consulta popular é usada pelo poder público como uma formalidade para dizer que a população foi ouvida” mento do bairro. E a participação popular tem que ser divulgada, por meio de editais, da mídia televisiva, radiofônica, impressa etc. Tem que ser extremamente divulgada para mobilizar os interesses que existem. Estão colocando as placas do BRT nos corredores de ônibus aqui na Protásio Alves. Ótimo. Mas só fizeram o projeto do piso, não das complementaridades: as estações continuam as mesmas. Um conselho popular poderia fiscalizar e pressionar para que fossem feitas as obras complementares. Aliás, os conselhos populares deveriam acompanhar as transformações da cidade de perto.